Open-access Segurança do paciente na compreensão de estudantes da área da saúde

Seguridad de los pacientes en la percepción de los estudiantes de la área de la salud

RESUMO

Objetivo  Verificar a compreensão dos estudantes de graduação da área da saúde sobre a segurança do paciente.

Método  Estudo transversal descritivo, realizado em 2015, com 638 estudantes do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil. Foi utilizado um questionário com variáveis relativas à caracterização dos estudantes, aos aspectos conceituais e atitudinais sobre o erro humano e à segurança do paciente, disponibilizado online no Portal do Aluno.

Resultados  Maior percentual de estudantes relatou não ter tido aprendizado formal sobre o tema. Evidenciaram-se aspectos fundamentais para a cultura de segurança como a importância da análise sistêmica do erro, a preocupação com o ambiente de trabalho e a valorização do trabalho em equipe. Algumas atitudes demonstraram incerteza na forma correta de agir.

Conclusão  Os estudantes demonstraram percepções favoráveis à segurança do paciente. A formalização do tema nos diferentes níveis do ensino é necessária.

Segurança do paciente; Estudantes de ciências da saúde; Educação superior

RESUMEN

Objetivo  Verificar la comprensión de estudiantes de graduación sobre la seguridad del paciente.

Método  Estudio transversal descriptivo realizado en 2015 con 638 estudiantes del Centro de Ciencias de la Salud, de la Universidad Federal de Santa Maria, RS, Brasil. Fue utilizado un cuestionario con variables relativas a la caracterización de los estudiantes, aspectos conceptuales y actitudinales sobre el error humano y la seguridad del paciente, online en el portal de estudiante.

Resultados  El mayor porcentual de estudiantes relató que no tuvo enseñanza formal sobre el tema. Se evidenciaron aspectos fundamentales para la cultura de seguridad, como la importancia del análisis sistemático del error, preocupación con el ambiente de trabajo y valoración del trabajo en equipo. Algunas actitudes demostraron incertidumbre para actuar correctamente.

Conclusión  Estudiantes demostraron percepciones favorables a la seguridad del paciente. La formalización del tema en los distintos niveles de enseñanza es necesaria.

Seguridad del paciente; Estudiantes del área de la salud; Educación superior

ABSTRACT

Objective  To verify the understanding of graduate health care students on patient safety.

Method  Descriptive cross study, held in 2015 with 638 students at the Health Sciences Center of the Federal University of Santa Maria, State of Rio Grande do Sul, Brazil. The study used a questionnaire with variables related to the characterization of students, the conceptual and attitudinal aspects of human error and patient safety, made available online in the Student Portal.

Results  A higher percentage of students reported having no formal training on the subject. The study revealed aspects conside4red fundamental to the safety culture, such as the importance of systemic error analysis, the concern with the work environment and appreciation of teamwork. Some attitudes demonstrated uncertainty in the correct way of acting.

Conclusion  Students showed perceptions that were favorable to patient safety. The formalization of the subject at different levels of education is needed.

Patient safety; Health sciences students; Higher education

INTRODUÇÃO

A segurança do paciente tem permeado diversos debates no cenário mundial da saúde, objetivando a institucionalização de melhores práticas nos ambientes de cuidado ao paciente. Abordar este tema nos diversos níveis do ensino é fundamental para a construção da cultura de segurança. Tal medida permite o desenvolvimento de competências ao longo da formação, estimulando nos estudantes atitudes proativas de mitigação dos incidentes em saúde.

Neste contexto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu um guia multiprofissional para organização do currículo de segurança do paciente no intuito de auxiliar as instituições acadêmicas de saúde na formação de profissionais nessa área(1). Ainda, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), lançado em 2013 pelo Ministério da Saúde (MS) reforça esta premissa, pois possui como um dos seus objetivos fomentar a inclusão do tema segurança do paciente no ensino técnico e de graduação e pós-graduação na área da saúde(2).

Com isso, evidencia-se a importância e o desafio das instituições formadoras em discutir e ampliar esta temática ao meio acadêmico e profissional, de forma a aplicar na prática ações que possam prevenir a ocorrência de incidentes durante a prestação do cuidado.

Nesta perspectiva, os estudantes precisam compreender que falhas acontecem, mas aprender com o erro é estratégia essencial para segurança. Diante deste novo olhar para um cuidado mais seguro, os cursos da área da saúde possuem papel fundamental, pois, possibilitam por meio da associação do ensino com a prática, a identificação e análise dos riscos na assistência, buscando estratégias para melhorias nos processos de trabalho.

A mudança deste cenário se dá principalmente por meio de aptidão teórico-prática derivada do conhecimento e da habilidade adquiridos desde a formação e aperfeiçoados no cotidiano profissional da equipe de saúde. Nesse contexto, considerando que o PNSP é recente, a inclusão da segurança do paciente como tema a ser apreendido e praticado entre os estudantes, especialmente, de graduação da área de saúde, pode ser considerada ainda frágil nos cenários de formação.

Além disso, realizou-se uma revisão de literatura com busca nas bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), MEDLINE (Sistema de Busca e Análise de Literatura Médica) e SCOPUS (Elsevier), em junho de 2014, identificou-se baixo percentual de publicações brasileiras que abordassem a temática segurança do paciente com estudantes universitários(3). Quando realizado, foi principalmente com acadêmicos de enfermagem e medicina.

Em face dessas considerações, questiona-se: qual é a compreensão dos estudantes de graduação da área da saúde de uma universidade pública do interior do estado do Rio Grande do Sul sobre segurança do paciente? A partir desse questionamento, delineou-se o seguinte objetivo do estudo: verificar a compreensão dos estudantes de graduação da área da sáude sobre segurança do paciente.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal descritivo, realizado com estudantes pertencentes ao Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul, extraído da dissertação intitulada “Segurança do paciente na compreensão dos estudantes de graduação da área da saúde”(3) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM (PPGEnf/UFSM) em 2016.

Na oportunidade da realização do estudo, estavam matriculados 2.100 estudantes. Considerando o percentual estimado de 50%, um erro amostral de 0,05 e um nível de significância de 5%, a partir da fórmula: n =Z2α/2.p^.q^.Ne2N-1+Z2α/2.p^.q^ , estimou-se uma amostra mínima de 326 estudantes. Atendendo aos critérios da amostragem estratificada proporcional de estudantes por curso, participaram do estudo 638 estudantes.

Os critérios de inclusão foram: estar regularmente matriculados nos cursos de enfermagem, medicina, odontologia, terapia ocupacional, fisioterapia e farmácia e ter tido contato com pacientes durante as aulas práticas ou estágios. Foram excluídos os estudantes com idade inferior a 18 anos. A seleção foi por conveniência, ou seja, os estudantes foram orientados sobre a pesquisa e sensibilizados para acessarem o instrumento de pesquisa no Portal do Aluno. O acesso foi livre.

A coleta dos dados ocorreu nos meses de março a junho de 2015, por meio de questionário disponibilizado online no Portal do Aluno. Antes de ser iniciada, foram realizadas várias estratégias de sensibilização junto aos estudantes (visita nas salas de aula, fixação de banner, entrega de folder, envio de email e divulgação em rede social) no intuito de divulgar a pesquisa e estimulá-los a participarem do estudo.

O questionário foi composto por duas partes. A primeira, referente às questões sociodemográficas (sexo, idade, procedência) e acadêmicas (semestre, curso, se o estudante possui bolsa de iniciação científica, se possui orientação formal sobre segurança do paciente). A segunda, composta por 20 questões relacionadas a aspectos conceituais (7) e atitudinais (13) sobre erro humano e segurança do paciente, construída por pesquisadores brasileiros(4). Essas questões foram medidas por meio de escala do tipo Likert e as respostas variaram: concordo fortemente, concordo, discordo, discordo fortemente e não tenho opinião.

Os dados foram coletados após autorização dos autores do instrumento, da concordância da coordenação dos cursos de graduação e da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (CEP/UFSM), sob a CAAE n. 40248714.4.0000.5346. O banco de dados foi organizado em planilha do Excel® e analisado no programa Predictive Analytics Software®, por meio da estatística descritiva. Os resultados são apresentados por frequências absolutas (n) e relativas (%).

Foram cumpridas todas as exigências contidas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, garantindo a voluntariedade da participação, o anonimato dos participantes e o sigilo dos dados obtidos. O termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi disponibilizado online, juntamente com o questionário.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 638 alunos matriculados no primeiro semestre de 2015, sendo que do Curso de Enfermagem participaram 101(15,8%) estudantes, Medicina 167(26,2%), Fisioterapia 65(10,2%), Odontologia 76(11,9%), Terapia ocupacional 83(13%), Fonoaudiologia 34(5,3%) e Farmácia 112(17,6%).

Prevaleceram estudantes do sexo feminino (n=496; 77,7%), com idades entre 18 e 22 anos (n=358; 56,1%) e de cidades gaúchas (84,8%). Quanto ao perfil acadêmico, os estudantes dos sétimo, terceiro, quinto e sexto semestres foram os que mais aderiram à pesquisa. Ao serem questionados sobre terem tido uma disciplina formal no curso sobre segurança do paciente, 64,3% (n=410) responderam que não. Quanto à bolsa acadêmica, 42,6% (n=272) responderam afirmativamente. Dentre essas, 14,7% (n=94) eram bolsas de permanência e 13,3% (n=85), de iniciação científica.

Na Tabela 1, está apresentada a distribuição das respostas dos estudantes sobre os aspectos conceituais referentes ao erro humano e a segurança do paciente.

Tabela 1
– Distribuição das respostas dos estudantes sobre os aspectos conceituais referentes ao erro humano e a segurança do paciente. Rio Grande do Sul, Brasil, 2015. (n=638)

Com relação aos aspectos conceituais, maior parte dos estudantes discorda que cometer erros na área da saúde é inevitável e que profissionais competentes e alunos comprometidos não cometem erros. Maior percentual concorda que existe uma grande diferença entre o que os profissionais sabem o que é certo e o que é visto na prática assistencial e que na vigência do erro todos os envolvidos devem discutir sua ocorrência.

Na Tabela 2, evidencia-se a distribuição das respostas dos estudantes sobre os aspectos atitudinais referentes ao erro humano e a segurança do paciente.

Tabela 2
– Distribuição das respostas dos estudantes sobre os aspectos atitudinais referentes ao erro humano e a segurança do paciente. Rio Grande do Sul, Brasil, 2015. (n=638)

Referente aos aspectos atitudinais, os alunos concordam que os profissionais não devem tolerar trabalhar em locais que não oferecem condições adequadas ao trabalho (285; 44,7%), concordam ou concordam fortemente que para implementar medidas de prevenção sempre se deve instituir uma análise sistêmica dos fatos (551; 86,4%) e que medidas preventivas precisam ser adotadas sempre que alguém for lesado (512; 80,2%). Maior parte discorda ou discorda fortemente (494; 77,4%) que sistemas para relatar erros fazem pouca diferença na redução de futuros erros. Com relação à questão sempre realizam atividades de aulas práticas em locais que promovem boas práticas as respostas não apresentam consenso quanto à concordância (207; 32,4%) e discordância (158; 24,8%), da mesma forma que não houve consenso quando sempre que identificam situações que necessitam de melhorias, recebem apoio da instituição para implementação de medidas de segurança.

DISCUSSÃO

Os resultados apontaram predominância de estudantes do sexo feminino e com idade entre 18 e 22 anos, corroborando com estudo realizado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro que evidenciou 89% dos participantes do sexo feminino e 34% com 18 anos(5). Esse perfil predominante feminino ainda reflete a inserção da mulher no mercado de trabalho em profissões reconhecidas por serem femininas(6).

Em relação à presença de disciplina formal no currículo, apesar de os estudantes não possuírem disciplina sobre a segurança do paciente, maior parte deles demonstrou percepções favoráveis à segurança, corroborando resultados de outros estudos(4,6-7). Tais evidências sinalizam para uma abordagem transversal da temática nos cursos avaliados em que os docentes, ainda que informalmente, têm se preocupado em desenvolver a temática.

Contudo, pesquisa identificou que a segurança do paciente tende a ser implícita nos currículos; o aprendizado ocorre predominantemente de forma isolada e com poucas possibilidades de troca interprofissional(8). Assim sendo, instituir currículo formal na segurança do paciente é essencial para a formação(7).

Ao realizar a análise das respostas dos estudantes referentes aos aspectos conceituais, evidenciou-se que nas afirmativas cometer erros na área da saúde é inevitável e profissionais competentes e alunos comprometidos não cometem erros que causam danos aos pacientes houve maior percentual de respostas discordantes. Isto remete à percepção de que os erros podem acontecer com qualquer profissional ou estudantes, mas podem ser evitados por meio de estratégias para segurança do paciente. No entanto, um número considerável de estudantes concordou com estas afirmativas revelando uma visão ainda tradicional sobre o erro humano, com enfoque individual e de culpabilização do profissional(9).

A percepção da possibilidade de que o erro possa acontecer constitui-se no primeiro passo para fortalecer as ações de segurança no ensino. Discutir os erros dos estudantes também é uma forma de aprendizado, pois estes podem acontecer durante a formação(10). Dessa forma, a incorporação da cultura de segurança no início da formação auxilia o estudante no reconhecimento das falhas e aprendizado com elas(11).

Historicamente, os cursos da saúde trabalham na perspectiva da assertividade, considerando que os docentes ensinam aos estudantes o que é certo, praticamente excluindo a possibilidade do erro. Essa abordagem, de certa forma, prejudica a cultura de segurança, uma vez que o ambiente hospitalar é complexo e apresenta muitos riscos à saúde, como a superlotação, condições inadequadas de trabalho, tratamentos complexos, tecnologias avançadas que exigem atualização e atenção constante, entre outros.

Com isso, se desde o início da formação for trabalhada essa cadeia de fatores que são necessários para estabelecer uma cultura de segurança, melhores serão os resultados desses profissionais depois de formados, implicando em atitudes efetivas para um cuidado seguro(12). O processo de formação dos novos profissionais deve contemplar conhecimentos técnico-científicos, que os tornem capazes de intervir no processo saúde/doença, por meio de ferramentas que garantam a qualidade da assistência à saúde. Uma delas é o PNSP, que indica diretriz e protocolos de segurança para o desenvolvimento de práticas seguras(2).

A maioria dos estudantes concordou que, na vigência de um erro, este deve ser discutido entre todos os envolvidos, incluindo profissionais e gestores. A análise do incidente é um momento de extrema importância, pois conjuntamente há reflexão e a construção de estratégias de ação. Nesse processo, dissemina-se o princípio de que o incidente é oportunista, mas pode ser evitado, por meio da revisão dos processos de trabalho e da instituição coletiva de um sistema seguro.

Maior percentual deles concordou ou concordou fortemente (519; 81,3%) que existe diferença entre o que os profissionais sabem o que é certo e o que é visto no dia a dia da assistência à saúde. Percentual maior (91,6%) foi evidenciado em estudo realizado na UNIFESP com estudantes de enfermagem e medicina(4). Esses resultados são corroborados por estudo realizado com estudantes da enfermagem de uma universidade do interior paulista, ao revelar que muitas das táticas de melhoria na segurança do paciente abordadas em disciplinas durante a graduação não foram observadas nos cenários de prática hospitalar(13).

Essa análise reflete a dissociação existente entre a teoria e a prática, fato ainda evidenciado nas instituições formadoras. Portanto, uma proposta pedagógica de cunho transformador não pode ignorar a simultaneidade teoria/prática, devendo considerar a realidade dos serviços, os diferentes perfis epidemiológicos, o trabalho dos profissionais de saúde e as condições de saúde da população(14).

Estudo que avaliou os projetos pedagógicos (PPs) de cursos da saúde revelou que o ensino sobre segurança do paciente mostrou-se fragmentado, carecendo de aprofundamento e amplitude conceitual e ainda percebeu-se que cada curso valoriza os aspectos específicos para a formação que quer dar(15). Com relação a isso, autores assinalam para a importância de que os professores de segurança do paciente atuem como coordenadores de curso(8), bem como uma revisão do modelo pedagógico adotado(10).

Nessa perspectiva, considera-se que, não somente o ambiente acadêmico, mas os cenários de práticas também possuem corresponsabilidade na formação dos estudantes. Pois não basta aprender na sala de aula as melhores práticas para segurança do paciente se, ao se deparar com a realidade do serviço de saúde, o estudante encontra um sistema inflexível, que não utiliza ou subutiliza os protocolos assistenciais. Nesse contexto, é comum os estudantes questionarem-se sobre o porquê de os docentes exigirem o cumprimento de protocolos, se na prática, alguns profissionais não os seguem.

Para além dos ambientes de sala de aula e de prática, o exemplo, a mudança de comportamento individual e coletivo, bem como a presença de profissionais que servem como modelo a ser seguido são fundamentais para o aprendizado na área da segurança do paciente. Isso por que ajuda o estudante a desenvolver e manter um espírito de segurança consistente(8). Ainda, fortalece mudanças comportamentais e atitudinais na própria equipe de saúde, qualificando os processos de trabalho. Com isso, quanto mais exemplos positivos tiverem durante a formação, maiores serão as chances de proatividade nos recém-formados.

A maioria dos estudantes concordou que para a análise do erro humano é importante saber as características individuais do profissional que cometeu o erro e que depois que um erro ocorre, uma efetiva estratégia de prevenção é trabalhar com mais cuidado. Geralmente, os erros estão relacionados a uma série de fatores que corroboram para que este aconteça(9).

Portanto, entende-se que, quanto mais o estudante compreender as questões que estão envolvidas no erro, mais ele saberá a importância de notificar e analisar os incidentes como forma de prevenção. Para isso, o currículo deve ser desenvolvido por meio de ações de ensino-aprendizagem em que o aluno e o educador experienciem práticas significativas, que repercutam em uma atuação segura ao longo da formação e que se sustentem também na atuação profissional(16). Tal compreensão possibilita ao estudante estabelecer atitudes proativas como o auxílio no desenvolvimento de estratégias para controle dos riscos.

Sabe-se que os serviços de saúde são, muitas vezes, promotores de estresse. É comum observar profissionais que trabalham em mais de um serviço. Também, há estudantes que além das aulas teórico/práticas, exercem atividades de bolsista ou possuem um emprego. As duas situações podem ocasionar cansaço, diminuição da concentração e, por vezes, privação do sono. Esses são fatores que podem contribuir para a ocorrência de erros na assistência.

Outro fator que não pode ser descartado é que em algumas instituições de saúde ainda é evidenciada a cultura do medo, que tem como principal ação punir o profissional que cometeu o erro. A cultura de segurança trabalha na perspectiva do como aconteceu e não de quem o fez. Além disso, é preciso mudar de um ambiente punitivo para uma cultura justa e transparente, possibilitando uma abordagem que reconheça as causas do incidente e estabeleça as estratégias para prevenir ou minimizar os erros na assistência em saúde(2).

A cultura de segurança do paciente prevê também a segurança do profissional, que tem sido considerado como a segunda vítima quando da ocorrência de um evento adverso. Isso acontece, pois a sociedade e a mídia reforçam principalmente os efeitos negativos do fato e, em muitas situações, realizam verdadeiros massacres ao profissional que está na ponta do cuidado. O termo ‘segunda vítima’ refere-se ao profissional de saúde que apresenta um quadro de sofrimento emocional decorrente de um evento adverso. Estudo realizado com profissionais da saúde envolvidos em incidentes revelou que estes apresentaram reações emocionais como estado de choque, tristeza, ansiedade, e muitos disseram reviver mentalmente a sequência do evento continuamente(17).

Nas respostas que se referem aos aspectos atitudinais, a maioria concordou (401; 62,9%) que, para implantar medidas de prevenção de erros humanos, sempre se deve instituir uma análise sistêmica dos fatos. Visualizar esta perspectiva no estudante é muito importante, pois assinala maior possibilidade futura de mudança do modelo de avaliação individual para um modelo de avaliação ampliado, corroborando com a cultura de segurança.

A maioria deles concordou que sempre comunica ao colega, professor/responsável pelo local de estágio sobre a ocorrência de um erro e que os professores sempre realizam medidas corretivas com o aluno, para que ele não cometa novos erros. Nesse aspecto, o preparo dos professores deve ser contemplado, pois, embora seja um profissional com grande experiência em sua especialidade e atuação, tem um papel como agente deflagrador de processos de melhoria no sistema de saúde(15). É válido refletir sobre o papel de facilitador do professor/supervisor no processo de aprendizagem, ou seja, de auxiliar os estudantes a compreenderem o que aconteceu, dentro da complexidade do processo assistencial; propiciando liberdade de expressão e ajudando-os no processo ação transformadora.

Diante da ocorrência de um evento adverso, o PNSP recomenda uma prática educativa, na qual todos os envolvidos discutam e aprendam juntos(18). É importante que não haja banalização do erro, mas a reflexão dos motivos que levaram ao incidente e quais estratégias que serão implantadas para evitar recorrência(2). Para isso, o docente também necessita possuir conhecimentos e atitudes que contribuam com a segurança, pois a forma como será conduzida esta situação poderá produzir efeitos diversos no estudante. Assim como para os profissionais, também para os estudantes uma falha acidental no processo assistencial, pode ser uma experiência traumática. Como consequência, acarretar em omissão de informação, afastamento das aulas pelo sentimento de culpa e até no abandono do curso. Esta conduta desfavorece a construção da cultura de segurança.

Na afirmativa sempre comunico ao paciente e sua família sobre a ocorrência do erro, evidenciou-se que 254 (39,8%) estudantes concordaram e 175 (27,4%) não opinaram. Além disso, 303 (47,5%) estudantes também concordaram que se não ocorre dano ao paciente, deve-se analisar se há necessidade de relatar a ocorrência do erro ao paciente e família. Adotar uma comunicação transparente(10) sobre a ocorrência de um erro não é tarefa fácil. Como forma de minimizar o estresse e desenvolver o comportamento de abertura de informação, pesquisa sugere, dentre outras estratégias, a criação de um sistema de tutoria e o ensino aos estudantes de medicina e médicos iniciantes sobre a abertura de informação(19).

No que se refere a que sistemas para relatar a ocorrência dos erros fazem pouca diferença na redução de futuros erros, houve discordância em maior percentual dos estudantes (310; 48,6%). Esses acadêmicos têm uma compreensão correta de que os sistemas são ferramentas que possibilitam a tomada de decisão para a implementação de melhorias nos processos de trabalho e, por isso, devem ser utilizados pelos serviços de saúde no intuito de avaliar e monitorar as intercorrências na prestação do cuidado. Entretanto, constitui-se em limitações desse método a subnotificação devido a limitações de tempo, a falta de sistemas de informação adequados, o medo de litígio, a relutância das pessoas para relatar os próprios erros, a falta de conhecimento sobre a importância dos eventos, e a falta de mudanças após a notificação(20). A educação permanente e o estímulo às notificações devem ser pautas frequentes tanto na academia quanto nos NSP.

A maioria dos estudantes discordou da afirmativa de que apenas os médicos podem determinar a causa da ocorrência do erro, o que demonstra uma mudança de paradigma do cuidado centrado no médico, inserindo as outras profissões neste cenário. A segurança do paciente é transversal no cotidiano de todas as profissões, por meio do compartilhamento das responsabilidades, da adesão aos protocolos, da comunicação efetiva, entre outros.

Maior percentual dos universitários, deste estudo, concordou (285; 44,7%) que os profissionais não devem tolerar trabalhar em locais que não oferecem condições adequadas para o cuidado prestado e não houve consenso na questão sempre realizo atividades de estágio em locais que promovam boas práticas para a promoção da segurança do paciente. Esta percepção demonstra a preocupação com os cenários de prática e o questionamento sobre a efetiva segurança destes locais, sendo esta uma importante inquietação para refletir no ensino, pois o ambiente também pode interferir na segurança do paciente.

Metade dos universitários respondeu que sempre comunica ao professor sobre a presença de condições no campo de estágio que favorecem a ocorrência do erro (321; 50,3%). Esse diagnóstico e comunicação são fundamentais para prevenção de incidentes. Porém, maior percentual não tinha opinião (216; 33,9%) sobre a assertiva sempre que identificam situações que necessitam de melhorias, recebem apoio da instituição. Esta é uma realidade bastante evidenciada nas instituições de saúde, devido a problemas de ordem institucional, gerencial ou financeira.

Neste aspecto, a recente inserção dos núcleos de segurança nas instituições de saúde tem propiciado ambientes de socialização, de reivindicações e disseminação da cultura de segurança do paciente. Isso tem permitido aos serviços e gestão uma revisão contínua dos processos de trabalho, o aprimoramento das práticas assistenciais e a busca de melhorias nos serviços de saúde, inclusive com capacitação de estudantes para inserirem-se nos cenários de prática.

CONCLUSÃO

O estudo possibilitou verificar a percepção dos estudantes da graduação da área da saúde, na qual, foram evidenciados aspectos fundamentais para cultura de segurança, como a importância da análise sistêmica do erro, a preocupação com o ambiente de trabalho e a valorização do trabalho em equipe, não somente centrada em uma profissão. Fato importante de ser observado em estudantes, que serão os futuros profissionais, participantes das equipes de saúde e que devem constituir suas ações agregados e articulados com outras profissões voltadas para a segurança e não somente com a medicina e a enfermagem.

É necessário que ocorra a sensibilização dos docentes e dos profissionais da saúde para esta cultura de segurança, no intuito destes instrumentalizarem os estudantes para vivenciar de forma ativa a transição de uma cultura punitiva, para o estímulo a uma cultura justa, transparente que reconhece e detecta as falhas e os eventos adversos como possibilidade de instituir medidas estruturais e educativas no combate ao cuidado inseguro.

Como possível limitação para o estudo, destaca-se que a dificuldade de confrontar os dados por não haver estudos com todos os estudantes da área da saúde. As publicações eram concentradas nos cursos de enfermagem e medicina. Tal aspecto reflete uma lacuna no conhecimento e, talvez, a percepção errônea de que estas são as profissões que estão mais envolvidas em incidentes.

Sobre a análise dos dados, e uma possível limitação quanto ao instrumento, faz-se destaque de que ele não está validado para analisar os níveis de compreensão (alto/moderado/baixo) sobre os conhecimentos e atitudes dos estudantes, o que poderia proporcionar uma análise estatística inferencial, com estudo de correlação ou de associação. Nesse sentido, sugerem-se novos estudos com o instrumento para estabelecimento de escores e pontos de cortes para as duas dimensões avaliadas. Também, sugere-se estudo que avalie a consistência interna do instrumento, com análise fatorial dos itens e dimensões propostas.

Estudos nessa temática contribuem para a inserção e o fortalecimento do tema no ensino, pesquisa e extensão em seus variados níveis, pois traz reflexões importantes para os coordenadores de curso, docentes e estudantes acerca das competências que deverão ser desenvolvidas durante a vida acadêmica, fortalecidas e aprofundadas cotidianamente para garantir uma assistência à saúde segura e de qualidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2016
  • Aceito
    05 Dez 2016
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