Resumo
OBJETIVO
Analisar como estudantes de um Curso de Licenciatura em Enfermagem compreendem o conceito de promoção da saúde, sua percepção sobre o trabalho do enfermeiro na educação básica e sobre as práticas de promoção da saúde para formação enquanto enfermeiro-educador.
MÉTODOS
Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, realizado em 2015, com 11 estudantes de uma Universidade Pública do interior do estado de São Paulo. Os dados foram coletados através de entrevistas semiestruturadas e analisados segundo análise de conteúdo, modalidade temática.
RESULTADOS
Identificou-se três núcleos temáticos: “Promoção da Saúde: superando o modelo hegemônico da racionalidade técnica”; “O trabalho do enfermeiro na educação básica: intersetorialidade e interdisciplinaridade” e “Promoção e educação em saúde na escola: a prática educacional dialógica e reflexiva”.
CONCLUSÃO
A concepção e as práticas de promoção da saúde favorecem o processo de formação e potencializam as ações dos enfermeiros licenciados na efetivação das mudanças sociais e empoderamento dos indivíduos.
Palavras-chave:
Promoção da saúde; Educação em enfermagem; Educação em saúde; Estudantes de enfermagem
RESUMEN
OBJETIVO
Analisar cómo los estudiantes de un curso de Licenciatura en Enfermería aprenden el concepto de promoción de la salud, cómo perciben el trabajo del enfermero en la educación básica y las prácticas de promoción de la salud para la formación del enfermero educador.
MÉTODOS
Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio realizado no año de 2015 con 11 estudiantes de una Universidad Pública del interior del estado de São Paulo, Brasil. Se utilizó entrevistas semiestructuradas y los datos fueron sometidos a análisis de contenido en la modalidad temática.
RESULTADOS
Se identificaron tres núcleos temáticos: "Promoción de la Salud: superando el modelo hegemónico de la racionalidad técnica"; "El trabajo del enfermero en la educación básica: intersectorialidad e interdisciplinaridad" y "Promoción y educación en salud en la escuela: la práctica educativa dialógica y reflexiva".
CONCLUSIÓN
La concepción y las prácticas de promoción de la salud favorecen el proceso de formación profesional y empoderan las acciones de los enfermeros en la implementación de los cambios sociales y en el desarrollo del empoderamiento de los individuos.
Palabras-clave:
Promoción de la salud; Educación en enfermería; Educación en salud; Estudiantes de enfermería
Abstract
OBJECTIVE
To analyze how with a Teaching Diploma in Nursing Students understand the concept of health promotion, their perception of the nurse’s work in the basic education schools and about the practices of health promotion related to the nurse educator training.
METHODS
Qualitative, descriptive and exploratory study, the data were collected in 2015, from 11 nursing students from a Public University in the interior of the state of São Paulo, Brazil.
A semi-structured interview was used. The data was subjected to thematic content analysis.
RESULTS
Three thematic nuclei were identified: "Health Promotion: overcoming the hegemonic model of technical rationality"; "The work of nurses in basic education: intersectoriality and interdisciplinarity" and "Promotion and education in health in school: dialogic and reflexive practice educational".
CONCLUSION
The conception and the practices of health promotion facilitate the vocational training process and empowers teaching nurses to work on social changes and in the development of individual’s empowerment.
Keywords:
Health promotion; Education nursing; Health education; Students nursing
INTRODUÇÃO
As diversas conceituações de promoção da saúde podem ser reunidas em dois grupos: um comportamentalista e outro relacionado à qualidade de vida. No primeiro, a promoção da saúde consiste nas atividades dirigidas à transformação dos comportamentos dos sujeitos, concentra-se em componentes educativos, primariamente relacionados com riscos comportamentais passíveis de mudanças. O segundo baseia-se no entendimento de que a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo padrões adequados de alimentação, nutrição, habitação e saneamento; trabalho; acesso à educação em todo o ciclo vital; ambiente físico limpo; redes sociais de apoio; estilo de vida responsável; e cuidados adequados de saúde11. Haeser LM, Büchele F, Brzozowski FS. Considerações sobre a autonomia e a promoção da saúde. Physis. 2012;22(2):605-20..
O entendimento do conceito de promoção da saúde proposto pela Carta de Ottawa, pressupõe a necessidade de articular às políticas públicas, o compromisso com a criação de ambientes favoráveis à saúde; desenvolvimento de habilidades pessoais; fortalecimento de ações comunitárias e reorientação de serviços de saúde22. World Health Organization (CH). The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO; 1986.-33. Salci MA, Maceno P, Rozza SG, Silva DMGV, Boehs AE, Heidemann ITSB. Educação em saúde e suas perspectivas teóricas: algumas reflexões. Texto Contexto Enferm. 2013;22(1):224-30..
Promover saúde implica considerar os determinantes sociais, bem como um conceito ampliado de saúde que necessariamente deve envolver diferentes setores e áreas a fim de atender aos princípios da integralidade e intersetorialidade. O risco de não se atentar a isso é a despolitização do debate, e a manutenção de práticas conservadoras que desconsideram o contexto social44. Silva PFA, Baptista TWF. Os sentidos e disputas na construção da Política Nacional de Promoção da Saúde. Physis. 2014;24(2):441-65..
Importante também destacar que há uma estreita e imprescindível relação entre saúde e educação. Esta considerada um dos principais determinantes para a saúde, na medida em que se reputa fundamental a perspectiva dialógica e crítico-reflexiva da educação, para o empoderamento dos sujeitos, promovendo seu desenvolvimento pessoal e social55. Casemiro JP, Fonseca ABC, Secco FVM. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(3):829-40.-66. Salci MA, Maceno P, Rozza SG, Silva DMVG, Boehs AG, Heidemann ITSB. Educação em saúde e suas perspectivas teóricas: algumas reflexões. Texto Contexto Enferm. 2013;22(1):224-30. e consequentemente como como um instrumento de transformação social.
Neste sentido, os referenciais de promoção da saúde conferem à formação no campo da enfermagem uma ressignificação transformadora das práticas de ensino, favorecendo a superação do modelo hegemônico da racionalidade técnica que ainda caracteriza a formação e a atuação dos profissionais de saúde. Nessa perspectiva, o processo ensino-aprendizagem em enfermagem requer práticas educacionais e de atenção à saúde que potencializem os sujeitos para atuarem na efetivação das mudanças sociais. Ao requerer o emprego de metodologias ativas, tais referenciais contribuem para um pensamento crítico, bem como uma participação ativa do sujeito na construção do conhecimento, além de uma visão contextualizada da realidade e autonomia necessárias para atuar na tomada de decisões77. Lopes R, Tocantins FR. Promoção da saúde e a educação crítica. Interface Comun Saúde Educ. 2012;16(40):235-48..
O curso de Bacharelado e Licenciatura da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP) tem o objetivo de articular a formação do enfermeiro com o conhecimento pedagógico, preparando-o para a prática docente no ensino técnico profissionalizante em enfermagem e para a realização de ações promotoras de saúde no âmbito da educação básica88. Universidade de São Paulo (BR). Projeto Político Pedagógico do Curso de Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem. Ribeirão Preto: EERP/USP; 2014..
Nessa perspectiva, as disciplinas denominadas Promoção da Saúde na Educação Básica e Estágio Supervisionado: Promoção da Saúde na Educação Básica possibilitam aos futuros enfermeiros-educadores a inserção no ambiente escolar com a finalidade de promover saúde, estimulando a autonomia dos indivíduos e comunidade através do uso de metodologias ativas88. Universidade de São Paulo (BR). Projeto Político Pedagógico do Curso de Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem. Ribeirão Preto: EERP/USP; 2014.. O ensino em enfermagem é desenvolvido em articulação com projetos de extensão e de pesquisa, para os quais o aprendizado tem como ponto de partida a prática profissional e a aprendizagem significativa, a partir de situações concretas do cotidiano em saúde e educação.
A formação do enfermeiro para atuar na promoção e educação em saúde deve incorporar conceitos que envolvem a interdisciplinaridade, intersetorialidade, empoderamento e qualidade de vida que sustentam uma nova prática e atuação, tendo como referencial a promoção da saúde com enfoque na saúde coletiva99. Souza KMJ, Seixas CT, David HMSL, Costa AQ. Contribuições da saúde coletiva para o trabalho de enfermeiros. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):543-9..
As inquietações provocadas ao educador e educando diante do compromisso com a formação para intervenção na perspectiva da promoção da saúde, concorre para a demanda de estudos que investiguem como as práticas de promoção da saúde podem potencializar a formação profissional do enfermeiro licenciado, em um contexto teórico prático, tendo como fundamento a concepção de promoção da saúde no contexto da Educação Básica.
Diante do exposto estabeleceu-se às seguintes questões de pesquisa: Que compreensão possuem os estudantes acerca do conceito de promoção da saúde? Como percebem o trabalho e as práticas de promoção da saúde no contexto escolar? A licenciatura em enfermagem potencializa a formação do enfermeiro-educador em associação à educação em saúde? Para tanto, este estudo objetivou analisar como os estudantes compreendem o conceito de promoção da saúde, sua percepção sobre o trabalho do enfermeiro na educação básica e sobre as práticas da promoção da saúde para a formação enquanto enfermeiro-educador.
MÉTODO
Estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa, compreendida como uma alternativa metodológica que nos possibilitará construir coletivamente um novo conhecimento, ajudando-nos a entender a realidade expressa pelas sujeitos, as significações e relações que atribuem aos fenômenos e a compreender o sentido atribuído ao objeto de estudo1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14.ed. São Paulo: Hucitec; 2014.. O estudo foi realizado no período de agosto de 2014 a dezembro de 2015, na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), da Universidade de São Paulo, que oferece o curso de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem. O grupo de participantes compreendeu 11 estudantes, delimitado pela saturação dos dados1111. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qualitativa 2017;5(7):1-12. Os estudantes foram selecionados considerando os seguintes critérios de inclusão: ser aluno regularmente matriculado no 9º ou 10º semestre do curso em questão e ter cursado ambas as disciplinas Promoção da Saúde na Educação Básica e Estágio Curricular Supervisionado Promoção da Saúde na Educação Básica.
A coleta dos dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas, direcionadas por um roteiro, com as seguintes questões disparadoras: fale-me como você percebe o seu aprendizado com relação ao conceito de promoção da saúde. Qual a sua percepção com relação ao exercício da promoção da saúde no trabalho do enfermeiro enquanto educador no contexto escolar? Como você avalia as práticas de promoção à saúde desenvolvidas na escola em relação à sua formação enquanto profissional da saúde e futuro professor?
As entrevistas foram realizadas individualmente e agendadas em horários escolhidos pelos próprios estudantes, fora do horário de aula, de maneira a não interferir no processo de aprendizagem, assiduidade e participação dos entrevistados em suas atividades acadêmicas. As entrevistas foram gravadas em aparelho mp3 e posteriormente transcritas, identificando-se os entrevistados pela letra “E” seguida do número atribuído a cada participante, preservando-se assim a identidade dos sujeitos.
Para a análise dos dados utilizou-se o método de análise de conteúdo, modalidade temática1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14.ed. São Paulo: Hucitec; 2014.,1212. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-6.. A trajetória analítico-interpretativa percorreu as etapas de pré-análise, com leitura do material obtido; exploração do material, com uma categorização e organização por temas, visando alcançar os núcleos de sentido, a fim de possibilitar maior compreensão sobre os significados que perpassaram o objeto de estudo e, por fim, tratamento dos resultados, inferência e interpretação1212. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-6..
Respeitando-se as exigências éticas para realização da pesquisa com seres humanos, conforme Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde - CNS - do Ministério da Saúde, a proposta do referido estudo foi submetida à análise do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP, e aprovada sob o Protocolo CAAE n. 23460413.4.0000.5393. Depois do aceite de participação no estudo, os estudantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após o processo de organização e interpretação qualitativa do material coletado nas entrevistas, apreendeu-se das falas dos estudantes três núcleos temáticos, apresentados a seguir.
Promoção da Saúde: superando o modelo hegemônico da racionalidade técnica
A análise dos discursos permitiu verificar que a promoção da saúde enquanto estratégia e conjunto de ações é concebida pelos estudantes como meio de superação do modelo biologicista e da racionalidade técnica, que amplia o conceito de saúde, rompendo a visão fragmentada e tecnicista do cuidado1212. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-6.. Corroborando com outros estudos, os estudantes concebem a promoção da saúde como uma estratégia que envolve muito mais do que os cuidados diretos de atenção à saúde22. World Health Organization (CH). The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO; 1986.,1313. Rocha PA, Soares TC, Farah BF, Friedrich DBC. Promoção da saúde: a concepção do enfermeiro que atua no programa saúde da família. Rev Bras Promoç Saúde. 2012;25(2):215-20., envolvendo mudanças nos determinantes da saúde, sejam eles individuais ou coletivos e que influenciam na qualidade de vida.
Nessa perspectiva, a saúde passa a considerar os diversos fatores determinantes do processo saúde-doença, como condições sociais, econômicas, ambientais, de acesso e acessibilidade, deixando de ser compreendida como mera ausência de doença11. Haeser LM, Büchele F, Brzozowski FS. Considerações sobre a autonomia e a promoção da saúde. Physis. 2012;22(2):605-20.-22. World Health Organization (CH). The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO; 1986.,1313. Rocha PA, Soares TC, Farah BF, Friedrich DBC. Promoção da saúde: a concepção do enfermeiro que atua no programa saúde da família. Rev Bras Promoç Saúde. 2012;25(2):215-20.. Na concepção dos graduandos, as ações de promoção da saúde devem, portanto, serem planejadas considerando-se o contexto social dos indivíduos para a compreensão da ação desses determinantes sobre o processo saúde-doença.
Promoção da saúde é pra mim [...] ter essa ampliação, no todo [...] não só eu, por exemplo, olhar o aluno naquele momento, mas entender o contexto da comunidade que ele vive, a família. Isso que é promover saúde. É eu ir além daquele aluno na escola, mas tentar entender mesmo todo o processo que ele está inserido. (E1)
[...] a gente começa a aprender, assim, o conceito de saúde [...] que não é só ausência de doença. Que é bem estar físico, psicológico, social, que vai além, que você precisa ter uma casa [...] que são os fatores, assim, educação, condição de lazer e tudo mais. (E4)
A percepção dos futuros enfermeiros licenciados reafirma os pressupostos da Carta de Ottawa, ao considerar que os fatores econômicos, sociais, políticos, ambientais, comportamentais e até mesmo culturais influenciam direta ou indiretamente na saúde. Assim, são pré-requisitos para a saúde: educação, alimentação, habitação e renda. Tais fatores são reconhecidos pelos estudantes como norteadores das ações educativas em saúde tal como explicitado na Carta de Ottawa ao definir o conceito e diretrizes da Promoção da Saúde22. World Health Organization (CH). The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO; 1986..
[...] Porque não adianta você falar pra um indivíduo que ele tem que se alimentar três vezes ao dia ou [...] de três em três horas, sendo que ele não tem condição pra isso. (E9)
A promoção da saúde visa, prioritariamente, tornar a condição de vida dos indivíduos favorável para sua saúde e qualidade de vida, reduzindo as vulnerabilidades22. World Health Organization (CH). The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO; 1986.. Portanto, implica no desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e da coletividade, corresponsabilizando-os quanto aos limites e riscos determinados não só pela doença, mas também pelo contexto social no qual estão inseridos11. Haeser LM, Büchele F, Brzozowski FS. Considerações sobre a autonomia e a promoção da saúde. Physis. 2012;22(2):605-20.,1313. Rocha PA, Soares TC, Farah BF, Friedrich DBC. Promoção da saúde: a concepção do enfermeiro que atua no programa saúde da família. Rev Bras Promoç Saúde. 2012;25(2):215-20..
[Promoção da saúde] [...] tem a ver com a autonomia, com o autocuidado e com a educação em saúde. [...] nada mais do que você respeitar a autonomia do paciente [...] pra ele mesmo cuidar da saúde dele. (E6)
[...] a promoção da saúde é você propiciar que esse indivíduo conheça a si próprio e que ele tome consciência das atitudes dele [...], que ele se empodere realmente das condições dele, do que deve fazer pra ter uma boa saúde, uma boa alimentação, pra prevenir doenças. [...] São orientações. [...] É, você educa esse indivíduo para o autocuidado. (E10)
Os conteúdos apreendidos nas falas dos estudantes evidenciam a distinção entre promoção da saúde e prevenção. As ações preventivas objetivam evitar o processo de adoecimento por meio de intervenções direcionadas a reduzir a incidência e prevalência de doenças na comunidade. Relaciona-se à divulgação de conhecimentos científicos e ao estabelecimento de normas de condutas que promovem mudanças de hábitos. Neste sentido, estudos têm evidenciado que a promoção da saúde, em contrapartida, vai além das normativas, se constituindo um processo que envolve a capacitação individual e coletiva, por meio da educação em saúde, que fortalece as potencialidades individuais e coletivas, tornando os indivíduos aptos para o enfrentamento dos múltiplos determinantes do seu processo saúde-doença1212. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-6.-1313. Rocha PA, Soares TC, Farah BF, Friedrich DBC. Promoção da saúde: a concepção do enfermeiro que atua no programa saúde da família. Rev Bras Promoç Saúde. 2012;25(2):215-20.. Embora as conceituações sejam diferentes, os estudantes apontaram a inter-relação entre promoção e prevenção para instituir a saúde:
[...] promoção de saúde é [...] promover [...] através de ações, de atividades, de conscientização, de sensibilização [...] uma busca pela saúde. E a prevenção, ela entra nisso. Só que a prevenção está mais no sentido, assim, dessa parte curativa, então eu vou prevenir a doença e promover a saúde. (E2)
Para expressar a compreensão de promoção da saúde, os estudantes associam o conceito apreendido à noção de integralidade, ao reconhecerem que para viabilizar a promoção da saúde é necessário conhecer e compreender o modo de vida das pessoas, articulando-o aos determinantes sociais de saúde. Esta perspectiva é enfatizada por estudos atuais os quais reiteram o conceito ampliado de saúde, sua determinação social e a necessidade de se estabelecer o cuidado integral e intersetorial para enfrentamento das demandas sociais como estratégia fomentadora de promoção da saúde1414. Santos AAG, Silva RM, Machado MFAS, Vieira LJES, Catrib AMF, Jorge HMF. Sentidos atribuídos por profissionais à promoção da saúde do adolescente. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(5):1275-84.
15. Barbosa Junior AJ, Perales PGPS, Vannuchi MTO, Martins EAP. O princípio da integralidade como norteador da formação do enfermeiro. Espaç Saúde. 2016;17(1):102-7.-1616. Brito, AKA, Silva FIC, Franca NM. Programas de intervenção nas escolas brasileiras: uma contribuição da escola para a educação em saúde. Saúde Debate. 2012;36(95):624-32..
[...] Eu preciso saber se aquela comunidade tem saneamento básico, porque se não tiver [,,,] como que eu vou fazer [...]Então eu preciso conhecer a condição. [...] a gente precisa analisar pra saber qual é a necessidade. [...] Se eu perceber que as crianças estão com problema de evasão escolar [...] será que isso não pode ser porque está tendo algum problema na família? Ou será que essa criança está com algum problema de visão ou qualquer outra limitação que desestimule ela a continuar? [...] (E5)
O trabalho do enfermeiro na educação básica: intersetorialidade e interdisciplinaridade
Ao serem questionados sobre como percebem o trabalho do enfermeiro-educador no exercício da promoção da saúde em escolas de educação básica, os sujeitos do estudo apontaram o enfermeiro como um profissional que agrega à sua atuação assistencial, conhecimentos sobre abordagens didático-pedagógicas, que o instrumentalizam para exercer atividades de educação em saúde que viabilizam estratégias de promoção da saúde.
[...] o enfermeiro além de ser assistencial ele também é educador [...] E tem uma responsabilidade muito grande de trabalhar frente a esses alunos [...] com temas transversais, que é DST´s, gravidez na adolescência, droga [...] [O enfermeiro] é mais competente pra lidar com essas situações. (E1)
Na formação em licenciatura temos a oportunidade de construir conhecimentos que nos dão aporte para agir com mais segurança e efetividade nas ações educativas [...] educação em saúde também exige conhecimento didático e pedagógico. (E8)
Além disso, o enfermeiro, por estar em contato direto com o contexto social dos indivíduos e famílias, é considerado um dos principais agentes de promoção da saúde e do cuidado integral ao indivíduo, população e comunidade, que pode potencialmente compreender as questões biopsicossociais1212. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-6.,1414. Santos AAG, Silva RM, Machado MFAS, Vieira LJES, Catrib AMF, Jorge HMF. Sentidos atribuídos por profissionais à promoção da saúde do adolescente. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(5):1275-84.. Nessa perspectiva, um estudo realizado com enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família reafirma que para o desenvolvimento de suas atribuições, o profissional deve conhecer, se apropriar da realidade escolar e do contexto social, planejando suas ações a fim de a atender às demandas identificadas1717. Azevedo E, Pelicioni MCF, Westphal MF. Práticas intersetoriais nas políticas públicas de promoção de saúde. Physis. 2012;22(4):1333-56..
[...] [o enfermeiro] tem que [...] contextualizar mesmo a realidade da escola, a realidade desses alunos, de onde ele vem, [...] qual é a demanda da escola e qual é a demanda do aluno e, se utiliza esse espaço [...] como um espaço de promoção da saúde [...]. (E4)
Diversos autores enfatizam que o processo de ensino-aprendizagem, assim como as ações educativas realizadas na educação básica devem ser planejadas e executadas levando-se em consideração as necessidades, os interesses, o conhecimento prévio e autonomia de cada aluno, na perspectiva de uma educação em saúde crítica1818. Roecker S, Budó MLD, Marcon SS. Trabalho educativo do enfermeiro na Estratégia Saúde da Família: dificuldades e perspectivas de mudanças. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):641-9.
19. Freire P. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz Terra; 2016.-2020. Feio A, Oliveira CC. Confluências e divergências conceituais em educação em saúde. Saúde Soc. 2015;24(2):703-15.. Esta perspectiva de educação em saúde possui um caráter promocional da saúde e tem por base o modelo dialógico de Paulo Freire. Centra-se, portanto, em processos de interação entre os sujeitos e seus contextos, buscando a transformação individual e coletiva por meio da participação e empoderamento1919. Freire P. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz Terra; 2016..
Nesse sentido, os estudantes ressaltam a importância do enfermeiro-educador conhecer a realidade social dos indivíduos para projetar suas ações educativas direcionadas para a construção de hábitos e condições de vida mais saudáveis em consonância a realidade particular de cada sujeito e contexto social.
O enfermeiro precisa conhecer a população que ele vai trabalhar, ele precisa ver, qual é a área que circula aquela escola, quais as necessidades desses alunos [...] levantar isso e a partir desses dados trabalhar as necessidades de saúde e educação daquela população. (E3)
Para tanto, o trabalho do enfermeiro deve incorporar a intersetorialidade e a interdisciplinaridade como ferramenta para o atendimento das necessidades de saúde dos sujeitos e dos contextos sociais. O processo de trabalho do enfermeiro-educador pressupõe a interação entre os diversos setores sociais e áreas profissionais, superando a fragmentação dos conhecimentos, com o objetivo comum de melhorar a qualidade de vida da população1414. Santos AAG, Silva RM, Machado MFAS, Vieira LJES, Catrib AMF, Jorge HMF. Sentidos atribuídos por profissionais à promoção da saúde do adolescente. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(5):1275-84.,1616. Brito, AKA, Silva FIC, Franca NM. Programas de intervenção nas escolas brasileiras: uma contribuição da escola para a educação em saúde. Saúde Debate. 2012;36(95):624-32..
[...] tem atividades que podem ser feitas no posto de saúde e tem atividades que podem ser feitas fora. Por exemplo, na comunidade, em igreja [...]. (E5)
Ações isoladas de um único profissional são insuficientes para lidar com a complexidade do processo saúde-doença, pois as necessidades de saúde dos indivíduos perpassam diversos campos e núcleos. Nessa perspectiva, ressalta-se a importância do estreitamento e integração das relações profissionais, bem como também do enfermeiro com a comunidade e suas redes de atenção1616. Brito, AKA, Silva FIC, Franca NM. Programas de intervenção nas escolas brasileiras: uma contribuição da escola para a educação em saúde. Saúde Debate. 2012;36(95):624-32..
[...] é multiprofissional [...] o trabalho de enfermeiro educador. [...] Porque o enfermeiro [...] trabalha com vários outros profissionais. Trabalha com psicólogo, com médico, com nutricionista, com fisioterapeuta, aí vai de acordo com a necessidade [...] (E11)
O enfermeiro tem um papel de estabelecer e o cuidado na perspectiva da integralidade e da interdisciplinaridade. Deve proporcionar aos sujeitos, grupos e comunidade o acesso aos conhecimentos que geram mudanças. Desta forma, tal como apontam os resultados da presente investigação, outros estudos destacam ser imprescindível oportunizar ao profissional enfermeiro novas experiências e construção de novos saberes preparando-os para atuar no enfrentamento dos múltiplos determinantes do processo saúde-doença1313. Rocha PA, Soares TC, Farah BF, Friedrich DBC. Promoção da saúde: a concepção do enfermeiro que atua no programa saúde da família. Rev Bras Promoç Saúde. 2012;25(2):215-20.,1515. Barbosa Junior AJ, Perales PGPS, Vannuchi MTO, Martins EAP. O princípio da integralidade como norteador da formação do enfermeiro. Espaç Saúde. 2016;17(1):102-7.. Um dos locais em que esta ação pode e deve ser realizada é a escola.
Acho que o enfermeiro ali [na escola] tem o valor de desmistificar esse [...] mundo, esse universo e de dar subsídios pra que esse escolar [...] possa se tornar [...] um adulto consciente das suas atitudes [...] da consciência do seu próprio corpo, da sua alimentação. (E10)
Os participantes do estudo apontaram dificuldades observadas na atuação do enfermeiro da atenção básica. Como obstáculos, foram citados: a sobrecarga de trabalho e os problemas de recursos humanos; a presença pouco usual do enfermeiro licenciado no ambiente escolar; formação acadêmica centrada no modelo biologista.
Ainda foi destacado nas falas que a sobrecarga de trabalho e a carência quantitativa e de formação de recursos humanos concorrem para uma grande demanda de atividades incumbidas ao enfermeiro de saúde da família, que necessita conciliar atendimento de acolhimento, puericultura, pré-natal, saúde da mulher, saúde do homem, ações educativas em saúde com grupos comunitários, visita domiciliar acrescidos das atribuições administrativas, essenciais ao funcionamento e controle das atividades desenvolvidas pela equipe da unidade básica de saúde.
Esse contexto para o enfermeiro da atenção básica, na concepção dos participantes do estudo, tem sido entrave para que o profissional de enfermagem consiga se inserir na comunidade e desenvolva promoção da saúde no ambiente escolar.
[...] o enfermeiro tem uma sobrecarga muito grande de atividades, ainda mais, são atividades administrativas. Então às vezes ele acaba tão sobrecarregado com essas atividades [...] burocráticas, administrativas, que não dá tempo de poder se dedicar tanto pra essas atividades [...] de educação, [...] são poucos enfermeiros. Um enfermeiro numa unidade é muito pouco. (E6)
[...] a maior dificuldade que existe hoje é a quantidade de funcionários, que é muito pequena pra demanda que a gente acaba atendendo nas unidades de saúde básica. [...]. (E10)
Embora esses fatores interfiram na disponibilidade do enfermeiro-educador para exercer promoção da saúde na educação básica, os depoimentos evidenciam a equivocada concepção dos entrevistados de que para fazer promoção da saúde o enfermeiro deve dispor, exclusivamente, de um horário ou período específico para realizá-la. A promoção da saúde não só pode como deve ser incorporada como uma lógica de trabalho, não requisitando momentos específicos para executá-la.
A intersetorialidade por vezes se mostra tão ausente no cotidiano do profissional de enfermagem, que a presença do enfermeiro licenciado na educação básica ainda é incomum, o que se constitui uma das dificuldades para agregação da prática do enfermeiro-educador às instituições escolares. Os discursos trazem implicitamente a ideia de que os próprios sujeitos do estudo, quando foram inseridos no ambiente escolar para trabalharem questões relacionadas à saúde, vivenciaram manifestações de surpresa pela comunidade escolar em relação à presença deles.
Quando a gente coloca um enfermeiro dentro de uma escola [...] o pessoal [...] acha estranho, diferente[...] uma dificuldade que eu encontro [...] é o serviço de saúde vincular-se às escolas. Trabalhar mais próximo disso. (E1)
[...]não há uma efetiva participação da enfermeira dentro das escolas. [...] Não existe a introdução da enfermeira, de fato em todas as escolas. (E7)
Pesquisas mostram que a inserção do enfermeiro-educador na educação básica tem se mostrado ainda incipiente e descontínua, não contemplando todas as escolas, o que concorre para que alguns indivíduos não compreendam o papel do profissional dentro da escola, principalmente no que diz respeito às ações educativas55. Casemiro JP, Fonseca ABC, Secco FVM. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(3):829-40.,1515. Barbosa Junior AJ, Perales PGPS, Vannuchi MTO, Martins EAP. O princípio da integralidade como norteador da formação do enfermeiro. Espaç Saúde. 2016;17(1):102-7.. Os discursos evidenciam a persistência de uma visão curativa e assistencial da enfermagem, não envolvendo educação em saúde.
[...]infelizmente, ainda, se vê muito a enfermagem na escola pra realizar curativo e não como promoção de saúde [...]porque você chega lá [...] [e escuta]: ‘ah então, você veio aqui, ah então é pra dá remédio pros alunos? Ah, você veio aqui, porque ah se o aluno machuca você sabe que vai fazer o curativo na perna’. Tudo bem, não vejo problema de também realizar assistência, mas é muito mais além disso. (E5)
[...] ainda tem que ter uma qualificação desses profissionais pra eles entenderem as reais necessidades desses alunos, porque são diferentes, são outros aspectos que serão trabalhados ali e que [...] fogem muitas vezes daquela parte assistencial [...] Acho que muitas vezes [...] o profissional da saúde básica ainda fica muito ligado às partes técnicas, muito mais do que é a promoção da saúde. (E10)
Assim, entre os desafios a serem superados está, sobretudo, a possibilidade de inserção do enfermeiro licenciado na educação básica. Na atualidade isto se configura como um fator a ser fomentado, frente à complexidade do processo de trabalho na atenção básica e o impacto da formação acadêmica no desenvolvimento da promoção da saúde no âmbito extramuros de uma unidade de saúde.
Embora no curso haja a preocupação também com a formação do professor - trata-se de um curso de licenciatura - não é possível separar, na prática, as contribuições que a possibilidade da inserção na escola com fins educativos acaba por oferecer ao enfermeiro licenciado como um todo, para as diferentes práticas e atuação que possa vir a desenvolver.
Promoção e educação em saúde na escola: a prática educacional dialógica e reflexiva
As concepções dos futuros enfermeiros licenciados demonstram que a integralidade na assistência pressupõe a sensibilidade e a capacidade do enfermeiro em perceber as diferentes dimensões e complexidade dos indivíduos. Dessa forma, compreendem que as intervenções e atividades educativas devem ser organizadas considerando a singularidade da população.
Nessa perspectiva, os futuros enfermeiros licenciados percebem a comunidade escolar como um público-alvo potencial das ações de promoção da saúde, uma vez que, sobretudo, crianças e adolescentes são porta-vozes essenciais para a saúde e bem estar da comunidade e famílias22. World Health Organization (CH). The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO; 1986..
[...] a formação [...] da licenciatura, é [...] abrangente [...]. Então, quando a gente estuda os referenciais teóricos, [...] o projeto político pedagógico, quando a gente conhece a territorialização [...] isso torna a gente acho que com um olhar, uma visão ampla do todo. E mesmo em serviços de saúde, na assistência, hospitalar ou básica, então isso contribuiu muito pra mim, em outras visões, em outras perspectivas mesmo. [...] a licenciatura [...] oferece esse olhar mais amplo [...] me fornece isso: eu conversar com o outro, eu escutar mais o outro, identificar problemas[...] é um ponto facilitador. (E1)
[...] fazer promoção da saúde no ambiente escolar é garantir que as gerações, que estão vindo, vão [...] chegar na idade adulta pensando [...] numa alimentação melhor, em hábitos de vida melhor [...]. Se você propõe um hábito pra uma criança, é desde esse momento que ele tá formando, a construção do caráter, eu acredito que você consegue fazer com que o indivíduo perpetue isso. (E3)
[...]se eu quero atingir os pais, às vezes os pais eu não estou conseguindo atingir [...] Atingindo os filhos eu consigo levar informações para os pais, porque criança chega contando: ‘[...] a enfermeira estava lá e ela ensinou isso pra gente, ensinou tal coisa’. (E5)
Para além deste aspecto, segundo os entrevistados, a abordagem do profissional é mais efetiva quando as ações educativas são realizadas com ênfase na aprendizagem significativa e crítica. Os temas abordados devem surgir do interesse manifestado pelos próprios indivíduos, de acordo com suas necessidades e vivências pessoais.
[...] incluindo o outro, sendo significativo pro outro. [...] Algumas pessoas [não] entendem como [...] uma adolescente [..] fica grávida. Mas, [...] como que é isso pra ela? [...] qual que é o meio social que ela vive? É uma opção dela ou não é? Você tem que, acho que, promove com a pessoa, desenvolve com a pessoa, é, um raciocínio, ‘ah como que isso vai interferir na minha vida? Se é isso que eu quero agora, e tudo mais’, mas não tomar a decisão pelo outro, é desenvolver com [o outro]. (E4)
[...] vou lá discuto, construo algo com ele [o aluno] e ele pega aquilo que é mais significativo pra ele como aprendizado. [...] Desde o momento em que nós entramos na escola, entramos em contato com os alunos, com os educadores, e a gente vai captando essas mensagens: ‘ai, eu quero aprender isso’, ‘ah eu quero sabe mais sobre isso’ [...] o aprendizado começa a se tornar significativo, porque ele vê algo diferente que faz sentido (E8)
Neste sentido, diferentes estudos apontam que para o desenvolvimento da educação em saúde, são necessárias oportunidades que favoreçam a prática dialógica entre o educador e o educando. Nessa perspectiva, desconsidera-se a educação em saúde como mera transmissão de conteúdo, pois o conhecimento passa a ser uma construção coletiva33. Salci MA, Maceno P, Rozza SG, Silva DMGV, Boehs AE, Heidemann ITSB. Educação em saúde e suas perspectivas teóricas: algumas reflexões. Texto Contexto Enferm. 2013;22(1):224-30.,1919. Freire P. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz Terra; 2016..
As práticas de promoção da saúde desenvolvidas na formação do enfermeiro licenciado mostram-se fundamentais para transformar as práticas de ensino, possibilitando o desenvolvimento de um novo paradigma e práxis que extrapola as ações preventivas, tanto na formação como no desempenho profissional.
A concepção do enfermeiro sobre a promoção da saúde determina a sua prática, principalmente como educador junto à equipe e comunidade, o que requer do profissional a compreensão da saúde com ênfase na capacitação e mobilização comunitária para atuar em defesa da vida.
Os discursos evidenciam que as práticas educativas experenciadas na licenciatura conferem ao enfermeiro uma melhor compreensão dos elementos educacionais e humanos necessários para o planejamento e efetividade das ações que privilegiem as dimensões biopsico sócio culturais, espirituais e ambientais que envolvem a saúde de distintos grupos populacionais. Este aspecto é ressaltado como
[...] acho que se ele [o enfermeiro] não tem uma formação como a gente tem durante a graduação, direcionada [...] eu mesma estou vivenciando isso no meu estágio [...] que a gente tem uma proposta de desenvolver uma atividade na escola [...] e a enfermeira [...] é só bacharel, [...] ela não tem a menor ideia do que seja assumir [...] a aula numa escola com crianças do ensino fundamental. [...] não tem ideia da organização do tempo de uma aula e o quanto as crianças precisam de uma aula que seja dinâmica, que elas consigam se envolver com as atividades, o quanto isso é bem significativo pra elas. (E3)
Além do desenvolvimento de habilidades essenciais para as ações de educação e promoção da saúde, as experiências desenvolvidas na educação básica mostram-se importantes para a formação do enfermeiro licenciado no planejamento e na realização de ações junto aos escolares e à comunidade. Especificamente, o exercício da educação em saúde permite melhor conhecer a comunidade escolar e suas principais demandas, facilitando, assim, o trabalho do enfermeiro-educador.
[...] as experiências que eu vivenciei na educação [...] de ser educador, de entender essa vivência das crianças [...] me capacitou pra trabalhar com esse público [...] Porque quando você não conhece o público que você trabalha, quando você não tem nem ideia do que você pode esperar deles fica mais difícil desenvolver um trabalho. (E3)
Os estudantes entrevistados ressaltaram também que as práticas desenvolvidas através da licenciatura favorecem na sua formação, a aquisição de habilidades de comunicação, empatia e auto avaliação. As metodologias ativas utilizadas ao longo da graduação são importantes nesse processo, pois estimulam os futuros enfermeiros licenciados a refletirem sobre suas práticas, e assim desenvolverem saberes atitudinais, procedimentais e cognitivos.
[...] [essas práticas] proporcionam esse exercício, esse refletir sobre os meus atos, sobre as minhas condutas, como é que eu posso fazer pra cuidar do outro, pra educar o outro, é um exercício. (E1)
[..] quando você chega [...] na educação básica para trabalhar [o conhecimento] [...] a linguagem vai ser diferente, até o seu modo de olhar vai ser diferente [...] eu acredito que você cria maior desenvoltura até mesmo pra falar [...] quem é da licenciatura [...] tem maior desenvoltura pra falar [...] a gente percebe que no nosso grupo as atividades são muito dinâmicas. (E2)
Neste sentido a formação crítica-reflexiva, conferida pela construção de um conhecimento teórico-prático mediado por uma abordagem ativa de ensino, é determinante para a formação profissional do futuro enfermeiro-educador enquanto agente de transformação social.
Os docentes da área da saúde, especialmente da enfermagem, estão sendo desafiados a se apropriarem de práticas pedagógicas inovadoras e ativas por constituírem estratégia eficaz para se obter melhores resultados na aprendizagem significativa. O emprego de metodologias ativas concorre para abordagens teórico-práticas de ensino, que mobilizam estratégias potencializadoras na construção do conhecimento e estimulam o exercício do protagonismo dos atores envolvidos em todas as etapas que compõem o processo ensino aprendizagem2020. Feio A, Oliveira CC. Confluências e divergências conceituais em educação em saúde. Saúde Soc. 2015;24(2):703-15..
A abordagem pedagógica da licenciatura em enfermagem desperta, por meio da inserção no ambiente escolar, o interesse profissional pelas práticas de promoção da saúde transpondo os saberes teóricos e instrumentais para um modelo educacional prático-reflexivo. Em contraponto, os discursos evidenciam que as disciplinas clínicas do curso, isoladamente, são insuficientes para ampliar as concepções de saúde e desenvolver a visão dos indivíduos como seres multidimensionais.
[...] eu acredito que o enfermeiro vai muito mais [além] [...] pelas minhas vivências [...] eu acredito, assim, que você não será um bom enfermeiro só porque você sabe fazer uma coleta perfeita de sangue [...] pra você perceber as questões da integralidade, da promoção da saúde, de prevenção, são anos [...]. (E2)
[...] quando você está nas disciplinas de saúde, as mais clínicas do curso, elas, tem uma supervalorização [...] e a gente deixa de olhar, de ter esse olhar humanizado, que é o olhar das disciplinas didático-pedagógicas [...](E3)
Identificou-se o potencial do enfermeiro-educador na mudança de paradigmas a partir da implementação de ações embasadas pela concepção ampliada de saúde e uma aprendizagem com foco na valorização da prática no cenário real de atuação profissional, metodologias ativas e autonomia do estudante2020. Feio A, Oliveira CC. Confluências e divergências conceituais em educação em saúde. Saúde Soc. 2015;24(2):703-15.-2121. Meira MDD, Kurcgant P. Educação em enfermagem: avaliação da formação por egressos, empregadores e docentes. Rev Bras Enferm. 2016;69(1):16-22.. Desta forma, o profissional pode contribuir para novas formas de conceber e intervir na promoção de condições favoráveis à saúde da população.
Ao mesmo tempo em que os discursos revelam as percepções dos estudantes sobre a importância da promoção da saúde no processo de formação profissional, percebe-se a criticidade dos futuros enfermeiros licenciados adquirida ao longo da graduação, demonstrando o interesse e capacidade de refletir sobre a realidade, a busca de conhecimentos para embasar sua atuação, observando os aspectos essenciais para a prática profissional do enfermeiro2121. Meira MDD, Kurcgant P. Educação em enfermagem: avaliação da formação por egressos, empregadores e docentes. Rev Bras Enferm. 2016;69(1):16-22.. Foram observados nos discursos movimentos de reflexões dos estudantes acerca das práticas observadas durante seus estágios, o que evidencia a potencialização conferida pela licenciatura na formação do enfermeiro-educador em associação à educação em saúde, formando um profissional essencialmente crítico-reflexivo.
CONCLUSÃO
O modo como o profissional de enfermagem se insere no campo da promoção da saúde, no desenvolvimento de sua atuação como educador junto à equipe e comunidade escolar nas estratégias de educação em saúde, encontra-se fortemente relacionado à sua formação e a concepção construída sobre a assistência com enfoque na promoção da saúde.
O enfermeiro licenciado é um dos profissionais que potencialmente pode contribuir para as mudanças necessárias à superação do paradigma biologicista ainda presente nas práticas de saúde. A formação pedagógica, pautada em uma abordagem crítico-social, concorre para o enfermeiro-educador desenvolver sensibilidade para refletir sobre a realidade social e propor ações transformadoras, em uma perspectiva diferenciada de trabalho.
Nesse sentido, os discursos também apontam a formação acadêmica como determinante da capacidade do enfermeiro de perceber e compreender as necessidades dos alunos da educação básica, bem como desenvolver intervenções comprometidas com o empoderamento e o protagonismo do adolescente escolar nas questões individuais e coletivas de saúde e cidadania.
Evidenciou-se que o compromisso da formação do graduando de enfermagem com enfoque na promoção da saúde mostra-se essencial para que os estudantes desenvolvam uma construção teórico prática, crítica e reflexiva das possibilidades e dos desafios para uma atuação em saúde, capazes de estabelecerem redes emancipadoras para ações promotoras de saúde.
Como limitação do presente estudo, reconhece-se a lacuna produzida pela não inserção de outros sujeitos envolvidos no processo de formação de enfermeiros, como professores, coordenadores de curso, e neste caso específico de professores e gestores da educação básica. Diante dos resultados vislumbra-se a possibilidade de estudos futuros com egressos, e outros profissionais possibilitando avaliar a atuação do enfermeiro licenciado no âmbito da promoção da saúde na educação básica. Considera-se importante identificar os principais entraves presentes no trabalho do enfermeiro, com o objetivo de melhor compreender os fatores que facilitam ou dificultam o desenvolvimento de ações de promoção e educação em saúde no campo da sua prática profissional.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Set 2018 -
Data do Fascículo
2018
Histórico
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Recebido
19 Nov 2017 -
Aceito
02 Jul 2018