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Utilização dos serviços de saúde por idosos após acidente vascular cerebral: ensaio clínico randomizado

Resumo

Objetivo:

Verificar a relação de intervenção educativa domiciliar de enfermagem na utilização dos serviços de saúde por idosos após Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Métodos:

Ensaio clínico randomizado com 44 cuidadores familiares de idosos após AVC. Os dados foram coletados entre maio/2016 e julho/2018 em hospital no Sul do Brasil e domicílio dos participantes. O grupo intervenção (GI=21) recebeu visitas domiciliares por enfermeiros após a alta hospitalar. O grupo controle (GC=23) manteve acompanhamento convencional na rede de serviços. Realizaram-se Teste Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher para avaliação do desfecho em 60 dias e 1 ano após a alta. Registro no Clinical Trials NCT02807012.

Resultados:

Houve diferença significativa quanto à utilização do serviço ambulatorial hospitalar (GI=100%, GC=78,3%, p<0,050) em 60 dias após a alta.

Conclusão:

A maior utilização do serviço ambulatorial pelo GI demonstra efetividade das intervenções de enfermagem direcionadas à rede de atenção à saúde após a alta.

Palavras-chave:
Acidente vascular cerebral; Cuidadores; Enfermagem; Ensaio clínico; Idoso; Serviços de saúde

Abstract

Aim:

To verify the relation of a nursing home care educational intervention in the use of health services by elderly people post-stroke.

Methods:

A randomized controlled trial conducted with 44 family caregivers of elderly people post-stroke. Data was collected between May/2016 and July/2018 in a hospital in the South of Brazil and at the participants’ homes. The intervention group (IG=21) received home visits by nurses after hospital discharge. The control group (CG=23) had a conventional follow-up in a conventional health services. The Pearson’s Chi-Square Test or the Fisher’s Exact Test was performed for assessment of the outcome at 60 days and 1 year after discharge. Clinical Trial registration NCT02807012.

Results:

There was a significant difference regarding the use of hospital outpatient service (IG=100%, CG=78.3%, p<0.050) 60 days after discharge.

Conclusion:

The great use of outpatient service by the IG demonstrates the effectiveness of nursing educational intervention focused on health care network after discharge.

Keywords:
Stroke; Caregivers; Nursing; Clinical trial; Aged; Health services

Resumen

Objetivo:

Verificar la relación de la intervención educativa domiciliaria de enfermería en la utilización de los servicios de salud por ancianos después de un Accidente Cerebro-Vascular (ACV).

Métodos:

Ensayo clínico controlado realizado con 44 cuidadores familiares de ancianos después de un ACV. Los datos se recolectaron entre mayo de 2016 y julio de 2018 en un hospital del sur de Brasil y en los domicilios de los participantes. El grupo de intervención (GI = 21) recibió visitas domiciliarias de enfermeros luego del alta hospitalaria. El grupo de control (GC = 23) mantuvo un seguimiento convencional en la red de servicios. El desenlace fue evaluado a los 60 días y 1 año después del alta. Se realizaron las pruebas Chi-cuadrado de Pearson o Exacta de Fisher para evaluar el desenlace a los 60 días y 1 año después del alta. Registro de ensayo clínico NCT02807012.

Resultados:

Se registró una diferencia significativa en la utilización del servicio ambulatorio hospitalario (GI = 100%, GC = 78,3%, p <0,050) 60 días después del alta.

Conclusión:

El mayor uso del servicio ambulatorio por parte del GI demuestra la efectividad de las intervenciones educativas de enfermería, enfocadas en la red de atención a la salud luego del alta hospitalaria.

Palabras clave:
Accidente cerebrovascular; Cuidadores; Enfermería; Ensayo clínico; Anciano; Servicios de salud

INTRODUÇÃO

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) configura-se a doença cerebrovascular mais prevalente e uma das maiores causas de hospitalizações nos idosos(11. Rodrigues RAP, Marques S, Kusumota L, Santos EB, Fhon JRS, Fabrício-Wehbeet SCC. Transição do cuidado com o idoso após acidente vascular cerebral do hospital para casa. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(spe)-216-24. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000700027.
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)
. O crescimento da população idosa aumenta a demanda pelos serviços de saúde no cenário brasileiro(22. Silva AMM, Mambrini JVM, Peixoto SV, Malta DC, Lima-Costa MF. Uso de serviços de saúde por idosos brasileiros com e sem limitação funcional. Rev Saude Pública. 2017;51Sup 1:5s. doi: https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051000243.
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)
.

Muitos pacientes com AVC reinternam no primeiro ano após a alta hospitalar. Essas reinternações são em decorrência dos problemas encontrados na fase crônica da doença, como, incapacidade funcional, complicações do AVC e comorbidades(33. Rohweder G, Salvesen O, Ellekjær H, Indredavik B. Hospital readmission within 10 years post stroke: frequency, type and timing. BMC Neurol. 2017;17:116. doi: https://doi.org/10.1186/s12883-017-0897-z.
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)
. As reinternações hospitalares podem estar relacionadas a lacunas existentes na qualidade do cuidado após o AVC, especialmente para os pacientes que retornam ao domicílio após a alta hospitalar(44. Prvu BJ, McCoy L, Smith EE, Fonarow GC, Schwamm LH, Peterson ED, et al. Contemporary trends and predictors of post acute service use and routine discharge home after stroke. J Am Heart Assoc. 2015;4 (2):e001038. doi: https://doi.org/10.1161/JAHA.114.001038.
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)
. O adequado planejamento de alta e a implementação de programas de transição do cuidado podem contribuir para a redução dessas reinternações(55. Hsieh CY, Lin HJ, Hu YH, Sung SH. Stroke severity may predict causes of readmission within one year in patients with first ischemic stroke event. J Neurol Sci 2017;372:21-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.jns.2016.11.026.
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)
.

Considerando que, após a alta hospitalar o cuidado dos pacientes idosos com AVC, frequentemente complexo, passa a ser realizado pela família no domicílio, faz-se necessário a transição do cuidado hospitalar para o domiciliar, frente às mudanças da perspectiva assistencial adaptando o processo de cuidado(66. Cameron JI, O Connell C, Foley N, Salter K, Booth R, Boyle R, et al. Canadian stroke best practice recommendations: managing transitions of care following Stroke, Guidelines Update. Int J Stroke. 2016 Oct;11(7):807-22. doi: https://doi.org/10.1177/1747493016660102.
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)
. Nessa perspectiva, é importante haver a articulação entre os serviços que compõe a rede atenção, desde a atenção hospitalar até a Atenção Primária à Saúde , promovendo a integralidade do cuidado ao usuário e família.

Um programa estruturado de transição do cuidado do hospital para o domicílio reduz o tempo de permanência hospitalar dos idosos, suas reinternações e aumenta a satisfação desses pacientes em relação ao cuidado(77. Shepperd S, Lannin NA, Clemson LM, McCluskey A, Cameron ID, Barras SL. Discharge planning from hospital to home. Cochrane Database Syst Rev. 2013; 1:1-14. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD000313.
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)
. No contexto internacional, estudos têm explorado os efeitos de programas de transição do cuidado na utilização dos serviços de saúde por idosos dependentes ou que sofreram AVC(8-12).

Um grupo de pesquisadores franceses têm avaliado o impacto de um programa de transição do cuidado do hospital ao domicílio para pacientes idosos. O programa está sendo implantado em três momentos: durante a internação hospitalar, no momento da alta e quatro semanas após o retorno ao domicílio. Durante permanência do idoso no hospital, todas as informações sobre sua condição de saúde, o plano de alta, a transição do cuidado e o contato com a atenção primária em saúde é realizado por um enfermeiro. No momento da alta esse profissional confere se as prescrições estão de acordo com o plano de alta e se o paciente e seus cuidadores familiares compreendem todas as informações. Após a alta, o enfermeiro acompanha os participantes por meio de ligações telefônicas e visitas domiciliares durante quatro semanas, para identificar suas dificuldades com o cuidado e fornecer orientações. Serão avaliadas as reinternações, a procura por serviços de emergência, a mortalidade, além da satisfação dos idosos em relação ao programa(1111. Occelli P, Touzet S, Rabilloud M, Ganne C, Poupon Bourdy S, Galamand B, et al. Impact of a transition nurse care program on the prevention of thirty-day hospital readmissions of elderly patients discharged from short-stay units: study protocol of the PROUST stepped-wedge cluster randomised trial. BMC Geriatr. 2016;16:57. doi: https://doi.org/10.1186/s12877-016-0233-2.
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)
.

Estudos de intervenção educativa de enfermagem no domicílio que orientam o uso dos serviços de saúde após AVC ainda são incipientes no Brasil. Faz-se necessário que pesquisas nesse âmbito sejam desenvolvidas no contexto nacional, diante da magnitude da doença na população idosa e na perspectiva de apoiar a constituição da rede de atenção. Acredita-se que este estudo pode contribuir com a prática dos enfermeiros que atuam na atenção à pessoa idosa com AVC e seu cuidador, além de colaborar com os gestores dos serviços de saúde na elaboração de estratégias para atender essa população. Diante disso, o estudo teve como objetivo verificar a relação de uma intervenção educativa domiciliar de enfermagem na utilização dos serviços de saúde por idosos após AVC. Este artigo é extraído de tese de doutorado(1313. Bierhals CCBK. Efeito da Nursing Home Care Intervention Post Stroke na qualidade de vida de cuidadores familiares de idosos: ensaio clínico randomizado [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2019.).

MÉTODOS

Ensaio clínico randomizado (ECR), cego para avaliação do desfecho. Faz parte de um ECR maior denominado "Nursing Home Care Intervention Post Stroke" (SHARE), sob registro NCT02807012 no Clinical Trials.

Foram incluídos no estudo os cuidadores familiares de idosos com AVC atendidos na Unidade de Cuidados Especiais de AVC (UCE-AVC) de um hospital geral, público e de referência no sul do Brasil para atendimento deste tipo de paciente. Os critérios de inclusão foram: ser cuidador familiar de idosos com AVC, prestar assistência não remunerada, se autodeclarar como responsável pela maior parte dos cuidados com o idoso e ter idade acima de 18 anos. Para os idosos: ter diagnóstico médico de primeiro AVC com sequelas funcionais, identificadas por pontuação mínima de 2 na Escala Modificada de Rankin (mRankin)(1414. Van Swieten JC, Koudstaal PJ, Visser MC, Schouten HJ, van Gijn J. Interobserver agreement for the assessment of handicap in stroke patients. Stroke. 1988;19(5):604-7. doi: https://doi.org/10.1161/01.STR.19.5.604.
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)
no momento da alta hospitalar, e residir a uma distância de até 20 km da instituição hospitalar. Foram excluídos os cuidadores de idosos institucionalizados ou que foram encaminhados ao Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) de Porto Alegre, e aqueles cuidadores que não aceitaram receber a visita domiciliar (VD).

A amostra foi de 48 participantes, calculada pelo desfecho sobrecarga do cuidador do estudo maior (SHARE), considerando-se nível de confiança de 95%, poder estatístico de 80%, e perda amostral de 20%. Foram alocados 24 participantes no grupo intervenção (GI) e 24 no grupo controle (GC)(1515. Day CB, Bierhals CCBK, Santos NOD, Mocellin D, Predebon ML, Dal Pizzol FLF, et al. Nursing home care educational intervention for family caregivers of older adults post stroke (SHARE): study protocol for a randomised trial. Trials. 2018;19(1):96. doi: https://doi.org/10.1186/s13063-018-2454-5.
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)
.

Os participantes foram recrutados entre maio de 2016 a julho de 2017, durante a internação hospitalar. Neste momento foram coletados os dados de identificação, sociodemográficos (sexo, idade, escolaridade, situação conjugal, renda familiar e status profissional) e de condições de saúde dos idosos (tipo de AVC, morbidades, escala mRankin e Medida de Independência Funcional - MIF). Quanto ao cuidador, foram coletados dados sociodemográficos (sexo, idade, escolaridade, situação conjugal), condição de saúde (problemas de saúde, morbidades), e situação como cuidador (parentesco com o idoso, se residia com o idoso e há quanto tempo residia, experiência prévia de cuidado, dias como cuidador, recebeu apoio para o cuidado e o tipo de apoio). Ambos questionários foram elaborados para o presente estudo.

Em até sete dias após a alta hospitalar, todos os participantes receberam uma VD de dois assistentes de pesquisa para coleta dos dados basais, sendo aplicada MIF para verificar o nível de independência que o idoso possuía em relação ao cuidado. Após a coleta dos dados basais, os participantes foram randomizados aleatoriamente entre GI e GC, por um pesquisador sem envolvimento com a intervenção oferecida, através de uma lista numérica gerada pelo site randomization.com.

O GI recebeu acompanhamento sistemático de uma dupla de enfermeiros, por meio de três VDs com tempo médio de duração de uma hora cada em, aproximadamente, 14, 21 e 30 dias após a alta, conforme protocolo(1515. Day CB, Bierhals CCBK, Santos NOD, Mocellin D, Predebon ML, Dal Pizzol FLF, et al. Nursing home care educational intervention for family caregivers of older adults post stroke (SHARE): study protocol for a randomised trial. Trials. 2018;19(1):96. doi: https://doi.org/10.1186/s13063-018-2454-5.
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)
. A intervenção contemplou orientações verbais e demonstrações visuais sobre o cuidado com o propósito de apoiar os cuidadores na aquisição de habilidades para realização das atividades de vida diária do idoso no domicílio e na utilização da rede de atenção à saúde. A intervenção contemplou também orientações sobre: como fazer o cartão do Sistema Único de Saúde (SUS), manter acompanhamento do idoso na unidade de saúde onde possuía vínculo, como conseguir medicações especiais, dietas enterais, fraldas e material de curativo, entre outros. Além disso, eram orientados quanto à utilização dos serviços de emergência hospitalar, serviços de atendimento domiciliar de urgência ou pronto atendimentos, de acordo com o estado de saúde do idoso. O GC não recebeu a intervenção e manteve o acompanhamento convencional na rede de serviços que tinha acesso. Ressalta-se que, após a alta hospitalar, todos os pacientes da UCE-AVC são encaminhados ao serviço ambulatorial do hospital para acompanhamento com profissionais da equipe multidisciplinar, dentre eles a equipe médica da neurologia, fisioterapia, fonoaudiólogos e nutricionistas. A frequência e a duração deste acompanhamento são de acordo com a necessidade do paciente.

A utilização dos serviços de saúde pelo idoso foi avaliada por meio de um questionário elaborado para o estudo, aplicado pelos assistentes de pesquisa nas VDs de avaliação em 60 dias e 1 ano após a alta hospitalar. O questionário contemplava os seguintes aspectos: se utilizou algum serviço de saúde após a alta hospitalar; se eram serviços da rede pública ou privada; o tipo do serviço de saúde: ambulatório hospitalar, emergência (emergência hospitalar), pronto atendimentos (serviços de atendimento imediato, localizados na região norte e sul do município), unidades de saúde (como Unidades Básicas de Saúde ou Estratégias de Saúde da Família), atendimento domiciliar de urgência (da rede pública ou privada); e se o idoso reinternou nesse período após a alta. A coleta dos dados ocorreu de maio de 2016 a julho de 2018.

Para a análise descritiva, foram calculadas as médias e desvios-padrão ou mediana e amplitude interquartílica para as variáveis quantitativas. Para as variáveis qualitativas, frequências absolutas e relativas foram apresentadas. A fim de comparar os grupos controle e intervenção quanto às características sociodemográficas, condição de saúde e utilização dos serviços de saúde, foram utilizados o Teste T de Student para as variáveis contínuas com distribuição normal, ou teste U de Mann-Whitney quando assimétricas. Testes Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher foram utilizados para as variáveis categóricas. Foi considerado significativo um p<0.05. Para os idosos considerados perdas de seguimento, foi realizada conferência do banco quanto às respostas “sim” sobre o uso dos serviços de saúde e reinternação hospitalar em 60 dias após a alta hospitalar. Desta maneira, as informações desses participantes foram acumulativas na avaliação de 1 ano.

Os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (n. 16-0181).

RESULTADOS

Entre maio de 2016 a junho de 2017, foram admitidos 471 pacientes na UCE-AVC, sendo que 245 eram potencialmente elegíveis para o estudo. Foram excluídos 197. Ao final, 48 participantes foram randomizados, 24 para o GI e 24 para o GC. Na avaliação de 60 dias após a alta hospitalar, houve quatro perdas de seguimento, resultando em 21 para o GI e 23 para o GC. Em um ano após a alta, O GI apresentou outras duas perdas (GI=19) e o GC seis perdas (GC=17). O diagrama do ECR está apresentado na Figura 1.

Figura 1
Diagrama do ECR conforme o Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT)

A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e condição de saúde dos idosos após AVC. Houve diferença significativa quanto à situação conjugal (p = 0,036).

Tabela 1
Características sociodemográficas e condição de saúde dos idosos após AVC participantes do SHARE, Porto Alegre/RS, 2019

A Tabela 2 apresenta as características sociodemográficas, condição de saúde e situação como cuidador dos cuidadores familiares de idosos após AVC. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto ao sexo (p=0,050).

Tabela 2
Características sociodemográficas, condição de saúde e situação como cuidador dos cuidadores familiares de idosos após AVC participantes do SHARE, Porto Alegre/RS, 2018

A utilização dos serviços de saúde pelos idosos após AVC está apresentada na Tabela 3. Em 60 dias após a alta hospitalar, houve diferença quanto ao uso do ambulatório hospitalar entre os grupos (p=0,050).

Tabela 3
Utilização dos serviços de saúde pelos idosos após AVC participantes do SHARE, Porto Alegre/RS, 2019

DISCUSSÃO

Esse é o primeiro ECR que avaliou a utilização dos serviços de saúde por idosos após AVC e suas reinternações realizado no Brasil(1515. Day CB, Bierhals CCBK, Santos NOD, Mocellin D, Predebon ML, Dal Pizzol FLF, et al. Nursing home care educational intervention for family caregivers of older adults post stroke (SHARE): study protocol for a randomised trial. Trials. 2018;19(1):96. doi: https://doi.org/10.1186/s13063-018-2454-5.
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)
. Em 60 dias após a alta, houve diferença estatisticamente significativa em relação ao uso do serviço ambulatorial hospitalar entre os grupos. Uma das ações realizadas pelas enfermeiras intervencionistas do SHARE era reforçar, ao idoso e cuidador, a importância do acompanhamento ambulatorial para realizar avaliações periódicas sobre a condição de saúde do idoso, a realização de exames e os ajustes nas medicações, caso necessário. Acredita-se que esse aspecto pode ter contribuído para maior utilização desse serviço pelo GI.

ECR desenvolvido na Alemanha, também identificou maior utilização de serviços ambulatoriais, por pacientes idosos com AVC que receberam intervenção de um programa de transição de cuidado do hospital para o domicílio. O programa era composto por intervenções educativas para os cuidadores familiares, realizados por enfermeiros e fisioterapeutas que abordavam treinamento individual sobre os cuidados no domicílio antes da alta, sobre a rede de apoio disponível (serviço ambulatorial e grupos de apoio), além de seminários sobre a doença. Ainda, receberam orientações por telefone três meses após a alta. Os autores afirmam que esse resultado oferece uma oportunidade para reduzir a ocorrência de complicações relacionadas ao cuidado no domicílio pelo frequente acompanhamento com os profissionais de saúde do serviço ambulatorial(88. Gräsel E, Biehier J, Schmidt R, Schupp W. Intensification of the transition between inpatient neurological rehabilitation and home care of stroke patients: controlled clinical trial with follow-up assessment six months after discharge. Clin Rehabil. 2005;19(7):725-36. doi: https://doi.org/10.1191/0269215505cr900oa.
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)
. A utilização de serviços ambulatoriais permite vincular os pacientes aos recursos disponíveis após a alta(1616. Bakas T, Clark PC, Kelly-Hayes M, King RB, Lutz BJ, Miller EL, et al. Evidence for stroke family caregiver and dyad interventions. Stroke. 2014; 45(9):2836-52. doi: https://doi.org/10.1161/STR.0000000000000033.
https://doi.org/10.1161/STR.000000000000...
)
.

Embora o acesso aos serviços de saúde da atenção primária também tenha sido reforçado pelas enfermeiras intervencionistas, não houve diferença no tocante à utilização da unidade de saúde entre os grupos. Contudo, foi o segundo serviço de saúde mais utilizado por ambos os grupos. Destaca-se que, todos os idosos e seus cuidadores receberam orientações da equipe multidisciplinar da UCE-AVC quanto ao uso dos serviços da rede de atenção primária em saúde no qual o paciente tinha acesso. Acredita-se que esse aspecto tenha influenciado nos resultados. Além disso, independente da intervenção, era esperado que todos os idosos com AVC tivessem acompanhamento dos serviços da atenção primária em saúde após a alta hospitalar. Esses serviços devem atuar como principal porta de entrada e centro de comunicação da Rede de Atenção à Saúde (RAS), atuando como coordenadora do cuidado dos serviços disponibilizados na rede, promovendo melhorias na qualidade dos serviços ofertados e ampliando o acesso aos diferentes níveis de atenção(1717. Almeida PF, Medina MG, Fausto MCR, Giovanella L, Bousquat A, Mendonça MHM. Coordenação do cuidado e Atenção Primária à Saúde no Sistema Único de Saúde. Saúde Debate. 2018; 42(spec):244-60. doi: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s11.
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)
.

Para a transição do cuidado do hospital ao domicílio de pacientes idosos dependentes após o AVC, é necessário haver articulação entre os serviços que devem dar continuidade ao cuidado, de acordo com a complexidade do caso. No Brasil, algumas políticas públicas vêm sendo implantadas para garantir a continuidade do cuidado e atender às demandas dos pacientes e dos cuidadores. Nesse sentido, a Atenção Domiciliar (AD) visa articular os pontos de atenção na rede de serviços de modo a ampliar a integralidade do cuidado. Além disso, sistematiza a assistência ao idoso dependente, identificando suas necessidades e da sua família para evitar complicações na saúde e reinternações(11. Rodrigues RAP, Marques S, Kusumota L, Santos EB, Fhon JRS, Fabrício-Wehbeet SCC. Transição do cuidado com o idoso após acidente vascular cerebral do hospital para casa. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(spe)-216-24. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000700027.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
)
.

No cenário internacional, são identificados modelos estruturados com uma ampla rede de serviços de saúde à população idosa pautados na atenção primária em saúde e AD. Uma revisão crítica da literatura que avaliou a efetividade das redes assistenciais integradas a este grupo, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, identificou que a integração entre diferentes níveis de atenção, diminui o uso dos serviços hospitalares pelos idosos. Centros de cuidado dia, serviços domiciliares, serviços sociais e prontuário eletrônico único são alguns dos exemplos dessa articulação entre a rede(1818. Veras RP, Caldas CP, Motta LB, Lima LC, Siqueira RC, Rodrigues RTSV, et al. Integração e continuidade do cuidado em modelos de rede de atenção à saúde para idosos frágeis. Rev Saúde Pública. 2014; 8(2):357-65. doi: http://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004941.
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)
.

Quanto à utilização dos serviços de emergência hospitalar, atendimento domiciliar de urgência e pronto atendimento, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, embora tenham sido os serviços com menor frequência de utilização pelo GI e pelo GC. Na China, um programa de transição do cuidado que avaliou os efeitos de uma intervenção realizada por enfermeiros com suporte de uma equipe multidisciplinar a pacientes com AVC e seus cuidadores, encontrou diferença estatisticamente significativa quanto ao uso dos serviços de emergência entre os grupos em oito semanas após a alta (GI = 1,9%, GC = 13%, p=0,027). A intervenção era composta por encontros com as famílias dos pacientes, VDs e ligações telefônicas durante quatro semanas após a alta. Abordou aspectos do suporte emocional e psicológico, orientações sobre a doença, medicações, dieta e reabilitação física do paciente(1010. Wong FK, Yeung SM. Effects of a 4-weeks transitional care programme for discharge stroke survivors in Hong Kong: a randomised controlled trial. Health Soc Care Community. 2015;23(6):619-31. doi: https://doi.org/10.1111/hsc.12177.
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)
. Nota-se que, diferentemente da SHARE, essa intervenção abordou a reabilitação física do paciente e contou com apoio de uma equipe multidisciplinar com abordagem mista entre VDs e contato telefônico. Acredita-se que essas particularidades podem ter influenciado na diversidade entre os resultados.

Quanto a reinternação hospitalar, não houve diferença entre os grupos. No contexto internacional, um ECR realizado na Índia encontrou resultados semelhantes. O programa foi conduzido por equipe multidisciplinar para pacientes pós AVC e seus cuidadores familiares. O grupo intervenção recebeu treinamento estruturado de reabilitação sobre as atividades de vida diária, como: posicionamento, transferência, alimentação, vestir, atividade motora, além de informações sobre o AVC. O treinamento iniciou no hospital e continuou no domicílio em até 2 meses após a alta. Em 6 meses de acompanhamento, não houve diferença entre os grupos quanto a reinternação (89 [14%] GI vs 82 [13%] GC; p = 0.560)(1919. ATTEND Collaborative Group. Family-led rehabilitation after stroke in India (ATTEND): a randomised controlled trial. Lancet. 2017;390(10094):588-99. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31447-2.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31...
)
. Na Inglaterra, outro ECR que também ofereceu uma intervenção educativa de treinamento de técnicas e habilidades de cuidado por enfermeiros, não encontrou diferença nas taxas de reinternação hospitalar entre os grupos em seis e 12 meses de avaliação(2020. Forster A, Dickerson J, Young J, Patel A, Kalra L, Nixon J, et al. A structured training programme for caregivers of inpatients after stroke (TRACKS): a cluster randomised controlled trial and cost-effectiveness analysis. Lancet. 2013;382(9910):2069-76. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61603-7.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61...
)
.

Diferentemente, um programa de transição de cuidado realizado na Austrália, mostrou-se efetivo na redução das taxas de reinternação hospitalar (GI=22%, GC= 47%, p <0.007) e na utilização dos serviços de emergência (GI=25%, GC= 67%, p <0.001). A intervenção foi baseada em exercícios de fisioterapia durante a internação hospitalar, acompanhamento de enfermagem por meio de VDs e contato telefônico nas 24 semanas após a alta(99. Courtney M, Edwards H, Chang A, Parker A, Finlayson K, Hamilton K, et al. Fewer emergency readmissions and better quality of life for older adults at risk of hospital readmission: a randomized controlled trial to determine the effectiveness of a 24-week exercise and telephone follow-up program. J Am Geriatr Soc. 2019;57(3):395-402. doi: https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009.02138.x.
https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2009...
)
. De modo semelhante ao estudo discutido anteriormente, percebe-se que esta investigação apresentou abordagem mista e contou com apoio de uma equipe composta por enfermeiros e fisioterapeutas. Acredita-se que a abordagem e a composição da equipe possam ter contribuído entre a disparidade dos resultados com o estudo australiano.

CONCLUSÃO

O GI apresentou maior utilização do serviço ambulatorial hospitalar. Esse aspecto pode indicar vínculo deste grupo com o serviço preconizado para a continuidade do tratamento após alta hospitalar, demonstrando efetividade da intervenção por meio de intervenções educativas de enfermagem no domicílio. No entanto, é necessário uma maior integração entre os diferentes pontos da RAS, a partir de um sistema de referência e contra referência efetivo, que promova a comunicação entre os profissionais que atuam nos diferentes serviços de saúde e, assim, atender as necessidades do idoso com AVC e suas famílias após a alta hospitalar e retorno ao domicílio.

Ademais, reforça-se a importância da ampliação dos serviços de compõe a RAS, como centros dia e maior acesso à atenção domiciliar, tanto pela APS, quanto pelo SAD. Novos estudos devem avaliar a efetividade de intervenções educativas de enfermagem quanto à utilização dos serviços de AD no país.

O presente estudo possui algumas limitações que interferem na generalização dos resultados. A população pertence a uma determinada região do país, com particularidades sociais e econômicas distintas quando comparadas com outras regiões do Brasil. Somado a isso, a amostra não foi calculada para esse desfecho, sendo necessário uma amostra maior da população estudada. Além do mais, motivo que levou os idosos com AVC a utilizarem o serviço de saúde, bem como a satisfação dos serviços utilizados não foram avaliados. Os participantes foram captados numa unidade de cuidados especiais ao AVC, recebendo acompanhamento diferenciado sobre os cuidados a estes pacientes, de modo diferente em outros serviços do país. Sugere-se a realização de outros estudos em diferentes regiões do Brasil, com uma amostra maior e em diferentes serviços de saúde que contemplem esses aspectos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2019
  • Aceito
    30 Maio 2019
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