Trabalho de enfermagem na pandemia da covid-19 e repercussões para a saúde mental dos trabalhadores

RESUMO

Objetivo:

Refletir sobre o contexto de trabalho dos profissionais de enfermagem na pandemia da Covid-19 e as repercussões para saúde mental desses profissionais.

Método:

Trata-se de um estudo teórico reflexivo com dois eixos temáticos: i) Pandemia pela Covid-19: quadro epidemiológico, manifestações e medidas preventivas; ii) Precarização laboral em tempos de pandemia e impactos na saúde mental do trabalhador.

Resultados:

A pandemia da Covid-19 explicitou os reflexos da precarização no setor saúde. Por exemplo, evidenciou-se o sofrimento psíquico dos trabalhadores de enfermagem decorrente da escassez de equipamento de proteção individual, da fragilidade na descrição dos protocolos e dos fluxos para o controle efetivo de infecções, das prolongadas horas de trabalho, da formação profissional inadequada para o cenário de crise e das incertezas em relações as medidas terapêuticas.

Conclusão:

O presente artigo traz à tona a agudização de um cenário que eleva o potencial de impacto negativo na saúde mental dos trabalhadores de enfermagem.

Palavras-chave:
Enfermagem; Coronavirus; Infecção por coronavirus; Pandemias; Saúde do trabalhador; Trabalho; Saúde mental

ABSTRACT

Objective:

To reflect about the work context of nursing professionals in the COVID-19 pandemic and the repercussions for these professionals’ mental health.

Method:

This is a theoretical reflective study with two thematic axes: i) Pandemic by COVID-19: epidemiological condition, manifestations, and preventive measures; ii) Precariousness of work in times of pandemic and impacts on the worker’s mental health.

Results:

The COVID-19 pandemic made explicit the reflects of precariousness in the health sector. For example, the psychological suffering of nursing workers was evidenced due to the scarcity of personal protective equipment, the weakness in the description of the protocols and the flows for the effective control of infections, the long working hours, the inadequate professional training for crisis scenario and uncertainty in relation to therapeutic measures.

Conclusion:

The present article brings to light the aggravation of a scenario that raises the potential for negative impact on the mental health of nursing workers.

Keywords:
Nursing; Coronavirus; Coronavirus infections; Pandemics; Occupational health; Work; Mental health

RESUMEN

Objetivo:

Reflexionar sobre el contexto de trabajo de los profesionales de enfermería en la pandemia de COVID-19 y las repercusiones para la salud mental de estos profesionales.

Método:

Se trata de un estudio teórico reflexivo con dos ejes temáticos: i) Pandemia de COVID-19: cuadro epidemiológico, manifestaciones y medidas preventivas; ii) Trabajo precario en tiempos de pandemia e impactos en la salud mental del trabajador.

Resultados:

La pandemia de COVID-19 explicitó los reflejos de precariedad en el sector de la salud, por ejemplo, el sufrimiento psicológico de los trabajadores de enfermería debido a la escasez de equipos de protección individual, la fragilidad en la descripción de los protocolos y los flujos al hospital. control efectivo de infecciones, horas de trabajo prolongadas, capacitación profesional inadecuada para el escenario de crisis e incertidumbres en relación con las medidas terapéuticas.

Conclusión:

El presente artículo saca a la luz el agravamiento de un escenario que aumenta el potencial de impacto negativo en la salud mental de los trabajadores de enfermería.

Palabras clave:
Enfermería; Coronavirus; Infecciones por coronavirus; Pandemias; Salud del trabajador; Trabajo; Salud mental

INTRODUÇÃO

Desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o novo coronavírus (SARS-CoV-2) como o causador da pandemia Covid-19, e o Brasil passou a registrar o aumento do número de casos dessa doença, a preocupação com um inusitado e complexo cenário de atuação para os trabalhadores de saúde, principalmente para os profissionais de enfermagem, se intensificou. Afinal, mesmo antes de se estabelecer uma crise nos serviços de saúde em virtude da doença, o trabalhador de enfermagem já sofria com os efeitos da precarização imposta pelo ideário neoliberal em seu processo laboral1.

Nesta perspectiva, em função da desresponsabilização do Estado, da diminuição das políticas sociais e do enxugamento da máquina pública como parte da política do Estado mínimo, estes trabalhadores vivenciavam em seu cotidiano sérios problemas estruturais, organizacionais e de condições laborais1. Este contexto reflete-se na escassez de equipamentos e insumos, na carência de pessoal, no ritmo de trabalho intenso, na falta de estabilidade laboral, entre outras consequências, que culminavam com um quadro preocupante de sofrimento psicofísico dos trabalhadores, sendo uma das principais razões para o afastamento do trabalho, adoecimentos, e até, de suicídios e morte1.

No entanto, o enfrentamento da pandemia da Covid-19 está tornando mais evidente as demandas históricas da enfermagem quanto às condições de trabalho, à extensão da jornada laboral, ao dimensionamento de pessoal, à remuneração e, até então, à visibilidade social da categoria2. Somam-se às antigas demandas, o alto risco de contaminação pelo novo coronavírus, a possibilidade de transmitir a doença a terceiros e familiares, a escassez de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e os dilemas éticos vivenciados por profissionais que atuam na linha de frente do cuidado a pessoas com Covid-19. Tais situações potencializam o sofrimento psíquico, impactando negativamente não somente na saúde física, mas também na saúde mental desses trabalhadores.

Outrossim, evidencia-se o risco aumentado de adoecimento psíquico dos trabalhadores de enfermagem em razão do isolamento social que os afastam de familiares e entes queridos; de observarem elevado quantitativo de óbitos de pacientes sob seus cuidados; de vivenciarem o processo de morte e morrer de colegas de trabalho em consequência da contaminação pelo SARV-CoV-23. Soma-se a este cenário, a configuração de uma crise econômica internacional e do agravamento da instabilidade financeira do Brasil, que pode resultar em amplo desemprego tanto de profissionais da saúde quanto de seus familiares.

Assim, tem-se um contexto de transtorno de ansiedade e de pânico, depressão, estresse, insônia, irritabilidade, raiva, indícios de comportamentos suicidas, entre outras manifestações que deterioram a saúde mental dos trabalhadores da saúde e, em especial, da enfermagem3^-4.

Corroborando com o exposto, a OMS reconheceu o impacto da pandemia na saúde mental das pessoas, principalmente dos profissionais de saúde e lançou um documento que ressalta a necessidade de aumentar os investimentos em serviços de saúde mental3.

Nessa perspectiva, considerou-se apropriado desenvolver este estudo, cujo objetivo foi: refletir sobre o contexto de trabalho dos profissionais de enfermagem atuantes na pandemia da Covid-19 e as repercussões para saúde mental desses profissionais.

MÉTODO

Estudo teórico-reflexivo elaborado com base em leitura crítica sobre temas relativos à pandemia da Covid-19, à saúde do trabalhador, ao trabalho de enfermagem e ao sofrimento psíquico no trabalho. Esse tipo de estudo tem aproximação com pesquisas de natureza qualitiativa, pois fundamenta-se na descrição e análise de constructos teóricos apreendidos por via de levantamento bilbliográfico, possibilitando a compreensão mais aprofundada sobre o objetivo de estudo5.

Os resultados foram organizados e discutidos por meio de duas seções teóricas: i) Pandemia pela Covid-19: quadro epidemiológico, manifestações e medidas preventivas; e ii) Precarização laboral em tempos de pandemia e impactos na saúde mental do trabalhador. Essas seções teóricas foram construídas com base no levantamento e na análise da bibliografia investigada, bem como na observância de conteúdos que poderiam ser eluciadativos para a problemática pontuada e para alcance do objetivo4.

RESULTADOS

Pandemia pela Covid-19: quadro epidemiológico, manifestações e medidas preventivas

A Covid-19, é uma enfermidade emergente, causada pelo vírus SARS-CoV-2, identificado pela primeira vez em Wuhan, província de Hubei, na China, no final de novembro de 2019. Além de provocar milhares de mortes neste país, essa doença disseminou-se rapidamente para outros países, levando a OMS, em 30 de janeiro de 2020, declarar a Covid-19 uma Emergência de Saúde Pública de importância internacional, e em 11 de março de 2020, defini-la como uma pandemia6.

As manifestações mais comuns da Covid-19 são: febre, cansaço e tosse seca. Alguns pacientes podem ter dores musculares e cefaleia, congestão nasal, corrimento nasal, dor de garganta ou diarreia. Esses sintomas geralmente são leves e começam gradualmente. Segundo a OMS, a maioria dos indivíduos (cerca de 80%) recupera-se sem precisar de tratamento especial, podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, o que permite que continuem suas atividades diárias sem maiores restrições físicas. Essa ocorrência justifica ainda mais o crescente número de pessoas infectadas, pois indivíduos assintomáticos, por não permanecerem restritos ao lar ou às unidades assistenciais, disseminam o vírus, sem ao menos notarem alterações na saúde6.

Admite-se ainda, que uma em cada seis pessoas que se contamina por Covid-19 fica gravemente doente e desenvolve dificuldades para respirar. As pessoas idosas e as que têm outras patologias como hipertensão arterial, doenças cardíacas, diabetes e obesidade têm maior probabilidade de desenvolver a forma grave da doença6.

No Brasil, apesar da inexistência de dados oficiais do Ministério da Saúde referentes ao adoecimento dos profissionais de enfermagem, o Conselho Federal de Enfermagem, através do Observatório da Enfermagem, confirmou 143 mortes de profissionais da categoria e 17.044 casos de infectados7.

Por ser altamente contagiosa, as medidas de prevenção e controle de infecção devem ser rigorosamente implementadas. Tais medidas incluem aumentar a frequência e a confiabilidade da higiene das mãos; fazer triagem de todos os pacientes que chegam ao serviço de saúde com sintomas do Covid-19, devendo imediatamente colocarem máscara e serem direcionados para atendimento, em uma sala isolada; implementar antecipadamente precauções de contato, gotículas e aerossóis8.

Sabe-se que o SARS-COV-2 se dissemina principalmente através de gotículas, contato e algumas situações que possam gerar aerossóis, como intubação orotraqueal, aspiração de vias aéreas e ressuscitação cardiopulmonar. Assim, os profissionais que atuam junto a pacientes com a doença, devem fazer uso adequado de EPI, tais como: máscaras, capotes de manga longa, luvas e óculos de proteção para os olhos, os quais são essenciais para preservar o trabalhador de possível contágio. Salienta-se que é fundamental não apenas estar atento a técnica da paramentação correta, mas também ao procedimento de desparamentação, pois indica-se que a retirada dos EPI se configura como potencial risco da equipe de saúde se contaminar8.

Ademais, é necessário que as organizações laborais adotem estratégias e ações para capacitação dos trabalhadores quanto aos meios de transmissão do vírus e as medidas preventivas para eliminar e/ou reduzir a transmissão viral, sinais e sintomas da doença, métodos diagnósticos e tratamentos. Enfim, provê-los de conhecimentos necessários para cuidar com qualidade e, ao mesmo tempo, protegerem-se da contaminação por meio de práticas assistenciais seguras. Destaca-se a importância de elaboração de protocolos para que os trabalhadores possam embasar suas atuações fundamentadas em evidências científicas, tendo acesso rápido a tais instrumentos a fim de esclarecerem dúvidas e consolidarem o conhecimento8.

Igualmente aponta-se a importância de equipamentos de proteção coletiva, bem como ambientes amplos, arejados, iluminados, com uma rotina adequada de limpeza e recolhimento dos resíduos hospitalares e de outras unidades de saúde. Faz-se mister a aplicação de procedimentos de limpeza, desinfecção e de esterilização dos materiais e equipamentos hospitalares, tanto para proteger a saúde dos usuários do serviço quanto para garantir a manutenção da saúde dos trabalhadores8.

Assevera-se que a adoção de todas essas medidas e estratégias de controle de infecção e transmissão da Covid-19 podem gerar repercussões positivas no sistema de saúde, ao passo que, sua não implementação impacta no agravamento da crise sanitária, contribuindo para o colapso do sistema de saúde, a lotação dos leitos hospitalares e a escassez dos recursos materiais8^-10.

É fundamental que os trabalhadores de enfermagem estejam engajados nas ações de prevenção, mitigação e combate relacionadas à Covid-19. Contudo, faz-se imprescindível que estes profissionais atuem em contextos laborais apropriados para o desenvolvimento do cuidado, pois do contrário, haverá elevado sofrimento psíquico e contaminação desse coletivo profissional9^-10.

Corroborando, as condições inadequadas de trabalho caracterizadas por insuficiência de recursos materiais, subdimensionamento de pessoal, estrutura física inapropriada para o cuidado, inadequada capacitação e treinamento de pessoal, gera sobrecarga de trabalho, fadiga física e mental e, sobretudo, incertezas e temores em relação à manutenção da saúde dos trabalhadores9.

Tal situação remete a insidiosa precarização das condições que o trabalho de enfermagem que vem se desenvolvendo desde do início dos anos 2000, e que a pandemia da Covid-19 agudizou e tornou público muitas situações indignas dessa atividade laboral1.

Precarização laboral em tempos de pandemia e impactos na saúde mental do trabalhador

A precarização do trabalho é um conceito multidimensional, que resulta das transformações do trabalho, marcadas por políticas econômicas neoliberais, bem como pela globalização e pela reestruturação produtiva do capitalismo nas últimas décadas. Tais transformações podem ser observadas nos processos de flexibilização do trabalho e desregulamentação da legislação trabalhista10.

No Brasil, no âmbito do setor público, especialmente no contexto da saúde, a precarização do trabalho intensificou-se a partir da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que congelou por 20 anos os gastos públicos. Ademais, citam-se as restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal que, consequentemente, têm limitado o investimento no setor saúde, gerando insidiosa precarização deste setor, onde se observam consequências como: inuficiência de material, escassez quantitativa e qualitativa de pessoal, degradação das relações de trabalho, baixos salários, vínculos empregatícios instáveis, perda de direitos trabalhistas e condições de trabalho inadequadas1^,9^-10.

Tal precarização vem se aprofundando à medida que o ideário neoliberal se consolida como fundamento das organizações de trabalho em saúde. O neoliberalismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial, na América do Norte e na Europa, como uma reação contra o Estado de Bem-Estar Social, sustentado pela socialdemocracia. E no Brasil iniciou-se no final do governo Sarney, perpassou os governos Collor e Itamar, aprofundando-se e consolidando-se com o presidente Fernando Henrique Cardoso10.

Nesta perspectiva, pode-se considerar que há décadas o sistema de saúde brasileiro vem sofrendo com tal precarização e, por sua vez, tem se observado o intenso sofrimento psíquico dos trabalhadores de enfermagem que vivenciam este contexto diuturnamente. Nesse âmbito, verificam-se trabalhadores com risco elevado para desenvolvimento de alterações de comportamento e doenças mentais11^-12.

Ratificando, registram-se elevado número de profissionais com burnout, depressão, ansiedade patológica, síndrome do pânico, entre outras enfermidades que atingem duramente a saúde mental deste coletivo profissional, pois o contexto não é favorável ao desenvolvimento do cuidado seguro e de qualidade. Por conseguinte, constata-se a queda dos salários e a pouca ou nenhuma valorização social e profissional, o que também impacta negativamente na saúde mental desses trabalhadores2^,9.

Para piorar este contexto, evidencia-se o surgimento da Covid-19 onde tudo que se sabe é incerto e/ou muda a cada dia, cujo vírus causador dessa pandemia possui um estarrecedor potencial de transmissibilidade e leva algumas pessoas contaminadas rapidamente a um estado crítico. Nesta perspectiva, demanda-se o uso de tecnologias densas e de equipamentos em número cada vez mais crescente, mas o sistema de saúde é incapaz de fornecer soluções rápidas, pois já vinha em situação de sucateamento progressivo10^-11.

Ademais, a precarização também se apresenta na formação da força de trabalho de enfermagem que é, em grande maioria, inadequadamente preparada e qualificada para atuar em um contexto atípico e ao mesmo tempo complexo11. Essas situações causam apreensão, aflição, medo, ansiedade, síndrome do pânico, ideias de suicídio, estresse ocupacional em muitos profissionais, pois o cenário tem se mostrado adverso3^-4^,12.

Outrossim, verifica-se neste momento da crise resultante da pandemia, a evidente fragilidade na descrição dos protocolos e fluxos para o controle efetivo de infecções, além de número insuficiente de equipe de enfermagem treinada e capacitada para cuidar dos pacientes em condições graves de saúde. Situação que também potencializa a angústia dos profissionais de enfermagem, impactando negativamente na saúde dos mesmos3^,12.

Porém, a situação fica ainda mais complexa a partir de atitudes e medidas tomadas por instâncias governamentais. Cita-se, por exemplo, a Medida Provisória (MP) 927/2020, que dispõe sobre determinações trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública. Essa MP é repudiada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), pois reduz a proteção aos trabalhadores durante a pandemia, tendo em vista que permite a ampliação da jornada dos profissionais de saúde por até 24 horas e reduz o tempo de descanso para 12 horas13.

Ressalta-se que, anteriormente à pandemia, a enfermagem já lutava contra o sub-dimensionamento das equipes de enfermagem e a sobrecarga de trabalho, que claramente serão agravadas pelo conteúdo disposto na Medida Provisória, aumentando o risco de adoecimento dos profissionais e o de ocorrências adversas na assistência. O Cofen impetrou ação judicial contra a MP, onde destaca que o documento trata com escárnio aqueles que estão na linha de frente da pandemia, enfrentando seus próprios medos para garantir a assistência à população13.

Outro determinante para o sofrimento psíquico dos trabalhadores de enfermagem é a situação da escassez dos EPI, que passam por um desabastecimento em nível nacional, colocando os profissionais em grave risco de contaminação. Assegurar que esses equipamentos cheguem aos trabalhadores que atuam no combate à pandemia é mandatório e premente. É preciso que haja uma articulação do governo federal, estados, municípios, além dos Conselhos Federal e Regional de enfermagem (Cofen/Coren), para proverem estes itens prioritários ao bom andamento dos serviços e a segurança dos trabalhadores.

Condições inadequadas de trabalho somam-se a dilemas éticos, pois a falta de proteção individual e coletiva para o trabalhador, gera ainda mais medo de adquirir a doença, podendo resultar, por exemplo, no distanciamento do cliente e na recusa em prestar o cuidado, comprometendo a qualidade da assistência. Outrossim, emergem sentimentos de intenso sofrimento psíquico como a experiência de quase morte, alienação, estigmatização pela sociedade, com reflexos psicofísicos persistentes e reincidentes14^-15).

O dilema quanto ao processo de viver e morrer que sempre apresentou um papel relevante no contexto do trabalho de enfermagem, precisa ser ainda mais discutido no contexto da pandemia da Covid-19. Destaca-se a importância do treinamento dos profissionais para proporcionar uma morte digna, utilizar estratégias de enfrentamento em face da morte e compreender os sentimentos dos profissionais frente ao processo de morrer, pois este acontecimento é impactante para os trabalhadores, uma vez que esses profissionais evidenciam a finitude da vida e a incapacidade para a cura. No que tange ao cenário desta pandemia, o medo da morte encontra-se ainda mais destacado por conta do potencial aniquilador do vírus, e tal situação mostra-se prejudicial para saúde mental dos profissionais de enfermagem14^-15).

Em meio a esta crise, é preciso cuidar da saúde de quem cuida. Nesse sentido, é necessário fortalecer o trabalho em equipe multiprofissional, promover a comunicação eficiente e eficaz entre as várias instâncias do trabalho em saúde, bem como intra e inter equipes. Também se destaca a necessidade de espaços coletivos para discussão dos casos e trocas de experiências, pois esta é uma estratégia que visa não só incrementar o processo de aprendizagem acerca do fenômeno em tela, quanto para promover acolhimento e coesão entre os profissionais3^,15).

Assevera-se também o comprometimento do trabalhador com a promoção de sua saúde mental e com o cuidado de si. Nesse sentido, faz-se relevante descansar entre os turnos de trabalho, adotar boa alimentação, realizar exercícios físicos em seu espaço domiciliar ou em ambiente seguro. É indispensável não adotar hábitos prejudicais para alívio da tensão, como: o uso abusivo de bebidas alcoólicas e outras drogas como forma de fugir da angústia e tensão3.

Da mesma forma, é importante não se isolar, isto é, conversar com amigos e colegas para partilhar experiências e sentimentos, mesmo que seja de forma virtual, além de refletir sobre as dificuldades enfrentadas e o que se pode aprender com elas, ressignificando suas vivências. Igualmente, é fundamental realizar atividades que produzam tranquilidade tal como exercícios de respiração e meditação3.

Na perspectiva das entidades de classe, destaca-se por exemplo, que o Cofen disponibilizou um canal para ajuda emocional aos profissionais, oferecido diuturnamente. Além desta iniciativa, outras podem ser implementadas no próprio contexto do trabalho, contando com o apoio de uma equipe de psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, oferecendo aos trabalhadores um espaço de escuta ativa.

Os impactos desta pandemia na saúde mental dos trabalhadores de enfermagem, sem dúvida, serão diversos e possivelmente prolongados, associadas ao panorama da crise no setor saúde. No entanto, a magnitude das repercussões do sofrimento psíquico nesse grupo laboral dependerá da sensibilização e da união de esforços de profissionais, de entidades de classe e da vontade política e social a fim de minimizar os efeitos danosos desta pandemia em tal coletivo profissional3^,15). O anseio é que esses trabalhadores se mantenham saudáveis física e mentalmente para continuarem sua relevante atuação no processo de cuidar/ cuidado a pessoas acometidas pela Covid-19.

O estudo teve como limitação a escassez de artigos que tratem especificamente das repercussões da pandemia de Covid-19 na saúde mental dos trabalhadores de enfermagem no Brasil, certamente, por ser uma situação nova e que ainda está em curso. Enfatiza-se que, ao refletir sobre a temática em tela, aprofunda-se o conhecimento, fornecendo subsídios para novas reflexões e para a implementação de medidas que promovam a proteção da saúde mental destes trabalhadores.

CONCLUSÃO

O estudo possibilitou refletir sobre o contexto de trabalho da enfermagem em que esses profissionais estão atuando há anos em condições precarizadas, com destaque para a escassez qualitativa e quantitativa de recursos material e humano, longas jornadas de trabalho, salários não condizentes com o nível de responsabilidade e relevância de suas atividades laborais, pouco reconhecimento profissional e social. Enfim, condições que já eram prejudiciais para a saúde mental dos trabalhadores e que tendem a se agravar com a pandemia em curso.

Entende-se que o presente artigo traz à tona a agudização de um cenário que eleva o potencial de impacto na saúde mental dos trabalhadores, pois evidenciou-se que há sofrimento decorrente da escassez de EPI, da fragilidade na descrição dos protocolos e fluxos para o controle efetivo de infecções, prolongamento da jornada de trabalho, formação profissional inadequada para o cenário de crise e incertezas em relações as medidas terapêuticas.

Portanto, configura-se um cenário que tem um elevado potencial para o sofrimento psíquico e para o adoecimento mental dos trabalhadores de enfermagem. Reconhecer tal fato possibilita implementar medidas e estratégias que minimizem os impactos negativos desta pandemia no coletivo profissional, mantendo a força de trabalho saudável e adequadamente atuante em um cenário que carece de suas atividades laborais.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Fev 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  27 Jun 2020
• Aceito
  09 Set 2020