Open-access Cuidados prestados à mulher na visita domiciliar da “Primeira Semana de Saúde Integral”

La atención prestada a la mujer en la visita domiciliar de la “Primera Semana de Salud Integral”

RESUMO

Objetivo  Avaliar o cuidado prestado à mulher na visita domiciliar da “Primeira Semana de Saúde Integral”.

Método  Estudo transversal realizado em serviço especializado do Recife, Pernambuco. Entre setembro e dezembro de 2013, 190 puérperas cadastradas na Estratégia Saúde da Família responderam a um questionário para verificar a existência de associação entre a visita domiciliar e as variáveis investigadas, utilizando o teste Qui-quadrado, com nível de confiança de 95%.

Resultados  Predominou idade de até 29 anos (68,5%) e risco gestacional alto (59,5%), sendo 46,9% primíparas. Na primeira semana pós-alta, 42,1% receberam visita. Constatou-se associação entre atenção pré-natal em nível local e visita na primeira semana (p=0,049). A participação do enfermeiro na visita estava associada à maior realização de exame de mama (p=0,000), abdômen (p=0,000) e investigação de condições emocionais (p=0,029).

Conclusões  Evidencia-se a necessidade de instituir um planejamento rotineiro para efetuar a visita domiciliar programática, priorizando as puérperas de risco.

Período pós-parto; Visita domiciliar; Estratégia Saúde da Família; Saúde da mulher; Avaliação em saúde

RESUMEN

Objetivo  Evaluar la atención prestada a la mujer en la visita domiciliaria de la “Primera Semana de Salud Integral”.

Método  Estudio transversal, realizado en servicio de nivel terciario, en Recife, Pernambuco. Entre septiembre y diciembre de 2013, 190 madres inscritas en la Estrategia Salud de la Familia respondieron a un cuestionario para verificar la existencia de asociación entre las visitas domiciliarias y las variables investigadas. Se utilizó el Chi-cuadrado, con nivel de confianza del 95%.

Resultados  Predominó edad hasta los 29 años (68,5%) riesgo gestacional alto (59,5%), de los cuales el 46,9% primíparas. La primera semana posalta, el 42,1% recibió VD. Se constató asociación entre atención prenatal en el nivel local y visita en la primera semana (p=0,049). La participación del enfermero en visita estaba asociada a mayor realización de examen de mama (p=0,000), abdomen (p=0,000) e investigación de condiciones emocionales (p=0,029).

Conclusiones  Necesidad evidenciada de instituir planificación de rutina para efectuar visita domiciliaria programática, priorizando puérperas de riesgo.

Periodo posparto; Visita domiciliaria; Estrategia de salud familiar; Salud de la mujer; Evaluación en salud

ABSTRACT

Objective  To evaluate women’s care during home visits for the “First Comprehensive Care Week”.

Method  A cross-sectional study was carried out in a specialized service in Recife, Pernambuco, Brazil. A total of 190 women who had recently given birth enrolled at the Family Health Strategy answered the questionnaire between September and December 2013 to verify the association between home visits and the investigated variables. This association was verified using the chi-square test with a confidence level of 95%.

Results  Most of the women were 29 years old or under (68.5%), with high gestational risk (59.5%), and primiparous (46.9%). On the first week after hospital discharge, 42.1% received a home visit. An association was detected between local pre-natal care and a home visit on the first week (p = 0.049). The participation of the nurses during the visits was associated with better performance for breast and abdomen examinations (p = 0.000) and investigations on emotional conditions (p = 0.029).

Conclusions  These findings stress the need to establish a routine home visit plan to solve the issues of women with high-risk pregnancies after labour.

Postpartum period; Home visit; Family health strategy; Woman’s health; Health evaluation

INTRODUÇÃO

A morbimortalidade materna é um desafio mundial, com a maioria das situações se concentrando no puerpério imediato (1º-10º dia). Apesar do declínio nos últimos 20 anos, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) global era de 210 óbitos por 100 mil nascidos vivos, em 2013, sendo 14 vezes maior nas regiões em desenvolvimento(1). Não obstante, a mortalidade representa apenas a fração mais visível do problema de morbidade materna(2-3).

No Brasil, com o decréscimo da RMM devido, principalmente, à redução dos óbitos por causas obstétricas diretas, em 2013, ocorreram 69 óbitos por 100 mil nascidos vivos(1). Semelhante à América Latina e Caribe, continuam existindo óbitos evitáveis provocados, sobretudo, por doenças hipertensivas e hemorragias, com percentual importante de causas não-definidas(4). Esse perfil reforça a importância da assistência à saúde nos primeiros dias pós-parto.

Embora os resultados de uma revisão sistemática sobre os efeitos da atenção à saúde no puerpério imediato tenham sido inconclusivos(5), estudo com duas décadas de duração constatou taxas relativamente mais baixas de morte entre mães que receberam a visita domiciliar (VD) do enfermeiro nesse período(6). Ademais, pesquisas sobre ocorrência de morbidade materna indicaram a necessidade do desenvolvimento de ações programáticas que assegurem a detecção precoce de agravos à saúde da puérpera(2-3).

Uma revisão com metassíntese, salientou a importância do cuidado domiciliar de integrantes da equipe de saúde na primeira semana pós-parto, referido por mulheres no Brasil, África do Sul, Suíça e Inglaterra(7). Na transição do hospital para a casa, especialmente quando a mulher é primípara, é grande a necessidade de adquirir segurança no autocuidado e desempenho do papel de mãe. No entanto, as experiências relatadas evidenciaram, sobretudo, a falta de assistência domiciliar ou a insatisfação com a atenção recebida(7).

O puerpério é uma das áreas básicas de atuação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), modelo preferencial da Atenção Primária à Saúde (APS) no país(8). O Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal assumiu como uma das ações estratégicas aderir à iniciativa “Primeira Semana de Saúde Integral” (PSSI), instituída pelo Ministério da Saúde (MS) para ampliar a cobertura e qualificar a atenção à puérpera e ao recém-nascido (RN), fortalecendo o cuidado na APS(9).

A PSSI recomenda a VD nos primeiros sete dias pós-alta da maternidade, devendo acontecer nos primeiros três dias quando o RN é classificado como de risco. Na atenção à saúde da mulher a VD visa: conhecer as condições do parto, avaliar o estado de saúde, a interação mãe-bebê e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, conhecer as condições emocionais e sociais, identificar situações de risco e intercorrências para adotar condutas adequadas, apoiar o aleitamento materno, orientar o autocuidado e agendar consulta de puerpério até o 42º dia após o parto. A consulta no serviço de saúde, de sete a dez dias pós-parto, deve ser incentivada na VD(9).

Na ESF, a VD é a atribuição principal do agente comunitário de saúde (ACS), embora seja uma responsabilidade comum a todos os membros da equipe(8). As ações preconizadas na PSSI envolvem, principalmente, o enfermeiro e o ACS, sendo a avaliação médica solicitada quando se detectam alterações(9).

Nesse contexto, buscou-se responder a seguinte questão de pesquisa: As mulheres que realizaram revisão pós-parto em unidade de referência tiveram acesso às ações preconizadas pelo MS para a visita domiciliar na PSSI? O objetivo deste estudo foi avaliar o cuidado prestado à mulher na visita domiciliar da “Primeira Semana de Saúde Integral”.

MÉTODO

Estudo avaliativo normativo, em que o julgamento de valor a respeito da intervenção resulta da aplicação de critérios e normas que norteiam o desenvolvimento das ações previstas(10), com delineamento transversal, efetuado de setembro a dezembro de 2013, em Recife, Pernambuco, em uma amostra de 190 mulheres (mediana de tempo pós-parto de 19 dias, intervalo interquartil de 12 a 23 dias) que realizaram a revisão pós-parto no Ambulatório de Pós-Natal em hospital geral de nível terciário do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual é referência estadual e da região Nordeste para atenção à mulher e à criança. Para cálculo do tamanho da amostra estimaram-se 40% de VD na primeira semana após alta da maternidade (PSPA), com nível de significância de 95% e erro de 7%.

Na falta de informações sobre frequência dessas VD, escolheu-se um valor mais próximo de 50% que resultaria em uma amostra maior. A ponderação sobre o tempo disponível para realizar a pesquisa, o objetivo de contribuir para o planejamento de ações no puerpério e a possibilidade de manter uma boa supervisão e controle de qualidade ao longo do processo, permitiu considerar que a margem de erro de 7% (para o resultado estar entre 33% e 47%) forneceria uma precisão aceitável.

A amostragem de conveniência foi realizada por duas das autoras que foram devidamente treinadas: identificação e captação das mulheres elegíveis, aplicação do questionário e controle de qualidade do preenchimento do instrumento. Em cada turno da coleta, a partir da relação das mulheres que seriam atendidas no setor, foi construída uma listagem nominal daquelas que obedeciam aos critérios de inclusão no estudo: mulheres residentes no estado de Pernambuco e cadastradas em Unidade de Saúde da Família (USF). Não houve recusa ou exclusão. Após serem informadas sobre a pesquisa e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido, responderam ao questionário que contemplou informações sobre perfil sociodemográfico, características obstétricas e neonatais e atenção à saúde da mulher.

Os dados foram analisados utilizando o programa Epi Info 3.5.4. Verificou-se a existência de associações entre: (1) realização de VD e risco gestacional, número de gestações e local do pré-natal; (2) risco gestacional e atividades voltadas à mulher na VD; (3) profissional que efetuou a VD com as atividades desenvolvidas e com o grau de satisfação. As diferenças significativas foram avaliadas utilizando o qui-quadrado e o Mid-p exact, quando necessário, com um nível de confiança de 95%. O termo “tendências” foi usado para resultados com significância estatística entre 0,05 e 0,10.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, conforme o parecer nº 3714 de 11/09/2013.

RESULTADOS

As mulheres residiam, preponderantemente, na Região Metropolitana (45,3%) e na cidade do Recife (35,3%). A distribuição etária situou-se entre 12 e 45 anos, com mediana de idade de 25 anos (intervalo interquartil de 21 a 31 anos). As adolescentes (12 a 19 anos) representaram 16,8% das puérperas. Predominaram as mulheres que viviam em união (75,3%), sendo 46,9% em união consensual. A mediana de escolaridade foi de 11 anos (intervalo interquartil de 8 a 11 anos), 60,0% tinham entre 9-11 anos de estudo e 5,8% entre 12-16 anos. Cerca de 53,0% desenvolvia atividades domésticas não remuneradas e daquelas inseridas no mercado de trabalho, 56,8% realizavam trabalhos manuais (32,9% semiespecializado e 23,9% não qualificado). Ao redor de 46,9% eram primíparas.

Aproximadamente 62,0% das mulheres receberam atenção pré-natal na USF (38% das quais simultaneamente com outro serviço). Prevaleceu o parto cirúrgico (67,3% em gestação de alto risco), seguido por parto normal com episiotomia. Uma proporção de 59,5% teve gestação de alto risco, para 62,8% dessas devido à hipertensão arterial isolada ou associada ao diabetes mellitus (Tabela 1).

Tabela 1
– Características relacionadas ao pré-natal e parto de mulheres atendidas em serviço de referencia do Recife, Pernambuco, Brasil, 2013

A VD na PSPA foi realizada em 42,1% mulheres (5% delas não estavam em casa). As ACS responderam por 85% das visitas, sendo 38,7% dessas em conjunto com profissional de nível superior, quase sempre o enfermeiro. Dentre as 15% VD efetuadas apenas por profissional de nível superior, 83,3% foram feitas unicamente pelos enfermeiros (Tabela 2).

Tabela 2
– Realização de visita domiciliar e membro da equipe que realizou a visita domiciliar entre puérperas atendidas em serviço de referência do Recife, Pernambuco, Brasil, 2013

Ao redor de 71,2% das mulheres que receberam VD na PSPA fizeram o acompanhamento pré-natal na USF, com 66,7% dessas tendo sido atendidas, exclusivamente, pela equipe local. Constatou-se associação estatística entre atenção pré-natal na USF e VD na PSPA (p=0,049). Não existiu associação entre número de gestação e realização da VD na PSPA (p=0,876). Um percentual de 47,5% daquelas com VD eram primíparas.

As atividades mais executadas voltadas à mulher foram: indagar sobre amamentação (77,6%), orientar o uso de sulfato ferroso (75,0%), perguntar sobre alimentação (64,5%) e orientar a amamentação (64,5%). As ações menos consideradas: avaliar quantidade (15,8%) e odor do sangramento genital (15,8%) e exame da região genital (27,6%). A participação do profissional (medico e/ou enfermeiro) na VD, sozinho ou em conjunto, resultou num desenvolvimento significativamente maior de oito das 22 atividades recomendadas, ou em tendência para maior efetuação em quatro delas. Nessas circunstâncias, as atividades mais realizadas foram: perguntar sobre amamentação e alimentação e orientar o uso de sulfato ferroso (Tabela 3).

Tabela 3
– Atenção à saúde da mulher na visita domiciliar de integrantes da Estratégia Saúde da Família entre puérperas atendidas em serviço de referência do Recife, segundo responsável pela visita e risco gestacional, Recife, Pernambuco, Brasil, 2013

Ao redor de 40,9% das mulheres com alto risco gestacional recebeu VD. Não se verificou associação entre risco gestacional e VD (p=0,987). Tampouco o risco gestacional estava associado à realização das atividades preconizadas na atenção à mulher na PSPA. Notou-se tendência para maior investigação de queixas (p=0,093) e perguntas sobre a alimentação (p=0,076) entre mulheres com baixo risco gestacional (Tabela 3). Não foi identificada associação entre tipo de parto e VD (p=0,219).

Uma proporção de 56,6% das puérperas estava satisfeita com as orientações à saúde da mulher e 69,8% com o atendimento prestado na VD na PSPA (Tabela 4). A participação do médico e/ou do enfermeiro na VD não se mostrou associada à opinião sobre orientações relativas à saúde da mulher (p=0,121) e ao atendimento prestado (p=0,232).

Tabela 4
– Grau de satisfação sobre a visita domiciliar de integrantes da Estratégia Saúde da Família entre puérperas atendidas em serviço de referência do Recife, Pernambuco, Brasil, 2013

As opiniões sobre orientações fornecidas à mulher não foram significativamente afetadas pelo local da atenção pré-natal (p=0,309), pelo fato de ser primípara (p=0,488) ou ter alto risco gestacional (p=0,252). As ponderações acerca do atendimento recebido na VD também não apresentaram associação estatística com o local da atenção pré-natal (p=0,486), com o fato de ser primípara (p=0,349) ou ter alto risco gestacional (p=0,428).

DISCUSSÃO

Neste estudo, a frequência de VD na PSPA foi baixa (42,1%), apesar das recomendações da PSSI e do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal atribuir um caráter estratégico a essas ações programáticas(9). Quando comparada com um estudo multicêntrico, a proporção de VD na PSPA foi menor do que a encontrada em Bangladesh (57%) e no Nepal (50%) e notadamente maior do que o quantitativo observado no Malauí (11%), em relação à VD pós-parto dentro de três dias(11). Note-se que, na contravia do pactuado, o Sistema de Informação sobre o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (SISPRENATAL) não contempla, entre os indicadores de processo, o percentual de mulheres que receberam a VD no puerpério(9).

O MS recomenda que a VD seja programada pelas equipes, rotineiramente, visando conferir prioridade às situações de maior risco(8-9). A superposição de baixa frequência de VD na PSPA e falta de utilização de critérios de risco para a sua realização é preocupante, principalmente porque, no grupo pesquisado, 59,5% das mulheres tiveram gestação de alto risco. Porém, nem mesmo as puérperas que apresentaram hipertensão arterial e diabetes na gestação foram priorizadas, embora elas estivessem expostas a um elevado risco de intolerância à glicose no pós-parto, doenças cardiovasculares e diabetes mellitus futuro, em comparação com aquelas que tiveram gravidez saudável(12).

O percentual de adolescentes na amostra demonstra a importância da organização dos serviços de saúde para o acolhimento e acompanhamento desse grupo populacional no puerpério. Afora as questões relativas ao amadurecimento e a responsabilidade frente aos desafios da maternidade, o ganho de peso da adolescente grávida tende a ser maior em comparação à mulher adulta. A prevenção da retenção de peso no pós-parto traz benefícios imediatos para a saúde da mulher e pode prevenir o desenvolvimento precoce de obesidade, fator que contribui para a transmissão intergeracional da enfermidade(13).

A taxa de cesariana encontrada (54,7%) é outro aspecto relevante desta pesquisa, desenvolvida em unidade de referência para o parto nas gestações de alto risco. As mulheres com intercorrências clínicas e obstétricas responderam por, aproximadamente, duas terças partes dos partos cirúrgicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) assevera que na ausência de motivos médicos, as cesarianas não trazem benefícios e, como qualquer cirurgia, acarreta riscos imediatos e em longo prazo. Também sugere a realização de estudos para avaliar a associação entre taxas de cesáreas e morbidade materna e perinatal, bem como as implicações psicossociais associadas ao tipo de parto(14). Uma pesquisa qualitativa realizada em Recife, Pernambuco, verificou que a vulnerabilidade sentida no pós-parto cirúrgico fez a mulher solicitar a priorização do cuidado nessa situação(15).

No Brasil, estudos comprovaram que o planejamento da VD era inexistente ou assistemático. Em geral, a VD era realizada apenas pelo ACS ou apenas pelo profissional de nível superior separadamente, sem que pelo menos dois membros da equipe estivesse presentes na visita. A presença da equipe ocorreu em situações pontuais, quando foi previamente identificada à necessidade de outros profissionais na assistência. Com frequência a VD dos enfermeiros dependeu da avaliação dos ACS, que adotaram os seus próprios critérios para definir prioridades, pois não existia classificação de risco estabelecida(16-17). Houve equipes em que os ACS requisitavam a presença do médico no domicílio(17), em outras a solicitação era feita pelos enfermeiros(16). As relações interpessoais frágeis e a dificuldade em superar a fragmentação do trabalho resultaram em pouca interação entre enfermeiros e ACS na VD(16).

Os ACS indicaram obstáculos para dedicar mais tempo à VD como sobreposição de atribuições, necessidade de comparecer mais de uma vez ao mês na mesma família e as singularidades de cada região e população. O grande número de atribuições e o tempo limitado levavam muitos enfermeiros a optar por realizar as atividades do serviço, como as consultas de enfermagem, em detrimento das VD. Os enfermeiros ainda mencionaram o medo de caminhar na área da comunidade como uma das dificuldades para realizar a VD(16). O despreparo dos ACS para identificar as necessidades e agendar as VD motivou a crítica de médicos(17).

A VD deve propiciar o desenvolvimento de ações educativas e a identificação precoce de riscos e agravos em contexto familiar. Representa um momento privilegiado para prover ações resolutivas, que contemplem as necessidades de saúde e valorizem as possibilidades de escolha dos sujeitos(16-17). A maior aproximação à realidade vivenciada, na VD puerperal, pode fortalecer o vínculo profissional/equipe-usuário/família e potencializar a proteção à saúde da mulher e da criança. Para se inserir no ambiente familiar e compreender sua dinâmica nas questões da saúde, o profissional precisa realizar uma escuta atenta e ter conhecimento contextual. Desde a formação é importante que o enfermeiro desenvolva habilidades de mediação entre o saber técnico e o saber prático da pessoa leiga.

Nos resultados obtidos, o ACS foi o principal responsável pela VD e o enfermeiro, praticamente, o único profissional que tomou parte dessa atividade. A participação do enfermeiro melhorou a qualidade da atenção prestada, pois resultou em uma frequência significativamente maior de atividades desenvolvidas (exame físico, indagou queixas e estado emocional). Todavia, mesmo na presença de um profissional (médico ou enfermeiro), houve limitações no acesso a atividades importantes da assistência prevista para o puerpério imediato. Nesse sentido, muitas vezes não foram observadas as modificações biológicas do puerpério como: involução uterina e sangramentos, eliminações dos lóquios, distensão da musculatura abdominal, condições do períneo e das mamas. A parte o membro da equipe que realizou a VD, perguntar e orientar sobre a amamentação estavam entre as atividades mais desenvolvidas.

Apenas 52,6% das mulheres foram inquiridas sobre a existência de queixas, independentemente, do risco gestacional. Em Marrakesh, estudo encontrou que 44% das puérperas tinham queixas relativas ao pós-parto. O sofrimento mental (ansiedade, choro, nervosismo) foi a queixa mais comum, seguida por corrimento vaginal e problemas de mama, sendo ainda citados episiotomia infectada e ardor ao urinar, entre outras(2). No Brasil, existem evidências da insatisfação das mulheres com a falta de escuta das queixas na VD puerperal(15,18). Uma melhor compreensão das queixas pós-parto é um dos elementos essenciais da qualidade do cuidado à saúde feminina.

A despeito da importância da VD no puerpério imediato para identificação precoce de alterações emocionais, a investigação sobre o estado emocional da mulher foi pouco realizada (36,8%), Nesse período, 50% a 70% das puérperas são acometidas de “baby blues”, um estado depressivo brando, que aparece em geral no terceiro dia pós-parto e tem duração aproximada de duas semanas(9). As preocupações, a ansiedade e o estresse, decorrentes das dificuldades e inseguranças relacionadas ao autocuidado e ao cuidado com o RN, relativamente negligenciados pelas equipes de saúde, têm levado às mulheres a solicitar um olhar diferenciado às mães de primeira vez(7,15).

A anemia no puerpério imediato é mais comum do que se pensava anteriormente, podendo manifestar-se como palidez, cansaço, tonturas, perda de apetite e edema. Não tratada, pode ter repercussões severas na saúde física e emocional da mulher. Em pesquisa efetuada na primeira semana pós-parto, em área rural da Índia, 7,4% das mulheres sofriam de anemia grave e 46,0% anemia moderada(3). No presente estudo, a orientação para usar o sulfato ferroso foi uma das atividades mais desenvolvidas na VD, conforme a recomendação do MS de que a suplementação de ferro deve ser realizada para as mulheres sem anemia diagnosticada(9).

Um percentual significativamente maior das mulheres com atenção pré-natal realizada na USF recebeu VD na PSPA. A continuidade assistencial é um elemento crítico para a coordenação e a qualidade do atendimento. A compreensão de que a continuidade envolve a relação profissional-usuário e o vínculo pode ajudar a entender a concentração das VD entre mulheres que receberam atenção pré-natal apenas na USF. Uma meta-análise constatou que o contínuo assistencial iniciado na gestação, que prossegue no parto e pós-parto, é fundamental para a redução da mortalidade materna e neonatal(19).

As participantes deste estudo realizaram a revisão pós-parto no serviço de saúde onde efetuaram o parto, pois algumas maternidades oferecem esse tipo de atendimento. A constatação de que somente 63,1% delas foram informadas sobre a necessidade de realizar a consulta puerperal, é sugestiva de limitações na continuidade da assistência prestada pela equipe local no puerpério. Uma pesquisa desenvolvida em Cuiabá, Mato Grosso do Sul, encontrou que apenas 49,1% das 55 USF avaliadas tinham oferta sistemática de consultas de enfermagem no serviço de saúde de sete a dez dias após o parto e 49,1% realizavam o agendamento prévio da consulta pós-parto(20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados evidenciam as limitações técnicas, éticas e organizacionais das práticas de saúde efetivadas pelas equipes da ESF na VD puerperal, traduzidas na grande omissão das atividades voltadas à saúde da mulher e no fato das mais frequentes serem aquelas diretamente relacionadas à amamentação. O que aponta a persistência de uma atenção baseada nos aspectos biológicos e no desempenho do papel social de mãe, a qual secundariza às demandas específicas da mulher, denotando que continua vigente a racionalidade da assistência materno-infantil. Apesar disso, houve uma avaliação positiva do atendimento na VD no PSPA, o que permite conjecturar sobre as baixas expectativas das usuárias de serviços públicos de saúde.

A operacionalização da VD puerperal é realizada com base nas referências que os trabalhadores adotam para desempenhar suas funções. O desenvolvimento do planejamento sistemático e participativo de metas, estratégias e ações, a educação permanente e a avaliação continuada das ações e do processo de trabalho preconizados pelo MS, são essenciais para problematizar e preparar os integrantes da equipe para o desempenho dos papéis e das atribuições no puerpério. Desempenho que influencia a morbimortalidade materna e perinatal e a qualidade de vida da puérpera.

A reflexão sobre as práticas locais e os seus contextos de inserção amplia a percepção das necessidades de aprendizagem e organização, elemento imprescindível para o delineamento das alterações necessárias no curso do trabalho. Ao mesmo tempo devem ser feitos esforços para melhorar a qualidade da estrutura organizacional da atenção pós-parto na ESF. A gerência é estratégica para a tradução de políticas em formas concretas de organização das ações de saúde.

As principais limitações desta pesquisa foram o tamanho da amostra, embora tenha propiciado uma precisão aceitável, considerando a pretensão de fornecer subsídios para o planejamento de ações no puerpério, e o fato de a população de estudo se restringir às puérperas que tiveram acesso à revisão pós-parto. Apesar disso, os seus resultados podem contribuir para a pesquisa, ensino e prática da enfermagem no que diz respeito à comunicação e integração técnica no trabalho da equipe interdisciplinar, a essencialidade do diálogo entre profissionais de saúde e usuários e a definição de linhas de cuidados pertinentes a cada situação.

REFERÊNCIAS

  • 1 World Health Organization (CH). Trends in maternal mortality: 1990 to 2013. Estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, The World Bank and the United Nations Population Division [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2014 [cited 2015 Apr 21]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112682/2/9789241507226_eng.pdf?ua=1
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112682/2/9789241507226_eng.pdf?ua=1
  • 2 Assarag B, Dubourg D, Maaroufi A, Dujardin B, De Brouwere V. Maternal postpartum morbidity in Marrakech: what women feel what doctors diagnose? BMC Pregnancy Childbirth. 2013 [cited 2015 Jan 20];13:225. Available from: http://www.biomedcentral.com/1471-2393/13/225
    » http://www.biomedcentral.com/1471-2393/13/225
  • 3 Iyengar K. Early postpartum maternal morbidity among rural women of Rajasthan, India: a community-based study. J Health Popul Nutr. 2012 [cited 2015 Feb 15];30(2):213-25. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3397332/pdf/jhpn0030-0213.pdf
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3397332/pdf/jhpn0030-0213.pdf
  • 4 Morse ML, Fonseca SC, Barbosa MD, Calil MB, Eyer FPC. Mortalidade maternal no Brasil: o que mostra a produção científica nos últimos 30 anos? Cad Saúde Pública 2011;27(4):623-38.
  • 5 Yonemoto N, Dowswell T, Nagai S, Mori R. Schedules for home visits in the early postpartum period (Review). Evid Based Child Health. 2014 [cited 2015 Feb 15];9(1):5-99. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD009326.pub2/epdf
    » http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD009326.pub2/epdf
  • 6 Olds DL, Kitzman H, Knudtson MD, Anson E, Smith JA, Cole R. Effect of home visiting by nurses on maternal and child mortality: results of a 2-decade follow-up of a randomized clinical trial. JAMA Pediatr. 2014 [cited 2015 Mar 13];168(9):800-6. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4235164/pdf/nihms640983.pdf
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4235164/pdf/nihms640983.pdf
  • 7 Correa MS, Feliciano KV, Pedrosa EN, Souza AI. Women’s perception concerning health care in the post-partum period: a meta-synthesis. OJOG. 2014 [cited 2015 Jan 15]; 4:416-26. Available from: http://dx.doi.org/10.4236/ojog.2014.47062
    » http://dx.doi.org/10.4236/ojog.2014.47062
  • 8 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília (DF); 2012.
  • 9 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada - manual técnico. 3. ed. rev. Brasília (DF); 2006.
  • 10 Contandriopoulos AP, Champagne F, Denis JL, Pineault R. A avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. In: Hartz ZMA, organizador. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. p. 29-47.
  • 11 Sitrin D, Guenther T, Murray J, Pilgrim N, Rubayet S, Ligowe R, et al. Reaching mothers and babies with early postnatal home visits: the implementation realities of achieving high coverage in large-scale programs. PLoS ONE. 2013 [cited 2015 Jan 20]; 8(7):e68930. Available from: http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0068930&representation=PDF
    » http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0068930&representation=PDF
  • 12 Ehrentha DB, Maiden K, Rogers S, Amy Ball BA. Postpartum healthcare after gestational diabetes and hypertension. J Women’s Health. 2014;23(9):760-4. doi: http://dx.doi.org/10.1089/jwh.2013.4688
    » http://dx.doi.org/10.1089/jwh.2013.4688
  • 13 Haire-Joshu DL, Schwarz CD, Peskoe SB, Budd EL, Brownson RC, Joshu CE. A group randomized controlled trail integrating obesity prevention and control for postpartum adolescents in a home visiting program. Int J Behav Nutr Phys Act. 2015;12:88. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12966-015-0247-8
    » http://dx.doi.org/10.1186/s12966-015-0247-8
  • 14 Organização Mundial de Saúde (CH). Declaração da OMS sobre taxas de cesáreas. Genebra; 2015. [citado 2015 ago 15]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/161442/3/WHO_RHR_15.02_por.pdf
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/161442/3/WHO_RHR_15.02_por.pdf
  • 15 Corrêa MSM. Cuidado no puerpério: percepções e práticas de mulheres e da equipe de saúde da família [tese]. Recife (PE): Pós-graduação em Saúde Materna e Infantil, Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira; 2015.
  • 16 Kebian LVA, Acioli S. A visita domiciliar de enfermeiros e agentes comunitários de saúde da Estratégia Saúde da Família. Rev Eletr Enf. 2014;16(1):161-9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v16i1.20260
    » http://dx.doi.org/10.5216/ree.v16i1.20260
  • 17 Cunha MS, Sá MC. A visita domiciliar na Estratégia de Saúde da Família: o desafio de se mover no território. Interface - Comunic, Saude, Educ. 2013;17(44):61-73.
  • 18 Bernardi MC, Carraro TE, Sebold LF. Visita domiciliária puerperal como estratégia de cuidado de enfermagem na atenção básica: revisão integrativa. Rev Rene. 2011;12(nesp.):1074-80.
  • 19 Kikuchi K, Ansah EK, Okawa S, Enuameh Y, Yasuoka J, Nanishi K, et al. Effective linkages of continuum of care for improving neonatal, perinatal, and maternal mortality: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015;10(9):e0139288. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0139288
    » http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0139288
  • 20 Oliveira DC, Mandú ENT, Corrêa ACP, Tomiyoshi JT, Teixeira RC. Estrutura organizacional da atenção pós-parto na Estratégia Saúde da Família. Esc Anna Nery. 2013;17(3):446-54.
  • Errata
    Onde se lia:
    Uma pesquisa desenvolvida em Cuiabá, Mato Grosso do Sul...
    Leia-se:
    Uma pesquisa desenvolvida em Cuiabá, Mato Grosso...

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2015
  • Aceito
    19 Set 2016
location_on
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro