Enfermagem e o gerenciamento de resíduos nos serviços de saúde: desvelando significados no contexto hospitalar

RESUMO

Objetivo:

Desvelar os significados que profissionais de enfermagem atribuem às práticas relacionadas ao gerenciamento de resíduos nos serviços de saúde, no contexto hospitalar.

Método:

Pesquisa qualitativa, cujos referenciais teórico e metodológico foram, respectivamente, a Teoria da Complexidade e Grounded Theory. Participaram do estudo 30 profissionais de enfermagem de um hospital público do Rio de Janeiro, entre janeiro e agosto de 2022. A entrevista semiestruturada foi utilizada para a coleta de dados.

Resultados:

Os profissionais sinalizam a necessidade de melhores conhecimentos sobre gerenciamento de resíduos de serviços de saúde, ao tempo que revelam compreender a importância desse processo e de si mesmos como elementos importantes para impactarem o meio ambiente e a saúde.

Conclusão:

A complexidade dos significados atribuídos às práticas de gerenciamento de resíduos de saúde sinaliza a dialógica entre a fragilidade de conhecimento dos profissionais de enfermagem e suas percepções ampliadas sobre os impactos que podem exercer nessa realidade.

Descritores:
Enfermagem; Gerenciamento de resíduos; Serviço hospitalar de enfermagem; Desenvolvimento sustentável; Ecologia; Meio ambiente

ABSTRACT

Objective:

To unveil the meanings that nursing professionals attribute to practices related to waste management in health services, within the hospital context.

Method:

Qualitative research, whose theoretical and methodological references were, respectively, Complexity Theory and Grounded Theory. A total of 30 nursing professionals from a public hospital in Rio de Janeiro participated in the study, between January and August 2022. A semi-structured interview was used for data collection.

Results:

The professionals indicate the need for better knowledge about waste management in healthcare services, while revealing their understanding on the importance of this process and of themselves as important elements in impacting the environment and health.

Conclusion:

The complexity of the meanings attributed to healthcare waste management practices indicates the dialogue between the fragility of nursing professionals’ knowledge and their expanded perceptions about the impacts they can have on this reality.

Descriptors:
Nursing; Waste management; Nursing service hospital; Sustainable development; Ecology; Environment

RESUMEN

Objetivo:

Revelar los significados que los profesionales de enfermería atribuyen a las prácticas relacionadas con la gestión de los residuos de los servicios de salud, en el hospital.

Método:

Investigación cualitativa, cuyos referentes teóricos y metodológicos fueron, respectivamente, la Teoría de la Complejidad y la Teoría Fundamentada. Participaron en el estudio 30 profesionales de enfermería en un hospital en Rio de Janeiro, entre enero y agosto de 2022. Para la recolección de los datos se utilizó la entrevista semiestructurada.

Resultados:

Los profesionales señalan la necesidad de un mejor conocimiento sobre la gestión de residuos en los servicios de salud, al tiempo que revelan que comprenden la importancia de este proceso y de ellos mismos como elementos importantes para impactar el medio ambiente y la salud.

Conclusión:

La complejidad de los significados atribuidos a las prácticas de gestión de residuos de salud señala el diálogo entre la fragilidad del conocimiento de los profesionales de enfermería y sus percepciones ampliadas sobre los impactos que pueden tener en esa realidad.

Descriptores:
Enfermería; Administración de residuos; Servicio de enfermería en hospital; Desarrollo sostenible; Ecología; Ambiente

INTRODUÇÃO

Os progressos tecnológicos e biotecnológicos trouxeram importantes benefícios para a humanidade através da diversidade dos produtos e materiais produzidos e disponibilizados no mercado para consumo humano1^,2. Depreende-se dessa conjuntura a relação entre desenvolvimento tecnológico, produção em larga escala e mudanças comportamentais a partir do consumo de produtos. Todavia, essa realidade apresenta reflexos na intensa produção de resíduos sólidos, que vem crescendo em ritmo expressivo, em diversos setores da sociedade3.

Paradoxalmente, têm-se como resultados os impactos no meio ambiente4 e, por conseguinte, mediante uma perspectiva sistêmica, reflexos na saúde e no desenvolvimento das pessoas5. Ademais, esse paradoxo é de ordem complexa e envolve o comportamento humano a partir da lógica de desenvolvimento pautada no plano cartesiano de produção e consumo de bens e serviços, sem, contudo, considerar na mesma intensidade a relação com o meio ambiente. Como consequência está a potencialização de vulnerabilidades globais e sistêmica da vida no planeta, resultando em graves problemas sanitários, ambientais, sociais e econômicos6, dos quais destacam-se os resíduos remanescentes do consumo humano.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pela Resolução Diretoria Colegiada (RDC) nº 222/2018, que direciona os estabelecimentos e a sociedade quanto ao manejo correto dos resíduos, apresenta classificação para tais itens conforme suas origens, em: industriais, domésticos, hospitalares, agrícolas, comerciais e de varrição7. Nessa conjuntura, dentre os resíduos sólidos destacam-se os Resíduos dos Serviços de Saúde (RSS). Nesse grupo, está o resíduo hospitalar, que é definido como qualquer produto gerado no diagnóstico, tratamento, imunização de seres humanos ou animais, ou em pesquisas em um local em que os cuidados de saúde são fornecidos. Inclui todos os materiais utilizados durante o tratamento fornecido aos pacientes, bem como todos os itens contaminados por fluidos perigosos, como: sangue, urina, fezes e outros fluidos corporais8.

As questões que envolvem os RSS ocupam um espaço expressivo no calendário de discussões devido à crescente preocupação com a preservação dos recursos naturais e da saúde pública associados a esses resíduos. Assim, faz-se oportuno destacar que, durante os cuidados de saúde no ambiente hospitalar, inúmeros materiais são utilizados, contribuindo para a geração de diferentes resíduos. Estes, quando gerenciados indevidamente, oferecem riscos à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente9.

Para abordar a problemática centrada na produção e gerenciamento de RSS, a perspectiva sistêmica sobre os fenômenos complexos pode sinalizar horizonte paradigmático relevante diante do enfrentamento desse desafio. Essa perspectiva sinaliza a necessidade de um pensamento capaz de estabelecer conexões entre as partes, em uma lógica não linear de causa e efeito10^,11. É nesse sentido, por exemplo, que se corrobora o entendimento de que o manuseio inadequado de resíduos pode resultar em graves consequências para a manutenção e equilíbrio do ecossistema, ocasionando a rápida degradação do meio ambiente associada ao aquecimento global, de modo a determinar mudanças climáticas.

Em uma projeção contextual, tem-se que todo o processo de geração e eliminação de resíduos é de interesse local e global, visto que diversos pactos e tratados tendem a discutir estratégias que minimizem os impactos gerados pelo lixo no planeta12. É desse modo que o gerenciamento de RSS deve ser compreendido e apreendido nas rotinas assistenciais de saúde.

Na produção de cuidados de saúde, dependendo das intervenções realizadas, torna-se inevitável que resíduos sejam gerados, entretanto, pensar a assistência de maneira sustentável deve fazer parte do cotidiano dos profissionais de saúde13, haja vista que o gerenciamento de RSS só pode ser concebido e processado em sua perspectiva sistêmica, integrada, conectada entre todas as partes, o que faz dessa realidade uma responsabilidade de todos os trabalhadores de saúde, bem como dos tomadores de decisão na esfera legislativa e na gestão pública14.

A necessidade de se repensar os padrões de consumo e reduzir a geração de resíduos, assegurando que esses sejam sustentáveis, além de outras agendas, é uma preocupação e um chamado a todas as nações pela Organização das Nações Unidas (ONU), concretizada por meio da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que abrange os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluindo aquele que trata da redução substancial de geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reuso15.

A enfermagem, por conformar a maior categoria profissional dos recursos humanos da saúde, com aproximadamente, no ano de 2020, cerca de 27,8 milhões desses profissionais no mundo16, corresponde, no Brasil, um contingente de mais de 2.700.000 profissionais17. Assim, têm-se, nessa profissão, verdadeira fortaleza de estratégias e força motriz para interferência na geração e gerenciamento de RSS no contexto hospitalar. Entretanto, muito além da projeção numérica, a enfermagem pode impactar o gerenciamento de RSS a partir da sua práxis profissional no âmbito hospitalar.

Há que se valorizar, portanto, os significados que podem mobilizar esforços da enfermagem para uma prática profissional capaz respeitar a sustentabilidade, logo, este estudo apresenta como pressuposto o pensamento de que as implicações da enfermagem para o gerenciamento de RSS podem ser afetadas pelo modo como esses profissionais significam a realidade aqui problematizada. Diante do exposto e da escassez de estudos que evidenciem respostas, cabe questionar: quais significados a equipe de enfermagem, no contexto hospitalar, atribui às práticas relacionadas ao gerenciamento de resíduos de serviços de saúde?

O objetivo desta pesquisa foi, portanto: desvelar os significados que profissionais de enfermagem atribuem às práticas relacionadas ao gerenciamento de resíduos nos serviços de saúde, no contexto hospitalar.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, cujo referencial teórico foi a Teoria da Complexidade, na perspectiva de Edgar Morin11. Para o processo analítico dos resultados, utilizou-se a Grounded Theory (GT)18, método que consiste em intensa análise comparativa entre etapas da construção de conceitos/categorias e que dispõe de ferramentas analíticas e epistemológicas para o ordenamento paradigmático dos conceitos/categorias.

A Teoria da Complexidade estabelece nexos, a partir de seus princípios e conceitos, com o objeto da pesquisa, pois, entre outros, está o conceito da ecologia da ação, em que um desdobramento inicial pode resultar em consequências inimagináveis, que fogem do controle do autor que gerou a ação inicial11. Desse modo, corrobora-se o entendimento de que o gerenciamento de RSS pode ser ação capaz de sofrer importantes retroações e, com isso, resultar na transformação para reduzir impactos ecológicos decorrentes desse processo.

O cenário da pesquisa foi um hospital universitário federal, portanto, vinculado aos Ministérios da Saúde e Educação, situado na cidade do Rio de Janeiro - RJ. O referido hospital conta com cerca de 550 leitos e recebe, em média, cerca de 200 internações/dia, para diversas especialidades clínicas. Em virtude da pesquisa em tela buscar desvelar os significados sobre as práticas relacionadas ao gerenciamento de RSS, no contexto hospitalar, tem-se que o cenário conforma contexto propício para o campo abrangente relacionado ao objeto da pesquisa. Cumpre mencionar que o estudo envolveu os setores de clínica médica e cirúrgica, por considerar que nesses locais há uma expressiva produção de resíduos provenientes das assistências direta e indireta de enfermagem.

Participaram do estudo, enfermeiros e técnicos de enfermagem que compuseram, respectivamente, dois grupos amostrais. Foram critérios de inclusão: ter, no mínimo, um ano de experiência profissional na instituição, no cenário da coleta de dados, e na assistência direta ao paciente como enfermeiro ou técnico de enfermagem. Foram excluídos os participantes afastados do trabalho, em licença ou em férias. Os participantes foram convidados presencialmente, por conveniência, no cenário do estudo. Não houve recusa ou desistência.

Os dados foram coletados a partir de entrevistas semiestruturadas. As entrevistas aconteceram em encontros individuais, em ambiente reservado, no próprio cenário de estudo, em horários previamente acordados e que não comprometessem as atividades laborais dos entrevistados. A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a agosto de 2022.

As entrevistas foram gravadas em meio digital (áudio) e tiveram duração média de 30 minutos, cada. As entrevistas não foram repetidas com um mesmo participante e não foram devolvidas aos participantes do estudo, posição esta assumida pelos pesquisadores, que apesar de representar limitação no âmbito metodológico, apoiaram tal decisão ao considerarem que o processo análitico da GT busca analisar as nuances das respostas no ato da entrevista. Já após a coleta, bem como durante a sua transcrição imediata, os pesquisadores elaboram memorandos que podem ou não sinalizar hipóteses que direcionam o retorno ao mesmo entrevistado com perguntas diferentes, ou aprofundamentos necessários.

Esta pesquisa não sinalizou, em seus memorandos, hipóteses de retorno aos entrevistados. Ademais, o processo de coleta e análise concomitante permitiu, também, alcançar com maior precisão a saturação teórica, que foi discutida entre os pesquisadores antes da coleta de dados ser finalizada. Com a finalidade de desenvolver uma matriz teórica fundamentada nos Dados, a GT busca alcançar conceitos capazes de estabelecer coerência explicativa sobre dada realidade, sobretudo a partir das interações entre os diferentes conceitos que são desenvolvidos e se complementam em torno de uma matriz teórica18. Os autores do método sinalizam que a GT favorece a compreensão dos pesquisadores quanto a saturação teórica por dispor de coleta e análise de dados simultaneamente, fato corroborado nesta pesquisa. Tal saturação não ocorre a partir do entendimento de que dados novos não são alcançados, mas da compreensão de que os conceitos são desenvolvidos18.

A pesquisadora responsável pela coleta de dados, que é enfermeira, desenvolveu competências para a abordagem metodológica descrita neste estudo, haja vista ter realizado pesquisas com o mesmo referencial metodológico. Cumpre destacar que não houve nenhum conflito de interesse, de ordem pessoal ou profissional, para a realização do estudo no cenário e com os participantes da pesquisa.

Para esta pesquisa, adotou-se a perspectiva construtivista da escola “corbiniana” da GT, que em comum às demais escolas, apresenta abordagem comparativa, perguntas constantes, amostragem teórica, elaboração e integração de conceitos18. Todavia, diferencia-se no modelo paradigmático, que passa a ser composto, na versão de Corbin e Strauss, por três e não mais cinco dimensões, quais sejam: condições, que tratam dos fatores que influenciam o desenvolvimento do fenômeno; ações-interações, que tratam das estratégias de desenvolvimento e enfrentamento do problema; e consequências, que sinalizam as potenciais reações a partir das estratégias implementadas. No modelo anterior, da “escola straussiana”, a dimensão “condições” era desmembrada em três tipos: condições causais, intervenientes e contextuais. No modelo do estudo em questão, essas três possibilidades estão reunidas na dimensão “condições”18.

Os dados das entrevistas foram submetidos à análise seguindo as etapas de codificação da GT, a saber: aberta, axial e integração seletiva. Na codificação aberta os dados foram segmentados em partes distintas, examinadas rigorosamente, e comparadas em busca de similaridades e diferenças18. Nessa etapa, os códigos iniciais são provisórios.

Considerando que a GT é originada a partir de uma expressiva quantidade de dados, devido às entrevistas e memorandos que conformam importantes recursos analíticos, o processo de análise foi organizado a partir da sistemática dos dados, transcritos no Microsoft Office Word® 2016, armazenados os arquivos para mapeamento de conceitos e desenvolvimento de relatórios mediante a importação dos arquivos para o software NVIVO® 12. Esse software, entre outros disponíveis, é fundamental para a condução de estudos com GT19. Trata-se de um programa para análise de pesquisa qualitativa composto por ferramentas para trabalhar com investigação textual. Sua projeção gerencia documentos como entrevistas em áudios. No processo de análise, facilita a codificação dos textos e o agrupamento das informações. Após a alimentação do programa com todos os arquivos devidamente identificados com cada entrevista, partiu-se para a criação dos códigos.

A seguir, o agrupamento dos dados por similaridades e diferenças deu origem aos conceitos apresentados pelos autores do método como uma representação abstrata de um fato, objeto ou ação que o pesquisador percebe como significativo nos dados18.

O agrupamento dos conceitos por similaridades originou as categorias, que reduziram o número de unidades com as quais se trabalha. A codificação axial exige que o pesquisador já tenha algumas categorias construídas para relacioná-las às suas subcategorias para, então, gerar explicações mais precisas e completas sobre os fenômenos, assim como, suas propriedades e dimensões18.

Na codificação axial ocorrem as correlações entre categorias e subcategorias. Recebe, portanto, o nome de axial por envolver nexos entre conceitos que orbitam um eixo comum de uma dada categoria, formando uma espécie de axioma. Nesse processo, ocorreu o reagrupamento dos dados que foram, antes, divididos na codificação aberta. O que se espera na codificação axial é gerar abstrações mais densas capazes de explicar o fenômeno investigado a partir das categorias sistematicamente desenvolvidas e correlacionadas18.

Nesse ínterim, o modelo paradigmático conforma importante recursos analítco para que as categorias sejam posicionadas em uma lógica que permita sentido ao processo de construção de uma GT, pois, uma teoria necessita que conceitos/princípios estabeleçam nexos que permitam sentido ao todo e às partes que a conformam. Na GT, na perspectiva “corbiniana” o modelo paradigmático é constituído a partir dos seguintes componentes: condições, motivos/razões/significados desvelados pelos participantes para o desencadeamento de determinado fato, além das razões pelas quais reagem a uma determinada ação; ações-interações: reações não lineares dos participantes diante de eventos (fenômeno investigado) ou situações-problema; já as consequências resultam das reações perspectivadas ou objetivas em relação às ações-interações sinalizadas no componente anterior18.

Na integração ocorre o processo de refinamento das categorias, mediante aprofundamento teórico que se dá a partir dos nexos estabelecidos entre princípios (subcategorias) em direção ao conceito (categoria). Assim, foi realizada a integração das subcategorias, organizadas em torno de uma categoria de maior abstração teórica, capaz de envolver as subcategorias e esta, por sua vez, passa a sustentar o conceito/categoria 18^,19.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos, sob registro de CAAE: 49198921.3.0000.5238, Parecer nº 4.941.218. Todos os preceitos éticos e legais foram assegurados, o que envolve o princípio da autonomia e anonimato dos participantes. Sendo assim, os participantes do estudo, quando mencionados em trechos de depoimentos, foram designados da seguinte maneira: EN (enfermeiro) e TE (Técnicos de enfermagem) seguidos com o número das suas respectivas entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram da pesquisa 30 profissionais de enfermagem, dos quais 10 eram enfermeiros e 20 técnicos de enfermagem. Do grupo dos enfermeiros, 9 eram especialistas. O tempo médio de formação foi de 12 anos e 9 meses, já o tempo médio de experiência profissional, no cenário da pesquisa, foi de cinco anos e 10 meses.

Os dados apresentados nesse artigo conformam a dimensão condições, do modelo paradigmático da GT, que consiste nos motivos/razões/significados desvelados pelos participantes para o desencadeamento de determinado fato, além das razões pelas quais reagem a uma determinada ação, representada na categoria/conceito Significados atribuídos pelos profissionais de enfermagem às práticas relacionadas ao gerenciamento de RSS, no contexto hospitalar, que está estruturada em três subcategorias/princípios. Desse modo, destaca-se que a apresentação desse conceito, sustentado em seus princípios, decorre da densidade teórica dos resultados que requer, portanto, a devida profundidade na apresentação e discussão, ora contidas neste artigo.

Nesse sentido, tem-se que no contexto hospitalar o gerenciamento de RSS é uma prática fundamental para garantir a segurança dos pacientes, dos profissionais de saúde e do meio ambiente⁽²⁰⁾. Dessa forma, os resultados revelaram como os profissionais de enfermagem, responsáveis pela execução de diferentes e plurais atividades, estão envolvidos no gerenciamento de RSS, desde a segregação até o descarte final. Desse modo, destacou-se a enfermagem como importante fonte de informação para a compreensão das práticas de gerenciamento de RSS no contexto hospitalar.

Compreensão da Enfermagem sobre os RSS

Esta subcategoria sinaliza a multidimensionalidade envolvida na compreensão que os profissionais de enfermagem possuem da realidade afeta aos RSS no hospital. Nesse sentido, os participantes do estudo compreendem os RSS como o lixo hospitalar, englobando uma variedade de materiais, como: seringas, agulhas, luvas, gazes, medicamentos vencidos, produtos químicos, ou seja, todos aqueles que são provenientes da assistência em saúde, conforme verifica-se nos trechos abaixo:

[...] tem o lixo biológico que é o lixo branco, a gente despreza resíduo que é sangue, material biológico mesmo e o lixo comum, são só esses três. (TE 24)

É todo lixo derivado do cuidado que a gente tem com o paciente, as excretas ou tudo que a gente manuseia, EPIs. (EN 02)

Olha, lixo hospitalar [...] é o que sobra depois de você fazer algum procedimento, ou então de troca de curativo, tudo que vem de alguma prática, logo depois de uma prática que está sujo, que você não vai usar mais. (TE 08)

Então, os resíduos são tudo isso que a gente está envolvida nas enfermarias, desde sangue, fezes, urina, resíduo químico, medicamento [...] acho que tudo isso que envolve serviço de saúde. (TE 17)

Ao encontro dos resultados supracitados, estão os resultados de um estudo21⁾ que, mediante observação de enfermarias, constituídas por setenta e sete leitos, heterogeneamente distribuídos, evidenciou que os grupos de resíduos A e D foram os mais gerados. Cumpre mencionar que o grupo A é constituído por resíduos que apresentam possível presença de agentes biológicos, e que podem implicar risco de infecção por suas características de concentração ou virulência; já os resíduos do grupo B, que não apresentam risco biológico, radiológico ou químico, são equiparados aos resíduos domiciliares. Todavia, naquela conjuntura, em se tratando dos resíduos do grupo A, os mais encontrados foram materiais de expressiva utilização pela enfermagem, a saber: curativos e compressas.

Apesar da compreensão sobre o que se trata os resíduos, os enfermeiros e técnicos de enfermagem do estudo em tela, demonstraram conhecimento parcial ou ausente sobre as etapas do gerenciamento de RSS, como observado nos trechos dos depoimentos seguintes:

Eu acho que vai para um lugar específico, né? Onde resíduo de hospital não vai para o lixo normal, vai para um local específico para esse material. (TE 01)

[...] depois alguém vem buscar, mas eu não sei como funciona ali. Depois o lixo da enfermaria, quem recolhe é a menina da limpeza, mas como eles fazem o descarte, quando sai aqui do setor, eu não sei. (TE 10)

O desconhecimento dos profissionais sobre o tipo de disposição final oferecida aos resíduos alinha-se à percepção de que a responsabilidade do estabelecimento está relacionada às etapas do manejo intra-estabelecimento. Depreende-se dessa realidade, impactos negativos do descarte de resíduos, como, por exemplo, a céu aberto, com risco de proliferação de vetores; ou próximo de lagoas, com risco de contaminação de lençóis freáticos22.

Corrobora o exposto o estudo realizado no Brasil, na Atenção Primária à Saúde, em que 61,8% dos enfermeiros participantes não souberam informar o tipo de disposição final oferecida aos RSS; e 28,6% comentaram que os RSS eram encaminhados para aterros sanitários. Para 50% daqueles enfermeiros, os RSS eram encaminhados para aterros sanitários e 50% não souberam informar o tipo de disposição final disponibilizada para os resíduos23.

Em contrapartida, como evidenciado nos trechos seguintes, os profissionais deste estudo compreendem que é necessário o conhecimento sobre os resíduos para que o seu gerenciamento seja realizado da maneira correta.

[...] na enfermaria eu vejo as duas lixeiras ali, é só colocar no lugar certinho, mas às vezes, tem aquela questão, de que não sabe que aquele saco branco é para colocar lixo contaminado, entendeu? E não tem identificação no lugar de fora. Eu me interessava, na hora de descartar, eu sempre pensei muito nisso, mas realmente por falta de conhecimento, a pessoa pode acabar fazendo essas misturas. (TE 17)

Eu penso da seguinte forma, como ele não é um assunto que é muito debatido, né?! Muita das vezes a gente aprende na graduação ou de repente ouve falar de algum artigo, ou alguém comenta, é uma informação que acaba se perdendo, você acaba mais se focando que aquele saco ali é para colocar o lixo normal, e aqui só posso colocar lixo contaminado, mas não que se você for perguntado detalhadamente, eu acredito que seja muito difícil as pessoas conseguirem dissertar sobre isso, explicar cada um. (EN 04)

Eu não sei muito mesmo, só sei dos perfurocortantes, que não é para causar acidente, mas de resto não vejo tanto cuidado assim. (TE 08)

O déficit do conhecimento sobre os RSS e o seu gerenciamento pode ocasionar falhas sobre a etapa da segregação, realidade esta que ocorre também em outros contextos, como na Etiópia, por exemplo24. A despeito dessa realidade, resultados de pesquisa21 sinalizam que os enfermeiros (88%) e os técnicos de enfermagem (100%) sinalizam haver diferença no manejo de distintos grupos de resíduos. Para aqueles profissionais, os perfurocortantes, máscaras, luvas e papel são os resíduos mais gerados, e em relação ao local de separação dos RSS, houve preocupação com os perfurocortantes, material infectante, dispostos, respectivamente, em caixas próprias e sacos brancos leitosos com rótulo de identificação.

Ademais, cabe destacar, para fins de contextualização em projeção global, o termo Biomedical Waste (BMW), traduzido para o português como RSS, que inclui todos os tipos de resíduos gerados em diferentes departamentos de hospitais, como enfermarias gerais e cirúrgicas, radiologia, laboratório e pesquisa, necrotério e outros. De acordo com as Diretrizes Sobre Saneamento e Saúde da OMS25, BMW é geralmente classificado em duas categorias (resíduos não perigosos e resíduos perigosos). Os resíduos gerais ou domésticos que não causam incômodo ao meio ambiente são geralmente denominados resíduos não perigosos25^,26.

Em média, os resíduos não perigosos em países de alta renda varia entre 2 e 4 kg/ leito/dia, o que é menor em comparação com países de renda média alta e baixa, variando entre 4 e 6 kg/leito/dia, o que pode decorrer das razões socioeconômicas. Nesse sentido, o estudo sinaliza a realidade em que países de alta renda dispõem melhores políticas de gestão, tecnologias de descarte mais avançadas, autoridade reguladora competente e trabalhadores de saúde treinados em comparação com países de renda alta e média-baixa25^,26. Assim, tem-se, por exemplo, o Irã, cuja média de produção dos resíduos não perigosos de hospitais privados especializados (8,6 kg/leito/dia) é maior do que a média de hospitais públicos (3,1 kg/leito/dia).

Como evidenciado em nosso estudo, os resíduos não perigosos/Grupo D são gerados principalmente em enfermarias gerais e instalações domésticas fornecidas em hospitais, como resíduos de alimentos, papel, plásticos e outros. Destaca-se, porém, que os resíduos perigosos podem representar uma grave ameaça à saúde humana e ao meio ambiente25^,26. Nesse sentido, uma variedade de resíduos perigosos gerados por hospitais foi classificada em subcategorias, como resíduos infecciosos, resíduos patológicos, perfurocortantes, resíduos farmacêuticos, resíduos genotóxicos e citotóxicos, resíduos químicos e resíduos radioativos, tal ação objetivou facilitar a classificação por diferentes organizações internacionais e órgãos reguladores25.

Em outra realidade, estudo realizado em Butão, com prestadores de cuidados de saúde e equipe de apoio em um hospital nacional, revelou que 98,5% dos participantes27 estão cientes sobre gerenciamento de resíduos hospitalares e 69,7% conhecem a regulamentação sobre gestão de resíduos hospitalares. Apesar disso, o estudo revelou que metade dos RSS daquela realidade não é transportada com base no processo de segregação correto.

Em uma pesquisa sobre o gerenciamento de RSS na rotina dos enfermeiros da Atenção Básica à Saúde, em contexto brasileiro, os participantes relataram que o acondicionamento dos RSS nas Equipes de Saúde da Família era feito da seguinte maneira: 61,8% referiram que os resíduos biológicos eram acondicionados em lixeiras com pedal e tampa e 71,3% não souberam informar como os resíduos químicos eram acondicionados. Ainda, 43,8% dos enfermeiros afirmaram que os resíduos comuns eram acondicionados em lixeiras abertas sem tampa e sem pedal; e 95,2% responderam que os resíduos perfurocortantes eram acondicionados em caixas específicas23^,28. Em relação à identificação dos RSS gerados nas Equipes de Saúde da Família, 90,5% (19) dos enfermeiros declararam que os recipientes utilizados para o descarte de resíduos biológicos eram identificados apenas pela embalagem branca; e 76,1% (16) não souberam informar sobre a identificação dos resíduos químicos28.

Separação dos resíduos: uma preocupação necessária

Esta subcategoria reforça a importância do descarte correto dos resíduos para a garantia da segurança dos profissionais de saúde, pacientes e meio ambiente em contraponto com o que ocorre na realidade da saúde pública brasileira. Nesse sentido, revela como é feito o descarte e a segregação dos resíduos no cotidiano hospitalar, sob a perspectiva dos profissionais de enfermagem.

Os resultados sinalizaram que ao mesmo tempo em que a enfermagem se preocupa com a segurança dos profissionais, com o risco de contaminações e acidentes no manuseio dos perfurocortantes, os participantes sinalizam que o descarte inadequado dos resíduos é uma realidade. Desse modo, evidencia-se certo paradoxo no contexto da segregação dos resíduos em que os participantes demonstraram conhecer melhor o descarte dos perfurocortantes enquanto que, para eles, se torna mais difícil segregar os outros resíduos.

[...] em relação aos perfurocortantes, sim, o pessoal geralmente descarta no Descarpack. A parte de vidro, eu respondo pela minha parte, eu jogo vidro no lugar de perfurocortante, agulha. Tudo eu procuro fazer a minha parte correta. (EN 08)

[...] o problema de saúde que pode gerar, se você descartar um material em um lugar não adequado, pode prejudicar o outro, o pessoal da limpeza, não que aconteceu comigo, foi em outros setores aí, menino da limpeza foi descartar a limpeza, aí se furou com a agulha. (TE4)

Apesar da preocupação sinalizada pelos profissionais com o manuseio para evitar acidentes e contaminação dos trabalhadores, mediante segregação correta dos perfurocortantes, a segregação dos demais resíduos é descrita como inadequada.

[...] vamos supor uma luva como exemplo, uma luva contaminada de sangue, jogar no lixo comum, não jogar no lugar certo, muitas vezes, eu já joguei assim no lixo comum, eu fui lá e busquei. Luva contaminada [...] teve uma vez que sem querer a agulha, na hora que o lixo, estava com aquele lixo todo, eu joguei no lixo comum, eu fui lá e catei. (TE 04)

É, acho muito ruim, não tem uma cobrança, então, os lixos ficam expostos muito tempo, não tem uma rotina para coletar, assim, é o que eu vejo, eu estou 2 meses aqui, não vejo aquela rotina assim, bem certinha para você coletar, horário. (TE 11)

A preocupação e maior cautela com o manuseio dos resíduos perfurocortantes parece ser fundamentada no consciente dos profissionais dada a insalubridade do ambiente de trabalho em virtude das ações em que estão envolvidos no cotidiano laboral. A despeito dessa realidade, estudo21 sinalizou que os profissionais de saúde consideram que o seu ambiente laboral oferece riscos, e que inclusive já sofreram algum tipo de acidente ocupacional. Ademais, no estudo citado, todos os participantes atestaram ter utilizado Equipamento de Proteção Individual (EPI).

Cumpre registrar que os acidentes ocupacionais na área de saúde, principalmente em hospitais, são de expressiva importância para a saúde pública, pois, ao encontro do que destaca a Teoria da Complexidade11 ao tratar de riscos, incertezas e ilusões, que mascaram a realidade, tais trabalhadores estão rotineiramente expostos aos riscos de distintas ordens, como: físicos, biológicos, ergonômicos, e até psíquicos. Apesar do exposto, a dimensão biológica para tais riscos parece ser a de maior importância no processo saúde-doença e epidemiológica, haja vista as variedades de patógenos que podem ser transmitidos aos profissionais da saúde, entre os quais estão as Hepatites B e C, além do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV)29.

Sendo assim, no cenário hospitalar, os acidentes ocupacionais, com risco biológico, possuem relação estreita com o uso de materiais perfurocortantes, fato que pode explicar a maior cautela com a segregação desse grupo de resíduos pelos profissionais de enfermagem entrevistados em nosso estudo. Nesse contexto, há que se destacar a exposição a esse risco da equipe de enfermagem, uma vez que permanecem em contato contínuo com os pacientes. Por sua vez, esses profissionais atribuem às condições desfavoráveis de trabalho como o principal motivo de acidentes, o que inclui instalações inadequadas, déficit de recursos humanos, jornada excessiva de trabalho e déficit de recursos e materiais29.

Outra questão evidenciada nesta subcategoria é a mistura dos resíduos infectantes e comuns, principalmente no ambiente das enfermarias. Assume-se, nos resultados, que os profissionais de saúde cometem equívocos e podem segregar os resíduos de maneira incorreta, influenciados por fatores plurais, porém, revelou-se também, neste estudo, que pacientes e acompanhantes contribuem para o descarte incorreto dos resíduos.

[...] A gente até tem lixos separados, de infectante, de contaminado, mas o que a gente vê, quando a gente entra nas enfermarias, principalmente é uma mistura. Eu acho que de maneira inadequada (descarte), cada enfermaria tem uma lixeira identificada, resíduo biológico e o não biológico e não tem uma orientação [...], os acompanhantes que jogam. (EN 02)

Saco de lixo é tudo muito misturado [...] fica duas lixeiras na enfermaria, lixeiras grandes, uma com lixo contaminado e a outra para lixo comum, e às vezes, está tudo misturado, é que na verdade, nem todo mundo sabe, se você olha para lixeira e vê o saco branco e você sabe que ali é lixo contaminado, você vai descartar lá, mas tem pessoas que não sabem e tipo, do lado de fora não dá para ver isso, lixo contaminado e lixo comum, não tem isso escrito. (TE 14)

Esses resultados reforçam a realidade multifacetada em que há desconhecimento dos profissionais sobre a segregação dos resíduos, mas também a necessidade de incluir os pacientes e os acompanhantes na rotina do gerenciamento de RSS. Logo, pode ser uma demanda de enfermagem a criação de estratégias para o enfrentamento desses desafios.

Ademais, segundo a OMS, do total de resíduos gerados pelas atividades de saúde, cerca de 85% são resíduos gerais e não perigosos, enquanto os 15% restantes incluem resíduos sólidos clínicos, vacinas vencidas, produtos sem rótulo, instrumentos médicos e fluidos orgânicos considerados infecciosos, tóxicos e perigosos para os seres humanos e o meio ambiente25.

Enfermagem e a ecologia da ação para conscientização sobre questões ambientais: impactos para o gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde

A consciência ambiental é um fator importante que influencia diretamente no descarte de resíduos hospitalares. Pode ser um fator-chave para garantir a gestão adequada dos resíduos de serviços de saúde e para promover a sustentabilidade ambiental, contribuindo para a prevenção de doenças e para a promoção da saúde pública. Sendo assim, é a partir da complexidade que parte da consciência para ações estratégicas que a enfermagem poderá, mediante políticas públicas, alcançar perspectivas amplas de atingimento de agendas globais, tal qual a Agenda 2030 da ONU, para o alcance dos ODS, especialmente quando se trata das relações entre saúde, bem-estar, consumo e produção sustentáveis, ação contra a mudança global do clima, cidades e comunidades sustentáveis, entre outros15^,20.

Paradoxalmente, foi evidenciado nos resultados desta pesquisa a falta de conexão realizada pelos profissionais entre as práticas de enfermagem e o impacto no meio ambiente. Por outro lado, tem-se na ecologia da ação o princípio da complexidade em que uma ação intencional ou não, quando inserida em um conjunto de interações contextuais, pode implicar em reflexos inimagináveis pelo autor ou atores iniciais de seu processo. Logo, há que se destacar, a partir dos resultados, que o fortalecimento ou a negligência para a consciência ambiental, no contexto hospitalar, poderá resultar em impactos concretos, que a depender do caso poderão ser negativos ou positivos para o gerenciamento dos RSS.

Os trechos a seguir são ilustrativos da realidade supracitada.

[...] Mas precisaria ter uma conscientização melhor, por exemplo, dos infectantes, para que realmente a lixeira que fosse ao lixo infectante, realmente fosse, porque não tem essa conscientização. (TE 13)

Sem precisar que alguém te veja, porque é uma questão cultural, é isso que eu estou falando, é você estabelecer uma cultura para você, então, é você fazer a situação acontecer sem você está sendo observado, entende? É uma questão cultural, então, como eu já venho da residência, a proposta da residência, a abordagem é outra, como eu passei muito pela CCIH, fiquei muito na CCIH. Então, a gente acaba tendo uma visão, o conceito mais amplo da situação, entendeu? (EN 03)

De o que você não quer para você, você não quer para o outro. Eu procuro fazer o meu melhor, na minha parte da consciência... O meu trabalho mesmo, de fazer certo. (TE 04)

Os resultados também sinalizaram certo distanciamento entre a realidade percebida e a realidade problematizada, quando se trata, para o escopo do estudo em tela, do gerenciamento de recursos materiais utilizados pela enfermagem e o gerenciamento de RSS. De um lado, há a compreensão sobre a importância de recursos materiais para o bom desempenho do trabalho, de outra perspectiva, essa mesma realidade parece ser negligenciada no contexto do gerenciamento de RSS.

Eu acho que o profissional não pensa muito nisso [...] Eu acho que a gente não

pensa em otimizar o que eu vou gastar, o que eu vou desprezar, nada disso, eu acho. Estou falando por mim, quando eu vou ao leito, trocar a fralda, se fosse para otimizar. (TE 11)

Os resultados revelaram, também, que no âmbito dos significados desvelados pelos profissionais de enfermagem sobre gerenciamento de RSS, há fragmentação de conexão entre saúde e meio ambiente. Tal visão disruptiva entre realidade e necessidade pode ser explicada à luz do paradigma dominante, isto é, da perspectiva cartesiana dominante entre os participantes da pesquisa, o que evidencia a necessidade de investimentos no paradigma emergente que valoriza a visão sistêmica da vida a partir de um pensamento complexo11.

A visão sistêmica da vida reconhece a saúde como um processo multidimensional e multinivelado, em que os sistemas vivos da natureza incluem organismos individuais, partes de organismos e comunidades de organismos, e que todos eles compartilham um conjunto de propriedades e princípios de organização comuns, impossíveis de serem dissociados30. A visão sistêmica da saúde, que integra a visão sistêmica da vida, pode ser aplicada a diferentes níveis sistêmicos, com níveis correspondentes de saúde sendo mutuamente interconectados, a saber: individual, social e ecológico.

Essa abordagem considera que a saúde humana está intrinsecamente ligada à saúde do meio ambiente e vice-versa. Reconhece também que os sistemas de saúde e os ecossistemas naturais são complexos e estão conectados em diversos níveis. O funcionamento adequado de um sistema depende do equilíbrio e da interação entre seus componentes. Quando há desequilíbrios ambientais, como a poluição do ar, da água e do solo, a degradação dos ecossistemas, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas, isso pode afetar negativamente a saúde humana20.

Ao gerenciar resíduos dos serviços de saúde, os profissionais de enfermagem devem compreender que essa é uma abordagem para enfrentar os desafios relacionados à saúde e ao meio ambiente. Como parte de políticas e práticas que promovem a sustentabilidade ambiental no ambiente hospitalar e consequentemente, com benefícios para a saúde pública e para a equidade social. A busca por soluções sustentáveis no ambiente hospitalar deve levar em consideração não apenas os aspectos biomédicos, mas também os aspectos sociais, econômicos e ambientais, reconhecendo a interdependência entre todos esses elementos30.

Como limitação do estudo destacamos a não realização da validação da matriz teórica com juízes expertises, possibilidade esta apresentada por parte de autores do método. Recomenda-se, portanto, a possibilidade de estudos que contemplem a validação da matriz a partir de olhares plurais que explorem a perspectiva dos conceitos em generalizações contextuais diversas dos cenários em que os dados foram coletados. Entende-se que a natureza dos dados pode revelar proximidades ou não com realidades contextuais e culturais distintas, mas transversais no âmbito do processo de trabalho da enfermagem hospitalar.

CONCLUSÃO

Os significados desvelados pela enfermagem hospitalar em relação ao gerenciamento dos RSS alinham-se com a perspectiva da complexidade ao revelarem questões multifacetadas, como representada na realidade na qual há preocupação com o descarte de resíduos de saúde, notadamente os perfurocortantes, ao tempo em que há práticas incorretas desse processo, relatada pelos participantes. A pesquisa sinaliza possibilidades para reflexões sobre a gestão do cuidado em perspectiva ampliada, capaz de considerar não apenas o cenário das relações de cuidados da enfermagem ao paciente, mas também o entorno.

Embora os significados não se sobreponham ao conhecimento sobre dada realidade, os resultados apontaram que os profissionais de enfermagem sinalizam a necessidade de melhores conhecimentos sobre gerenciamento de RSS, ao tempo que revelam compreender a importância desse processo para além do cenário hospitalar. Nesse sentido, percebem a si mesmos como elementos importantes para, a partir do gerenciamento de RSS, impactarem o meio ambiente e, por conseguinte, a saúde humana.

Agradecimentos:

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  17 Jul 2023
• Aceito
  13 Nov 2023