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Vivenciando a gestação no contexto do lúpus e da síndrome antifosfolípide: uma teoria fundamentada

RESUMO

Objetivo:

Compreender os significados atribuídos à gravidez, no contexto do Lúpus e da Síndrome Antifosfolípide, por mulheres e profissionais de saúde.

Método:

Pesquisa qualitativa, que utilizou como referencial teórico o Interacionismo simbólico e metodológico, a Teoria Fundamentada nos Dados, vertente construtivista. Os dados foram coletados entre janeiro e agosto de 2022, mediante entrevistas on-line com 27 mulheres com Lúpus, localizadas na rede social Facebook e em entrevistas presenciais ou remotas com 12 profissionais de saúde.

Resultados:

O modelo teórico construído possui duas categorias: “Condições iguais, experiências distintas: vivenciando o processo gestacional” mostra que complicações obstétricas e ausência de vínculo com os profissionais de saúde desencadeiam significados negativos à experiência; e “O manejo terapêutico interferindo na atribuição dos significados à experiência” demonstra que a forma com que a mulher interage com os profissionais de saúde e conduz o tratamento favorece a ressignificação positiva.

Considerações finais:

Os significados atribuídos à gestação são elaborados e modificados conforme a interpretação de experiências anteriores e atuais, trajetória assistencial e interações com os profissionais de saúde. A orientação prévia, o planejamento, o vínculo e a confiança nos profissionais de saúde possibilitam significados positivos. Já, as complicações obstétricas, a assistência não qualificada e ausência de vínculo com os profissionais produzem significados negativos.

Descritores:
Lúpus eritematoso sistêmico; Síndrome antifosfolipídica; Gravidez de alto risco; Trombofilia; Teoria fundamentada; Enfermagem.

ABSTRACT

Objective:

To understand the meanings attributed to pregnancy in the context of Lupus and antiphospholipid syndrome by women and healthcare professionals.

Method:

Qualitative research, using Symbolic Interactionism as a theoretical framework and Grounded Theory, a constructivist perspective. Data were collected between January and August 2022, through online interviews with 27 women with Lupus located on the social network Facebook and in-person or remote interviews with 12 healthcare professionals.

Results:

The theoretical model constructed has two categories: “Equal conditions, distinct experiences: experiencing the gestational process” shows that obstetric complications and lack of connection with healthcare professionals trigger negative meanings to the experience; and “Therapeutic management interfering in the attribution of meanings to the experience”, demonstrates that the way women interact with healthcare professionals and how they manage treatment favors a positive reframing.

Final considerations:

The meanings attributed to pregnancy are elaborated and modified according to the interpretation of previous and current experiences, healthcare trajectory and interactions with healthcare professionals. Previous guidance, planning, bonding and trust in healthcare professionals enable positive meanings, while obstetric complications, unqualified assistance and lack of bonding with professionals provide negative meanings.

Descriptors:
Lupus erythematosus, systemic; Antiphospholipid syndrome; Pregnancy, high-risk; Thrombophilia; Grounded theory; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Comprender los significados atribuidos al embarazo en el contexto del Lupus y del síndrome antifosfolípido por mujeres y profesionales de la salud.

Método:

Investigación cualitativa, que utilizó como marco teórico el Interaccionismo simbólico y metodológico, la Teoría Fundamentada, una vertiente constructivista. Los datos fueron recolectados entre enero y agosto de 2022, a través de entrevistas online a 27 mujeres con Lupus ubicadas en la red social Facebook y entrevistas presenciales o remotas a 12 profesionales de la salud.

Resultados:

El modelo teórico construido tiene dos categorías: “Condiciones iguales, experiencias diferentes: vivir el proceso gestacional” muestra que las complicaciones obstétricas y la falta de conexión con los profesionales de la salud desencadenan significados negativos a la experiencia; y Gestión terapéutica interfiriendo en la atribución de significados”, demuestra que la forma en que las mujeres interactúan con los profesionales de la salud y cómo conducen el tratamiento favorece la resignificación positiva..

Consideraciones finales:

Los significados atribuidos al embarazo son elaborados y modificados según la interpretación de experiencias pasadas y actuales, trayectoria de atención e interacciones con profesionales de la salud. La orientación previa, la planificación, la vinculación y la confianza en los profesionales de la salud posibilitan significados positivos, mientras que las complicaciones obstétricas, la asistencia no calificada y la falta de vínculo con los profesionales proporcionan significados negativos.

Descriptores:
Lupus eritematoso sistémico; Síndrome Antifosfolípido; Embarazo de alto riesgo; Trombofilia; Teoría fundamentada; Enfermería.

INTRODUÇÃO

Caracterizado como uma doença reumática, autoimune e de difícil diagnóstico, o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) atinge predominantemente mulheres em idade reprodutiva (15 a 45 anos)11. Moghadam ZB, Faezi ST, Zareian A, Rezaei E. Experiences of Iranian female patients with systemic lupus erythematosus: a qualitative study. Arch Rheumatol. 2021;36(1):120-8. doi: https://doi.org/10.46497/ArchRheumatol.2021.7989
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, constituindo importante fator de risco gestacional22. Al-riyami N, Salman B, Al-Rashdi A, Al-Dughaishi T, Al-Haddabi R, Hassan B. Pregnancy outcomes insystemic lupus erythematosus women: a single tertiary centre experience. Sultan Qaboos Univ Med J. 2021;21(2):e244-e252. doi: https://doi.org/10.18295/squmj.2021.21.02.013
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. Não obstante, a gestação pode exacerbar as manifestações da doença33. Zamora-Medina MC, Orozco-Guillén AO, Domínguez-Quintana M, Romero-Díaz J. Systemic lupus erythematosus and pregnancy: Strategies before, during and after pregnancy to improve outcomes. Rev Colomb Reumatol. 2021;28(S1):53-65. doi: https://doi.org/10.1016/j.rcreu.2021.03.004
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,44. Dalal DS, Patel KA, Patel MA. Systemic lupus erythematosus and pregnancy : a brief review. J Obstet Gynecol India. 2019;69(2):104-9. doi: https://doi.org/10.1007/s13224-019-01212-8
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, pois alguns medicamentos utilizados em seu controle são contraindicados nesse período, aumentando significativamente os riscos de complicações gestacionais55. Essouma M, Nkeck JR, Motolouze K, Bigna JJ, Tchaptchet P, Nkoro GA, et al. Outcomes of pregnancy and associated factors in sub-Saharan African women with systemic lupus erythematosus: a scoping review. Lupus Sci Med. 2020;7(1):e000400. doi: https://doi.org/10.1136/lúpus-2020-000400
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,66. Clavijo MM, Mahuad CV, Reparaz MLAV, Aizpurua MF, Ventura A, Casali CE. Risk factors and role of low molecular weight heparin in obstetric complications among women with inherited thrombophilia - a cohort study. Hematol Transfus Cell Ther. 2019;41(4):303-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.htct.2019.03.003
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. Por esta razão é indicado que a gravidez seja planejada e ocorra durante o período de remissão da doença, o que favorece o manejo terapêutico das duas condições77. Murata T, Kyozuka H, Fukuda T, Toba N, Kanno A, Yasuda S, et al. Maternal disease activity and serological activity as predictors of adverse pregnancy outcomes in women with systemic lupus erythematosus: a retrospective chart review. Arch Gynecol Obstet. 2022;305(5):1177-83. doi: https://doi.org/10.1007/s00404-021-06148-x
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,88. Rajendran A, Eudy AM, Balevic SJ, Clowse MEB. The importance of pregnancy planning in lupus pregnancies. Lupus. 2021;30(5):741-51. doi: https://doi.org/10.1177/0961203321989803
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e contribui para melhores desfechos maternos e neonatais.

Para mulheres com LES, o acompanhamento pré-concepcional daquelas que têm a intenção de engravidar, o planejamento reprodutivo e a realização do pré-natal em ambulatório médico especializado em alto risco são imprescindíveis para melhores desfechos gestacionais22. Al-riyami N, Salman B, Al-Rashdi A, Al-Dughaishi T, Al-Haddabi R, Hassan B. Pregnancy outcomes insystemic lupus erythematosus women: a single tertiary centre experience. Sultan Qaboos Univ Med J. 2021;21(2):e244-e252. doi: https://doi.org/10.18295/squmj.2021.21.02.013
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,88. Rajendran A, Eudy AM, Balevic SJ, Clowse MEB. The importance of pregnancy planning in lupus pregnancies. Lupus. 2021;30(5):741-51. doi: https://doi.org/10.1177/0961203321989803
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.

A Síndrome Antifosfolípide (SAF) durante a gestação é uma das principais condições subjacentes do LES, com incidência de, aproximadamente, 40%. Trata-se de uma condição clínica, autoimune e sistêmica, caracterizada como uma condição tromboembolística que se manifesta pela formação intensificada de coágulos, o que aumenta o risco de tromboses venosas ou arteriais66. Clavijo MM, Mahuad CV, Reparaz MLAV, Aizpurua MF, Ventura A, Casali CE. Risk factors and role of low molecular weight heparin in obstetric complications among women with inherited thrombophilia - a cohort study. Hematol Transfus Cell Ther. 2019;41(4):303-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.htct.2019.03.003
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. O tromboembolismo placentário representa uma das principais causas de complicações obstétricas em mulheres com LES77. Murata T, Kyozuka H, Fukuda T, Toba N, Kanno A, Yasuda S, et al. Maternal disease activity and serological activity as predictors of adverse pregnancy outcomes in women with systemic lupus erythematosus: a retrospective chart review. Arch Gynecol Obstet. 2022;305(5):1177-83. doi: https://doi.org/10.1007/s00404-021-06148-x
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.

Sem tratamento adequado da SAF, cerca de metade dos casos evoluem para perda gestacional77. Murata T, Kyozuka H, Fukuda T, Toba N, Kanno A, Yasuda S, et al. Maternal disease activity and serological activity as predictors of adverse pregnancy outcomes in women with systemic lupus erythematosus: a retrospective chart review. Arch Gynecol Obstet. 2022;305(5):1177-83. doi: https://doi.org/10.1007/s00404-021-06148-x
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. Além da morte fetal,há outras complicações importantes da SAF: abortos de repetição, parto prematuro, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, Síndrome de HELLP, Trombose Venosa Profunda (TVP), Acidente Vascular Encefálico (AVE) e Embolia Pulmonar88. Rajendran A, Eudy AM, Balevic SJ, Clowse MEB. The importance of pregnancy planning in lupus pregnancies. Lupus. 2021;30(5):741-51. doi: https://doi.org/10.1177/0961203321989803
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-1010. Nascimento CMDB, Machado AMN, Guerra JCC, Zlotnik E, Campêlo DHC, Kauffman P, et al. Consensus on the investigation of thrombophilia in women and clinical management. Einstein. 2019;17(3):eAE4510. doi: https://doi.org/10.31744/einstein_journal/2019AE4510
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.

Uma abordagem multidisciplinar durante todo o período gestacional, com monitoramento regular da gravidez e do LES, é imprescindível para o diagnóstico precoce de possíveis complicações e o seu tratamento adequado. Isto requer a atuação de profissionais de diferentes especialidades: reumatologia, dermatologia, hematologia, nefrologia e ginecologia e obstetrícia. Os casos de SAF envolvem, por exemplo, entre outros aspectos, a anticoagulação, de forma preventiva, como uso de Ácido Acetilsalicílico (AAS) (doses baixas) e/ou Heparina de baixo peso molecular (HBPM) em doses profiláticas ou terapêuticas de acordo com as condições clínicas da mulher66. Clavijo MM, Mahuad CV, Reparaz MLAV, Aizpurua MF, Ventura A, Casali CE. Risk factors and role of low molecular weight heparin in obstetric complications among women with inherited thrombophilia - a cohort study. Hematol Transfus Cell Ther. 2019;41(4):303-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.htct.2019.03.003
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,1010. Nascimento CMDB, Machado AMN, Guerra JCC, Zlotnik E, Campêlo DHC, Kauffman P, et al. Consensus on the investigation of thrombophilia in women and clinical management. Einstein. 2019;17(3):eAE4510. doi: https://doi.org/10.31744/einstein_journal/2019AE4510
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,1111. Scarrone M, Canti V, Vanni VS, Bordoli S, Pasi F, Quaranta L, et al. Treating unexplained recurrent pregnancy loss based on lessons learned from obstetric antiphospholipid syndrome and inherited thrombophilia: a propensity-score adjusted retrospective study. J Reprod Immunol. 2022;154:103760. doi: https://doi.org/10.1016/j.jri.2022.103760
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Alguns estudos abordam o processo gestacional em mulheres com LES sob o olhar daquelas que têm vivido essa experiência1212. Souza RR, Barreto MS, Teston EF, Reis P, Cecilio HPM, Marcon SS. Duality of living with systemic lupus erythematosus: fluctuating between “good days” and “bad days”. Texto Contexto Enferm. 2021;30:e20200210. doi: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0210
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-1414. Kankaya H, Oksel E, Karadakovan A. Living with systemic lupus erythematosus: a qualitative study exploring the experiences of women. Prog Health Sci 2022;12(2):71-7. doi: https://doi.org/10.5604/01.3001.0016.1750
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, ou numa perspectiva clínica66. Clavijo MM, Mahuad CV, Reparaz MLAV, Aizpurua MF, Ventura A, Casali CE. Risk factors and role of low molecular weight heparin in obstetric complications among women with inherited thrombophilia - a cohort study. Hematol Transfus Cell Ther. 2019;41(4):303-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.htct.2019.03.003
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,99. Braga A, Barros T, Faria R, Marinho A, Carvalheira G, Rocha G, et al. Systemic lupus erythematosus and pregnancy: a retrospective single-center study of 215 pregnancies from Portugal. Lupus. 2021;30(13):2165-75. doi: https://doi.org/10.1177/09612033211050340
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,1111. Scarrone M, Canti V, Vanni VS, Bordoli S, Pasi F, Quaranta L, et al. Treating unexplained recurrent pregnancy loss based on lessons learned from obstetric antiphospholipid syndrome and inherited thrombophilia: a propensity-score adjusted retrospective study. J Reprod Immunol. 2022;154:103760. doi: https://doi.org/10.1016/j.jri.2022.103760
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. Outros enfocam o manejo clínico e terapêutico da SAF66. Clavijo MM, Mahuad CV, Reparaz MLAV, Aizpurua MF, Ventura A, Casali CE. Risk factors and role of low molecular weight heparin in obstetric complications among women with inherited thrombophilia - a cohort study. Hematol Transfus Cell Ther. 2019;41(4):303-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.htct.2019.03.003
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,1111. Scarrone M, Canti V, Vanni VS, Bordoli S, Pasi F, Quaranta L, et al. Treating unexplained recurrent pregnancy loss based on lessons learned from obstetric antiphospholipid syndrome and inherited thrombophilia: a propensity-score adjusted retrospective study. J Reprod Immunol. 2022;154:103760. doi: https://doi.org/10.1016/j.jri.2022.103760
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. Contudo, há uma lacuna quando se pondera a combinação dessas duas condições na gestação.

Assim, ao se considerar a gravidade da associação do LES e da SAF em mulheres em idade fértil, devido às complicações gestacionais que pode acarretar; e, com base nos aspectos clínicos e psicológicos da possibilidade de não evolução da gestação em mulheres que desejam vivenciar a maternidade, esta produção tem o intuito de contribuir para a ciência e para as mulheres que vivenciam tais condições clínicas. Isto é particularmente importante quando se considera que, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o manejo terapêutico de pessoas com doenças raras constitui desafio importante, em especial no que ser refere à integralidade do cuidado e, no caso de mulheres com LES, ao direito relacionado ao planejamento reprodutivo. Desse modo, os resultados do estudo poderão contribuir para sensibilizar os profissionais de saúde, fornecer subsídios para planejar estratégias assistenciais que possibilitem o acesso dessas mulheres a um cuidado qualificado e integral, com diagnóstico oportuno e a implementação precoce de terapêuticas adequadas, visando minimizar as complicações gestacionais e permitira evolução da gestação em sua plenitude e com bons desfechos.

Diante desse contexto, o objetivo do presente estudo é o de compreender os significados atribuídos à gravidez, no contexto do Lúpus e da Síndrome Antifosfolípide, por mulheres e profissionais de saúde.

MÉTODO

Pesquisa explicativa, de natureza qualitativa, que integra um estudo maior intitulado “Significados atribuídos à gestação de alto risco em mulheres que convivem com Lúpus Eritematoso Sistêmico”. A apresentação do relatório segue as diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Como referencial teórico utilizam-se os preceitos do Interacionismo Simbólico (IS), o qual pressupõe que o valor de determinada experiência e a ação desencadeada em relação a ela surge do significado que a pessoa lhe atribui, a partir da experiência vivida, sendo definido a partir da interação com o objeto, com o meio social e com o próprio indivíduo1515. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.. O IS estuda o comportamento individual, permite interpretar o modo com que as pessoas definem os eventos, as atitudes, ações e comportamentos diante dos fatos e como se relacionam com o fenômeno vivenciado1515. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980..

A gestação per si já repercute na vida da mulher e daqueles com quem ela convive, e acarreta sentimentos e sensações diversificadas. Quando a gravidez é acompanhada por condições relativamente raras e com impactos significativos no processo gestacional, novos sentimentos, percepções e significados podem ser atribuídos a ela, transcendendo os conceitos de uma gestação normal. Dessa forma, o IS foi eleito como referencial teórico por se aproximar do objeto de estudo ao possibilitar compreender e explicar o fenômeno da gestação na perspectiva de profissionais de saúde e, sobretudo, de mulheres com LES, evidenciando, de modo subjetivo, a maneira com que elas vivenciam o processo, significam o fenômeno e lidam com suas peculiaridades.

Como referencial metodológico utilizou-se a Teoria Fundamentada nos Dados, perspectiva construtivista (TFDC) que busca observar a maneira com que os indivíduos percebem suas circunstâncias de vida, a partir da teorização que o pesquisador realiza no trabalho interpretativo e construtivo com os participantes, com capacidade de retratar a realidade estudada e trazer evidências científicas que possam modificar e melhorar o cenário sob investigação1616. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009..

Os dados foram coletados no período de janeiro a agosto de 2022, mediante entrevistas abertas, realizadas na modalidade remota ou presencial. Considerando-se os pressupostos da TFD, a coleta de dados ocorreu concomitante à transcrição e análise das entrevistas com 33 participantes, sendo 27 mulheres com LES e 12 profissionais de saúde, os quais compuseram cinco grupos amostrais, constituídos conforme os princípios de amostragem teórica e a saturação teórica preconizada pela TFD1616. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009..

As 27 mulheres participantes foram recrutadas na rede social Facebook ® , especificamente no grupo privado “Lúpus Brasil - o desabafo”, que conta com mais de 30 mil membros (pessoas com LES - maioria do sexo feminino, e familiares - cônjuges, pais, filhos) e cerca de 300 publicações por mês. O convite para participar do estudo foi feito mediante postagem pública da primeira autora, que é membro do grupo desde 2018, ao realizar uma pesquisa visando apreender a percepção de pessoas com LES sobre a convivência com a doença1212. Souza RR, Barreto MS, Teston EF, Reis P, Cecilio HPM, Marcon SS. Duality of living with systemic lupus erythematosus: fluctuating between “good days” and “bad days”. Texto Contexto Enferm. 2021;30:e20200210. doi: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0210
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. Nesse convite, a pesquisadora informou que estava desenvolvendo um estudo de doutorado em enfermagem e que gostaria de ouvi-las em relação à vivência da experiência de gestação com LES e que os resultados da pesquisa poderiam contribuir para a assistência à saúde oferecida antes, durante e após a gestação com LES.

Compuseram a amostragem teórica deste estudo o total de 39 participantes, abordados uma única vez, distribuídos em cinco grupos amostrais, dispostos conforme o Quadro 1:

Quadro 1-
Composição dos grupos amostrais. Maringá, Paraná, Brasil, 2023

O primeiro grupo amostral foi constituído intencionalmente por 14 mulheres que vivenciaram a gestação de alto risco, as quais, em resposta à postagem pública ou via direct, manifestaram interesse em participar da pesquisa e atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais, diagnóstico de LES e acesso à rede de internet com dispositivos tecnológicos que permitissem chamadas de vídeo (redes móveis de internet com baixa velocidade poderiam comprometer a realização da entrevista).

Apenas uma possível participante não foi incluída devido ao fato de a mesma ser surda, o que dificultaria a condução e gravação da entrevista, porque não se contava com a participação de interpretes de Libras e nem fora prevista a coleta de dados por escrito.

A análise dos dados desse grupo amostral evidenciou que 10 das 14 participantes haviam desenvolvido SAF e pareciam ter uma experiência gestacional diferenciada. Desse modo, surgiu a seguinte hipótese: ter SAF secundária ao LES parece tornar o processo gestacional mais complexo, modificando a forma com que a mulher percebe, se comporta e significa a gestação. Para confirmar ou não esta hipótese, definiu-se que o segundo grupo deveria ser constituído por mulheres que, além dos critérios anteriores, haviam relatado ter desenvolvido SAF durante a gestação. Assim, outras seis mulheres que atendiam a este critério e que haviam manifestado interesse em participar, foram contatadas e incluídas no estudo.

A análise dos dados deste grupo suscitou o seguinte questionamento: a percepção sobre a experiência de gestação e o significado atribuído à mesma são modificados quando ocorre perda gestacional? Para responder essa questão procurou-se constituir o terceiro grupo amostral apenas com mulheres que aceitaram o convite em que foi especificada a condição de ter sofrido perda gestacional. O terceiro grupo amostral, portanto, foi constituído por quatro mulheres e todas elas relataram também a presença de SAF, reafirmando o quanto esta condição constitui risco para o período gestacional. Um diferencial que surgiu na análise dos dados desse grupo foi a participação de uma brasileira que era imigrante na Itália e que tinha uma percepção diferente da experiência de gestação vivenciada no Brasil, propiciada, sobretudo, pela ausência de apoio familiar e pela qualidade da assistência à saúde recebida.

Desse modo, ao constituir o quarto grupo amostral, a busca foi por mulheres dispostas a compartilharem a experiência de gestação com LES fora do Brasil. Quatro mulheres entraram em contato para agendar a entrevista, mas esta somente pode ser efetivada com três delas (Japão, Suécia e Alemanha). A mulher com experiência na França não pode participar por problemas pessoais.

A análise dos dados desses quatro grupos amostrais mostrou que, muito além de uma percepção pessoal sobre a experiência, no contexto de relação com os profissionais de saúde, marcado pela governabilidade dos mesmos sobre a gestação de uma mulher com LES, com frequência eram relatados o descaso, o negativismo e o pessimismo. A ausência de criação de vínculo e confiança entre mulher e profissional de saúde, a falta de orientação precoce, o déficit de acompanhamento multiprofissional e longitudinal, e também a falta de humanização e empatia no atendimento mostraram impactos diretos e negativos na forma com que as mulheres significavam a gestação. Por outro lado, relatos sobre uma interação social positiva, caracterizada pela presença de vínculo, confiança e um acompanhamento integral, humanizado e longitudinal, resultaram em percepções positivas, o que permitiu inferir que a maneira com que os profissionais de saúde agem, se comportam e percebem a gestação em mulheres com LES direciona, cria e recria a forma com que elas significam a experiência.

Dessa maneira, o quinto grupo amostral foi composto por 12 profissionais de saúde que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser médico(a) reumatologista ou ginecologista/obstetra ou enfermeiro(a) e ter experiência no atendimento de mulheres com LES em processo gestacional. Eles foram recrutados com auxílio da técnica snowball (bola de neve), sendo o primeiro participante convidado de forma intencional por e-mail. Trata-se de um médico responsável pela disciplina e pelo ambulatório especializado em reumatologia de um hospital universitário no Noroeste do Paraná.

Todas as entrevistas foram previamente agendadas para dia e horário de preferência dos participantes. As realizadas com as mulheres foram por videochamada, nos aplicativos WhatsApp® ou Messenger. Já as entrevistas com os cinco profissionais de saúde indicados e que residiam no município do estudo foram presenciais, e com os sete que residiam em outras regiões do país foram remotas. Todas as entrevistas realizaram-se em dia e horário definidos pelos participantes; as presenciais ocorreram em sala reservada na própria instituição - Hospital Universitário.

As entrevistas com as mulheres com LES tiveram a duração média de 75 minutos; e as realizadas com os profissionais, a média de 25 minutos. As remotas foram, após autorização, gravadas em áudio e vídeo, e as presenciais, apenas áudio gravadas.Todas foram conduzidas pela primeira autora (enfermeira, doutoranda em Enfermagem com experiência prévia em coleta e análise de dados qualitativos) que não tinha qualquer relação pessoal com os participantes, embora seja membro do grupo “Lúpus Brasil - o desabafo”, onde esporadicamente se manifesta, mas não como profissional de saúde.

Durante as entrevistas utilizou-se um questionário semiestruturado, constituído de duas partes: a primeira, com questões relativas à caracterização sociodemográfica e à história clínica e obstétrica / profissional; a segunda parte foi constituída pela seguinte questão norteadora:Conte-me como foi sua gestação com LES (GRUPO 1), Conte-me como foi sua gestação com LES e SAF (GRUPO 2), e Como profissional de saúde, qual a sua percepção sobre a gestação e a assistência neste período para mulheres com LES e SAF? (GRUPO 3).

Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra, preferencialmente no mesmo dia de sua realização. Na análise inicial dos dados utilizou-se o software MAXQDA plus, 2020, seguindo as etapas de codificação propostas pela vertente construtivista da TFD: codificação inicial e focalizada. Na codificação inicial, os dados foram fragmentados e analisados com o objetivo de conceituar ideias e/ou significados expressos pelas participantes, transformando-os em códigos. Para tanto, foi feita a codificação palavra a palavra, linha a linha e incidente por incidente, com identificação e utilização de códigos in vivo, tendo sido identificados 4.441 códigos iniciais. A primeira autora foi responsável pela codificação inicial, mas outros dois pesquisadores com bastante experiência em análise de dados qualitativos se reuniam periodicamente para acompanhar o processo analítico e buscar consensos.

Na codificação focalizada, os códigos mais frequentes, significativos e que possibilitavam melhor compreensão analítica dos dados deram origem às subcategorias e categorias, as quais, posteriormente, foram interconectadas de modo explicativo, o que permitiu a identificação do fenômeno central da pesquisa.

Destaca-se que memorandos e diagramas foram empregados ao longo de todo o processo de investigação, conforme indicado para estudos com TFD1616. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009., e que os dados foram interpretados à luz do Interacionismo Simbólico. As entrevistas não foram devolvidas aos participantes para confirmação e/ou aprovação. Contudo, a teoria substantiva originária do estudo, com seus processos e subprocessos, passou por validação, com a participação de seis mulheres com LES, pertencentes aos quatro grupos amostrais do estudo global, e seis médicos (quatro reumatologistas e dois ginecologistas). O convite para participar do processo de validação foi enviado por WhatsApp a todos os integrantes dos grupos amostrais e foram incluídos aqueles que responderam afirmativamente, no prazo de uma semana. Os avaliadores receberam, via Google forms, orientações de como deveriam proceder (apontar aspectos mais discrepantes e/ou similares de suas experiências particulares), e o diagrama da teoria substantiva, com explicações sobre a relação entre as categorias e subcategorias.

O estudo foi desenvolvido em consonância com as diretrizes disciplinadas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/MS, e de acordo com as orientações para procedimentos de pesquisa em ambiente virtual da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (COPEP) da instituição signatária (CAAE: 53038321.8.0000.0104; Parecer nº 5.132.482/2021.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os entrevistados na modalidade remota receberam o TCLE por aplicativo de mensagem e o devolveram pela mesma via. Além disso, antes do início da entrevista solicitou-se a confirmação verbal de anuência em participar do estudo. Nas entrevistas presenciais, o TCLE foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma delas sob a guarda da pesquisadora e outra com o entrevistado.

Para garantir o anonimato dos participantes, os extratos de seus depoimentos foram codificados com a letra P, seguida de um número arábico correspondente à ordem de realização das entrevistas; as letras M para indicação de mulher com LES; R para identificar reumatologista; GO para indicar ginecologistas/obstetras; e E para enfermeira.

RESULTADOS

Dos 39 participantes do estudo, 27eram mulheres com LES e 12 eram profissionais de saúde. As mulheres residiam nos seguintes estados: Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás, Paraíba, Espírito Santo e Distrito Federal. Ademais, três residiam em outros países: Alemanha, Japão e Suécia.

As 14 integrantes do primeiro grupo amostral tinham idades entre 24 e 38 anos, tempo de diagnóstico de LES entre dois e20 anos e dez delas tiveram SAF. O número de gestações neste grupo variou de uma a seis, dez já haviam tido abortos, cujo número variou de um a quatro. As principais complicações experienciadas foram: abortos, parto prematuro, pré-eclâmpsia e AVE. As seis mulheres que integraram o segundo grupo amostral tinham entre 24 e 33 anos. O tempo de diagnóstico do LES variou de quatro a 12 anos, e experiência de três a quatro gestações. Todas relataram abortos de repetição (de dois a três) e partos prematuros. As quatro participantes do terceiro grupo tinham entre 26 e 46 anos, tempo de diagnóstico de LES entre cinco e 16 anos, com histórico de quatro a seis gestações e três a cinco abortos. Todas relataram o desenvolvimento de SAF durante as gestações. As três mulheres que compuseram o quarto grupo amostral tinham 32, 34 e 36 anos, tempo de diagnóstico de LES entre sete e 28 anos, com histórico de uma a duas gestações, e embora só uma tenha relatado aborto, todas desenvolveram SAF durante a gestação.

Por fim, o quinto grupo amostral foi constituído por 12 profissionais de saúde, sendo sete reumatologistas (quatro do sexo feminino), quatro ginecologistas e obstetras (três do sexo masculino) e uma enfermeira. A idade dos profissionais de saúde variou de 30 a 69 anos para os homens e de 29 a 70 para as mulheres. O tempo de experiência no atendimento de mulheres com LES variou de dois a 43 anos. Cinco profissionais foram entrevistados no modo presencial e eram residentes no município polo da realização da pesquisa. Sete participaram na modalidade remota e residiam nos estados do Paraná, Rio de Janeiro e de Pernambuco.

A análise dos dados permitiu a construção de um modelo teórico, cujo fenômeno central foi intitulado: “Vivenciando a gestação com Lúpus e Síndrome Antifosfolípide: experiências e significados”, o qual revelou que a vivência de SAF durante uma gestação com LES é significada como um processo complexo e dinâmico que se modifica com o avanço da gestação e é influenciada pelo modo com que ambas as condições se comportam ao longo do tempo. Esse fenômeno é constituído por duas categorias interligadas: Categoria 1 - “ Condições iguais, experiências distintas: vivenciando o processo gestacional, a qual mostra que, mesmo possuindo as mesmas condições clínicas, as mulheres podem percorrer caminhos distintos no âmbito da maternidade. Assim, a presença de complicações obstétricas e a ausência de vínculo e confiança com os profissionais de saúde são fatores preditores dos desfechos gestacionais desfavoráveis e atribuição de significados negativos à vivência da gestação. No entanto, a presença de apoio social e a vivência de uma gestação sem complicações favorecem a construção ou ressignificação da experiência vivida. Categoria 2 - “O manejo terapêutico interferindo na atribuição dos significados à experiência”. A ilustração teórica dessa categoria demonstra que a vivência do manejo terapêutico influencia os significados atribuídos à gestação com LES, sendo que a forma com que a mulher interage com seu meio social e conduz o tratamento configuram-se fatores mediadores dos resultados obtidos. Engravidar com doença em atividade, sem entender a condição crônica e como será sua evolução durante a gestação, torna o processo mais complexo, pois, além da doença de base, a mulher vivencia um tratamento difícil e doloroso, que nem sempre evita sofrimento e complicações gestacionais. Nesse sentido, também ocorre a ressignificação dos significados atribuídos à experiência gestacional. A Figura 1 apresenta o diagrama explicativo do fenômeno central, as categorias e as subcategorias vinculadas.

Figura 1 -
Diagrama representativo do fenômeno central: “Vivenciando a gestação com Lúpus e Síndrome Antifosfolípide: experiências e significados”. Maringá, Paraná, Brasil, 2023

Condições iguais, experiências distintas: vivenciando o processo gestacional

Vivenciar uma gestação com o diagnóstico de LES e SAF é percebido pelas mulheres como um processo difícil e complexo, porque o caminho a ser percorrido nem sempre é conhecido, sendo possível a ocorrência de complicações e desfechos gestacionais desfavoráveis.

Não é fácil ser uma gestante com duas doenças graves, a gente não sabe o que pode acontecer no caminho, não sabemos se vamos conseguir chegar no final da gestação. É muito difícil, complexo. São muitas complicações. Eu tenho medo de uma nova gestação. (P15, M)

Diante da vivência de complicações gestacionais, as mulheres experienciam dias de luta e sofrimento, entendendo que a gestação com LES e SAF não é algo normal, sendo considerada uma experiência marcada pelo sofrimento, em especial quando, entre as complicações, a mulher vivencia a perda gestacional, condição complexa, traumatizante que remete a sentimentos de incapacidade e frustração.

É muito difícil falar sobre isso, sabe? Porque remete a muito sofrimento. Eu passei no fundo da agulha por conta dessa SAF e do LES. Então assim, sofri um aborto, tive pré-eclâmpsia, eclâmpsia e até um AVE por conta disso. Então para mim ficar grávida com essas duas doenças é algo horrível, não é normal, eu não tenho uma boa lembrança dessa experiência não. (P8, M)

Perder um filho, seja por aborto ou qualquer outra forma é, uma dor que somente quem perde pode entender. É um sentimento de incapacidade, de frustação, a gente fica pensando que não nascemos para isso, que nunca vamos conseguir ser mãe. A gente se sente a pior das mulheres, é triste e complicado. (P11, M)

Não receber orientações precoces dos profissionais de saúde sobre as particularidades de uma gestação com LES e SAF e sobre a importância de realizar o planejamento reprodutivo anterior à gestação é percebido como um fator complicador para desfechos gestacionais desfavoráveis. Não obstante, a falta de criação de vínculo e confiança entre mulher e profissional de saúde favorece a vivência de experiências complexas, levando as mulheres a postergar o desejo da maternidade.

Na minha primeira gestação, eu não fui acompanhada por uma equipe de saúde como deveria, não recebi nenhuma orientação sobre gestação, sobre planejamento e não tive nenhum tipo de apoio profissional. Não passei por uma investigação antes de ficar grávida, descobri a SAF somente depois do aborto, nunca ninguém tinha me falado sobre isso, faltou cuidado. Então, para mim, foi uma experiência traumatizante, eu demorei muito para engravidar novamente. (P1, M)

Em contrapartida, quando há uma boa interação social entre mulher e profissional de saúde, a gestação tende a ocorrer de modo mais tranquilo e saudável, porque há vínculo e confiança entre as partes, o que favorece percorrer um caminho mais fácil e mais seguro, além de propiciar o alcance de desfechos gestacionais mais favoráveis.

Na minha segunda gestação, eu fui para a capital e paguei por uma equipe me acompanhar, reumatologista e ginecologista e assim foi totalmente diferente. Fizemos todos os exames antes da gravidez, fui acompanhada durante toda a gestação e isso foi essencial. Eu me senti mais segura, mais confiante com menos medo e as coisas aconteceram bem, meu filho nasceu perfeitamente. Então, eu acredito que é muito importante ser bem acompanhada e ter uma equipe médica em que você pode confiar. (P1, M)

A construção de vínculo, confiança e empatia entre profissionais e pacientes é considerada essencial para uma boa condução da gestação, tanto na perspectiva da mulher que vivencia o fenômeno quanto do profissional de saúde que acompanha e atua de modo direto durante o processo gestacional.

É preciso ter empatia, se colocar no lugar da paciente. Eu acredito que ter Lúpus é muito difícil, então é preciso se colocar no lugar do outro, dar o seu melhor para ajudar essa mulher a superar os obstáculos que ela irá enfrentar. É preciso criar vínculo, confiança, afetividade, isso tudo vai ser positivo no desfecho da gestação tanto para a paciente quanto para nós profissionais que nos envolvemos muito nisso. (27, R)

Eu tive um ótimo acompanhamento durante a gestação, tanto do meu reumatologista, quanto do obstetra e isso foi ótimo, me ajudou a confiar mais que iria dar certo e deu né? (P12, M)

É importante enfatizar que a presença de duas condições relativamente raras e complexas aumenta os riscos de complicações obstétricas e neonatais, embora não constituam contraindicação. São condições passíveis de investigação e intervenções precoces, o que pode favorecer a experiência da gestação de modo positivo.

Ter SAF secundária ao LES acaba piorando o estado gestacional porque aumentam as chances de complicações, como pré-eclâmpsia e restrição de crescimento intrauterino. Então, se a paciente tem as duas condições o risco dela é aumentado. Porém, tudo é estatística!Existem os riscos, mas não significa que a gestação vai dar errado, tudo é uma questão de planejamento, apoio e trabalho em equipe. (P32, GO)

É possível vivenciar um novo processo gestacional planejado, após complicações e desfechos desfavoráveis anteriores, o que propicia uma experiência mais favorável e, consequentemente, a atribuição de significados positivos.

Eu lutei pelo meu sonho, fiz tudo o que estava ao meu alcance para conseguir. Desde menina eu ouvia que mulher com LES não podia engravidar, mas era o meu maior sonho. Planejei junto com meu reumatologista a gestação, fiz todos os exames que ele pediu antes, me planejei psicologicamente para tomar as injeções e fiz tudo com a certeza que iria dar certo. Então, para mim foi a realização de um sonho, me sinto vitoriosa. (P14, M)

Frente a isso, os profissionais de saúde ressaltam a importância do planejamento reprodutivo prévio, de um cuidado diferenciado e da investigação precoce de SAF em mulheres com LES. Enfatizam que, na presença dessas condições, cuidados suplementares precisam ser implementados, a fim de proporcionar o transcorrer de um processo gestacional com menores riscos de complicações e desfechos gestacionais mais favoráveis.

Paciente que tem LES e SAF é uma paciente que requer mais cuidado, mais atenção, precisa ser acompanhada ainda mais de perto, é preciso que essa paciente realize um planejamento prévio dessa gestação, uma investigação precoce de SAF antes de engravidar. Esses cuidados são fundamentais para a condução da gestação, com riscos diminuídos de complicações e com a oportunidade de alcançar desfechos gestacionais mais positivos. (P24, R)

O manejo terapêutico interferindo na atribuição de significados à experiência

O tratamento imposto pelo LES e pela SAF é significado como um momento complexo vivenciado com dificuldades no início do processo gestacional, em que a mulher não possui preparo físico e psicológico para lidar com a complexidade do tratamento.

O tratamento do LES já é complicado porque você vive a base de remédios a vida toda, aí ter que tomar injeções por causa da SAF é mais complexo ainda, dói. Não é legal, sangra, fica roxo, é difícil. No começo mais difícil ainda, até você se acostumar com as furadas é complicado. (P7, M)

O tratamento da SAF foi uma das piores coisas que tive que passar nessa vida. Não gosto nem de lembrar, me faz mal só de pensar, é muito difícil, muitas vezes pensei em desistir, só não fiz porque era a minha única esperança. Tratar do LES foi mais fácil do que da SAF, mas é muita coisa. Muita coisa de uma vez só. (P19, M)

Para além da necessidade de injeções diárias e suas consequências, as mulheres também fazem referência aos custos elevados e às dificuldades para adquirir a medicação, pois, o processo de licitação e liberação da medicação de alto custo leva tempo e nem sempre, a mulher possui condições financeiras para arcar com os custos.

Ninguém gosta de injeção, ainda mais todos os dias. Sangra, dói, machuca. É difícil demais, sem contar a dificuldade para conseguir pelo SUS. Quando sai a medicação você já está com três, quatro meses de gravidez e precisa comprar e é bem cara, não é sempre que a gente tem dinheiro para comprar e aí precisa de ajuda de outras pessoas para conseguir seguir com o tratamento. (P6, M)

Uma das maiores dificuldades é ter que comprar as medicações, são muito caras. No SUS o processo demora muito aí temos que comprar, gastei mais de 1.500,00 por mês. (P9,M)

Não obstante, por se tratar de uma medicação injetável, algumas mulheres necessitam da ajuda de outras pessoas para a administração diária, e a participação do cônjuge, da família e dos profissionais de saúde é considerada essencial nesse processo.

Minha sorte foi meu marido, minha filha mais velha, eles que aplicavam em mim eu nunca tive coragem de fazer sozinha. Foi um apoio sensacional, não sei se teria conseguido sem eles. (P2, M)

No começo eu ia fazer a aplicação no posto de saúde, a enfermeira e as técnicas aplicavam em mim todos os dias e me ensinavam a fazer, até que eu tomei coragem de tomar sozinha. Mas o apoio delas foi essencial. (P5, M)

Outro ponto importante durante o tratamento dessa mulher é a rede de apoio, tanto da família quanto da equipe médica. Se essa mulher tiver apoio na hora do cuidado, na hora da medicação injetável, se tiver apoio do seu ginecologista, de sua equipe com certeza o processo se torna mais fácil e menos doloroso. (P29, GO)

A condução terapêutica adequada é considerada pelos profissionais de saúde a chave para o alcance de desfechos gestacionais mais favoráveis, sendo necessário que a mulher assuma a responsabilidade pelo autocuidado e compreenda a importância do tratamento durante o processo gestacional.

Diagnóstico de SAF e LES precisa de atenção. Essa mulher precisa obrigatoriamente ser assistida mais de perto e ser submetida a terapêutica adequada, com uso de anticoagulantes e medicações que não são teratogênicas para o feto. (P22, R)

É imprescindível que a mulher que tem LES e também SAF realize corretamente o tratamento prescrito pelo médico. Precisa anticoagular e é importante que ela seja bem orientada sobre isso, que ela aprenda a administrar o anticoagulante e que perceba sua importância na condução da gestação. Isso vai determinar os desfechos gestacionais. (P28, R)

A gestante precisa entender que sem o tratamento adequado, os riscos de complicações são maiores. É importante que ela realize todos os cuidados necessários, use os medicamentos, as injeções e compareça as consultas de pré-natal. (P30, GO)

De modo geral, após vivenciar a complexidade da gestação não planejada e a necessidade de tratamento injetável, algumas mulheres conseguem reconhecer a importância do tratamento correto e do planejamento reprodutivo prévio da gestação e enfatizam que mesmo sendo um processo difícil e complexo, que exige força, pode ser enfrentado.

É preciso tratar, tomar os remédios, as enoxaparinas, fazer tudo certinho, conforme os médicos orientam, e também é preciso planejar a gestação para que não aconteça problemas. Mas não adianta falar que é fácil, que é legal, porque não é. É muito sofrido, passamos medo a gestação toda, angústias, sem saber o dia de amanhã. Então assim, é preciso planejar, cuidar, tratar, mas não é uma experiência legal. (P17, M)

Só quem passa por esse tratamento consegue entender que não é fácil, a gente se esforça, nos superamos. É matar um leão por dia em busca do sonho de ter um filho. (P11, M)

Os profissionais também consideram que ambas as condições são complexas, mas é possível vencê-las com terapêutica adequada, apoio e tomada de decisão compartilhada entre mulher e profissional e planejamento reprodutivo prévio.

É uma gestação totalmente possível. O importante é a mulher planejar essa gestação junto com sua equipe médica, e juntos escolherem o melhor momento de gestar. Feito isso e tomando todos os cuidados necessários a gestação flui muito bem, sem maiores complicações. (P25, R)

Gestação em Lúpus precisa de planejamento, ainda mais se essa paciente tiver SAF associada. Se houver um planejamento anterior, um cuidado rigoroso durante a gestação e uma boa adesão da paciente a terapêuticas os desfechos são melhores. (P30, GO)

Cuidar dessa mulher, acompanhar o tratamento, incentivar ela a se cuidar antes, durante e depois da gestação é o mais importante. Feito isso, a gestação acontece bem, perfeitamente, sem maiores complicações. (P33, E)

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que a gestação no contexto do LES e da SAF é percebida por mulheres e profissionais de saúde como algo difícil e complexo, em especial quando ocorre sem planejamento reprodutivo e sem o apoio e interação efetiva com uma equipe multiprofissional em saúde. Nesse contexto, tanto as mulheres com LES quanto os profissionais de saúde percebem e significam a gestação a partir do modo com que esse fenômeno é vivenciado e como dele participam, mediado pelas interações que ocorrem no decurso desse processo. Tais perspectivas vão ao encontro das premissas do referencial teórico adotado, o qual pressupõe que os significados atribuídos à determinada experiência são mediados pela forma como se vivencia o processo na interação pessoal, e pelo modo com que os outros agem, se comportam e percebem o processo vivenciado, mediante a interação social1515. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980..

Desse modo, evidencia-se que ao vivenciar um processo gestacional complexo, permeado por possíveis complicações― abortos, partos prematuros, pré-eclâmpsia e AVE―, os significados atribuídos à experiência tendem a ser ruins. Ressalta-se que, embora estas sejam as complicações mais frequentes nos casos de gestações com LES e SAF, também podem ocorreras complicações cardíacas, hematológicas, pulmonares, a restrição do crescimento e o desenvolvimento intrauterino e insuficiência placentária22. Al-riyami N, Salman B, Al-Rashdi A, Al-Dughaishi T, Al-Haddabi R, Hassan B. Pregnancy outcomes insystemic lupus erythematosus women: a single tertiary centre experience. Sultan Qaboos Univ Med J. 2021;21(2):e244-e252. doi: https://doi.org/10.18295/squmj.2021.21.02.013
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-77. Murata T, Kyozuka H, Fukuda T, Toba N, Kanno A, Yasuda S, et al. Maternal disease activity and serological activity as predictors of adverse pregnancy outcomes in women with systemic lupus erythematosus: a retrospective chart review. Arch Gynecol Obstet. 2022;305(5):1177-83. doi: https://doi.org/10.1007/s00404-021-06148-x
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.

Dentre todas as complicações possíveis, as perdas gestacionais se destacam como uma das mais significativas. Pesquisas que investigam a percepção de mulheres que vivenciam o abortamento identificam relatos permeados por sentimentos negativos: medo, angústia, solidão, culpa, depressão e revolta1717. Santos RC, Viana MRP, Amorim FCM, Rego Neta MM, Sousa KHJF, Silva FC. Women´s feelings arising from their experience in an abortion process. Cogitare Enferm. 2021;26:e72376. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v26i0.72376
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,1818. Silva UB, Ferreira SL, Cordeiro RC, Almeida LCG, Santos EA. Experiences of women with sickle cell disease who experienced pregnancy losses. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02394. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02394
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. A presença desses sentimentos pode desencadear um adoecimento psicológico, pois, na maioria das vezes, as mulheres vivenciam o luto da perda gestacional sozinhas, sem apoio de familiares e amigos1717. Santos RC, Viana MRP, Amorim FCM, Rego Neta MM, Sousa KHJF, Silva FC. Women´s feelings arising from their experience in an abortion process. Cogitare Enferm. 2021;26:e72376. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v26i0.72376
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,1818. Silva UB, Ferreira SL, Cordeiro RC, Almeida LCG, Santos EA. Experiences of women with sickle cell disease who experienced pregnancy losses. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02394. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02394
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Os relatos também evidenciam ausência de apoio profissional, falta de vínculo e confiança entre as mulheres e os profissionais de saúde, o que impacta a condução e o manejo da gestação e o enfrentamento das perdas gestacionais. Destaca-se que os aspectos desumanização no atendimento, falta de apoio multiprofissional em saúde e violência obstétrica são apontados por brasileiras participantes de um estudo sobre a convivência com o LES e que têm passado por uma ou mais experiências de aborto1212. Souza RR, Barreto MS, Teston EF, Reis P, Cecilio HPM, Marcon SS. Duality of living with systemic lupus erythematosus: fluctuating between “good days” and “bad days”. Texto Contexto Enferm. 2021;30:e20200210. doi: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0210
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. Participantes de um estudo, no Quênia, relatam casos de abuso (verbal e sexual), ausência de privacidade durante os cuidados, estigma e envolvimento inadequado nas decisões sobre a natureza e o tipo de cuidados que recebem. Os relatos também permitem identificar oferta de tratamento diferenciado com base em alguns atributos: aborto espontâneo versus induzido, solteira versus casada, jovem versus mais velha1919. Ouedraogo R, Kimemia G, Igonya EK, Athero S, Wanjiru S, Bangha M, et al. “They talked to me rudely”. Women perspectives on quality of post‑abortion care in public health facilities in Kenya. Reprod Health. 2023;20(1):35. doi: https://doi.org/10.1186/s12978-023-01580-5
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Achados dessa natureza constituem justificativa para realizar pesquisas que avaliem a qualidade da atenção ao aborto na perspectiva das usuárias. Nesse sentido, encontra-se em processo de refinamento, no Brasil, o instrumento intitulado QualiAborto-Pt, que enfatiza e avalia cinco dimensões da assistência: acolhimento, orientação, insumos/ambiente físico, qualidade técnica e continuidade do cuidado2020. Aquino EML, Reichenheim M, Menezes GMS, Araújo TVB, Alves MTSSB, Alves SV, Almeida MCC. Quality assessment of abortion care from the users’ perspective: dimensional structure of the QualiAborto-Pt questionnaire. Cad Saude Publica. 2020;36(1):e00197718. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00197718
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A ausência ou deficiência de orientações sobre planejamento reprodutivo em doenças autoimunes já foi identificado como um complicador do processo gestacional em diferentes contextos, entre os quais Colômbia2121. Erazo-Martínez V, Nieto-Aristizábal I, Ojeda I, Gonzálex M, Araújo CC, Zambrano MA, et al. Systemic erythematosus lupus and pregnancy outcomes in a Colombian cohort. Lupus. 2021;30(14):2310-7. doi: https://doi.org/10.1177/09612033211061478
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) e África do Sul2222. Phuti V, Schneider M, Makan K, Tikly M, Hodkinson B. Living with systemic lupus erythematosus in South Africa: a bitter pill to swallow. Health Qual Life Outcomes. 2019;17(1):65. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-019-1132-y
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, o que ocorre porque o enfoque da assistência é no manejo da doença. Nesse sentido, estudo qualitativo desenvolvido com mulheres iranianas11. Moghadam ZB, Faezi ST, Zareian A, Rezaei E. Experiences of Iranian female patients with systemic lupus erythematosus: a qualitative study. Arch Rheumatol. 2021;36(1):120-8. doi: https://doi.org/10.46497/ArchRheumatol.2021.7989
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, e também em revisão da literatura, aponta que o pessimismo multiprofissional sobre a combinação de LES e gestação contribui para a ocorrência de gestações não planejadas e permeadas por complicações55. Essouma M, Nkeck JR, Motolouze K, Bigna JJ, Tchaptchet P, Nkoro GA, et al. Outcomes of pregnancy and associated factors in sub-Saharan African women with systemic lupus erythematosus: a scoping review. Lupus Sci Med. 2020;7(1):e000400. doi: https://doi.org/10.1136/lúpus-2020-000400
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Destarte, durante muito tempo os profissionais de saúde de distintos países têm advogado a incompatibilidade da combinação gestação e LES, e que essas mulheres não deveriam engravidar2121. Erazo-Martínez V, Nieto-Aristizábal I, Ojeda I, Gonzálex M, Araújo CC, Zambrano MA, et al. Systemic erythematosus lupus and pregnancy outcomes in a Colombian cohort. Lupus. 2021;30(14):2310-7. doi: https://doi.org/10.1177/09612033211061478
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,2222. Phuti V, Schneider M, Makan K, Tikly M, Hodkinson B. Living with systemic lupus erythematosus in South Africa: a bitter pill to swallow. Health Qual Life Outcomes. 2019;17(1):65. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-019-1132-y
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. No entanto, com a evolução da ciência é possível considerar a ocorrência da gestação nesse público, embora ela seja de alto risco e requeira acompanhamento especializado, contínuo e em ambulatório de alto risco22. Al-riyami N, Salman B, Al-Rashdi A, Al-Dughaishi T, Al-Haddabi R, Hassan B. Pregnancy outcomes insystemic lupus erythematosus women: a single tertiary centre experience. Sultan Qaboos Univ Med J. 2021;21(2):e244-e252. doi: https://doi.org/10.18295/squmj.2021.21.02.013
https://doi.org/10.18295/squmj.2021.21.0...
,2323. Phuti A, Hodkinson B, Tikly M; Schneider M. The feeling of not being entitled to something’: fertility, pregnancy, and sexuality among women with systemic lupus erythematosus in South Africa. Scand J Rheumatol. 2020;49(3):214-20. doi: https://doi.org/10.1080/03009742.2019.1657492
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.

O planejamento reprodutivo prévio, com interação social adequada, criação de vínculo e confiança entre mulheres e profissionais de saúde constitui condição elementar para um melhor enfrentamento dos riscos gestacionais, possibilitando o alcance de resultados obstétricos mais favoráveis e, por conseguinte, uma significação positiva da experiência gestacional.

É importante ressaltar que, além da redução de riscos gestacionais e a ocorrência de gestações não planejadas, o planejamento reprodutivo proporciona o empoderamento feminino, pois permite à mulher ser protagonista de sua história obstétrica2424. Gadelha IP, Aquino PS, Balsells MMD, Diniz FF, Pinheiro AKB, Ribeiro SG, et al. Quality of life of high risk pregnant women during prenatal care. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 5):e20190595. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0595
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) e realizar escolhas conscientes. Além disso, favorece um cuidado integral e longitudinal com acompanhamento multiprofissional em saúde. Destaca-se que os cuidados em gestações de alto risco envolvem práticas que transcendam os procedimentos, sendo necessário respeito às singularidades, á atenção, ao zelo e confiança, de modo que a mulher sinta segurança frente a atuação profissional2525. Rodrigues ARM, Carvalho LAF, Silva LLL, Cavalcante AES, Santos AS, Silva KA. Experiences about hospitalization: perceptions of high-risk pregnant women. Cienc Cuid Saude. 2020;19:e46952. doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.46952
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Em termos terapêuticos, o LES requer controle e remissão de sinais e sintomas antes da concepção, isto porque algumas medicações utilizadas em seu tratamento são contraindicadas durante a gestação22. Al-riyami N, Salman B, Al-Rashdi A, Al-Dughaishi T, Al-Haddabi R, Hassan B. Pregnancy outcomes insystemic lupus erythematosus women: a single tertiary centre experience. Sultan Qaboos Univ Med J. 2021;21(2):e244-e252. doi: https://doi.org/10.18295/squmj.2021.21.02.013
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. Neste sentido, estudo realizado na África do Sul, com 25 mulheres com LES, relata que a combinação de cuidados centrados na paciente, com foco em contracepção eficaz e medicação visando a remissão da doença, acompanhada de aconselhamento constante, informações consistentes e uma gravidez controlada conjuntamente por uma equipe de obstetrícia e reumatologia favorece o alcance de ótimos resultados obstétricos2323. Phuti A, Hodkinson B, Tikly M; Schneider M. The feeling of not being entitled to something’: fertility, pregnancy, and sexuality among women with systemic lupus erythematosus in South Africa. Scand J Rheumatol. 2020;49(3):214-20. doi: https://doi.org/10.1080/03009742.2019.1657492
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O tratamento da SAF, principal condição associada ao LES durante uma gestação, conforme referem as mulheres do presente estudo, é muito complexo, em especial pela necessidade de administração diária de Heparina de baixo peso molecular (HBPM)2626. Sammaritano LR, Bermas BL, Chakravarty EE, Chambers C, Clowse MEB, Lockshin MD, et al. 2020 American College of Rheumatology Guideline for the management of reproductive health in rheumatic and musculoskeletal diseases. Arthritis Reumatol. 2020;72:529-56. doi: https://doi.org/10.1002/art.41191
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, a qual é essencial para o alcance de bons desfechos gestacionais, pois evita eventos trombóticos2727. Luo L, Cai Q, Liu X, Hou Y, Li C. Risk factors of first thrombosis in obstetric antiphospholipid syndrome. Lupus Sci Med. 2024;11:e001044. doi: https://doi.org/10.1136/lupus-2023-001044
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. Cabe destacar que a profilaxia preventiva e uma abordagem adequada desta condição durante a gestação e no pós-parto são fundamentais para a saúde das mulheres durante o período gravídico-puerperal e até mesmo no futuro. A hipercoagulabilidade materna pode persistir até 12 semanas após o parto, com risco elevado de complicações decorrentes da SAF nesse período2626. Sammaritano LR, Bermas BL, Chakravarty EE, Chambers C, Clowse MEB, Lockshin MD, et al. 2020 American College of Rheumatology Guideline for the management of reproductive health in rheumatic and musculoskeletal diseases. Arthritis Reumatol. 2020;72:529-56. doi: https://doi.org/10.1002/art.41191
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,2727. Luo L, Cai Q, Liu X, Hou Y, Li C. Risk factors of first thrombosis in obstetric antiphospholipid syndrome. Lupus Sci Med. 2024;11:e001044. doi: https://doi.org/10.1136/lupus-2023-001044
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, sendo indicado manter a profilaxia preventiva com HBPM por até seis semanas pós-parto para reduzir o risco de trombose materna2727. Luo L, Cai Q, Liu X, Hou Y, Li C. Risk factors of first thrombosis in obstetric antiphospholipid syndrome. Lupus Sci Med. 2024;11:e001044. doi: https://doi.org/10.1136/lupus-2023-001044
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. Ademais, existe também o risco de trombose no longo prazo em pacientes com SAF obstétrica. Nesse sentido, coorte realizada em Pequim, entre junho de 2008 e agosto de 2022, revela o desenvolvimento de tromboses venosas e arteriais em 5,9% das 186 mulheres, com SAF, participantes do estudo, sendo de, aproximadamente, quatro anos o tempo entre o primeiro parto e a primeira trombose2727. Luo L, Cai Q, Liu X, Hou Y, Li C. Risk factors of first thrombosis in obstetric antiphospholipid syndrome. Lupus Sci Med. 2024;11:e001044. doi: https://doi.org/10.1136/lupus-2023-001044
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Contudo, apesar dessas evidências, é importante destacar que as mulheres participantes do presente estudo fazem referência a alguns inconvenientes desse tratamento: dor, custo elevado e dificuldade em obter gratuitamente o tratamento, especialmente em tempo oportuno. Isto corrobora resultado de estudo envolvendo 17 mulheres com LES, no Irã, o qual mostra que elas experienciam necessidades muitas vezes esquecidas, entre as quais a de apoio financeiro por parte dos familiares e do governo, para um melhor enfrentamento da doença2828. Dianati M, Taghadosi M, Zamani B, Mazhariazad F. Forgotten needs of patients with systemic lupus erythematosus: a qualitative study in Iran. J Clin Diagn Res. 2022;16(4):LC42-LC46. doi: https://doi.org/10.7860/JCDR/2022/52712.16276
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Além do tratamento adequado, mulheres com LES, sobretudo aquelas em idade fértil, necessitam receber precocemente orientações sobre planejamento familiar, implicações de uma gestação associada ao LES e as possibilidades de tratamento. Isto é importante inclusive para aquelas que, teoricamente, não desejam engravidar, pois elas podem ter um comportamento em saúde que não é efetivo na prevenção da gravidez88. Rajendran A, Eudy AM, Balevic SJ, Clowse MEB. The importance of pregnancy planning in lupus pregnancies. Lupus. 2021;30(5):741-51. doi: https://doi.org/10.1177/0961203321989803
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. Orientações adequadas e em tempo oportuno permitem a essas mulheres uma tomada de decisão consciente e o comprometimento na adesão terapêutica e, por conseguinte, menor risco de morbimortalidade materno-fetal, caracterizando uma vivência positiva da gravidez.

Destarte, tratar dessas duas condições (LES e SAF) concomitantemente, impacta no modo com que as mulheres percebem, se comportam e significam a gestação. Porém, apesar dos relatos de dor, medo e insegurança as participantes deste estudo, que conseguiram ser mães, relatam sentimentos de superação e realização.

Outro fator relevante para uma vivência positiva dessa experiência refere-se ao apoio familiar, conjugal e profissional, o que é percebido como uma fonte de força na condução da gestação e na construção de um “Self social” positivo. Estudo realizado no Sul do Brasil, com o objetivo de apreender a percepção de gestantes e familiares sobre a condição de vulnerabilidade de uma gravidez de alto risco, mostra que o acolhimento de suas necessidades e o apoio familiar são essenciais, sobretudo na implementação de cuidado em situações cotidianas, e permite que as gestantes se percebam amparadas e mais seguras2929. Vieira VCL, Barreto MS, Marquete VF, Souza RR, Fischer MMJB, Marcon SS. Vulnerability of high-risk pregnancy in the perception of pregnant women and their families. Rev Rene. 2019;20:e40207. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192040207
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A importância do apoio familiar, conjugal e profissional para um bom controle da doença aparece em estudos realizados junto a pessoas com LES no Brasil1212. Souza RR, Barreto MS, Teston EF, Reis P, Cecilio HPM, Marcon SS. Duality of living with systemic lupus erythematosus: fluctuating between “good days” and “bad days”. Texto Contexto Enferm. 2021;30:e20200210. doi: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0210
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, Turquia1414. Kankaya H, Oksel E, Karadakovan A. Living with systemic lupus erythematosus: a qualitative study exploring the experiences of women. Prog Health Sci 2022;12(2):71-7. doi: https://doi.org/10.5604/01.3001.0016.1750
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e Irã2828. Dianati M, Taghadosi M, Zamani B, Mazhariazad F. Forgotten needs of patients with systemic lupus erythematosus: a qualitative study in Iran. J Clin Diagn Res. 2022;16(4):LC42-LC46. doi: https://doi.org/10.7860/JCDR/2022/52712.16276
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. Essa importância também se destaca em uma metassíntese, identificada em metade dos 26 estudos incluídos e que abordam a experiência de 565 pacientes adultos (95% mulheres). Em relação a esse achado destaca-se o fato de os pacientes precisarem de apoio familiar incondicional e “sempre presente” para lidar com a vida cotidiana, e para uma sensação de segurança no contexto de uma doença imprevisível3030. Petrocchi V, Visintini E, De Marchi G, Quartuccio L, Palese A. Patient experiences of systemic lupus erythematosus: findings from a systematic review, meta‐summary, and meta‐synthesis. Arthritis Care Res. 2022;74(11):1813-21. doi: https://doi.org/10.1002/acr.24639
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. Por outro lado, a ausência de apoio familiar, associado ao curso imprevisível da doença, contribuí para o surgimento de sentimentos diversos: medo, frustração, exclusão social e incapacidade11. Moghadam ZB, Faezi ST, Zareian A, Rezaei E. Experiences of Iranian female patients with systemic lupus erythematosus: a qualitative study. Arch Rheumatol. 2021;36(1):120-8. doi: https://doi.org/10.46497/ArchRheumatol.2021.7989
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,2424. Gadelha IP, Aquino PS, Balsells MMD, Diniz FF, Pinheiro AKB, Ribeiro SG, et al. Quality of life of high risk pregnant women during prenatal care. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 5):e20190595. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0595
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,3030. Petrocchi V, Visintini E, De Marchi G, Quartuccio L, Palese A. Patient experiences of systemic lupus erythematosus: findings from a systematic review, meta‐summary, and meta‐synthesis. Arthritis Care Res. 2022;74(11):1813-21. doi: https://doi.org/10.1002/acr.24639
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, especialmente ao vivenciar uma gestação associada ao LES11. Moghadam ZB, Faezi ST, Zareian A, Rezaei E. Experiences of Iranian female patients with systemic lupus erythematosus: a qualitative study. Arch Rheumatol. 2021;36(1):120-8. doi: https://doi.org/10.46497/ArchRheumatol.2021.7989
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,2323. Phuti A, Hodkinson B, Tikly M; Schneider M. The feeling of not being entitled to something’: fertility, pregnancy, and sexuality among women with systemic lupus erythematosus in South Africa. Scand J Rheumatol. 2020;49(3):214-20. doi: https://doi.org/10.1080/03009742.2019.1657492
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Possíveis limitações do estudo referem-se ao recrutamento on-line das mulheres com LES, limitando a amostragem teórica às participantes que têm acesso a esse grupo privado. O fato de as participantes serem identificadas a partir de resposta a uma postagem também pode constituir um viés, pois corresponde àquelas desejosas de compartilhar suas histórias, possivelmente porque já lidam melhor com a experiência, enquanto aquelas que não se prontificaram a falar sobre, possivelmente ainda vivenciam dor e sofrimento de forma muito latente, o que certamente influenciaria os significados atribuídos. Ainda, a não inclusão da mulher surda com LES, pela incapacidade de comunicação da pesquisadora, e por opções metodológicas para a coleta de dados, também constitui limitação, pois sua experiência certamente enriqueceria os achados.

Além disso, o fato de o quinto grupo amostral ser composto majoritariamente por médicos reumatologistas e contar com apenas uma enfermeira, pode ser considerado uma limitação adicional, considerando-se que suas respostas podem ter sido influenciadas pelas experiências da categoria profissional e limitar a profundidade dos achados no que se refere a outros membros da equipe de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo gestacional de mulheres com LES e SAF é significado como complexo e dinâmico por mulheres que experienciam essa condição e por profissionais que as assistem durante o período gestacional. Os significados atribuídos à gestação são elaborados e modificados conforme a interpretação de experiências anteriores e a atual, a trajetória assistencial e as interações com os profissionais de saúde. Há clara relação entre os significados que são atribuídos à gestação e os períodos de remissão ou exacerbação da doença, porque os mesmos influenciam o período gravídico e os desfechos obstétricos. A orientação prévia, planejamento reprodutivo adequado, estabelecimento de vínculo com os profissionais de saúde e manejo terapêutico adequado favorecem a construção de significados positivos, marcada pela condição de tornar-se (mais uma vez) mãe. Entretanto, a ausência desses elementos, associada a uma assistência não qualificada, podem desencadear complicações obstétricas, e, por conseguinte, a atribuição de significados negativos à experiência.

Acredita-se que os resultados desse estudo possam contribuir para o avanço do conhecimento sobre o modo com que mulheres e profissionais de saúde significam a gestação no contexto do LES e da SAF, destacando-se a necessidade da assistência integral a esse público, com enfoque no planejamento reprodutivo e manejo da condição crônica. Ademais, os resultados são potentes para qualificar a assistência obstétrica às mulheres com gestações de alto risco, decorrentes do LES/SAF associados à gravidez, além de suscitar reflexões relativas ao processo de cuidado às mulheres em diferentes contextos da cronicidade e da gestação de alto risco, contribuindo para a redução dos índices de complicações maternas e fetais e favorecer desfechos gestacionais positivos.

No campo da enfermagem, a compreensão desse fenômeno pode potencializar o desenvolvimento de planos de cuidados que atendam as reais necessidades de saúde desse público, e contribuir com os diagnósticos e a implementação precoce de terapêuticas adequadas, reduzindo os índices de complicações e desfechos gestacionais desfavoráveis. Não obstante, tais conhecimentos podem favorecer a evolução científica da enfermagem no âmbito das condições autoimunes que podem ocorrer durante o processo gestacional e, adicionalmente, suscitar o interesse para a lrealização de novos estudos que investiguem, por exemplo, o papel do apoio dos membros da família no planejamento reprodutivo das mulheres com LES, ou o modo com que as famílias assistem as mulheres durante a vivência do abortamento.

Agradecimentos:

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editor associado:

Helga Geremias Gouveia

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2023
  • Aceito
    25 Jan 2024
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