Pandemia de COVID-19 e comportamento suicida de pessoas adultas: revisão sistemática de estudos observacionais

RESUMO

Objetivo:

Analisar as evidências científicas sobre impacto da pandemia da COVID-19 no comportamento suicida de pessoas adultas.

Método:

Revisão sistemática, realizada de junho a outubro de 2022, nas bases de dados: MEDLINE/PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde, Excerpta Medica database, Cumulative Index to Nursingand Allied Health Literature, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, PsycINFO, Web of Science, Scopus, Science Direct e Google Scholar. A seleção, a extração dos dados e a avaliação da qualidade metodológica, por meio da ferramenta Methodological Index for Non-randomized Studies, foram realizadas. Considerando que a maioria dos estudos avaliados apresentaram diferenças metodológicas significativas, optou-se por realizar síntese qualitativa dos dados.

Resultados:

Foram encontrados 2112 artigos, dos quais foram selecionados oito artigos que analisaram o impacto da pandemia da COVID-19 no comportamento suicida de pessoas adultas.

Conclusão:

A pandemia da COVID-19 influenciou no comportamento suicida de pessoas adultas no mundo, em especial, quando relacionada a raça, gênero, idade, religião, problemas socioeconômicos, familiares, legais e a transtornos mentais pré-existentes, o que ocasionava maior propensão ao ato.

Descritores:
Adulto; Infecções por coronavírus; Suicídio; Ideação suicida; Pandemias; Saúde mental

ABSTRACT

Objective:

To analyze the scientific evidence on the impact of the COVID-19 pandemic on suicidal behavior in adults.

Method:

Systematic review, conducted from June to October 2022, in the following databases: MEDLINE/PubMed, Virtual Health Library, Excerpta Medica database, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Latin American and Caribbean Health Sciences Literature, PsycINFO, Web of Science, Scopus, Science Direct and Google Scholar. The selection, data extraction and assessment of methodological quality were carried out using the Methodological Index for Non-randomized Studies tool. Considering that most of the studies evaluated had significant methodological differences, it was decided to carry out a qualitative synthesis of the data.

Results:

A total of 2112 articles were found, from which eight articles were selected that analyzed the impact of the COVID-19 pandemic on suicidal behavior in adults.

Conclusion:

The COVID-19 pandemic has influenced the suicidal behavior in adults worldwide, especially when related to race, gender, age, religion, socioeconomic, family and legal issues, and pre-existing mental disorders, leading to a greater propensity for suicidal act.

Descriptors:
Adult; Coronavirus infections; Suicide; Suicidal ideation; Pandemics; Mental health

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la evidencia científica sobre el impacto de la pandemia de COVID-19 en la conducta suicida en adultos.

Método:

Revisión sistemática, realizada de junio a octubre de 2022, en las siguientes bases de datos: MEDLINE/PubMed, Virtual Health Library, Excerpta Medica database, CumulativeIndex to Nursing and Allied Health Literature, Latin American and Caribbean Health Sciences Literature, PsycINFO, Web of Science, Scopus, Science Direct y Google Scholar. Los datos fueron seleccionados, extraídos y la calidad metodológica evaluada utilizando la herramienta Methodological Index for Non-randomised Studies. Teniendo en cuenta que la mayoría de los estudios evaluados presentaban diferencias metodológicas significativas, se decidió realizar una síntesis cualitativa de los datos.

Resultados:

Se encontraron 2112 artículos, de los cuales se seleccionaron 8 artículos que analizaban el impacto de la pandemia COVID-19 sobre el comportamiento suicida en adultos.

Conclusión:

La pandemia del COVID-19 ha influido en el comportamiento suicida de adultos de todo el mundo, especialmente cuando se relaciona con la raza, el sexo, la edad, la religión, los problemas socioeconómicos, familiares y legales y los trastornos mentales preexistentes, lo que ha provocado una mayor propensión al suicidio.

Descriptores:
Adulto; Infecciones por coronavirus; Suicidio; Ideación suicida; Pandemias; Salud mental

INTRODUÇÃO

No final de 2019, o mundo se deparou, de forma abrupta e inexplicável, com o surgimento, na cidade Wuhan, na China, do novo vírus da família Coronavidae - SARS-CoV-2, responsável por ocasionar um quadro clínico de pneumonia viral que pode evoluir para insuficiência respiratória grave e morte. Tendo em vista sua alta patogenicidade, pessoas em todo o mundo foram infectadas e morreram em decorrência da doença1. Em março de 2020, ao verificar a gravidade do surto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimulou governos, pesquisadores e o setor de saúde a desenvolverem diagnóstico rápido, tratamento, vacinas e convidou a comunidade em geral a realizar ações sociais, sanitárias e de distanciamento social para evitar o surgimento de novos casos, colapso do sistema de saúde e diminuição da mortalidade2.

O Painel do WHO Coronavirus Disease (COVID-19), até maio de 2023, mostrou que houve 688.380.240 casos confirmados da COVID-19, incluindo 6.874.907 mortes notificadas à OMS, o que demonstra a extensão da gravidade da pandemia, considerada calamidade pública mundial. Nesse período, o Brasil, registrou 37.553.337 casos confirmados e 702.421 mortes, sendo considerado o quarto país com o maior número de casos no mundo3.

Nesse cenário, ações de resposta à pandemia podem ser realizadas por estágios de forma esquemática e simplificada em: contenção, mitigação, supressão e recuperação. Na contenção, observam-se casos e registram-nos em sistemas de informação. Na mitigação, realiza-se isolamento vertical, a partir do fechamento de locais de aglomeração. Já na supressão, qualquer contato é evitado, e todas as pessoas são mantidas em suas residências, saindo apenas em casos de emergência, até que se obtenha vacina - esta fase é conhecida também como isolamento horizontal. Por fim, a recuperação, que é a involução da pandemia até que esta seja residual4.

Nesse sentido, as nações adotaram, principalmente, as fases de mitigação e supressão, com isolamento vertical e horizontal. Essas medidas, embora necessárias, intensificaram o estresse, a ansiedade e a depressão da população mundial. Esses transtornos mentais potencializaram, também, o risco de instabilidades emocionais e de suicídio, visto que as pessoas precisaram se isolar e foram afastadas de familiares e amigos, devido ao surgimento de novos casos, o que gerou intenso sofrimento mental5.

O suicídio é a consequência final de múltiplas ações que põem a vida em risco. Essas ações são consideradas como comportamentos suicidas. O comportamento suicida tem como definição a preocupação, o desejo ou o ato que busca, intencionalmente, causar dano a si mesmo. Nesse sentido, a ideação (pensamento e planejamento em findar a própria vida) e comportamento e/ou condutas (tentativa de suicídio e suicídio consumado) o caracterizam6^-8.

O comportamento suicida é um problema de saúde pública e, com a pandemia da COVID-19, apresentou-se em evidência. Embora seja um evento secundário decorrente da crise sanitária, é uma manifestação psíquica que apresenta diferentes níveis de gravidade. Isso o torna um fenômeno complexo e multidimensional, principalmente devido ao aumento da vulnerabilidade psicossocial e pela familiarização com a morte e o processo de morrer, resultante dos inúmeros casos de morte ocasionados pela COVID-199^-11.

Aliado a isso, o isolamento social gerou grande choque econômico que impactou diretamente no mercado de trabalho e nas relações trabalhistas. Isso ocasionou fragilidades sociais no âmbito da previdência, o que desencadeou a aprovação de uma série de normativas para enfrentar as consequências da crise sanitária que exigia do Sistema Único de Saúde (SUS) o planejamento adequado de assistência ao cidadão. A crise gerada pela pandemia da COVID-19 mostrou, nos últimos anos, desigualdades sociais instauradas no país, bem como a fragilidade do pilar da seguridade social, escancarando a necessidade financeira de milhões de brasileiros diante da nova realidade social vivenciada. Condições financeiras precárias afetam a saúde mental, pois preocupam e geram sintomas ansiosos e depressivos que estão relacionados com o surgimento de comportamento suicida8.

Evidências científicas mostram que a existência de políticas públicas eficazes voltadas para a assistência de saúde mental e o apoio socioeconômico do governo durante a pandemia permitiram que as pessoas se sentissem menos angustiadas com a situação em que estavam inseridas e, com isso, menos comportamento suicida8^,9.

É necessário que haja atenção a essa problemática com cuidados voltados não somente ao contágio por SARS-Cov-2, mas com os eventos secundários associados à pandemia. O comportamento suicida é uma condição grave, e estratégias de acolhimento, reconhecimento precoce, rastreio, monitoramento a populações vulneráveis e efetivação das medidas de prevenção ao comportamento suicida deverão ser tomadas nos vários níveis de atenção à saúde, por equipes de profissionais de saúde qualificados, a exemplo da enfermagem10^,11.

A enfermagem como parte da equipe multiprofissional em saúde, por intermédio da escuta qualificada no momento da consulta, cria vínculos que ajudam na prevenção do comportamento suicida. O enfermeiro, por estar em constante contato com os pacientes, consegue visualizar sentimentos, condições e comportamentos que possam ser prejudiciais à saúde de pessoas em sofrimento mental e pode voltar sua assistência para o cuidado integral, aliando corpo e mente12.

A equipe de enfermagem na saúde mental é de extrema relevância, ao acolher e proporcionar a autonomia do usuário em saúde no processo de cuidado, o que promove o crescimento e desenvolvimento pessoal frente aos problemas de saúde, busca por direitos, bem como de responsabilidades que visam o autocuidado. O enfermeiro deve criar uma relação de confiança com o usuário por meio de um ambiente onde eles sintam-se seguros13. Nesse sentido, a enfermagem deve se qualificar cada vez mais e buscar o conhecimento sobre as problemáticas em saúde, a exemplo do comportamento suicida, bem como, de práticas humanizadas. As evidências sobre os impactos da pandemia no comportamento suicida implicam na importância da qualidade assistencial, em especial da enfermagem, e em estratégias que promovam saúde e previnam o suicídio.

Ou seja, objetivou-se, com esta revisão, analisar as evidências científicas sobre impacto da pandemia da COVID-19 no comportamento suicida de pessoas adultas.

MÉTODO

Trata-se de Revisão Sistemática da literatura, cadastrada na International Prospective Register of Ongoing Systematic Reviews (PROSPERO), sob registro CRD42020208816, que seguiu recomendações do protocolo Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Anslyses (PRISMA) e obedeceu às seguintes etapas para sua produção: 1) elaboração da pergunta de pesquisa; 2) busca na literatura; 3) seleção dos estudos; 4) extração dos dados; 5) avaliação da qualidade metodológica; 6) síntese dos dados; 7) avaliação da qualidade das evidências; 8) redação e publicação dos resultados14^,15.

Para a formulação da pergunta de pesquisa, utilizou-se a estratégia PICOS (Population or Pacientes/ Intervention/ Comparison/ Outcomes/ Study design)16. Com isso, obteve-se a seguinte questão de pesquisa: Qual impacto da pandemia da COVID-19 no comportamento suicida de pessoas adultas?

Os critérios de inclusão estabelecidos para este estudo foram: estudos observacionais que abordassem impactos da pandemia da COVID-19 na ideação suicida e no comportamento suicida em pessoas adultas e publicados em quaisquer idiomas. Os critérios de exclusão foram: estudos cuja população não correspondia à faixa etária de adultos; realizados com profissionais de saúde e estudantes; que relacionavam o impacto de outras pandemias no comportamento suicida entre adultos; ensaios clínicos não randomizados (ECNR); ensaios clínicos randomizados (ECR) por não ser possível testar intervenção diante de uma emergência psiquiátrica - condição que coloca em risco a vida do usuário, sobretudo, em um período de pandemia, cuja saúde mental foi extremamente afetada e estudos qualitativos. O Quadro 1 mostra critérios de elegibilidade dos estudos.

Quadro 1 -
Critérios de elegibilidade para revisão sistemática. Teresina, Piauí, Brasil, 2023

Acrômio PICOS14	Critério de Inclusão	Critério de Exclusão
P - População	Adultos de ambos os sexos, idade > 18 anos e de qualquer etnia	Crianças, adolescentes, gestantes, idosos, profissionais de saúde e estudantes de ambos os sexos
I -Intervenção/Exposição	O impacto da pandemia da COVID-19 no comportamento suicida	Outras pandemias anteriores
C - Comparação	Não se aplica	Não se aplica
O - Desfecho	Os resultados primários são a prevalência de ideação suicida, tentativa, mortalidade por suicídio e fatores relacionados	Estudos que relatam a prevalência de comportamento suicida entre adultos por outras causas além da atual pandemia de COVID-19
S - Desenho do estudo	Estudos observacionais	ECNR*; ECR†; estudos qualitativos
Linguagem	Quaisquer idiomas	Nenhum
Configurações	Quaisquer configurações	Nenhum

• Fonte: Autores, 2023.
• Legenda: *ECNR=Ensaios Clínicos Não Randomizados;^†ECR=Ensaios Clínicos Randomizados.

A seleção de estudos foi realizada nos meses de junho a agosto de 2022, na Medical Literature Analysis and Retrieval System Online via PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Excerpta Medica database (Embase), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Literatura Latino-Americana do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Psychology Information (PsycINFO), Web of Science e Scopus.

Inicialmente, a estratégia para busca dos estudos foi composta pela combinação de descritores controlados (indexados nas respectivas bases de dados) e descritores não controlados, segundo indicação de cada base, dentro de cada conjunto de termos da estratégia PICOS, utilizando o conector booleano OR e, em seguida, cruzados com o operador booleano AND.

Nesse sentido, descritores controlados foram selecionados por meio dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para BVS; Medical Subject Headings (MeSH Terms), para MEDLINE via PubMed; PsycINFO Thesaurus foi consultado para PsycINFO; Emtree terms, para Embase, e CINAHL headings, para base CINAHL. Destaca-se que a busca foi realizada a partir dos descritores identificados e com sentido ampliado, sem uso dos filtros, de modo a preservar amostras significativas e garantir menor risco de perdas. As expressões de busca nas bases de dados estão descritas no Quadro 2.

Quadro 2 -
Descritores controlados, não controlados e expressões de busca utilizadas nas bases de dados, segundo a estratégia PICOS. Teresina, Piauí, Brasil, 2023

Bases de dados	Expressões de busca
MEDLINE	((((((((((((((((((((((((((((Adult[MeSH Terms]) OR (Adult[Title/Abstract])) OR (Adult[Text Word])) OR (Adult)) OR (Adults[Text Word])) OR (Adults[Title/Abstract])) OR (Adults) ) AND ("COVID-19"[MeSH Terms])) OR ("COVID-19"[Text Word])) OR ("COVID-19"[Title/Abstract])) OR ("COVID-19")) OR ("SARS CoV 2 Infection")) OR ("SARS CoV 2 Infection"[Text Word])) OR ("SARS CoV 2 Infection"[Title/Abstract])) OR ("COVID 19 Pandemic"[Title/Abstract])) OR ("COVID 19 Pandemic")) OR ("COVID 19 Pandemic"[Text Word])) AND (Suicide[MeSH Terms])) ) OR (Suicide)) OR (Suicide[Title/Abstract])) OR (Suicide[Text Word])) OR (Suicides[Text Word])) OR (Suicides)) OR (Suicides[Title/Abstract])) OR (Suicidal Ideation[MeSH Terms])) OR (Suicidal Ideation)) OR (Suicidal Ideation[Text Word])) OR (Suicidal Ideation[Title/Abstract])
EMBASE	('adult'/exp OR adult OR 'adults'/exp OR adults) AND ('covid-19'/exp OR 'covid-19' OR 'sarscov 2 infection'/exp OR 'sarscov 2 infection' OR 'covid 19 pandemic') AND ('suicide'/exp OR suicide OR suicides OR 'suicidal ideation'/exp OR 'suicidal ideation')
PsycINFO SCOPUS CINAHL Web of Science	('adult' OR adult OR 'adults' OR adults) AND ('covid-19' OR 'sarscov 2 infection' OR 'covid 19 pandemic') AND (suicide OR suicides OR 'suicidal ideation')
LILACS BVS	(mh:(Adulto)) OR (Adulto) OR (Adultos) AND (mh:("COVID-19")) OR ("COVID-19") OR ("Pandemia COVID-19") OR ("Infecção por SARS-CoV-2") AND (mh:(Suicídio)) OR (Suicídio) OR (Suicídios) OR (Ideação suicida)

• Fonte: Autores, 2023.

Além das bases de dados citadas, realizou-se busca secundária no Google Scholar. Analisou-se também lista de referências dos estudos primários incluídos, com vistas a identificar outros estudos relevantes que pudessem ser recuperados. O software bibliográfico EndNote foi usado para armazenar, organizar e gerenciar todas as referências e garantir pesquisa sistemática e abrangente.

A primeira triagem dos estudos foi realizada a partir das informações contidas em seus títulos e resumos por dois pesquisadores independentes. Quando houve divergência entre os revisores, o estudo foi submetido a avaliação por um terceiro revisor. Após essa triagem, procedeu-se à leitura dos textos pelos mesmos pesquisadores independentes. Uma vez alcançado consenso, quanto aos estudos selecionados, um formulário padronizado foi utilizado para a extração dos dados17^,18.

As informações extraídas foram: características bibliométricas (título do estudo; título do periódico; fator de impacto; autores; país; idioma; ano de publicação; instituição anfitriã do estudo; conflito de interesse e fomento); características metodológicas (desenho do estudo; objetivo ou questão ou hipótese da pesquisa; características da amostra; métodos de recrutamento e taxas de conclusão do estudo; duração declarada do acompanhamento; análises estatísticas); principais achados e implicações para prática clínica; conclusões17^,18.

Para a avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos, utilizou-se Methodological Index for Non-randomized Studies (MINORS) - instrumento composto por oito itens, recomendado para estudos observacionais e que avalia: clareza do objetivo; inclusão de pacientes consecutivos; coleta prospectiva de dados; desfecho adequado ao objetivo do estudo; avaliação imparcial do desfecho do estudo; período de acompanhamento adequado ao objetivo do estudo; perda de seguimento inferior a 5%; cálculo prospectivo do estudo. Ele pode ser acrescido de mais quatro itens, caso seja estudo comparativo. As pontuações variam de 0 a 2 pontos: atribui-se 0 quando a informação não era relatada, 1 quando a informação era relatada inadequadamente e 2 quando a informação estava adequadamente relatada. Para estudos não comparativos, a pontuação total adequada é de 16 pontos19.

Os dados contidos no formulário foram organizados em quadro sinóptico por meio do Microsoft Word®, por dois pesquisadores, de modo independente. Considerando que a maioria dos estudos avaliados apresentaram diferenças metodológicas significativas, optou-se por realizar síntese qualitativa dos dados. Ressalta-se que, por se tratar de uma revisão sistemática da literatura, foi dispensada a submissão em Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Contudo, todos os aspectos éticos e autorais foram respeitados.

RESULTADOS

O levantamento nas bases de dados e repositórios resultou em 2112 estudos. Após isso, também, foram encontrados 34 em busca secundária no Google Scholar. A busca revelou 714 duplicatas, resultando em 1432 registros após remoção das duplicações. Na primeira triagem, baseada nos critérios de exclusão e leitura de títulos e resumos, houve exclusão de 1365 estudos. Após a elegibilidade dos 67 textos e análise crítica, oito estudos atenderam a todos os critérios de inclusão e prosseguiram para a fase final, com leitura exaustiva e síntese qualitativa. A Figura 1 mostra o fluxograma do processo de busca, de acordo com o PRISMA15.

Figura 1 -
Fluxograma do processo de Identificação, triagem e inclusão dos estudos. Teresina, Piauí, Brasil, 2023

A síntese descritiva dos estudos primários foi apresentada no Quadro 3 por meio das seguintes informações: autores e ano de publicação da pesquisa; amostra; objetivo(s), desfecho e qualidade metodológica.

Os oito estudos incluídos foram realizados em quatro países, sendo três (30%) nos Estados Unidos, um (10%) no Peru, um na Colômbia, um (10%) em Cuba, um (10%) no Nepal e um (30%) na Argentina. Também foram publicados entre os anos de 2020 a 2022, com variabilidade amostral de indivíduos de 197 a 24350 adultos, e os objetivos estavam voltados para análise, identificação, determinação, estimativa, exame e avaliação dos fatores determinantes do comportamento suicida em adultos no contexto da pandemia da COVID-1920^-27.

Nos estudos selecionados, o comportamento suicida foi avaliado por meio dos instrumentos: Formulário próprio desenvolvido pelos autores para avaliar casos de suicídio no Nepal20; Depression Scale of the Center for Epidemiological Studies (CES-D), uma ferramenta de autorrelato que consiste em 20 itens, para descrever sintomas depressivos e ansiosos21^,24; Suicide Behavior Questionnaire (SBQ), um questionário psicológico de autorrelato de 19 itens desenvolvido para identificar fatores de risco para suicídio21.

Self-Injurious Thoughts and Behaviors Interview (SITBI) instrumento estruturado de 169 itens, dividido em 5 módulos,que avaliam a presença, a frequência e características de pensamentos e comportamentos suicidas22; The Depression Symptom Index-Suicide Subscale (DSI-SS) consiste em um instrumento de 4 itens que avalia a frequência e a intensidade da ideação suicida, a formulação de planos para suicídio, a capacidade de controle dos pensamentos suicidas e os impulsos relacionados ao suicídio durante as últimas 2 semanas23.

Measures the perception or belief of possible situations after COVID-19 infection (MPBS - COVID - 19), questionário que contém 7 itens que avaliam a percepção de vida da pessoa contaminada pela COVID-1925; Beck Suicidal Ideas Scale (SSI) é um instrumento de 19 itens que avalia a presença e a intensidade de pensamentos suicidas na semana anterior à avaliação26; Beck Depression Inventory (BDI-II) é um inventário de classificação de autorrelato de 21 itens que mede atitudes e sintomas característicos da depressão, e o State-Trait Anxiety Inventory (STAI) é uma escala de autorrelato com 40 itens que avalia dimensões separadas de ansiedade “estado” e “traço”27. Os escores no MINORS dos estudos quanto à avaliação da qualidade metodológica variou de 5 a 9 pontos20^-27.

Os estudos evidenciaram que a pandemia impactou no comportamento suicida de indivíduos adultos durante a pandemia20^-27. Observou-se, também, a existência de fatores que potencializaram o comportamento suicida durante a pandemia da COVID-19, como: gênero20^,23^,27, raça, ser imigrante21, ser solteiro(a) com filhos21^,22^,27, problemas conjugais e legais22 medo de contaminação/isolamento social22, problemas socioeconômicos23^,27, idade24^,25^,27, religião evangélica25, sofrimento mental (depressão, estresse, insônia, frustração e solidão)21^-24^,26^,27⁾ e fatores pré-existentes (sexo, idade, renda econômica, presença de histórico de transtorno mental e histórico de tentativa de suicídio) associados ao estado de saúde mental27.

Quadro 3 -
Descrição dos estudos incluídos na Revisão Sistemática. Teresina, Piauí, Brasil, 2023

Autores/Ano/País	Objetivo	Amostra	Instrumentos utilizados	Desfechos	MINORS
Acharya B, Subedi K, Acharya P, Ghimire S. (2021) Nepal20	Identificar os impactos da pandemia nos suicídios por gênero e província.	24350 adultos	Formulário próprio	Entre julho de 2017 e junho de 2021, 24.350 pessoas cometeram suicídio no Nepal, entre as quais, aproximadamente, 58% eram do sexo masculino e 42% do sexo feminino. A taxa média anual de suicídio durante quatro anos da janela de estudo foi de 21,3 por 100.000. Os homens tiveram uma maior taxa de suicídio (26,9 por 100.000) do que as mulheres (16,5 por 100.000). O número de suicídios mostrou uma variação sazonal substancial com números mensais de suicídio variando de 368 a 569, 413 a 604 e 394 a 838 em 2018, 2019 e 2020, respectivamente. Houve o aumento anual da taxa de suicídio de 2019 a 2020 (5898 a 6968 suicídios - aumento de 16%), o que é três vezes maior do que um aumento anual na taxa de suicídio de 2018 a 2019 (entre 5509 a 5898 suicídios - aumento de 5%). Todos os meses de pandemia, exceto abril e maio de 2020 e fevereiro e março de 2021, tiveram uma taxa de suicídio significativamente maior em comparação com os mesmos meses de 2019. Em comparação com o mesmo mês de 2019, julho de 2020 teve o maior aumento na taxa de suicídio com incremento de 55% (IRR = 1,55, 95% IC: 1,39 - 1,73), seguido por junho de 2020 (IRR = 1,33, 95% IC: 1,20 - 1,48).	6
Fitzpatrick KM, Harris C, Drawve G. (2020) EUA21	Examinar a associação entre vulnerabilidade social, risco individual e de recursos sociais/ psicológicos ocasionados pela pandemia de COVID-19 com o suicídio de adultos	10.368 adultos	SBQ ‡ CES-D §	Negro(a), hispânico(a), pessoas nascidas fora dos Estados Unidos, ser solteiro(a) e com filhos apresentaram maior pontuação no SBQ em comparação com nativos americanos (p<0,000), o que representa maior risco de suicídio.	8
Bryan CJ, Bryan AO, Baker JC. (2020) EUA22	Identificar as principais fontes de estresse (depressão, sofrimento emocional e ideação suicida), descrever as taxas de resultados de saúde mental e examinar suas associações entre adultos nos EUA durante os primeiros meses da pandemia de COVID-19.	10.625 adultos	SITBI*	A probabilidade de ideação suicida no começo da pandemia era significativa, principalmente entre quem tinha problemas com cônjuge ou parceiro (OR = 1,46, IC 95% = 1,16-1,83, p = 0,001) e outros problemas, não especificados, com a lei (OR = 1,85, 95% IC = 1,31-2,62, p <0,001). Também a probabilidade de suicídio aumentou significativamente entre aqueles que relatam medo de doença com risco de vida em amigo próximo ou membro familiar (OR = 2,26, IC 95% = 1,48-3,46, p <0,001), que tiveram contas ou despesas inesperadas que não poderia ser pago facilmente (OR = 0,41, IC 95% = 0,24-0,70, p = 0,001). No subconjunto de participantes que relataram ideação suicida no mês anterior (n = 489), apenas o medo sobre uma doença com risco de vida em amigo próximo ou membro da família foi associada ao aumento da probabilidade de tentativa de suicídio(OR = 3,87, 95% IC = 2,14 - 6,99, p< 0,001).	7
Gratz KL, Tull MT, Richmond JR, Edmonds KA, Scamaldo KM, Rose JP, et al.(2020) EUA23	Analisar associação entre isolamento social relacionado à COVID-19, perda do emprego, sentimentos de frustração e solidão com o risco de suicídio	500 adultos	DSI-SS**	A perda de emprego na pandemia foi associada ao risco de suicídio devido à percepção de sobrecarga. O modelo geral foi significativo, respondendo por 29% da variância (OR= 7, 49 IC 95% = 28.62, p < 0,001). A relação indireta de permanência em casa para risco de suicídio devido ao sentimento de frustação e solidão, foi significativo, levando em conta 12% da variação no risco suicídio (OR = 8, 491 IC 95% = 8.21, p < 0,001).	7
Caballero-Domínguez CC, Jiménez-Villamizar MP, Campo-Arias A. (2020) Colômbia24	Estimar a presença e algumas variáveis associadas ao alto risco de suicídio durante o confinamento por COVID-19 em adultos da população colombiana.	545 adultos	CES-D †	7,6% da amostra demonstrou alto risco de suicídio durante a pandemia. A idade adulta emergente (>18 anos < 30 anos) foi significativamente relacionada ao alto risco de suicídio, durante a pandemia de COVID-19 (OR=2,23, IC 95% = 1,21-4,12). Além disso, associação entre o risco de suicídio e pessoas que apresentavam estresse devido à COVID-19 (OR=12.69, IC 6.32-25.68; p=0,074), episódios depressivos (OR= 8.49 IC 95% = (2.58-27.99 p=0,22) e insônia (OR = 9.91 IC 95% = (3.14-15.21 p=0,93).	5
Mejia CR, Quispe-Sancho A, Rodriguez-Alarcon JF, Casa-Valero L, Ponce-López VL, Varela-Villanueva ES, et al. (2020) Peru25	Determinar os fatores associados ao suicídio frente à COVID-19	2.422 adultos	MPBS - COVID - 19**	Evidenciou-se que, quanto maior a idade, maiores as chances de suicídio se infectados (OR=1,013 IC 95% = 1,002-1,023 p= 0,014). Evangélicos tiveram mais propensão ao suicídio (OR =1,44 IC 95% = 1,00-2,07; p = 0,048) e os agnósticos foram que apresentaram menores índice (OR = 0,47 IC 95% = 0,26-0,84 p = 0,011).	6
Arias Molina Y, Herrero SolanoY, Cabrera Hernández Y, ChibásGuyat D, García Mederos Y, et al. (2020) Cuba26	Identificar manifestações psicológicas frente à situação epidemiológica provocada pela COVID-19	197 adultos	SSI ††	A ideia suicida se manifestou em 1,52% dos adultos. Esse estudo demonstrou que a ideação suicida não era tão alta entre as pessoas pesquisadas, embora elas tivessem sua saúde mental afetada por fatores externos, sejam por transtornos já diagnosticados ou por estressores mentais associados à pandemia.	8
LópesSteinmetz LC, Dutto Florio MA, Leyes CA, Fong SB, Rigalli A, Godoy JC, et al. (2021) Argentina27	Analisar as diferenças no estado de saúde mental (depressão, estado de ansiedade, traços de ansiedade e risco de suicídio), durante três subperíodos de quarentena (desde a primeira extensão de quarentena); avaliar várias relações entre cada indicador do estado de saúde mental e fatores potencial- mente afetantes.	1100 adultos	BDI-II ‡‡ STAI §§	Na depressão, os fatores como sexo (mulher), idade (mais jovem), presença de histórico de transtorno mental, histórico de tentativa de suicídio (tendo efeito inverso quando ausente e efeito direto quando presente) e maior duração das extensões de quarentena (segunda/terceira extensão e quarta extensão) (F (7 e 1092) = 36,95, valor p < 0,001, Resíduos: −42,89 a 39,50; AIC = 5660,25). Com relação ansiedade fatores como sexo (mulher), idade (mais jovem), renda econômica (quando disponível, tem efeito inverso), presença de histórico de transtorno mental e histórico de tentativa de suicídio (tendo efeito inverso quando ausente e efeito direto quando presente) (F (6 e 1093) = 75,83, valor p < 0,001, Resíduos: −34,53 a 30,63; AIC = 5123,92). Traços de ansiedade, o modelo mínimo adequado incluiu os preditores: sexo (mulher), idade (mais jovem), renda econômica (quando disponível, tem efeito inverso), presença de histórico de transtorno mental e histórico de tentativa de suicídio (tendo efeito inverso quando ausente e efeito direto quando presente) (F(6 e 1093) = 75,83,valor p < 0,001, Resíduos: −34,53 a 30,63; AIC = 5123,92. Risco de suicídio, o modelo mínimo adequado incluiu todos os mesmos preditores quanto a traços de ansiedadeF(6 e 1093) = 90,47, valor p < 0,001, Resíduos: -38,17 a 49,69; AIC = 5715,52.	9

• Fonte: Autores, 2023.
• Legenda: *SITIB - Self-Injurious Thoughts and Behaviors Interview; †CES-D-IS - Depression Scale of the Center for Epidemiological Studies; ^‡SBQ - Suicide Behavior Questionnaire; ^§DSI- SS - The Depression Symptom Index-Suicide Subscale; **MPBS - COVID - 19 - Measures the perception or belief of possible situations after COVID-19 infection; ^††SSI - Beck Suicidal Ideas Scale; ^‡‡BDI- II - Beck Depression Inventory; ^§§STAI - State-Trait Anxiety Inventory.

DISCUSSÃO

Esta revisão evidenciou que a pandemia pelo novo coronavírus tem impactado no comportamento suicida em pessoas adultas20^-27. Em tempos de pandemia da COVID-19, é importante destacar que existem fatores secundários que potencializam o comportamento suicida, como: gênero20^,23^,27, raça, ser imigrante21, ser solteiro(a) com filhos21^,22^,27, problemas conjugais e legais22 medo de contaminação/isolamento social22, problemas socioeconômicos23^,27, idade24^,25^,27, religião evangélica25, sofrimento mental (depressão, estresse, insônia, frustração e solidão)21^-24^,26^,27⁾ e fatores pré-existentes (sexo, idade, renda econômica, presença de histórico de transtorno mental e histórico de tentativa de suicídio) associados ao estado de saúde mental27.

Nesse cenário, em um estudo realizado no Nepal, 58% dos adultos que haviam cometido suicídio, entre os anos de 2017 a 2020, eram homens20. Acredita-se que o sexo masculino esteja mais suscetível à COVID-19, pois, em maior parte, são provedores de seus lares. A exposição ao coronavírus ocasiona o medo de contrair a doença, o que pode resultar em comportamento suicida, pois gera sofrimento mental (angústia, estresse, ansiedade). Outro ponto a destacar é que os homens acessam menos os serviços de saúde, devido a preconceitos e estigmas, desconhecimento sobre doenças e funcionamento dos dispositivos de saúde, como também por desigualdades socioeconômicas e culturais28^,29.

Contudo, outro estudo, que observou fatores pré-existentes (sexo, idade, renda, presença de histórico de transtorno mental e histórico de tentativa de suicídio) associados ao estado de saúde mental, mostrou que o comportamento suicida em mulheres foi mais elevado do que os homens, especialmente, quando estas eram diagnosticadas com depressão (F (7 e 1092) = 36,95, valor p < 0,001, Resíduos: −42,89 a 39,50; AIC = 5660,25) e ansiedade (F (6 e 1093) = 75,83, valor p < 0,001, Resíduos: −34,53 a 30,63; AIC = 5123,92)27. Mulheres são mais diagnosticadas para esses transtornos, pois costumam ter uma busca maior pelos serviços de saúde. Isso decorre de uma preocupação mais efetiva com a saúde, em comparação aos homens. Além disso, a ansiedade e a depressão possuem uma relação direta com o sofrimento mental que, aliado à pandemia da COVID-19, intensificou comportamento suicida28^,29.

Outro dado evidenciado, além do gênero, foi que a cor influencia no comportamento suicida, visto que negros e pardos, historicamente, estão mais expostos a situações de vulnerabilidade e de exclusão social21^,30. Negros e pardos, especialmente do gênero feminino, estão entre os mais atingidos pela pandemia da COVID-19 e possuem o maior risco de óbito. Essas pessoas, em sua maioria, para além das questões de gênero, sofrem com o racismo estrutural e institucional, que dificulta o acesso integral aos serviços de saúde devido à marginalização em que se encontram29^-31.

Em um estudo realizado nos Estados Unidos, também foi evidenciado que negros(as), imigrantes hispânicos(as)e solteiros(as) com filhos apresentaram maior pontuação na SBQ na pandemia, em comparação aos nativos americanos (p<0,000)21, o que corrobora o estudo realizado no Nepal20. Essa vulnerabilidade fundamenta-se no estigma social, comum a essas pessoas, que, muitas vezes, sofrem racismo por suas características físicas e hábitos culturais diferentes do padrão estadunidense. Além disso, a dificuldade de acesso aos insumos e serviços e a ausência de sistema de saúde gratuito e universal, durante a pandemia da COVID-19, aliadas ao medo da contaminação e da morte, por parte dessas minorias, proporcionaram frustração, angústia e sentimento de não pertencimento, intimamente relacionados ao comportamento suicida21.

Ademais a suspensão das atividades, devido ao isolamento social, acarretou uma sobrecarga maior a pais que eram solteiros, especialmente, no caso de mulheres. Essas pessoas tiveram que readaptar suas rotinas e responsabilidades familiares que,somadas à convivência familiar 24 horas por dia, sete dias por semana, trouxeram à tona conflitos que desgastam emocionalmente32.

Esses conflitos podem ocasionar problemas conjugais, e evidências científicas detectaram que pessoas mantidas em isolamento e distanciamento social vivenciaram um sofrimento significativo expresso na forma de sintomas de ansiedade, raiva, confusão, medo e estresse pós-traumático. Isso afetou diretamente nas relações familiares22. Além disso, os efeitos da pandemia na qualidade e na estabilidade do relacionamento conjugal variaram de acordo com a natureza dos estressores relacionados à COVID-19 e aos aspectos psicossociais, econômicos e culturais nos quais os casais estavam inseridos. Aqueles que vivenciaram elevado estresse e tiveram processos de relacionamento menos adaptativos correram o maior risco de desgaste no relacionamento, chegando ao divórcio31. Também o medo de que cônjuges, familiares e amigos fossem contaminados pelo SARS-Cov-2 refletiu em sofrimento mental, pois a possibilidade de gravidade dos sintomas e a morte podem gerar ansiedade, crises de pânico, sintomas depressivos e comportamento suicida22.

Ainda com relação ao isolamento social, muitas questões passaram a ser resolvidas de forma mais lenta e remota, a exemplo de processos judiciários, o que gerou ansiedade e estresse por parte das pessoas. As incertezas com relação ao curso da pandemia ocasionaram preocupação com a realização de atividades corriqueiras. Ou seja: pessoas com problemas de cunho legal tiveram mais propensão ao comportamento suicida, por não saberem se iriam conseguir resolver suas questões22.

Percebe-se por meio dessa revisão que a permanência em casa foi um fator desencadeador do sofrimento mental durante a pandemia, uma vez que os adultos não estavam preparados psicologicamente para o isolamento, e muitos adoeceram, não somente pelo vírus, mas mentalmente, impactando no surgimento de ideação suicida23^,27. Pesquisadores observaram que sentimentos de frustação e solidão foram frequentes e estão associados ao risco de suicídio (p<0,001)23.

Estudos corroboraram isso, pois adultos residentes nos Estados Unidos declararam que tiveram ideação suicida no início da pandemia, principalmente, quando o isolamento social foi mais efetivo21^-24. Por exemplo, no Nepal, as taxas de suicídio tiveram um aumento significativo de 16% entre 2019 e 2020, em comparação aos 5% nos anos de 2018 e 2019. Também, comparando-se dados entre os meses julho de 2019 e julho de 2020, este último mês apresentou um aumento na taxa de suicídio com incremento de 55% (IRR = 1,55, 95% IC: 1,39 - 1,73), seguido por junho de 2020 (IRR = 1,33, 95% IC: 1,20 - 1,48)20.

Outro ponto evidenciado foi que, quanto maior a idade, maiores as chances de os adultos tomarem uma decisão fatal contra a própria vida (OR=2,23, IC 95% = 1,21-4,12)24⁾ (OR=1,013 IC 95% = 1,002-1,023 p= 0,014)27. A idade aumenta o risco de morte por COVID-19, devido à fragilização do corpo que ocorre com o passar do tempo, e isso,quando associado a outras comorbidades, favorece a rápida disseminação do vírus no organismo e piora a gravidade de sinais e sintomas. Além disso, o isolamento social e o afastamento de familiares e amigos ocasionaram quadros depressivos e comportamento suicida em adultos mais velhos, pois houve a diminuição do nível de atividades corriqueiras (trabalho, lazer, estudos) as quais proporcionavam o bom funcionamento de funções cognitivas (memória, atenção, raciocínio, solução de problemas) e sensação de bem-estar33.

Nesse sentido, em uma perspectiva psicossocial, um dos meios de suporte emocional e da sensação de bem-estar, durante a pandemia, é a religião. Essa última se mostrou como um fator protetor, principalmente, a quadros depressivos25. Contudo, um estudo realizado com evangélicos mostrou que estes apresentaram maiores índices de ideação suicida (OR =1,44; IC 95%=1,01-2,07; p=0,048) em comparação a agnósticos (OR=0,47; IC 95%=0,26-0,84; p=0,011)25. Isso pode ser decorrente da associação entre algumas igrejas evangélicas e o negacionismo religioso (a recusa em fechar os templos religiosos; o uso de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento da doença; as desconfianças com relação às vacinas; a negação da eficácia do uso de máscara facial; a defesa de falsas terapias; a falácia de que a contagem de mortes foi exagerada, coincidindo com as fake news sobre a pandemia), o que expôs muitas pessoas ao risco de contaminação, bem como ao aumento do número de casos, que ocasiona comportamento suicida, devido ao medo da morte pela COVID-1934.

Diante das repercussões causadas pela pandemia do novo coronavírus aqui apontadas, o desemprego foi outro problema observado, principalmente, no período das medidas protetivas, pois houve fechamento de vários serviços/empresas que, consequentemente, não conseguiram manter seus funcionários, contribuindo negativamente para a situação socioeconômica de muitos adultos e para o bem-estar psicossocial23^,27. Verificou-se associação entre perda de vínculo empregatício no período da pandemia com alto risco de tentativa de suicídio (p<0,001)23. Este desfecho pode ser explicado pelo sentimento de fracasso, exacerbado pela cobrança da sociedade para seguimento dos padrões sociais: bom emprego, estabilidade financeira e obtenção de bens materiais29.

Aliado a isso, devido ao grande número de mortes, muitas pessoas consideradas responsáveis pelo sustento familiar morreram e deixaram dependentes. Essas pessoas, em vulnerabilidade social, passaram a necessitar de políticas públicas em tempos de insegurança, calamidade, desamparo e trabalho informal9. Uma revisão demonstrou que países que tinham apoio governamental durante a pandemia conseguiram prevenir o suicídio e promover saúde mental11.

Nesse contexto, pode-se observar que o sofrimento mental foi potencializado durante a pandemia, o que implica também, na piora de sinais e sintomas de pessoas que tinham diagnóstico de transtornos mentais. Dentre os problemas mentais mais predominantes e que atuaram no comportamento suicida de adultos, estavam a depressão, a ansiedade e o transtorno de estresse pós-traumático21^,22^,24^,26^,27. Estudos que avaliaram esses transtornos na população adulta, no período da pandemia, identificaram um alto risco de comportamento suicida, que variou de 1,52% a 7,6% entre as amostras dos estudos24^,26.

Também em outro estudo realizado na Argentina, foi evidenciada a influência da pandemia no estado de saúde mental dos participantes. Depressão, ansiedade, traços de ansiedade e ideação suicida foram avaliados. Esses transtornos associados a fatores preditores (gênero, renda, idade, presença de transtornos mentais e histórico de tentativa de suicídio) pioram a saúde mental desses indivíduos, o que pode resultar no risco de suicídio. O risco de suicídio foi evidente para esses adultos durante a extensão da quarentena, principalmente associado aos fatores preditores citados anteriormente (p < 0,001)27.

Todas essas evidências demonstram que o enfrentamento da pandemia da COVID-19 necessita de ações estratégicas para além da mitigação20^-27. A compreensão do homem como ser biopsicossocial demanda ações de cuidado que contemplem a sua multidimensionalidade. Assim, é preciso priorizar o impacto dessa pandemia no comportamento suicida em pessoas adultas numa perspectiva global. É importante ressaltar que políticas públicas direcionadas para a redução da vulnerabilidade social, garantia do direito à vida em todas as suas esferas, permitem qualidade de vida e garantem a promoção à saúde mental.

Além disso, é necessário que a saúde coletiva esteja voltada para atividades que maximizem as atividades no âmbito comunitário, o que é fundamental para a implementação das políticas públicas e obtenção de ganhos em saúde. E a enfermagem, como maior grupo de profissionais na saúde e presente nas múltiplas áreas, desenvolvendo ações de cuidado, é essencial para que essas políticas públicas sejam construídas, pois recebe esse usuário e acompanha suas demandas constantemente, o que permite o entendimento sobre as carências em saúde da população35.

Esse acompanhamento e o processo de cuidados,em especial em saúde mental, são embasados em concepções teóricas que visam atender às necessidades biopsicossociais das pessoas em sofrimento psíquico, bem como na criação de um plano assistencial que proporcione a estabilização de sinais e sintomas no momento de crise e do seguimento terapêutico. Isso contribui para a recuperação psicossocial e melhora do sofrimento mental que está intimamente relacionado ao comportamento suicida36^,37.

Com isso, a equipe de enfermagem, ao acompanhar o processo de recuperação e da realização de condutas terapêuticas que tratam não somente as demandas de saúde do indivíduo, reconhece os contextos nos quais este se encontra inserido, como também acolhe a família e inclui ações na comunidade, no intuito de proporcionar uma discussão coletiva multidisciplinar, aspecto importante na saúde mental. Isso auxilia na prevenção de comportamentos que podem ser prejudiciais à saúde, a exemplo do comportamento suicida. Ao identificar os múltiplos e complexos fatores ligados ao comportamento suicida, o profissional identifica a relevância do acolhimento, da escuta qualificada e da articulação entre as redes de saúde para prevenção e controle de novos casos de suicídio13.

Tendo em vista o curso da COVID-19 no mundo, este estudo apresenta, como limitação, reduzida quantidade de estudos que investigaram o impacto desta pandemia no comportamento suicida, o que dificulta a criação de políticas públicas e de ações em saúde voltadas para a prevenção do suicídio, uma problemática grave. Além disso, o desfecho analisado envolve estigmas, que contribuem para a subnotificação dos casos.

CONCLUSÃO

A pandemia da COVID-19 impactou no comportamento suicida de adultos. Além disso, a presença de fatores secundários pode potencializar a problemática do suicídio, como: raça, gênero, idade, religião, problemas socioeconômicos, familiares, legais e a transtornos mentais pré-existentes. Percebe-se, por meio dessa revisão, que pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social, bem como aquelas que apresentavam diagnóstico de transtornos mentais,estão mais suscetíveis ao sofrimento mental ocasionado pela pandemia, em especial, quando há escassas políticas públicas governamentais que previnam o suicídio e promovam a saúde mental.

Diferentes estratégias devem ser aplicadas para a redução da vulnerabilidade social desses indivíduos, problema evidenciado com a crise sanitária e que está diretamente relacionado ao comportamento suicida. As ações deverão estar destinadas não somente ao acesso integral à saúde, mas no atendimento aos direitos básicos desses indivíduos, como alimentação, redução da insegurança alimentar, melhoria das condições de moradia, de higiene e saneamento básico nos domicílios, acesso à educação e geração de renda. O atendimento a essas necessidades básicas garante uma vida com mais qualidade e, consequentemente, menos sofrimento mental.

Pesquisas voltadas para essa temática ampliam a discussão sobre o adoecimento mental e a importância de uma assistência holística e humanizada. Além disso, traz dados que poderão ser utilizados no ensino na área da saúde, da enfermagem e na promoção de um cuidado direcionado às peculiaridades e demandas de cada pessoa, visto que o cuidado em saúde mental é complexo e requer o reconhecimento dos contextos nos quais cada indivíduos e encontra inserido. Novas investigações são fundamentais para a obtenção de mais dados, que servirão de subsídios para a criação de políticas públicas e ações direcionadas à prevenção do comportamento suicida, principalmente no período pandêmico.

Ademais, os dados podem repercutir no cuidado de enfermagem em saúde mental, uma vez que oportunizam práticas humanizadas em saúde e auxiliam na criação de modelos de cuidado, além de poder favorecer o reconhecimento do trabalho do enfermeiro no tratamento aos usuários dos serviços de saúde mental.

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Editado por

Editor associado:

Heloísa Garcia Claro Fernandes

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Ago 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  15 Set 2023
• Aceito
  04 Abr 2024