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Nietzsche nas mãos de Klossowski

Nietzsche in Klossowski’s hands

Resumo

Partindo da constatação que Pierre Klossowski não somente privilegiou teoricamente o papel da imagem, mas desenhou constantemente em e entre seus escritos filosóficos-literários, nossa proposta será desenvolvida a partir de uma escolha gráfica que possibilite a análise de determinados esboços sobre Nietzsche. Procederemos como se suas reflexões sobre Nietzsche fossem desenhos que emergissem figurativamente de suas próprias mãos e textos, ao modo de efetivas e primordiais ilustrações discursivas. Nosso procedimento de análise seguirá a seguinte estrutura: após uma breve nota introdutória sobre a maneira como operacionalizaremos seus escritos, Nota de Aproximação, consideraremos diversas grafias klossowskianas relacionadas com suas leituras explícitas sobre Nietzsche e recolhidas na forma de Três imagens redesenhadas a partir de Nietzsche, escolhendo como figuras desta análise: 1. Os deuses; 2. O círculo; e 3. Os triângulos. Dessa forma, pretendemos abrir um outro caminho que possibilite realizar um desvio ou percurso singular que considere Er, uma figura em desvios, privilegiando, desse modo, um detalhe figurativo que, ao nosso ver, possibilita o reforço da imagem presencial desse personagem mitológico, Er, nas perspectivas de Platão, Nietzsche e Klossowski. Sendo assim, analisaremos: 1. Er na República X de Platão; 2. Er em vestígios textuais de Nietzsche; e 3. Er em traços desenhados por Klossowski. Finalizaremos este nosso percurso com Um breve esboço de distanciamento.

Palavras-chave:
Klossowski; Nietzsche; Imagens; Mito de Er

Abstract

Starting from the observation that Pierre Klossowski not only theoretically privileged the role of the image, but constantly drew in and among his philosophical-literary writings, our proposal will be developed from a graphic choice that enables the analysis of certain sketches on Nietzsche. We will proceed as if his reflections on Nietzsche were drawings that figuratively emerge from his own hands and texts, in the manner of effective and primordial discursive illustrations. Our analysis procedure will follow the following structure: After a brief introductory note on the manner, we will operationalize his writings - Approximation Note - we will consider several Klossowskian graphs related to his explicit readings on Nietzsche and collected in the form of Three images redrawn from Nietzsche, chosen as figures of the current analysis: 1. The gods; 2. The circle; and 3. The triangles. In this way, we intend to open another path that allows us to take a detour or a singular path that considers Er, a figure in detours, privileging, in this manner, a figurative detail that, in our view, enables the reinforcement of the presential image of this mythological character, Er, in Plato's, Nietzsche's, and Klossowski's perspectives. In this form, we will analyze: 1. Er in Plato's Republic X; 2. Er in Nietzsche's textual traces; and 3. Er in traces drawn by Klossowski. We will end our journey with A brief sketch of distancing.

Keywords:
Klossowski; Nietzsche; Images; Myth of Er

“Para mim filmes, quadros, é tudo espetáculo. Já o disse, também, a respeito da redação dos meus livros. Mesmo quando descrevo uma situação que não é imediatamente dada pela imagem, continua a ser espetáculo. Um guião, um livro, é sempre uma secessão de cenas, uma sucessão de instantes que descrevo, que imagino tal como são expressos pelas palavras que utilizo. Mas, de fato, estou sob o ditado da imagem. A imagem dita-me o que eu devo dizer”.

Pierre Klossowski1 1 A entrevista em que foi formulada essa declaração (com pequenas modificações nossas para o português brasileiro) encontra-se em Lima, 2019, 284.

I. Nota de Aproximação

Sabemos que, na escrita, Klossowski praticou a vida singular de cada um de seus textos (RUIZ, 2013RUIZ, R. L’hypothèse du tableau volé. In: Entrevistas escogidas - Filmografia comentada. Santiago: Ed. Universidad Diego Portales, 2013., p. 280). Dessa forma, haveria que considerar, cada vez, o cenário, o papel ou a tela onde suas figuras discursivas foram desenhadas ou pintadas. No entanto, nessa singular figuração diferencial existem, ao nosso ver, determinados elementos que se encontram reiteradamente presentes nos diversos jogos diferenciais e provocam no leitor imagens seriais e/ou repetitivas. Adotaremos a seguir uma tentativa de explicitação de determinadas imagens provocativas recorrendo constantemente à categoria de desvio, pensada por Klossowski em termos de arte e religião, porém utilizando-a, em nosso caso, como uma simples prática pontual e heurística que possibilite tomar distância do impacto provocado pelas próprias imagens klossowskianas.

II. Três figuras redesenhadas a partir de Nietzsche

1. Os deuses

Vamos sobrevoar e vislumbrar, em primeiro lugar, o mais peculiar e incrivelmente atual desses desenhos: o retorno dos deuses, considerados conjuntamente com os mitos e a graça, supostamente recolhidos no sopro dos textos de Nietzsche. Sabemos que são antigas problemáticas, não fáceis de atualizar, sobretudo neste caso em que lidamos com um tema, um autor e uma materialidade discursiva que demanda o uso dos nomes, dos sacrifícios, das oferendas, das louvações, dos elogios, mas também das maldições, dos desvios, das paródias, das sátiras e dos risos.

Em geral, poderíamos arbitrariamente enclausurá-las em uma temática: nas diversas formas práticas conjunturais em que os homens estabelecem relações com os deuses, com a sombra deles, ou apostam em pretensas ressureições divinas. Inscrevamos a grafia do desenhista: “Há um instinto gerador de deuses que em Nietzsche é ao mesmo tempo vontade criadora e vontade de eternização [...] O não ensinável o atinge e alcança em sua solidão” (KLOSSOWSKI, 1980KLOSSOWSKI, P. Nietzsche, el politeísmo y la parodia. In: Tan funesto deseo. Trad. M. Armiño. Madrid: Taurus, 1980., p. 169)2 2 Quando as referências bibliográficas indicam o texto utilizado em francês ou castelhano as traduções ao português são sempre nossas. . Os deuses estão presentes em estreita relação com o simulacro de doutrina, que seria o Eterno Retorno: “O Eterno Retorno de todas as coisas escolhe tornar-se em irrisão de sua própria doutrina [...] O Eterno Retorno de todas as coisas quer também o retorno dos deuses” (KLOSSOWSKI, 1980, p. 171).

No entanto, falar de deuses não é simples, por isso, usando heuristicamente o procedimento do desvio, deixaremos como horizonte nebuloso e distante uma teia de distinções. Teia graficamente visível, por exemplo, nas considerações do historiador-filósofo Paul Veyne que distingue na Antiguidade: os deuses dos devotos, os deuses dos poetas e os deuses dos filósofos (VEYNE, 1998VEYNE, P. La fresque dite des mystères a Pompéi. In: VEYNE, P.; FRONTISI-DUCROUX, F.; LISSARRAGUE, F. Les Mystères du gynécée. Paris: Gallimard, 1998. pp. 13-153., p. 142-145). Por outra parte, e acompanhando essa mesma perspectiva, o mito teria que ser considerado como um “relato anônimo” sobre deuses ou heróis, que se pode recolher e repetir, mas do qual não se pode pretender ser o autor, nem o “locutor direto” (VEYNE, 1984, p. 34).

Ao visualizarmos de perto determinados desenhos que materializam a perspectiva dos deuses e dos mitos, vemos irromper neles o legado nietzscheano na forma de um leque aberto. Como pesar ou avaliar a problemática dos deuses após a “morte de Deus”, isto é, após a “morte do Deus cristão”? De acordo com o aforismo 269 da Gaia Ciência, sabemos que “os pesos de todas as coisas têm que ser de novo determinados” (NIETZSCHE, 2008NIETZSCHE, F. Die fröliche Wissenschaft. In: KSA 3. Berlin: Deutscher Taschenbuch Verlag Gruyter, 2008., p. 519)3 3 Para Salaquarda os novos aforismos 268-275 da GC, considerados em conjunto, apresentam apelos curtos e téticos para tornar-se si mesmo no sentido da convicção de que, após a “morte de Deus”, atuam sugestivamente e assim devem fazê-lo (SALAQUARDA, 1999, p. 87). . Todavia, ao considerar a leitura da Gaia Ciência desenhada por Klossowski, o Deus cristão mostra-se na forma de uma ampla concentração; nele estariam contidos todos os ódios dirigidos contra a vida. Trata-se do Deus moral ligado à avareza: “O Deus moral do cristianismo não era segundo ele [Nietzsche] senão uma alienação utilitária, alienação da riqueza da existência pela moral (para Nietzsche sinônimo de avareza)” (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 28). Nesta temática da avareza nosso desvio direciona-nos na escuta de um “medievalista”:

A avareza significa num sentido geral “ânsia indeterminada o desordenada de ter”, estritamente falando tendemos a entendê-la num sentido ainda mais concreto. O latim amalgamou na palavra “avarus” a expressão da avareza em seu modo mais próprio: avidus aeris, ávido de dinheiro (GIANNINI, 1976GIANNINI, H. El demonio de la posesión (a propósito de la avaricia). Escritos de teoría, Santiago: Universidad de Chile, dez. 1976., p. 42).

A pergunta singular, talvez teológica/hilária, que faz Klossowski sobre a morte de Deus é “Quando vamos ter o perdão para o assassino de Deus?” (o assassino de todos os assassinos!). Ao tão analisado Af. 125 da Gaia Ciência, Der tolle Mensch, as mãos de Klossowski acrescentam um elemento: o Sacrilégio. A partir dessa perspectiva será como tal que deverá ser assumido o niilismo; trata-se do niilismo moral e do surgimento do surhumain4 4 Conservaremos a expressão surhumain de Klossowski, como tradução do Übermensch, considerando também a pertinência de uma adoção de suprahombre em castelhano (JARA, 2013, p. 351). . Suprime-se o decálogo, o tu deves. Somente fica o si mesmo que se impõe um novo querer. Nesse sentido há uma retirada do peso do “sentido histórico” do homem moderno diagnosticado sem recuperação, por ter cometido o crime dos crimes. Não é um acaso que, segundo essa leitura, o que permite sair da avareza, seja o si oculto, que é mais forte, que nos impulsiona a uma crença... Que nos empurra à crença em Dionísio, figura do sempre possível. Dionísio surge como um deus de possibilidades outras5 5 Acrescentemos que, às vezes, surge como o filósofo Dionísio, tanto em textos de Nietzsche como também em outros desenhos do próprio Klossowski (1980). . Em todo caso, Dionísio seria o único capaz de substituir o niilismo atual, posterior à morte do avaro Deus cristão (que não gasta suas possibilidades de ser?6 6 Essa seria a característica do avaro, segundo Giannini (1976, p. 43-44), aquele que não gasta sua opção, não entifica suas ânsias de ser, “não toca as coisas com suas mãos”; a possibilidade, no seu caso, é mais que a “realidade”, dá mais poder. Trata-se de um vício espiritual que joga com suas “possibilidades de ser”. ). Sim, porque é dessa forma que Dionísio é desenhado por Klossowski: como um outro Deus, que é circularmente a ressurreição de um deus antigo e novo.

O surhumain [Übermensch] nas parábolas de Zaratustra, não reintegra a soberania do ser senão com o divino em sentido mítico, renovando assim o mito de uma antiga divindade como uma divindade ao porvir: Dionísio, suprema figura do sem cessar possível, divindade que morre e ressuscita, pois no caso dos deuses a morte não é senão um preconceito, e que, pelo pessimismo dionisíaco, liberará o homem de seu niilismo atual (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 28-29).

2. O círculo

Outra das figuras imediatamente visualizada nos desenhos de Klossowski sobre Nietzsche é o Círculo. Da complexidade do círculo, na relação Nietzsche-Klossowski, vamos considerar somente alguns aspectos laterais sabendo, no entanto, que o desenho geral klossowskiano aproxima-se, ou simula talvez, uma gravura, em que estão trágica e cuidadosamente marcadas determinadas grafias. Neste caso, a matriz utilizada será a Introdução à Gaia Ciência, que precede sua própria tradução: “Tentar viver sob a representação do círculo onde não somente tudo é perdoado, mais ainda onde todas as coisas são restituídas - isso constitui uma versão para o ateu ou, mais exatamente, mítica da noção de graça” (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 10).

Textual e materialmente a expressão: Círculo viciosus dei... nos remete à Para além do Bem e do Mal, & 55. Porém, em uma espécie de reunião de intensidades, a referida Introdução de Klossowski insere o grito para a peça que se vai - da capo - utilizando um fragmento de 1885:

Querer em efeito o universo tal como ele foi e tal como ele é, requer por sempre, pela eternidade, gritando insaciavelmente Da Capo não somente a si mesmo, mas a toda a peça, a todo o espetáculo, não somente a esse espetáculo, mas no fundo a este para quem esse espetáculo é precisamente necessário, e que o torna necessário: porque ele é e ele não cessa de se tornar necessário. O que dizer? Não seria esse ponto o - circulus vitiosus deus?” (NIETZSCHE apudKLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 23).

Finalizando os traçados dessa matriz com um desvio heideggeriano7 7 A referência ao “ser” nos direciona a Heidegger, pois não consideramos um acaso que Klossowski abandonasse seus próprios desenhos para se dedicar à tradução do alemão ao francês, dos dois volumes das lições e digressões contidas no Nietzsche de Heidegger (1936-1946); publicados no original em 1961 e na tradução de Klossowski pela Gallimard em 1971. : “O Eterno Retorno implica a abolição de toda vida pessoal restituída ao ser, para maior gloria do ser. Isso é o que ele (Nietzsche) quis ensinar, e que ele julgava digno de ser ensinado” (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 34).

Outrossim, será na encruzilhada textual com o círculo que aparece a imagem da serpente. Na sua peculiaridade (ou singularidade)8 8 Para citar a palavra constantemente utilizada por Klossowski ao tornar gráfica a temática da Einzigkeit (NIETZSCHE, 1977, p. 41). , ela é desenhada à margem do mito do pecado original.

Para o humanismo (Fausto), o saber, a gnose, encontra-se sob o signo da serpente que promete pela sua predição politeísta: eritis sicut dei, a eternização do homem pelo saber. Virá o dia em que o perdão será acordado à vontade do “assassino de Deus”; quer dizer quando a Serpente simbolizará, ela mesma e duplamente o esquecimento do saber e a consumação do eterno retorno de todas as coisas (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 9).

Lembremos que no desafiante Nietzsche de Heidegger (acompanhando a tradução de Klossowski) é analisada a imagem da serpente em Assim falou Zaratustra:

O enrolamento e o anel que forma assim a serpente simboliza o anel do Eterno Retorno. Muito mais: a serpente (...) encontra-se enlaçada ao pescoço desta [a águia] que descreve vastos círculos nas alturas; enlaçamento circular e essencial, mas para nós ainda obscuro pelo qual a potência simbólica desta imagem desenvolve sua própria riqueza. A serpente não é mais tida como uma presa nas serras, submetida, submissa (asservie), mas tudo ao contrário, livremente enlaçada ao redor do pescoço, como um amigo, e assim, em forma de anel, se elevando concertadamente neste voo de despegue circular! Esta simbolização do Eterno Retorno do Mesmo (...) implica necessariamente o que esses animais são por si mesmos (HEIDEGGER, 1971HEIDEGGER. Nietzsche. 2 vol. Trad. de P. Klossowski. Paris: Gallimard, 1971., p. 235-236)9 9 Neste caso não citamos o original, pois nos interessa a tradução de Klossowski. .

Todavia, na interpretação heideggeriana, a serpente como animal sábio revela a força de simulação e metamorfose no comando da máscara, a potência de brincar do ser e do parecer. Para Klossowski importará a mudança na imagem da serpente que passará a simbolizar o esquecimento do saber e a consumação do Eterno Retorno de todas as coisas.

Anel, círculo e ondas são imagens amplamente trabalhadas nos desenhos klossowskianos; um aspecto desse trabalho materializa-se na percepção do segredo da Gaia Ciência como a constituição de um movimento do movimento que é anular. Vislumbra-se assim o fim da existência como ausência de uma meta glorificada e, nessa medida, insere-se em forma circular o problema da arte, da religião e do simulacro.

3. Os triângulos

Como elementos presenciais nos desenhos de Klossowski, os triângulos aparecem serialmente repetidos, formando um esquema-figura privilegiada. Talvez esse desenho repetitivo seja uma ressonância herdada das trilogias religiosas oriundas da sua formação e vivência como dominicano?

Em todo caso, a figura triangular é desenhada de diversas maneiras. Especificamente na relação com Nietzsche, criará um triangulo com as três virtudes cardeais: as forças de criação, de eternização e de adoração (KLOSSOWSKI, 1980KLOSSOWSKI, P. Nietzsche, el politeísmo y la parodia. In: Tan funesto deseo. Trad. M. Armiño. Madrid: Taurus, 1980., p. 171). Em outras figurações, considerará como um todo indissolúvel o próprio personagem Nietzsche, através de um triangulo fechado: o pensamento lúcido, o delírio e o complô (KLOSSOWSKI, 1969, p. 12). Ou ainda saltará parodicamente desde a Gaia Ciência até a Consideração Extemporânea II (KLOSSOWSKI, 1957, p. 10-11)10 10 Anterior ao conhecido gesto foucaultiano (FOUCAULT, 1994, p. 136-156) que talvez teríamos que considerar uma “repetição” do gesto de Klossowski. Sobre as relações Nietzsche/Klossowski/Foucault (MUÑOZ, 2021). para assinalar, no escrito nietzscheano de 1876, um triângulo do Saber: Instante, Esquecimento e Vontade. Observemos mais de perto esse desenho: O Instante será a possibilidade de sentir fora da história e vivê-lo diferentemente, conforme - outra trilogia - do animal, da criança e do homem adulto (este último carregando os espectros do passado e tendo assim devorada a calma do instante posterior)11 11 Instante em Klossowski está relacionado com o supra-histórico e com Hölderlin (considerado como poeta-chão de Nietzsche e de Heidegger); em cada instante o mundo estaria completo. Não por acaso o Portal chamado INSTANTE, na Visão e Enigma, será objeto de análise desses pensadores. . No esquecimento, teríamos a possibilidade de pensar a história composta de atos e criações surgidas dele, mas em estreita relação (rapport) com o querer criador. Constitui-se dessa forma um desenho triangular que lhe faz vislumbrar, já na Segunda Extemporânea, o estímulo da noção de Eterno Retorno como possibilidade fora da história e, assim, relacioná-lo à faculdade de esquecer. Outrossim temos uma trilogia retomada de Nietzsche, ciência, arte e religião, sendo as duas últimas, segundo Klossowski, correspondentes ao esquecimento. Nessa trilogia, a categoria de desvio será usada ao tratar da arte e da religião como supra-históricas: abrangente desvio em que a divisão entre passado, presente e futuro não só é confundida e anulada, mas corresponde à prática do desvio em seu mais alto grau, constituindo-se em armas desviantes por excelência.

Porém, o que daria forma ao próprio nome Nietzsche é uma aparente dupla resgatada do Ecce Homo que será longamente interpretada por Klossowski no Ensaio: Nietzsche et le cercle vicieux. Seguindo essa plasticidade klossowskiana12 12 A leitura de Klossowski reúne e traduz fragmentos que vão desde o sonho premonitório de 1858 em relação com a versão de 1861, incluindo um fragmento autobiográfico de 1860 e dando um salto até o Ecce Homo. , o Nietzsche do Ecce Homo saberia como se constrói um enigma e uma significação: “como meu pai, eu já estou morto, como minha mãe, eu vivo ainda e envelheço” (NIETZSCHE, 1977NIETZSCHE, F. Ecce Homo. Frankfurt: Insel Verlag, 1977., p. 41). Dupla origem diferencial que se materializa, no entanto, num terceiro elemento (Nietzsche) explicando sua neutralidade, sua livre imparcialidade em relação ao conjunto do problema da vida e que, talvez, seja o que distingue o nome Nietzsche como constituição de uma trilogia enigmática.

Através desses desenhos, considerados de forma experiencial e em relação com os corredores labirínticos do pensamento literário-filosófico de Klossowski, apostamos na possibilidade de visualização do próprio escritor-desenhista que, no seu “autorretrato” comandado pela imagem, caminha por percursos tortuosos que o conduzem, finalmente, a pintar um Nietzsche em três camadas. Vislumbramos uma primeira camada pintada com as cores da “autoverificação” da própria existência, para logo pintar por cima a camada de sua própria fatalidade e, finalmente, poder deixar na superfície uma última camada, a exteriorização de uma outra figura ou “acontecimento capital”: Zaratustra; caracterizado às vezes como “insurreição das imagens” e, outras, como uma alternância entre o “querer criar” (sem Deus) e a “dança dos deuses”.

III. Er, uma figura em desvios

Nesta ocasião não aprofundaremos a análise das três figuras aqui abarruntadas (deuses, círculo e triângulos), porém enfatizaremos um detalhe perdido num ângulo desse quadro figurativo geral, que, a nosso ver, liga de forma peculiar não só mitos, deuses, retornos, reencarnações, logos, editos, círculos e triângulos, mas, nominalmente, Platão, Nietzsche e Klossowski: o Mito de Er.

1. Er na República X de Platão

Acompanhemos como surge e o que está implicado no problema denominado escolha das condições no Mito de Er na utilização deste mito no Livro X da República de Platão. O referido Mito órfico surge após uma espécie de limpeza do campo de batalha que compreende o exílio da arte (603 ab) e o “grande combate para tornarmo-nos bons ou maus” (608 b) antes de desembocar nesse elogio implícito de um “guerreiro” contido no Mito de Er. A ponte entre essas diversas temáticas serão as almas13 13 Do mesmo modo que as almas “ocupam o lugar médio entre as Formas e as coisas sensíveis” (Goldschmidt,1963, 93) elas ocupam a argumentação que alinha a parte do Livro X sobre a expulsão da arte e a referente ao Mito de Er. , que ao ser aparentadas com o divino, o imortal e o eterno (611 e) deverão praticar a justiça em si mesma (612 b). Mas, já que os deuses nunca descuidam, quem quiser empenhar-se em ser justo e em igualar-se a eles, até onde isso é possível a um homem na prática da virtude (613 b), receberá, em vida, prêmios e recompensas dos deuses, no entanto esses prêmios nada são em comparação com os que os aguardam depois da morte (614 a). Todavia, o diálogo contém um outro lado: os castigos, problemática presente como uma “descrição de espetáculos terríveis” aos que são submetidos os impiedosos14 14 Das duas tradições que descrevem a sorte dos maus: metamorfose degradante e o castigo, a República X trataria do último (a partir de 615 a). Segundo Goldschmidt (1963, p. 79) ambas as tradições exprimiriam a mesma ideia: a de que fazendo o mal a alma faz mal a si própria. . Interessa, para nosso recorte, o recurso ao mito escatológico em que, aparentemente, a investigação dialógica afasta-se da vida presente e vai afirmar-se na história de Er, o Armênio, Panfílio de nascimento15 15 Segundo Mattéi (1983, p. 479) Er é o estrangeiro deste diálogo, isto é, um porta-voz, um viajante, que ata palavra e silêncio. . Esse guerreiro, após morrer em combate, fica dez dias junto aos outros mortos, mas é retirado em bom estado. Levam-no para casa e no 12o dia, jazendo sobre a pira, torna à vida e narra o que viu no além (614 b). Surgem diversas descrições. Nos referiremos a uma dentre elas: a descrição do caminho da alma de Er até um lugar divino. O percurso de Er mostra os diversos caminhos que tomam as almas após a sentença dos juízes, o pagamento das penas dos injustos, a descrição do chamado “cenário astronômico”, o fuso girando nos joelhos da Necessidade, e suas filhas, as Parcas, sentadas em círculo, cantando ao passado (Láquesis) ao presente (Cloto) e ao futuro (Átropos).

Na argumentação dialógica, quando as almas chegam junto a Láquesis, um profeta as dispõe por ordem e, tomando os modelos de vida que estavam no colo de Láquesis, faz a seguinte declaração (lógoj) dessa virgem:

“Almas efêmeras, vai começar outro período portador de morte para a raça humana. Não é um gênio (daímwn) que vos escolherá, mas vós que escolhereis o gênio (daímwn)16 16 Na exposição do mito o verbo &&\ai0h&sesqe é empregado ao tratar da escolha que faz o homem e lh&&cgetai para o daímwn. . O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor; cada um a terá em maior ou menor grau, conforme a honrar ou a desonrar. A responsabilidade é de quem escolhe. O deus é isento de culpa” (617 d-e).

A referida passagem provocou as mais diversas interpretações, mas em quase todas elas sublinha-se a responsabilidade do homem17 17 Para Jaeger (1983, p. 679) nesse ponto é alcançada a afirmação da Paidéia; para M. Helena da Rocha Pereira (1983, xliv-xlv) na escolha dos destinos concilia-se a responsabilidade com a predeterminação. . Nesse sentido, podemos dizer que a escolha, ilustrada no mito, coloca nas almas a responsabilidade e o perigo da escolha de um modelo de vida. O elemento sorte atua à medida que há uma ordem na escolha18 18 A ordem que cabe escolher, o sorteio, daria conta da parte irredutível de acaso que comporta nossa vida. Para Goldschmidt, a sorte tem um duplo aspecto: acaso e favor divino. , mas o interessante é que até o último a escolher poderá ter uma “vida apetecível” se fizer a escolha com inteligência (619 b). Todavia, na escolha há mais modelos de vida que as almas presentes (618 a), de modo que a “novidade” de Platão consistirá nessa possibilidade de opção entre um elevado número de modelos de vida e também no “inocentar” a divindade, como contrapartida da responsabilidade atribuída ao homem. Na continuação do mito, Er descreve como se dispõem no solo os modelos de vida que são de todo tipo (animais e seres humanos), mas assinalando um detalhe fundamental: os modelos não contêm as disposições de caráter, por ser forçoso que este mude, conforme a vida que escolhem (618 a-b). Será nesse ponto que surgem os conselhos de Platão, dizendo que aí está o “grande perigo” para o homem, pois na escolha entre vidas honestas, más e misturadas, deve-se saber quem “lhe dará a possibilidade e a ciência de distinguir” (diagignw&skonta) tendo em vista a natureza da alma e qual vida levaria a alma a ser mais justa (618 c-e).

Para resumir as principais questões e problemas implicados nessa escolha platônica, podemos destacar a importância da não escolha da areth &&(traduzida habitualmente por virtude). A partir desse ponto decorrem uma série de questões, como, por exemplo, que a escolha “antes” da encarnação da alma - que aqui estaria sendo descrita - diria respeito somente aos bens e males exteriores (riqueza, honra, poder) e aos bens e males do corpo (beleza, saúde, força, porte). Mas sendo a virtude um problema platônico fundamental, estaremos então livres de “responsabilidade” com respeito à virtude nesta escolha anterior à encarnação? Goldschmidt tentará contornar esse problema afirmando que se terá virtude em maior ou menor grau segundo a vida presente, pois nela se constitui o jogo decisivo para adquirir o único bem real: a sabedoria idêntica à virtude. Dessa maneira a escolha - no que diz respeito à virtude - ocorreria não antes da encarnação, mas a cada instante do presente (GOLDSCHMIDT, 1963GOLDSCHMIDT, V. A religião de Platão. Trad. de Ieda e Oswaldo Porchat Pereira. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963., p. 84-89). Nesse sentido, o mito escatológico utilizado por Platão teria em vista o presente. Essa interpretação é uma das possíveis a serem feitas, pois o texto platônico se refere enfaticamente ao “perigo” dessa escolha que se situa antes da encarnação. Detalhe que mostra a não descartabilidade daquilo que está em jogo na escolha “antes” da encarnação. É nela que se cria um lugar privilegiado para quem sabe escolher, isto é, sabe olhar. O distinguir supõe um “saber olhar” que supõe uma certa conversão e purificação. O referido cuidado também vem à tona quando, em 619 b, o profeta diz: “nem o primeiro deixe de escolher com prudência, nem o último, com coragem”. Aliás, não basta escolher guiado pelos hábitos da vida anterior como, segundo conta Er, o faz a maioria (620 a); trata-se de rejeitar um certo tipo de escolha: a escolha comum (por hábito)19 19 A rejeição do hábito (to\ e!qov), presente em muitos diálogos (MÉNON, 70 b por exemplo), efetuar-se-ia neste caso, porque pode mascarar a ignorância. .

Em outras palavras, e a nosso ver, há uma certa “constituição” na escolha referida pelo mito e utilizada por Platão, no sentido que se deixa, por intermédio do mito de um guerreiro, um lugar pronto para o filósofo-rei, uma vez que a boa escolha dependerá da submissão à sua inteligência ou à prática da dialética que nos ensina a querer o que se deve. De forma mais abrangente, podemos afirmar que o problema do distinguir e da harmonização platônica une caminho filosófico, conhecimento, dialética, saber escolher e visão do Bem. Se apostamos nessa leitura, por trás da problemática platônica do escolher, existiria uma exortação à filosofia. Exortação também presente na interpretação de Goldschmidt, à medida que os bens da alma não se escolhem, mas se conquistam por intermédio de uma ou várias vidas dedicadas à dialética, isto é, preferencialmente à filosofia. De maneira que o apelo deste mito seria aos seres vivos, e não poderia ser ouvido senão nesta vida, porque, segundo essa interpretação, “não se filosofa nem no céu, nem nos infernos; não se filosofa senão em terra”.

No entanto, com relação ao direcionamento na via do “saber-olhar” necessário para distinguir e escolher bem, o problema vai mais longe, pois no “saber-olhar” e na “ciência do distinguir” predomina a parte racional da alma. É ela que se impõe ao escolher bem e, assim, é a problemática do Bem que se encontra finalmente ligada à escolha em Platão. Ela estaria vinculada à conversão, que é a encarregada de “dar os meios para olhar para onde se deve” (518 d); conversão que se dirige, portanto, “à luz do Ser e do Bem” (ROBIN, 1950ROBIN. Notes. In: PLATON. Œuvres complètes. vol.1. Paris: Gallimard, 1950., nota 3, p. 1107). Já no mito, exorta-se às almas a se engajarem no “caminho para o alto” (621 d), sendo que, como já referimos, só o caminho filosófico pode nos conduzir à escolha adequada. Este constituirá um ponto de “consenso”, até na peculiar e pós-nietzscheana interpretação de Goldschmidt. Nesse sentido, pensamos o apelo deste mito como uma necessidade da “conversão integral” dos “prisioneiros” para produzir um novo estilo de vida, não qualquer estilo, mas aquele que terá por base a prática da justiça com sabedoria. O mito fecha com o problema da necessidade do esquecimento, pois todas as almas que reencarnam se dirigem à planície do 0Lh&qhj (Esquecimento) onde devem beber moderadamente da água do rio &00Ame&lhta (ausência de inquietude), salvando o mito do esquecimento; a Er não lhe é permitido beber (621 b), pois o Mito de Er constitui uma “história [μ~qoj] salvada e que salva” (621c). Sobre o porquê do resgate deste mito na suposta descida até a empeiria na estrutura da República e o encontro com o predomínio da experiência escatológica do homem sozinho? Tem se tentado formular uma possível resposta dizendo que a conversão seria justamente o elemento que “falta” na Alegoria da Caverna, isto é, haveria um vazio na verdadeira pátria e matriz do mundo platônico20 20 A expressão do Mito da Caverna como matriz é de Mattéi (1983, p. 503), que afirma que só a caverna constitui o mundo platônico, o resto seria platonismo. que poderíamos resumir na forma de uma simples questão: por que sair da caverna?

2. Er em vestígios textuais de Nietzsche

O salto é de séculos, haveria muitas relações diferenciais a serem feitas entre as problemáticas levantadas por esse mito utilizado por Platão e as inversões ou até transvalorações operadas nos diversos escritos de Nietzsche, como será, por exemplo, o ressuscitar a problemática da escolha, porém considerada como instintiva (instinktiv) em Ecce Homo21 21 Em diversos textos, já temos trabalhado ao redor de “a curiosa formulação da seletividade como princípio”, resgatando principalmente o escrito do Ecce Homo como um elogio a Dionísio. . Limitemo-nos ao personagem Er. No suposto da familiaridade que Nietzsche teria com esse mito (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 22), esse porta-voz dos deuses ressuscitaria, no tornar-se de seus escritos, na figura de um outro porta-voz (Fürsprecher): Zaratustra? Efetivamente Zaratustra será caracterizado como porta-voz da vida (Fürsprecher des Lebens), do sofrimento (Fürsprecher des Leidens) e do círculo (Fürsprecher des Kreises) (NIETZSCHE, 2007NIETZSCHE, F. Also sprach Zarathustra. Bonn: Insel Verlag, 2007., p. 219). É pertinente perguntarmos sobre uma possível relação entre Er e Zaratustra como porta-vozes? Er tem sido caracterizado, precisamente, como um dos estrangeiros do mundo platônico, que reiteraria, incansavelmente, “a estranha dissimulação de o amante da sabedoria”. Ele seria “esse desconcertante viajante que escala os estranhos cordões da palavra e do silêncio” (MATTÉI,1983MATTÉI, J-F. L’Étranger et le simulacre. Paris: P.U.F., 1983., p. 479). Zaratustra também é um estrangeiro escolhido por Nietzsche, que pratica os discursos e os silêncios, mas do qual, segundo Nietzsche, ninguém teria perguntado o que ele significa na sua boca (NIETZSCHE, 1977, p. 134).

Nessa possível relação, podemos acrescentar que ambos os porta-vozes, em seu caráter de anjos - a!ggelon - trazem uma mensagem. No caso de Er mensageiro, ele vê e ouve no além e narra isso para os homens que “sabem olhar” essa mensagem e, assim, podem praticar “a ciência do distinguir”. No caso de Zaratustra, ele traz um presente para os homens: a ideia do Übermensch, constatando de forma experiencial que os ouvidos dos homens no mercado ainda não estão prontos para “saber ouvir”22 22 Sobre o paralelismo entre não audições, considerando o homem louco da Gaia Ciência e Zaratustra no mercado: “O caos e a estrela” (GIACÓIA, 2001, p. 13-21). esse seu discurso de doação. Mesmo assim, esse presente ou doação com alma doadora (Ein Geschenk, das die Seele mit sich bringt) trazido por Zaratustra23 23 Como podemos concluir a partir de Nietzsche (2007, p. 76-80). quebra de partida a avareza (do Deus cristão)24 24 Como já referida no esboço que fizemos sobre os deuses (II, 1). .

Nessa esteira, também podemos perguntar se em Zaratustra há um estímulo para a conversão? Se há, ela poderia ser desenhada em uma analogia com os graus que os prisioneiros teriam que percorrer para sair da caverna platônica? Saída que, supostamente, o Mito de Er estimularia? Todavia, a caverna de Zaratustra não permite uma simples analogia com a caverna platônica; ele volta constantemente à sua caverna diferencial, que não está situada embaixo da terra, mas no alto da montanha e onde existe a presença de seus animais. Outrossim, ele nunca sai da terra, a qual permanece acorrentado, mesmo na borda do abismo, porém “olhando para cima” (NIETZSCHE, 2007NIETZSCHE, F. Also sprach Zarathustra. Bonn: Insel Verlag, 2007., p. 145). Caberia aí uma pergunta: se através de Zaratustra mensageiro da vida-sofrimento-círculo estaríamos resgatando terreamente a escatologia do Mito de Er? Em todo caso, o acúmulo de diferenciações conduz a pensar em uma inversão e até subversão não só dos graus de uma suposta conversão, mas dos próprios caminhos de ascensão e de descida em sentido platônico...

Neste aspecto e como prática de desvio pontual, citemos uma consideração de Lebrun (1988LEBRUN, G. Sombras e luzes em Platão. In: NOVAES, A. (org.). O Olhar. São Paulo: Cia. Das Letras, 1988. p. 21-30., p. 29-30), que imprime um espírito de perspectiva nietzscheana ao interior da análise sobre sombras e luzes em Platão:

Mas eu não me arriscaria a julgar precipitadamente o platonismo. Parece-me, é claro, que a “vi são” é uma metáfora que seduz primeiramente os fanáticos. Mas eu sei também que esta opinião é parcial, visto que sou um prisioneiro inveterado da caverna, um destes que pensam que qualquer viagem para fora dela de nada serviria. Retirados do antro, estes poderiam até arregalar os olhos: mas não veriam sol algum e não perceberiam então que eram alienados. Por isso esses prisioneiros reincidentes acabam às vezes por perguntar-se se a visão é realmente o emblema do pensamento, e se filosofar não consistiria em saber ouvir - ouvir os discursos, ouvir os textos - mais do que em olhar alhures, ou até mes mo mais do que em ver melhor.

Já em termos da efetividade textual do mito de Er nos escritos de Nietzsche encontramos, especificamente nos resumos de aulas introdutórias a Platão, uma referência ao problema da escolha no Mito de Er.

Assim, no aforismo &32 sobre felicidade (eudaimonia), após mostrar que cínicos e megáricos consideravam que a apatia (vida sem dor e sem prazer) seria uma vida semelhante aos deuses, mas que não convinha aos homens, Nietzsche assinalará as “exclusões” de Platão em termos de prazeres e paixões (pois seriam rejeitados aqueles que obstaculizam a virtude e o discernimento ou que confundem a alma). Ao mostrar as condições da felicidade para Platão, Nietzsche assinalará que não estariam em poder do homem, uma vez que lemos nos textos de Platão:

A escolha do destino no momento de voltar à vida terrestre não é para todos, mas está limitada pela ordem determinada no sorteio. Certamente, há uma advertência e consolação segundo as quais o primeiro a escolher não deve ser negligente, e o último não deve ser desprovisto de coragem: ele também tem uma boa sorte a tirar; porém é expressamente indicado que é desvantajoso dever escolher entre os últimos (NIETZSCHE, 1998NIETZSCHE, F. Introduction à la lecture des dialogues de Platon. trad. Olivier Berrichon-Sedeyn. Combas: l’éclat, 1998., p. 71).

Isso mostra efetivamente que Nietzsche não só conhecia, mas refletia sobre o Mito de Er. Inclusive no aforismo 33, sobre a imortalidade da alma, a referência à República X (613) é explícita:

Aquele que como verdadeiro filósofo e homem virtuoso orienta o curso de sua vida à Ideia do Bem, chega a se assemelhar ao deus tanto quanto é possível (613), ele se torna um amigo da divinidade, que não lhe abandonará jamais [...]. Os mitos da República, do Fedon e do Gorgias põem em evidência as retribuições no além.” (NIETZSCHE, 1998NIETZSCHE, F. Introduction à la lecture des dialogues de Platon. trad. Olivier Berrichon-Sedeyn. Combas: l’éclat, 1998., p. 72).

3. Er em traços desenhados por Klossowski

Sabemos que o Nietzsche do Crepúsculo dos Ídolos criticará os “consensos” porque são fisiológicos (NIETZSCHE, 1985NIETZSCHE, F. Götzen-Dämmerung. Stuttgart: Insel Verlag, 1985., p. 18); eles defenderiam um determinado modo de vida. De modo que não seria nesse ponto que se deve procurar o singular e peculiar (Einsigkeit) de cada pensador. Acompanhando essa problemática teríamos que nos perguntar: qual é a peculiaridade nietzscheana na apropriação do Mito de Er, segundo Klossowski? Os traços desenhados indicam que essa singularidade estaria na ligação com o edito, da virgem Láquesis, e com o esquecimento. Na consciência moderna existe um paradoxo, porque nela, segundo Klossowski, se reintegra e se interioriza o edito da virgem Láquesis. Nesse sentido, tanto O Mito de Er como a graça divina estariam em Nietzsche, porém ele daria uma versão moderna25 25 Para Klossowski Nietzsche não pensa a modernidade como cosmopolitismo, mas salienta o que há de diferente nela, considerando os conflitos sociais e a moral niilista do progresso. . Nessa perspectiva, o que Nietzsche estaria enfrentando com Mitos e com a Graça, seria a ideia de progresso, como um progresso retilíneo da humanidade. Neste sentido o mito não só provocaria a circularidade, mas seria uma alternativa que destrói a própria ideia de progresso linear e outorga outra dimensão ao esquecimento ligado à Planície do Lethe e ao Rio Ameles com seus ecos de reminiscência e moderação.

Por outra parte, Klossowski enfatiza constantemente o “fatum”, “eu sou uma fatalidade”, quando é incomunicável e inalienável para Nietzsche26 26 Assim, por exemplo, a queda de Empédocles ao Etna, segundo Nietzsche, como um fato incomunicável e inalienável. . Nesse aspecto e através de toda a Gaia Ciência - tela em que a Introdução de Klossowski desenha a familiaridade do Mito de Er em Nietzsche - ele perguntar-se-ia sobre a “comunicabilidade da experiência”. Desde esse ângulo, Klossowski considera até uma possível simulação nietzscheana da loucura27 27 Essa simulação de loucura teria constituído a “suspeita espantosa” de Overbeck (KLOSSOWSKI, 1957, p. 30). , exemplificando com a loucura usada no discurso acadêmico após Nietzsche; situação paradoxal em que “a alienação mental entra na carreira dos homens de letras sofrendo uma vulgarização publicitária” (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 30). No entanto, como explicitará posteriormente em Nietzsche et le cercle vicieux, “porque é um pensamento altamente lúcido, que ele toma o aspecto (l’allure) da interpretação delirante. Assim o exige toda iniciativa experimental no mundo moderno” (KLOSSOWSKI, 1969, p. 12).

Nessa modernidade seria possível ou a igualação (domesticação) ou a supressão da igualdade (um supra-puissance). Problema de psicologia, que engendra, ao mesmo tempo, o último homem (no movimento absoluto da humanidade) e o surhumain (como movimento próprio, tarefa criativa dos homens suprapoderosos). As duas figuras coexistindo por caminhos separados. Não se trata de instituir o surhumain, pois essa tipologia não tem uma ideologia que a sustente; não há uma “organização ideológica que exerce o poder” como pretensão da comunidade em Nietzsche. Segundo a análise klossowskiana, em situações de flutuações significativas (liberação moral e dos costumes, que não é decadência), constitui-se um “anúncio do mundo que vêm”, em que amadurece o ovo e anuncia-se o rompimento da casca (éclatement de la coquille) (KLOSSOWKI, 1957, p. 32). Esclarecem-se e ligam-se dessa forma a comunidade, o “entre nós” e o problema do êxtase. A Gaia Ciência fala para espíritos que possam reencontrar a solidão e como produto da solidão suportem nobremente o tédio (l’ennui) sem precisar de distração e de trabalho a todo preço. Surge a possibilidade que o excepcional estado da alma se torne um estado ordinário, o que se enovela manualmente com o problema da comunidade fechada e atuante, como previsão feita a partir dos próprios instantes privilegiados (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 34). O êxtase, no porvir, já não seria uma exceção sentida como calafrio, mas um estado ordinário entre nuvens, pois essa exaltante possibilidade “cria condições prévias que o jogo de dados mais feliz dos acasos não poderia provocar” (KLOSSOWSKI, 1957, p. 33).

Porém, essa comunidade é para “almas escolhidas”. Somos assim reconduzidos ao problema da escolha e da seletividade e/ou à circularidade que reconduz ao Mito de Er. Nessa leitura o daimon - figura central na mudança de valores que carrega o mito utilizado por Platão - reapareceria no aforismo 341 da Gaia Ciência, “o mais pesado dos pesos”. Para Klossowski essa figura encontra-se relacionada à plasticidade de uma inversão do relógio de areia, que se quer invertido, conformando a circularidade, em que se exclui a história como passado. O daimon estaria presente revelando a lei e conformando a sentença que exclui toda criação: “não haverá nada de novo nesta vida revivida” (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., 21). A aceitação do daimon seria, então, parte do Eterno Retorno. Desse modo a responsabilidade do homem - destaque na utilização do mito de Er em Platão - associa-se, agora, ao Eterno Retorno. Nas voltas com o aforismo 341 da Gaia Ciência, o Eu intimado a cumprir seu destino torna-se responsável pelo voltar a se querer “só posso ser eu mesmo querendo minha vida necessariamente revivida”. Nesse voltar o Imperativo seria: querer a si mesmo! querer a si próprio! A gravidade da pergunta, quero isso e aquilo inúmeras vezes? É que faz de mim um outro.

IV. Um breve esboço de distanciamento

Na forma de um arbitrário resumo, podemos dizer que através de aspectos habitualmente desconsiderados - privilegiando nesta ocasião a matriz introdutória à tradução ao francês da Gaia Ciência de Nietzsche - os fios desenhados por Klossowski vão ligando esquecimento, Eterno Retorno, Er, Edito, daimon, escolhidos/não escolhidos e comunidade.

Resta-nos perguntar sobre o que impulsiona a referida irrupção explosiva da aurora, do anjo, e/ou do mensageiro Er como suposta atualização mítica em Klossowski. Ela não poderia ser aproximada ao sopro e à intensidade de sua própria criação? (KLOSSOWSKI, 1986KLOSSOWSKI, P. O Baphomet. Trad. João Moura Jr., São Paulo: Max Limonad, 1986.). Não poderia ser a peculiaridade de Klossowski associada a um novo guerreiro Er, desta vez ressuscitado após uma “vocação suspensa”? (KLOSSOWSKI, 1975). Não é ele um novo narrador do que viu não no além, mas na tripla alquimia de pensamento lúcido, delírio e complô sob o nome Nietzsche?

Até onde conhecemos, Klossowski não tem sido associado à figura do mensageiro Er, no entanto existe um desenho discursivo em relação As leis da hospitalidade, em que ele é aproximado à figura de anjo:

Tornado fantasma, espírito, aquele que ocupa e assombra, aquele que povoa e encarna, Pierre Klossowski, surge nesta composição como um eterno adolescente, um anjo, um sopro, espírito e intensidade, pura força que atravessa os corpos textuais de diversos hóspedes - tornados anfitriões (LIMA, 2019LIMA, L. F. M. Para uma Economia Visual do Pensamento: Pierre Klossowski e o Desenho do Invisível. In: CONFIA (International Conference on Ilustration & Animation), 6., 2019, Viana do Castelo, Portugal. Anais [...]. Viana do Castelo: CONFIA, 2019. p. 284-293. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/31012/1/LIMA%2C%20Lui%CC%81s%20-%20Para%20uma%20Economia%20visual%20do%20pensamento-%20Pierre%20Klossowksi%20e%20o%20Desenho%20do%20Invisi%CC%81vel%2C%202019.pdf.
https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.2...
, p. 290).

Em todo caso, Er constitui uma forte imagem não só localizada na leitura de Nietzsche, mas em outros corredores klossowskianos. Neste aspecto, não podemos esquecer que Klossowski mantém uma hierarquia das imagens sendo que a “imagem suprema” é o riso e a hilaridade. Nessa sua perspectiva, Nietzsche escolheria o Eterno Retorno como paródia de doutrina e, dessa forma, escolheria o riso comandando sua doutrina: “A doutrina do Eterno retorno é um simulacro de doutrina cujo caráter paródico dá conta até da hilaridade” (KLOSSOWSKI, 1980KLOSSOWSKI, P. Nietzsche, el politeísmo y la parodia. In: Tan funesto deseo. Trad. M. Armiño. Madrid: Taurus, 1980., p. 170). Esse aspecto nos permite acrescentar uma singularidade gráfica do desenho escolhido: Eterno Retorno (ewige Wiederkunft) em sua sigla de linguagem serial ER (l’Éternel Retour, Eterno Retorno, Eterno Ritorno, Eternal Recurrence) coincide com o nome do personagem mítico. Será uma coincidência que Klossowski escolha, considerando sua dupla origem diferencial, o predomínio gráfico francês (l’Éternel Retour) e não o polonês (Wieczne powrót)? Ele também saberia como se cria um enigma?

No entanto, e para além das filigranas de um possível jogo gráfico, Klossowski escolhe efetivamente um estrangeiro ressuscitado, Er, que, ao modo do persa Zaratustra, ata como mensagens os laços circulares dos silêncios e das palavras. Ou ainda, ao desenhar a figura de uma serpente com nova pele e sem avareza, deixa de lado o acúmulo avaro de possibilidades para efetivar um gesto que enrola e enlaça, numa imagem peculiar, os pescoços amigos dos atores Nietzsche e Klossowski gritando Da Capo...

Referências

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    » https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/31012/1/LIMA%2C%20Lui%CC%81s%20-%20Para%20uma%20Economia%20visual%20do%20pensamento-%20Pierre%20Klossowksi%20e%20o%20Desenho%20do%20Invisi%CC%81vel%2C%202019.pdf
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  • 1
    A entrevista em que foi formulada essa declaração (com pequenas modificações nossas para o português brasileiro) encontra-se em Lima, 2019LIMA, L. F. M. Para uma Economia Visual do Pensamento: Pierre Klossowski e o Desenho do Invisível. In: CONFIA (International Conference on Ilustration & Animation), 6., 2019, Viana do Castelo, Portugal. Anais [...]. Viana do Castelo: CONFIA, 2019. p. 284-293. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/31012/1/LIMA%2C%20Lui%CC%81s%20-%20Para%20uma%20Economia%20visual%20do%20pensamento-%20Pierre%20Klossowksi%20e%20o%20Desenho%20do%20Invisi%CC%81vel%2C%202019.pdf.
    https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.2...
    , 284.
  • 2
    Quando as referências bibliográficas indicam o texto utilizado em francês ou castelhano as traduções ao português são sempre nossas.
  • 3
    Para Salaquarda os novos aforismos 268-275 da GC, considerados em conjunto, apresentam apelos curtos e téticos para tornar-se si mesmo no sentido da convicção de que, após a “morte de Deus”, atuam sugestivamente e assim devem fazê-lo (SALAQUARDA, 1999SALAQUARDA, J. A última fase de surgimento de A Gaia Ciência. Trad. Oswaldo Giacóia Jr. & Barbara Salaquarda. In: Cadernos Nietzsche. n. 6. São Paulo: Discurso Editorial, 1999., p. 87).
  • 4
    Conservaremos a expressão surhumain de Klossowski, como tradução do Übermensch, considerando também a pertinência de uma adoção de suprahombre em castelhano (JARA, 2013JARA, J. Epílogo. In: NIETZSCHE, F. La Ciencia Jovial. Traducción, introducción, epílogo de José Jara. Valparaíso, Chile: Universidad de Valparaíso, 2013., p. 351).
  • 5
    Acrescentemos que, às vezes, surge como o filósofo Dionísio, tanto em textos de Nietzsche como também em outros desenhos do próprio Klossowski (1980KLOSSOWSKI, P. Nietzsche, el politeísmo y la parodia. In: Tan funesto deseo. Trad. M. Armiño. Madrid: Taurus, 1980.).
  • 6
    Essa seria a característica do avaro, segundo Giannini (1976GIANNINI, H. El demonio de la posesión (a propósito de la avaricia). Escritos de teoría, Santiago: Universidad de Chile, dez. 1976., p. 43-44), aquele que não gasta sua opção, não entifica suas ânsias de ser, “não toca as coisas com suas mãos”; a possibilidade, no seu caso, é mais que a “realidade”, dá mais poder. Trata-se de um vício espiritual que joga com suas “possibilidades de ser”.
  • 7
    A referência ao “ser” nos direciona a Heidegger, pois não consideramos um acaso que Klossowski abandonasse seus próprios desenhos para se dedicar à tradução do alemão ao francês, dos dois volumes das lições e digressões contidas no Nietzsche de Heidegger (1936-1946); publicados no original em 1961 e na tradução de Klossowski pela Gallimard em 1971.
  • 8
    Para citar a palavra constantemente utilizada por Klossowski ao tornar gráfica a temática da Einzigkeit (NIETZSCHE, 1977NIETZSCHE, F. Ecce Homo. Frankfurt: Insel Verlag, 1977., p. 41).
  • 9
    Neste caso não citamos o original, pois nos interessa a tradução de Klossowski.
  • 10
    Anterior ao conhecido gesto foucaultiano (FOUCAULT, 1994, p. 136-156) que talvez teríamos que considerar uma “repetição” do gesto de Klossowski. Sobre as relações Nietzsche/Klossowski/Foucault (MUÑOZ, 2021).
  • 11
    Instante em Klossowski está relacionado com o supra-histórico e com Hölderlin (considerado como poeta-chão de Nietzsche e de Heidegger); em cada instante o mundo estaria completo. Não por acaso o Portal chamado INSTANTE, na Visão e Enigma, será objeto de análise desses pensadores.
  • 12
    A leitura de Klossowski reúne e traduz fragmentos que vão desde o sonho premonitório de 1858 em relação com a versão de 1861, incluindo um fragmento autobiográfico de 1860 e dando um salto até o Ecce Homo.
  • 13
    Do mesmo modo que as almas “ocupam o lugar médio entre as Formas e as coisas sensíveis” (Goldschmidt,1963GOLDSCHMIDT, V. A religião de Platão. Trad. de Ieda e Oswaldo Porchat Pereira. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963., 93) elas ocupam a argumentação que alinha a parte do Livro X sobre a expulsão da arte e a referente ao Mito de Er.
  • 14
    Das duas tradições que descrevem a sorte dos maus: metamorfose degradante e o castigo, a República X trataria do último (a partir de 615 a). Segundo Goldschmidt (1963GOLDSCHMIDT, V. A religião de Platão. Trad. de Ieda e Oswaldo Porchat Pereira. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963., p. 79) ambas as tradições exprimiriam a mesma ideia: a de que fazendo o mal a alma faz mal a si própria.
  • 15
    Segundo Mattéi (1983MATTÉI, J-F. L’Étranger et le simulacre. Paris: P.U.F., 1983., p. 479) Er é o estrangeiro deste diálogo, isto é, um porta-voz, um viajante, que ata palavra e silêncio.
  • 16
    Na exposição do mito o verbo &&\ai0h&sesqe é empregado ao tratar da escolha que faz o homem e lh&&cgetai para o daímwn.
  • 17
    Para Jaeger (1983, p. 679) nesse ponto é alcançada a afirmação da Paidéia; para M. Helena da Rocha Pereira (1983PEREIRA, M. H. da R. Introdução. In: PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983. p. V-LIII., xliv-xlv) na escolha dos destinos concilia-se a responsabilidade com a predeterminação.
  • 18
    A ordem que cabe escolher, o sorteio, daria conta da parte irredutível de acaso que comporta nossa vida. Para Goldschmidt, a sorte tem um duplo aspecto: acaso e favor divino.
  • 19
    A rejeição do hábito (to\ e!qov), presente em muitos diálogos (MÉNON, 70 b por exemplo), efetuar-se-ia neste caso, porque pode mascarar a ignorância.
  • 20
    A expressão do Mito da Caverna como matriz é de Mattéi (1983MATTÉI, J-F. L’Étranger et le simulacre. Paris: P.U.F., 1983., p. 503), que afirma que só a caverna constitui o mundo platônico, o resto seria platonismo.
  • 21
    Em diversos textos, já temos trabalhado ao redor de “a curiosa formulação da seletividade como princípio”, resgatando principalmente o escrito do Ecce Homo como um elogio a Dionísio.
  • 22
    Sobre o paralelismo entre não audições, considerando o homem louco da Gaia Ciência e Zaratustra no mercado: “O caos e a estrela” (GIACÓIA, 2001, p. 13-21).
  • 23
    Como podemos concluir a partir de Nietzsche (2007NIETZSCHE, F. Also sprach Zarathustra. Bonn: Insel Verlag, 2007., p. 76-80).
  • 24
    Como já referida no esboço que fizemos sobre os deuses (II, 1).
  • 25
    Para Klossowski Nietzsche não pensa a modernidade como cosmopolitismo, mas salienta o que há de diferente nela, considerando os conflitos sociais e a moral niilista do progresso.
  • 26
    Assim, por exemplo, a queda de Empédocles ao Etna, segundo Nietzsche, como um fato incomunicável e inalienável.
  • 27
    Essa simulação de loucura teria constituído a “suspeita espantosa” de Overbeck (KLOSSOWSKI, 1957KLOSSOWSKI, P. Introduction. In: NIETZSCHE, F. Le Gai Savoir. Trad. P. Klossowski. Paris: Club Français de Livre, 1957., p. 30).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2022
  • Aceito
    18 Jun 2023
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