RESUMO
Objetivo: Analisar o bem-estar espiritual de profissionais de enfermagem com distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho.
Método: Estudo de corte transversal, realizado com profissionais de enfermagem de um hospital universitário público da Bahia, Brasil, de março a junho de 2023. Dados coletados em entrevista face-a-face na qual foram extraídos dados sociodemográficos, clínicos e ocupacionais, além da aplicação da Escala de Bem-Estar Espiritual. Procedeu-se à análise estatística descritiva e analítica.
Resultados: entre profissionais de enfermagem (n=48), predominaram mulheres (89,6%), idade média 44,3 (±5,4), pretas e pardas (85,5%), casadas (31,3%), técnicas de enfermagem (83,3%), com mais que 10 anos na profissão (87,5%). A maioria das participantes tinha religião (60,4%), sendo 43,8% católicas, com escores positivos para bem-estar espiritual (77,1%), bem-estar religioso (87,5%) e bem-estar existencial (54,2%). Tempo na profissão, ter religião e ter prática espiritual/religiosa relacionou-se a escores mais altos de bem-estar espiritual. Técnicos de enfermagem apresentaram elevado bem-estar religioso e não houve significância na comparação das variáveis estudadas com o bem-estar existencial.
Conclusão: Predomina entre os profissionais de enfermagem com distúrbios osteomusculares um alto nível de bem-estar espiritual e bem-estar religioso, com pouca diferença entre o resultado moderado e alto do bem-estar existencial.
Descritores: Transtornos Traumáticos Cumulativos; Espiritualidade; Dor; Profissionais de Enfermagem
ABSTRACT
Objective: To analyze the spiritual well-being of nursing professionals with work-related musculoskeletal disorders.
Method: Cross-sectional observational study, carried out with nursing professionals from a public university hospital in Bahia, Brazil, from March to June 2023. Data was collected in a face-to-face interview in which sociodemographic, clinical and occupational data were extracted, in addition to the Spiritual Well-Being Scale application. Descriptive and analytical statistical analysis was carried out.
Results: Most nursing professionals (n=48) were women (89.6%), mean age 44.3(±5.4), black and brown (85.5%), married (31.3%), nursing technicians (83.3%), more than 10 years in the profession (87.5%). The majority of participants had a religion (60.4%), 43.8% were Catholic, with positive scores for spiritual well-being (77.1%), religious well-being (87.5%) and existential well-being (54.2%). Having worked in the field for more than 10 years, having a religion, and having spiritual/religious practices were related to higher spiritual well-being scores. Nursing technicians showed high levels of religious well-being and there was no significant results when comparing the variables studied with existential well-being.
Conclusion: Most nursing workers with musculoskeletal disorders presented a high level of spiritual well-being and religious well-being. In addition, there was little difference between the moderate and high results of existential well-being.
Descriptors: Cumulative Traumatic Disorders; Spirituality; Pain; Nursing Professionals
RESUMEN
Objetivo: Analizar el bienestar espiritual de los profesionales de enfermería con trastornos musculoesqueléticos relacionados al trabajo.
Método: Estudio observacional transversal con profesionales de enfermería de un hospital público universitario de Bahía, Brasil, de marzo a junio de 2023. Datos recogidos en entrevista presenciales en que se extrajeron datos sociodemográficos, clínicos y ocupacionales, además de la aplicación de la Escala de Bienestar Espiritual. Se realizó un análisis estadístico descriptivo y analítico.
Resultados: La mayoría de los profesionales de enfermería (n=48) eran mujeres (89,6%), edad media 44,3 (±5,4%), color negra o marrón (85,5%), casada (31,3%), técnicas de enfermería (83,3%), con más de 10 años en la profesión (87,5%). La mayoría de los participantes tenían religión (60,4%), el 43,8% eran católicos, con puntuaciones positivas en bienestar espiritual (77,1%), bienestar religioso (87,5%) y bienestar existencial (54,2%). El tiempo en la profesión, tener una religión y tener prácticas espirituales/religiosas se relacionaron con puntuaciones más altas de bienestar espiritual. Los técnicos de enfermería mostraron alto bienestar religioso y no hubo significancia al comparar las variables estudiadas con el bienestar existencial.
Conclusión: Predomina un alto nivel de bienestar espiritual y bienestar religioso entre los profesionales de enfermería, con trastornos musculoesqueléticos Además, hubo poca diferencia entre los resultados moderados y altos de bienestar existencial.
Descriptores: Trastornos de traumas acumulados; Espiritualidad; Dolor; Profesionales de enfermería
INTRODUÇÃO
O distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT) é caracterizado como uma condição multifatorial que pode afetar músculos, tendões, nervos e articulações. A capacidade física laboral pode ser comprometida e resultar em restrição funcional do trabalhador (1. Os profissionais de enfermagem são expostos a lesões osteomusculares relacionadas à ocupação2, apresentando prevalências acima de 80% por DORT3-4. Esta alta prevalência está relacionada a ambientes pouco ergonômicos, posturas inadequadas, uso excessivo da força física e estresse acentuado5. Sabe-se que tais fatores de risco ocupacionais favorecem o adoecimento, reduzem a participação social e afetam a qualidade de vida dos acometidos, além de sobrecarregar os programas assistenciais dos governos4.
O tratamento de primeira linha do DORT inclui afastamento do trabalho, imobilizações, uso de anti-inflamatórios e analgésicos, além das modalidades fisioterápicas de reabilitação. Nos casos mais graves, a intervenção cirúrgica pode ser a escolha inicial6. No entanto, os resultados obtidos podem ser influenciados por abordagens não convencionais como acontece com a espiritualidade. A abordagem da espiritualidade em indivíduos com DORT pode ajudar a reduzir as barreiras psicossociais, que são gatilhos para o desenvolvimento de cronicidade e incapacidades7. Ademais, pode beneficiar pessoas que sofrem de dor e restrições físicas, impactando de modo positivo no enfrentamento de situações desafiadoras da vida8.
O bem-estar espiritual refere-se à dimensão subjetiva e não material da consciência9. Neste contexto, inclui a necessidade de ser, de sentir satisfação com o eu interior, transcendendo preocupações e conferindo significado e propósito mais amplo para a vida, mesmo em condições adversas de saúde10.
É crescente o número de profissionais de enfermagem acometidos por DORT, assim como a probabilidade de enfrentarem limitações físicas e psicológicas, visto que maior carga de trabalho físico, assim como tensão ocupacional, estão mais relacionadas ao surgimento de doenças osteomusculares nestes profissionais11. O profissional de enfermagem é um cuidador do outro, mas também enquanto indivíduo tem necessidades de autocuidado nas situações de vida pessoal e profissional12. Diante dessas ponderações, se faz necessário identificar o bem-estar espiritual dos profissionais de enfermagem acometidos por DORT e investigar suas associações na busca de ampliar a compreensão da saúde em sua integralidade nesta categoria profissional. O objetivo desta pesquisa foi analisar o bem-estar espiritual de profissionais de enfermagem com distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho.
MÉTODO
Pesquisa de corte transversal, que seguiu as diretrizes do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). Realizada em um hospital universitário em Salvador, de grande porte, referência em média e alta complexidade do estado da Bahia, Brasil, no período de março a junho de 202313.
Participaram da pesquisa profissionais de enfermagem com restrição funcional relacionado ao diagnóstico médico de DORT e que atuavam nas unidades administrativas, diagnósticas e assistenciais de baixa e média complexidade do lócus de pesquisa. Pelo critério de elegibilidade, foram selecionados profissionais de enfermagem, registrados no Serviço Ocupacional e Segurança do Trabalho e com Classificação Internacional das Doenças (CID-10 ou CID-11) relacionado a DORT há pelo menos seis meses do início da coleta de dados. Este recorte temporal foi delimitado para evitar que profissionais recém-contratados com o diagnóstico de DORT fossem entrevistados, o que poderia ser um fator de confusão. Não foram incluídos profissionais afastados de suas atividades por férias ou licença médica no momento da coleta.
Para o cálculo amostral foi utilizada a calculadora da Universidade de São Paulo - USP (http://estatistica.bauru.usp.br/calculoamostral/ta_ic_proporcao.php) considerando um nível de significância de 95%, erro estimado de 10%, para uma proporção estimada de DORT de 80% e uma população finita de 1.000 funcionários registrados. A partir da inserção destes dados, se chegou à estimativa da necessidade de 58 participantes para que a amostra fosse representativa. Não foi possível aplicar o cálculo ao desfecho principal de nível de espiritualidade por desconhecimento dos autores de estudos semelhantes.
A coleta de dados foi realizada após anuência dos responsáveis pelos setores do campo de pesquisa e aprovação do comitê de ética. A técnica utilizada para acessar a amostra do estudo foi a Bola de Neve / Snowball, método de amostragem em cadeia não probabilístico. Esta técnica se utiliza de redes de referência e, por isso, torna-se apropriada para pesquisas com grupos de difícil acesso ou temas mais privados. Esta técnica consiste em identificar um primeiro participante e a partir deste, solicitar que os entrevistados indiquem outros que atendam aos critérios de inclusão da pesquisa14.
Os dados desta pesquisa foram obtidos mediante um questionário elaborado pelas pesquisadoras aos respondentes contendo perguntas sobre sexo, idade, estado civil, raça, ocupação, tempo de profissão, turno e carga horária de trabalho, além de questões sobre o DORT e limitação funcional. A partir das medidas de peso e altura informadas pelos participantes, as pesquisadoras, posteriormente, calcularam o Índice de Massa Corpórea (IMC). Além disso, questionamentos sobre afiliação, prática religiosa/espiritual foram realizados. Essa entrevista foi realizada no próprio local do trabalho dos entrevistados, em ambiente privativo com garantia do sigilo das informações.
Foi também aplicada a Escala de Bem-Estar Espiritual (EBE), instrumento validado e adaptado e validado para o Brasil, indicado para estudos sobre espiritualidade devido às suas qualidades psicométricas, e muito utilizada para avaliar pessoas com alguma forma de sofrimento que inclua a ausência de significado existencial ou religioso15-16.
O bem-estar espiritual apresenta quatro domínios inter-relacionados: o pessoal (a relação do eu interior com significado, propósito e valores na vida); o comunitário (centrado na profundidade e qualidade dos relacionamentos entre eu e os outros) e nos valores humanistas (amor, perdão, confiança, esperança e fé nas pessoas); o ambiental (relação entre pessoas e o ambiente externo); e o transcendental (relação de fé com algo ou ser superior)17.
A EBE aponta para uma dimensão vertical - Bem-estar religioso (BER), que faz referência a Deus ou ser superior, e a dimensão horizontal - Bem-estar existencial (BEE) mostra uma direção ou satisfação com a vida, independente de uma referência religiosa15. A escala possui 20 questões com respostas dispostas em uma escala de Likert de seis opções: concordo totalmente (CT), Concordo mais que discordo (CD), Concordo Parcialmente (CP), Discordo Parcialmente (DP), Discordo mais que concordo (DC) e Discordo Totalmente (DT). As questões com conotação positiva (3, 4, 7, 8, 10, 11, 14, 15, 17, 19 e 20) têm sua pontuação somada da seguinte maneira: CT=6, CD=5, CP=4, DP=3, DC=2 e DT=1. As demais questões são negativas e devem ser somadas de forma invertida (CT=1, CD=2, CP=3, DP=4, DC=5, DT=6). O total da escala é a soma das pontuações destas 20 questões e os escores podem variar de 20 a 120 pontos. O ponto de corte para o Escore geral da EBE são pontuadas com intervalos de 20 a 40 (baixo), 41 a 99 (moderado) e 99 a 120 (alto)16.
A subescala BER se propõe a medir o bem-estar religioso, enquanto a BEE, o bem-estar existencial. As subescalas BER e BEE são pontuadas com intervalos de 10 a 20 (baixo), 21 a 49 (moderado) e de 50 a 60 (alto). Para a EBE foi considerado positivo para escore alto e negativo para escores moderado e baixo15.
Para elaboração do banco de dados e análise estatística foi utilizado o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS versão 17.0). A normalidade das variáveis numéricas foi verificada através do teste Shapiro-Wilk, bem como a análise do histograma. Foi realizada a análise descritiva dos dados e os resultados foram apresentados em tabelas, com as variáveis categóricas apresentadas em frequências (n) e percentuais (%) e as variáveis contínuas com distribuição normal em média e desvio padrão. Para a associação entre a escala (EBE), suas subescalas (BER e BEE) com variáveis categóricas foi utilizado o teste Qui-quadrado e para as variáveis que apresentaram menos de cinco indivíduos em alguma categoria foi utilizado o teste exato de Fisher.
Além disso, na comparação com variáveis numéricas foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes. Para as inferências estatísticas foi adotado um p<0,05 para todas as análises. Para investigar correlações entre os escores das subescalas BEE versus BER foi realizado o teste de correlação de Pearson. Foi utilizado o alfa cronbach no índice geral, na subescala de bem-estar religioso e na subescala de bem-estar existencial, sendo considerado um alfa maior que 0,70 aceitável e maior que 0,80 uma boa confiabilidade. Neste estudo, o coeficiente alpha cronbach para a EBE foi de 0,801 e para as subescalas BER e BEE foi de 0,776 e 0,740, respectivamente.
O projeto foi submetido e aprovado pelo parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição envolvida, sob o nº do parecer: 5.778.729 e nº de CAAE: 63841922.5.0000.0049. Foram adotados todos os procedimentos recomendados pela Resolução Nº 466/2012.
RESULTADOS
A amostra final da pesquisa foi constituída por 48 profissionais com DORT, pois dentre os 58 participantes recrutados, cinco não aceitaram participar da pesquisa e cinco foram excluídos devido a afastamentos do trabalho por adoecimento. Em sua maioria, a amostra foi composta de pessoas do sexo feminino, casadas, autodeclaradas pardas e pretas. No que concerne ao estado ponderal autorreferido, foi identificado que 73,3% das participantes estão com algum grau de sobrepeso ou obesidade. Possuir afiliação religiosa e ter prática religiosa/espiritual foi mais prevalente, sendo que a maior parte se considera católico.
Em relação ao perfil ocupacional, a maioria dos participantes eram técnicos de enfermagem, trabalhavam em média 36 horas semanais, sendo a maior parte no período diurno, mais que 10 anos de profissão e 25% tinham outro vínculo empregatício. No que se refere às variáveis sobre a DORT, todos informaram que possuem algum tipo de limitação funcional, mais da metade relataram de 2 a 4 regiões do corpo afetadas pelo DORT e algumas delas se afastaram do trabalho em algum momento após a limitação funcional, de acordo com a Tabela 1.
As descrições dos escores totais da EBE destacam que houve maior frequência da categoria alta em todos os escore geral e os subtipos, sugerindo que a população estudada tem alto bem-estar espiritual (77,1%), alto bem-estar religioso (87,5%) e alto bem-estar existencial (54,2%). Em nenhum dos resultados houve baixa classificação, apenas moderado e alto, como serão apresentados a seguir na Tabela 2.
Na Tabela 3 é apresentada uma síntese das questões da EBE, acompanhada do percentual de respostas dos participantes, de acordo com a escala likert da própria escala. Nas questões da subescala BER em que as perguntas têm cunho religioso tiveram percentuais elevados. Enquanto algumas perguntas do BEE que fazem referência a questões existenciais como sentido e satisfação com a vida, as respostas foram moderadas e altas.
Na análise comparativa entre a classificação da escala de bem-estar espiritual e as características sociodemográficas, em apenas uma variável foi identificada diferença estatisticamente significativa por meio do teste Qui-quadrado: o tempo de profissão em profissionais com mais de 10 anos, associado à categoria de alto bem-estar espiritual. Por outro lado, um menor tempo de profissão esteve associado a um escore moderado, em uma relação inversa. Na comparação da ocupação institucional com a subescala BER, foi possível identificar uma associação com a categoria de técnicos de enfermagem (88,1%), entretanto ser enfermeira foi associado a um alto escore de BER em apenas 11,9% destas. Ainda nesta subescala, o turno de trabalho no MT obteve um escore alto de 85,7%. Para as outras variáveis, não foi possível identificar associação, inclusive naqueles referentes à subescala existencial, conforme Tabela 4.
Na tabela a seguir (tabela 5), ter religião esteve associado a escores mais altos de bem-estar espiritual (94,6%) versus moderado (54,5%), sendo estatisticamente significante (p=0,004). Em relação à prática religiosa/espiritual 70,3% tiveram escore alto, enquanto 27,3% apresentaram escores moderados de bem-estar espiritual. Por outro lado, houve associação significativa entre não possuir religião a ter escores moderados de bem-estar espiritual (p=0,004).
Associação entre as variáveis DORT/ Espiritualidade / Religiosidade com os escores totais categorizados em alto e moderado nível da escala de EBE e das subescalas de BER e BEE de profissionais de enfermagem de um hospital de média e alta complexidade do município de Salvador, Bahia, Brasil, 2023.
Na comparação da subcategoria Existencial com o perfil sociodemográfico ocupacional, assim como as variáveis sobre a DORT, espiritualidade/religiosidade com a subcategoria BEE não foi identificada nenhuma associação estatisticamente significante (p<0,05). Além do mais, a correlação encontrada entre os escores das subescalas (BER versus BEE), resultou num coeficiente de relação de 0,342 e um valor de p de 0,017.
DISCUSSÃO
Os achados desta pesquisa revelaram alta afiliação religiosa institucional, principalmente na religião católica, com prática frequente de atividade religiosa/espiritual, sendo semelhantes com outro estudo realizado com profissionais de enfermagem no estado Minas Gerais, no qual também houve predomínio de católicos18. Revisões sistemáticas com meta-análises têm demonstrado que práticas espirituais funcionam como fator protetor para a saúde mental de enfermeiras19.
Ao analisar os escores gerais da EBE e suas subescalas BER e BEE, foram observados resultados contrastantes com estudos anteriores. Enquanto na presente pesquisa foram encontrados escores altos de bem-estar espiritual para a maior parte dos participantes, outro estudo também com profissionais de enfermagem, apontou médias inferiores tanto no escore total como nas duas subescalas, inclusive entre aqueles profissionais que se dedicam às atividades religiosas com maior frequência20.
Contudo, diferentes culturas religiosas21 têm confirmado que as enfermeiras da Ásia, Europa, Oriente Médio e América do Norte são os profissionais mais engajados com o estímulo à busca da espiritualidade em pacientes e familiares. Esse comportamento confirma que provavelmente são também essas profissionais que mais facilmente assumem suas crenças e valores espirituais no ambiente hospitalar21. Enfermeiros gregos de diferentes especialidades hospitalares também oferecem, frequentemente, cuidados espirituais aos seus pacientes, e tanto fatores internos como externos influenciam suas atitudes a este respeito22. Esse comportamento auxilia tanto o bem-estar dos profissionais como dos pacientes por eles assistidos.
No entanto, as discrepâncias nas subescalas entre os estudos levantam questões sobre a influência do ambiente hospitalar nestes profissionais interferindo no seu bem-estar existencial, devido à natureza estressante com a qual esses profissionais necessitam lidar diariamente. É possível ainda que as práticas espirituais adotadas sejam insuficientes ou negativas (20. Nessa mesma linha, uma outra pesquisa sobre Burnout em enfermeiras encontrou correlação negativa forte entre o esgotamento e o bem-estar espiritual, sugerindo que à medida que um aumenta o outro diminui consideravelmente23. Não é possível saber se não houvesse a prática da espiritualidade as condições não seriam ainda piores e se a experiência religiosidade pode ser negativa, reforçando padrões de culpa e desânimo para enfrentar as adversidades da vida. A diferença entre esses achados ainda pode ser explicada pelas diferenças socioculturais, uma vez que são fatores determinantes da saúde.
A EBE apresentou menor média de escores nas respostas de enfermeiras e técnicas de enfermagem do presente estudo, em comparação com o estudo de Rodrigues15 realizado apenas com enfermeiras. Também há diferenças nas suas subescalas, cujo desempenho foi maior quanto ao BEE, e menor no BER (15. Estas variações podem ser atribuídas à inclusão de técnicas de enfermagem que foram maioria no presente estudo.
Vale ressaltar que o trabalho dos técnicos demanda grande esforço físico na assistência a pacientes dependentes e acamados24, enquanto as enfermeiras assumem atividades assistenciais, gerenciais ou de supervisão. Além disso, o nível socioeconômico e de escolaridade também é diferente25. Esta hipótese encontra respaldo em estudo de Kim e Yeom23, no qual enfermeiras que trabalham em cargos de gerência que possuem religião e pós-graduação tiveram níveis de bem-estar existencial mais elevados.
Domingues, et al (18 mostraram escores das subescalas menores no BER e maiores no BEE em comparação com os achados do presente estudo. No entanto, esta pesquisa se diferencia daquela por incluir apenas profissionais acometidos por DORT enquanto o daqueles é mais genérico. Nas respostas à EBE, uma parcela referiu enfrentar conflitos e infelicidades na vida, e alguns relatam inquietação em relação ao futuro. Por se tratar de estudos transversais, não é possível determinar se é um reflexo do adoecimento pelo qual essas pessoas com limitações decorrentes do DORT enfrentam ou se a estrutura de personalidade e a espiritualidade precedente ao trabalho da enfermagem interferem nos valores destas subescalas.
De todo modo, tem sido observado que intervenções espirituais aumentam o bem-estar e a espiritualidade em enfermeiras, e as protegem quanto à sua saúde mental e bem-estar geral19, aumentando sua satisfação com o trabalho26. Nas respostas positivas às perguntas da subescala BER, ficou demonstrado que a fé é uma forte crença religiosa, que favorece a sensação de bem-estar e promove um senso de conexão com Deus. Essa conexão com o divino está relacionada à dimensão espiritual vertical, ou seja, a relação com um ser superior27. Na percepção da amostra, a saúde está associada a ter fé e à religião.
No que diz respeito aos itens negativos da subescala BER, uma parcela significativa não concorda com a ideia de que Deus é impessoal. Do mesmo modo, as participantes discordam totalmente da ideia de que não recebem força e apoio de Deus e discordam da afirmação de que não encontram satisfação na oração pessoal com Deus, coadunando estudo com graduandos de enfermagem do Paraná 16. Esse fenômeno pode ser explicado também pelo fato de que a população brasileira tem alto envolvimento religioso (27, embora a América do Sul não tenha sido incluída no estudo que fez comparações da espiritualidade de enfermeiras em diferentes culturas21
A comparação entre as variáveis estudadas e a EBE total revelou que maior tempo de profissão, adotar uma religião e praticá-la foi associado a um maior bem-estar espiritual. Entretanto, os participantes sem afiliação religiosa apresentaram escores moderados de bem-estar espiritual. Outra pesquisa mostrou que enfermeiros com menos experiência e sem religião tiveram escores mais altos de esgotamento físico e mental no trabalho (23. Esse fato chama a atenção para o questionamento sobre os fatores de risco físicos para o desenvolvimento do DORT. Se esperaria que mais tempo de atuação profissional causaria maior risco para o desenvolvimento desta condição, mas é possível que maior espiritualidade seja um fator protetor. Um programa de intervenção realizado no local de trabalho de enfermeiras coreanas teve efeitos positivos em seu bem-estar espiritual e psicossocial das participantes, por meio da implementação de um treinamento em espiritualidade (28.
Além disso, o trabalho no período diurno, assim como ser técnico de enfermagem esteve associado a escore mais alto de bem-estar religioso, sugerindo que esta categoria busca focar em práticas de dogmas religiosos. Este resultado contrasta com um estudo realizado apenas com enfermeiras de terapia intensiva coreanas, em que a pontuação do bem-estar existencial foi maior, sugerindo que elas buscam a essência da espiritualidade na busca por sentido e propósito de vida 23. Essas diferenças podem ser atribuídas a questões de ordem sociocultural.
O fato de não se encontrar associação na subescala existencial com as variáveis deste estudo pode ser por uma real inexistência de associação ou pode estar relacionado à subjetividade do tema espiritualidade, uma vez que a reflexão sobre perguntas existenciais não é tão fácil, pelo fato de haver muitas incertezas na vida. O nível socioeducacional dos participantes também pode ter influenciado os resultados para essa subescala que é mais subjetiva e exige maior profundidade reflexiva. A dimensão existencial é mais complexa do que a simples participação em uma comunidade religiosa. Na pesquisa foi identificado uma correlação, embora, de intensidade fraca (R=0,342), entre os escores do BER e BEE; sugerindo uma resposta de quanto maior o escore do BER maior o escore do BEE. Esse achado reforça que o bem-estar espiritual da amostra se associa às práticas religiosas organizacionais que as ajudam a enfrentar os sintomas da DORT.
Esses profissionais enfrentam adversidades não apenas do ponto de vista físico, mas também através de uma perspectiva fundamentada na espiritualidade. A partir desse entendimento, infere-se que a dimensão espiritual/existencial relacionados à essência da espiritualidade como propósito de vida e transcendência consigo, com os outros e o divino possam ser mais profundamente explorados. Um enfoque integral pode aumentar a resiliência e a auto eficácia dos profissionais e contribuir para a criação de estratégias mais eficazes de prevenção e enfrentamento dos DORT.
Adotar práticas de espiritualidade no cuidado de si pode ajudar no enfrentamento da vida dos profissionais de enfermagem29 assim como influenciar na saúde dessas pessoas12. O autocuidado integral da saúde inclui as dimensões física, mental, social e espiritual/existencial. Sendo assim, atividades integradas como oração, atenção plena, caminhada meditativa pode promover benefícios permitindo atingir um estado mais tranquilo e bem-estar geral para o enfrentamento das adversidades 29.
Esta pesquisa apresentou como limitação não ter conhecimento do quantitativo real de profissionais de enfermagem diagnosticados com DORT no campo de estudo e não ter comparado com esta categoria sem este acometimento. Novos estudos com desenhos longitudinais que permitam acessar um maior número de profissionais e realizar as comparações com outras variáveis como categoria profissional, gênero, ambiente de trabalho, apoio institucional, assim como outros tipos de organizações de saúde, além das públicas, podem ampliar o conhecimento da temática.
CONCLUSÃO
O estudo evidenciou, de forma mais expressiva, altos escores de bem-estar espiritual entre os profissionais com maior tempo de trabalho, afiliação religiosa e prática religiosa regular, no entanto os não religiosos obtiveram escores moderados. Os técnicos de enfermagem se constituíram como a categoria de maior pontuação na subescala de bem-estar religioso, ainda que a amostra não tenha alcançado a mesma significância estatística na subescala de bem-estar existencial nas associações realizadas. Foi possível observar que as questões de cunho existencial vão para além das práticas religiosas, embora ambas apresentem correlações significativas.
Com isso, este estudo pode contribuir para alertar e estimular a iniciativa e/ou desenvolvimento de um bem-estar espiritual de profissionais de saúde que enfrentam limitações devido aos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho. Para além disso, pesquisas futuras podem buscar outras evidências acerca do adoecimento dos profissionais de enfermagem e assim criar estratégias que ajudem na prevenção, gestão e ou assistência de enfermagem.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
13 Fev 2024 -
Aceito
28 Maio 2024