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Práticas desenvolvidas pelo enfermeiro na atenção primária na região sul do Brasil

RESUMO

Objetivo:

Compreender as práticas desenvolvidas pelo enfermeiro na atenção primária, na região Sul do Brasil.

Método:

Estudo qualitativo, cuja coleta de dados foi com entrevistas online gravadas, entre outubro de 2020 e maio de 2021. Participaram 174 enfermeiros, de 24 municípios da região sul do Brasil. Análise temática indutiva dos dados.

Resultados:

A consulta do enfermeiro é a atividade que se destaca, para todas as faixas etárias e condições de saúde, especialmente nas situações crônicas, pré-natal, atenção a mulher e a criança, saúde mental, visitas domiciliares, além do gerenciamento da equipe de enfermagem e da unidade de saúde.

Considerações finais:

Demonstrou-se que o excesso de responsabilidades assistenciais e gerenciais e a falta de equilíbrio entre as atividades comuns à equipe, dificultam o desenvolvimento de práticas clínicas do enfermeiro.

Descritores:
Atenção primária à saúde; Papel do profissional de enfermagem; Competência profissional

ABSTRACT

Objective:

To understand the practices developed by nurses in primary care in southern Brazil.

Method:

Qualitative study, with data collection via online interviews, conducted between October 2020 and May 2021, and recorded. 174 nurses from 24 municipalities in southern Brazil participated. Data analysis used inductive thematic analysis.

Results:

The activity that stood out among nurses was the nurse consultation, for all age groups and health conditions, especially when dealing with chronic disease, prenatal care, attention to women and children, mental health, home visits, and the management of the nursing team and the health unit.

Final considerations:

This study demonstrated that an excess of responsibilities associated to care and management, added to a lack of balance in the activities common to the team make it difficult for nurses to develop clinical practices.

Descriptors:
Primary health care; Nurse’s role; Professional competence

RESUMEN

Objetivo:

Comprender las prácticas desarrolladas por las enfermeras en la atención primaria en el sur de Brasil.

Método:

Estudio cualitativo, con recolección de datos a través de entrevistas en línea, realizadas entre octubre de 2020 y mayo de 2021 y grabadas. Participaron 174 enfermeras de 24 municipios en el sur de Brasil. El análisis de los datos fue temático inductivo.

Resultados:

La consulta de enfermería se destaca como actividad de los enfermerosen todas las edades y condiciones de salud, especialmente situaciones crónicas, atención prenatal, atención a mujeres y niños, salud mental, visitas domiciliarias y gestión del equipo de enfermería y la unidad de salud.

Consideraciones finales:

El estudio ha demostrado que el exceso de responsabilidades asistenciales y de gestión y la falta de equilibrio entre las actividades comunes del equipo dificultan a las enfermeras el desarrollo de las prácticas clínicas.

Descriptores:
Atención primaria de salud; Rol de la enfermera; Competencia profesional

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1960 a Atenção Primária à Saúde (APS) tem sido apresentada como modelo de assistência à saúde em diversos países. A partir de 1978, com a Conferência Internacional sobre APS, convocada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em Alma Ata, na República do Cazaquistão, estabeleceu-se que a APS seria universal, integral e equitativa. Este encontro foi um marco para definir um modelo de atenção qualificado e que englobasse toda população mundial, em busca de superar o modelo médico-centralizado e inovando com uma rede de atenção integral à saúde11. Giovanella L, Mendonça MHM, Buss PM, Fleury S, Gadelha CAG, Galvão LAC, et al. De Alma-Ata a Astana - atenção primária à saúde e sistemas universais de saúde: compromisso indissociável e direito humano fundamental. Cad Saúde Pública. 2019;35(3):e00012219. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00012219
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A concepção de APS, definida na declaração de Alma Ata sobre cuidados primários em 1978, contempla três componentes essenciais: acesso universal e primeiro ponto de contato do sistema de saúde; indissociabilidade da saúde do desenvolvimento econômico-social, reconhecendo-se os determinantes sociais; e participação social22. Giovanella L. Atenção básica ou atenção primária à saúde? Cad Saúde Pública. 2018;34(8):2-4. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00029818
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No Brasil, a implementação da APS iniciou-se a partir do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991, e o Programa Saúde da Família (PSF), em 1994. Assumiu a função de porta de entrada preferencial do usuário ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou o primeiro nível de assistência, tendo como função a coordenação do cuidado e gestão da assistência, além de ser a ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS). No ano de 2006 foi aprovado o pacto pela atenção básica e em 2011 a primeira Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que enfocou e redefiniu a Saúde da Família (SF) como modelo preferencial de reorganização da APS, tendo aumentado a cobertura à população ao longo dos anos e tornando-se um modelo de referência internacional nesse quesito33. Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Almeida PF, Sardinha LMV, Vieira MLFP. Cobertura da Estratégia Saúde da Família no Brasil: o que nos mostram as Pesquisas Nacionais de Saúde 2013 e 2019. Ciênc Saúde Colet. 2021;26(suppl 1):2543-56. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.1.43952020
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,44. Fernandes BCG, Silva Júnior JNB, Guedes HCS, Macedo DBG, Nogueira MF, Barrêto AJR. Use of technologies by nurses in the management of primary health care. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(spe):e20200197. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200197
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, sendo esta política posteriormente reformulada em 2017.

Na PNAB, a atenção primária enfoca a pessoa em sua singularidade e inserção sociocultural, com vistas a atenção integral, incluindo: ações de vigilância a saúde, planejamento e implementação de ações públicas para a proteção da saúde da população, prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, bem como promoção da saúde55. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017.

Essas práticas se desenvolvem e se consolidam com uma equipe de saúde da família e/ou multidisciplinar, que atua em um território delimitado pela área de abrangência de cada unidade, a partir do cadastramento das famílias, tornando-se o primeiro ponto de contato com o usuário do SUS. Suas ações incluem desde a prevenção de agravos, a promoção e a proteção da saúde, até o diagnóstico, tratamento, manutenção e reabilitação da saúde66. Pires RCC, Lucena AD, Mantesso JBO. Atuação do enfermeiro na atenção primária à saúde (APS): uma revisão integrativa da literatura. Rev Recien. 2022;12(37):107-14. doi: https://doi.org/10.24276/rrecien2022.12.37.107-114
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Para que as equipes possam atingir os resultados esperados, uma vez que o acesso engloba também a resolutividade do cuidado, é necessário organizar os processos de trabalho, boa gestão e liderança, rede de atenção à saúde operante, preconizados em prática multiprofissional, com tomada de decisões coletivas77. Mattos JCO, Balsanelli AP. A liderança do enfermeiro na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Enferm Foco. 2019;10(4):164-71. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n4.2618
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No Brasil, o enfermeiro destaca-se na APS como fundamental para a execução do modelo proposto pela Estratégia Saúde da Família (ESF), devido ao seu potencial de realizar as atribuições específicas de assistência direta aos usuários, entrelaçando-as com atividades gerenciais da ESF88. Metelski FK, Alves TF, Rosa R, Santos JLG, Andrade SR. Dimensions of care management in primary care nurses’ practice:integrative review. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e51457. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.51457
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. Assim, com base nas distintas práticas profissionais do enfermeiro na APS, o enfoque da pesquisa foi compreendê-las e tentar entender suas peculiaridades na região Sul do país.

A PNAB atribui ao enfermeiro, na especificação de seu processo de trabalho, ações de55. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017: a) atenção à saúde aos indivíduos e famílias em todas as fases do ciclo de vida; b) procedimentos; c) atividades em grupo; d) consultas do enfermeiro, exames complementares, prescrição de medicações, observadas as disposições legais da profissão e protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, gestores estaduais, municipais e encaminhar, se necessário, os usuários a outros serviços; e) atividades programadas e atenção à demanda espontânea; f) responsabilização pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS); g) atividades de educação permanente; e h) participar do gerenciamento dos insumos da Unidade Básica de Saúde (UBS).

Em países com sistemas universais similares ao brasileiro, como Portugal, Espanha, Reino Unido e Canadá, as práticas profissionais do enfermeiro na APS são bastante similares aquelas desempenhadas por estes profissionais em nosso país. Entretanto, difere na adoção de práticas avançadas, presentes nos cenários mencionados, nos quais o enfermeiro detém maior autonomia para o cuidado clínico99. Lafuente-Robles N, Fernández-Salazar S, Rodríguez-Gómez S, Casado-Mora MI, Morales-Asencio JM, Ramos-Morcillo AJ. Competential development of nurses in the public health system of Andalucía. Enferm Clin. 2019;29(2):83-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.enfcle.2018.12.004
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-1111. Toso BRGO, Fungueto L, Maraschin MS, Tonini NS. Atuação do enfermeiro em distintos modelos de Atenção Primária à Saúde no Brasil. Saúde Debate. 2021;45(130):666-80. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104202113008
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O trabalho do enfermeiro tem se articulado na dimensão assistencial e gerencial, englobando diversas atividades de gestão dos sistemas e gerenciamento da unidade e da equipe, administração da assistência e monitoramento do cuidado, bem como a promoção, manutenção e recuperação da saúde dos usuários66. Pires RCC, Lucena AD, Mantesso JBO. Atuação do enfermeiro na atenção primária à saúde (APS): uma revisão integrativa da literatura. Rev Recien. 2022;12(37):107-14. doi: https://doi.org/10.24276/rrecien2022.12.37.107-114
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,77. Mattos JCO, Balsanelli AP. A liderança do enfermeiro na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Enferm Foco. 2019;10(4):164-71. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n4.2618
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Considerando o rol de atribuições apresentado, este estudo tem o seguinte problema de pesquisa: Quais são as práticas desenvolvidas pelos enfermeiros que atuam na atenção primária à saúde da região sul do Brasil? Dentre as atividades desempenhadas pelo enfermeiro, quais se destacam? Para responder a essas questões, o objetivo do estudo foi compreender as práticas desenvolvidas pelo enfermeiro na atenção primária à saúde, na região Sul do Brasil.

MÉTODO

Tipo de estudo

Este é um estudo qualitativo, que integra o projeto matricial intitulado “Práticas de Enfermagem no contexto da Atenção Primária à Saúde”, multicêntrico, de nível nacional, coordenado por um grupo de pesquisadores do Núcleo de Estudos de Saúde Pública (NESP) da Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e universidades públicas de todos os estados brasileiros.

Os autores seguiram o guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Em cada estado o estudo foi coordenado por um pesquisador doutor, vinculado a uma instituição de ensino superior pública federal e/ou estadual e que contou com uma coordenação da região sul, cuja equipe de pesquisa foi composta de bolsistas de graduação e pós-graduação em enfermagem, todas do sexo feminino. Todos os envolvidos foram capacitados para as entrevistas, por meio de oficinas remotas e realizada simulação de entrevista entre os coletadores. Foi elaborado e disponibilizado aos coletadores um manual de pesquisa de campo e igualmente foram capacitados e receberam manual de transcrições das entrevistas. O relacionamento com os participantes foi estabelecido por contato telefônico prévio às entrevistas, com explicação da pesquisa e agendamento da coleta de dados online. Os participantes não tinham conhecimento prévio dos entrevistadores. Foram apresentados por ocasião do convite para participar da pesquisa.

Local do estudo

Os cenários do estudo foram escolhidos aleatoriamente em programa de randomização, incluindo os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), desenvolvidos tanto no modelo tradicional de Unidade Básica de Saúde (UBS) quanto de Equipes de Saúde da Família (ESF), classificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como urbano, intermediário adjacente e remoto, rural adjacente e remoto, de pequeno, médio e grande porte, nos 27 estados da federação. Fizeram parte desse recorte do estudo, os três estados da região Sul do Brasil, com 24 municípios.

Participantes do estudo e critérios de inclusão/exclusão

Dentre todos os participantes, nos estados do sul, o integraram 174 enfermeiros que atuavam na APS, sendo 74 no Paraná (PR), 59 no Rio Grande do Sul (RS) e 41 em Santa Catarina (SC), oriundos de 24 distintos municípios.

Os critérios de inclusão foram: todos os enfermeiros que desenvolvessem práticas de assistência ou gerenciamento na APS, seja no modelo tradicional, seja nas equipes de saúde da família, com no mínimo 3 anos de atuação na APS. Os critérios de exclusão foram: enfermeiros preceptores, consultores, entre outros que não tivessem vínculo de trabalho formal com o serviço de saúde, e enfermeiros ausentes por motivo de férias ou licença de qualquer natureza, durante o período de coleta de dados.

O recrutamento dos participantes ocorreu da seguinte forma: 1) obtenção do número de enfermeiros por município no Cadastro Nacional de Serviços de Saúde (CNES); 2) inserção em programa de randomização para selecionar aleatoriamente os enfermeiros em serviços atuantes na APS de acordo com a tipologia dos municípios; 3) envio de convite para a Secretaria da Saúde, com auxílio dos apoiadores dos conselhos de Secretários Estaduais e Municipais de Saúde (COSEMS e CONASEMS), a qual foi responsável por enviar aos enfermeiros da APS, para que os pesquisadores entrassem em contato com os profissionais para agendar entrevista; 4) utilização da bola de neve, para indicação de mais um colega; 5) abordagem pelo contato de WhatsApp fornecido pelo enfermeiro e/ou telefone 5)marcação de entrevista on-line; 6) na ausência do entrevistando , eram realizadas mais duas chamadas, para marcar a entrevista, se houvesse ausência passava-se para o próximo participante.

Como a coleta de dados ocorreu durante o período de pandemia da COVID-19, de outubro de 2020 a março de 2022, 22,8% dos enfermeiros com potencial para participar das entrevistas não aceitaram integrar o estudo (28 enfermeiros no PR, 09 no RS e 05 em SC). Muitos até agendavam a entrevista online, mas depois não compareciam no dia e horário marcado para acessar o link enviado.

Coleta de dados

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas de áudio-vídeo, realizadas de forma online por ferramentas que possibilitaram que as entrevistas ocorressem de forma síncrona e que fossem gravadas para posteriormente serem realizadas suas transcrições. O dia e horário para que ocorresse foi agendado previamente, de acordo com a escolha do participante, tanto em seu horário e local de trabalho quanto fora dele. As plataformas de entrevista estavam vinculadas as licenças das universidades a que pertenciam os pesquisadores coordenadores da pesquisa em cada estado da região Sul (Google Meet, Cisco Webex e Microsoft Teams). A qualidade da conexão de internet impactou na produção desses dados, muitas vezes precisando ser interrompidas e retomadas as entrevistas.

Foram feitas perguntas aos enfermeiros com base em um roteiro pré-estruturado, testado em estudo piloto, com respostas abertas, incluindo as questões: como é o seu dia a dia de trabalho e suas principais atividades; o que você encontra como facilidades e dificuldades no seu trabalho como enfermeira (o); em suas atividades, em qual área você identifica ter autonomia como profissional; você faz atendimento coletivo a grupos da população na unidade de saúde; que tipo de ação (es) você desenvolve; quais necessidades de saúde mais tomam a sua atenção.

As entrevistas tiveram duração média de uma hora. Embora tenha havido a saturação dos dados, as entrevistas tentaram abarcar a população dos enfermeiros de um mesmo município, não sendo utilizado esse critério para encerrar a coleta de dados. A devolução das transcrições foi oferecida a todos os participantes para comentários ou correção, entretanto, menos de 10% destes aceitaram revisá-las, os demais assentiram com seu uso a partir da transcrição.

Análise de dados

A análise de dados foi do tipo temático indutiva que é um método que visa identificar, analisar, interpretar e relatar padrões a partir dos dados qualitativos, de forma que possa organizar e descrever os ricos detalhes dos dados e tem a escrita como parte integradora do processo1212. Souza LK. Pesquisa com análise qualitativa de dados: conhecendo a Análise Temática. Arq Bras Psicol. 2019;71(2):51-67. doi: https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i2p.51-67
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. Os dados foram agrupados primeiro por tipo de resposta, para a leitura inicial. Em seguida, foram marcadas com cores diferentes as respostas convergentes e divergentes e criadas as primeiras unidades de sentido. Em arquivo Word separado, as respostas marcadas com cores diferentes foram agrupadas por categoria de análise, dando origem as unidades temáticas para análise, dentre as quais, se apresenta a unidade denominada Práticas do enfermeiro na APS.

A codificação dos dados foi realizada por aproximadamente 30 pessoas, incluindo a coordenação da pesquisa e os coordenadores dos 27 estados participantes. Foi realizada com auxílio analítico do software NVIVO. Os coordenadores receberam treinamento para uso do software previamente ao processo de codificação dos dados. A árvore de codificação foi elaborada a partir dos dados.

Questões éticas

O projeto foi submetido ao comitê de ética da Universidade de Brasília e emendas foram acrescidas para os estados, tendo sido aprovado pelo CEP sob parecer número: 4.263.831 e CAAE: 20814619.2.0000.0030. Todas as recomendações éticas da resolução CNS 466/2012, 510/2016 e complementares foram seguidas.

Os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido e autorização do uso de imagem, uma vez que as entrevistas foram online e gravadas em formato de vídeo. Todos foram anonimizados e siglas foram adotadas para sua caracterização, por exemplo: ENF155-PR, sendo ENF para enfermeiro, o número de ordem de sua entrevista e a abreviação do estado em que trabalha.

RESULTADOS

A caracterização dos participantes do estudo, quanto aos dados sociais e profissionais, encontra-se na Tabela 1.

Tabela 1 -
Caracterização dos participantes quanto as variáveis sociodemográficas, de formação profissional e relativas ao trabalho. Região Sul do Brasil, 2022

Nos três estados da região Sul foram entrevistados enfermeiros das capitais e de municípios de acordo com a tipologia estabelecida, sendo a maioria do Paraná (42,53%) e urbanos (44,83%). Predominaram enfermeiros do gênero feminino (93,68%), com idade média de 39 anos (DP 7,72), de cor autodeclarada branca (82,76%), casados (57,47%), residindo na mesma moradia com três pessoas (32,18%), e o salário do profissional que sobressaiu de forma similar foi de três a seis mil reais, aproximadamente 20% em cada um dos extratos.

Em relação aos dados profissionais, a maioria obteve sua formação em escola privada (58,62%), em média a 14 anos (DP 6,63) e possuem especialização na área de atuação (57,47%). A maior parte dos entrevistados trabalha em unidades urbanas (75,86%), no modelo ESF (48,28%), tem em média 10 anos (DP 5,48) de experiência na APS e trabalha de um a dois anos na unidade em que está (34,64%), moram em sua maioria no mesmo município em que trabalham (82,18%) e seu vínculo com o município foi por concurso público (53,18%).

A categoria Práticas do Enfermeiro na APS está expressa na coordenação do cuidado pelo enfermeiro e engloba subcategorias que se destacaram nas entrevistas, conforme Figura 1.

Figura 1 -
Categorias e subcategorias da coordenação do cuidado nas práticas de trabalho do enfermeiro na APS. Região Sul do Brasil, 2021

Os resultados estão apresentados na matriz temática, com a subcategoria, enunciado e exemplos de depoimentos representativos do conjunto amostral, no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1 -
Depoimentos dos enfermeiros de acordo com cada subcategoria. Região Sul do Brasil, 2021

DISCUSSÃO

As práticas relatadas pelos enfermeiros desse estudo incluem tarefas amplas de cuidado, seja por meio da consulta do Enfermeiro, seja nas atividades de cuidado e visitas domiciliares, inclui todos os grupos etários e compreende o gerenciamento das equipes e/ou unidade de saúde, sendo que foram similares nos três estados do Sul do país.

O perfil dos profissionais entrevistados nesse estudo se assemelha ao encontrado na pesquisa Cofen (2017), em todas as variáveis analisadas. A enfermagem é predominantemente feminina (85,1%), com idade entre 36 - 50 anos (40%), a maioria casadas/união estável (48,7%) e residem onde trabalham1313. Machado MH (coordenadora). Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final: Brasil. Rio de Janeiro: NERHUS-DAPS-ENSP/Fiocruz; 2017.. Formaram-se em instituições privadas de ensino superior (57,4%), há 10 anos ou menos (63,7%) e têm especialização (72,8%). Atuam entre 2-10 anos (42,4%) e 11-30 anos (38,5%), em somente uma atividade profissional (58%), com jornadas de 31-40 horas semanais (35,4%) e entre 41-60 horas (28,6%). Na atenção primária foi encontrado o segundo maior número (20,1%) e 37% tinham rendimentos inferiores a 3.000 reais1313. Machado MH (coordenadora). Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final: Brasil. Rio de Janeiro: NERHUS-DAPS-ENSP/Fiocruz; 2017.. Em nosso estudo, de forma distinta, o rendimento mais expressivo foi entre três e seis mil reais mensais (55,23%), com algumas exceções.

Com base nos relatos das atribuições dos enfermeiros e observando o descrito na PNAB para o processo de trabalho desse profissional, percebe-se suas vastas atribuições, as quais incluem ações que abrangem tanto práticas assistenciais, mencionadas no desempenho de ações para os programas e grupos nos depoimentos, quanto gerenciais da unidade de saúde. De forma similar, estudo sobre as práticas desenvolvidas pelos enfermeiros na AB, concluiu que este é um profissional que faz um trabalho dicotômico, ou seja, ao mesmo tempo em que coordena as atividades da unidade, também presta assistência à saúde, desenvolvendo os programas estabelecidos, garantido e respaldado em leis e diretrizes, tanto de seu conselho profissional quanto dos serviços de saúde1414. Almeida MC, Lopes MBL. Atuação do enfermeiro na atenção básica de saúde. Rev Saúde Dom Alberto. 2019 [cited 2022 Jun 10];4(1):169-86. Available from: Available from: https://revista.domalberto.edu.br/revistadesaudedomalberto/article/view/145
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Os autores também mencionaram que, dentre todas as atividades desempenhadas pelos enfermeiros, a que se destaca é a consulta de enfermagem, para todos os grupos prioritários e faixas etárias, sendo assim a prática mais realizada na sua rotina. Dados que corroboram com os trechos citados pelos enfermeiros entrevistados dessa pesquisa, os quais realizam atividades assistenciais e gerenciais, não deixando de atuar na consulta de enfermagem. As atribuições desenvolvidas, as consultas realizadas, estão alinhadas ao cuidado de primeiro contato, oportunizando o acesso universal e as relações de cuidar com base na determinação social do processo saúde e doença1414. Almeida MC, Lopes MBL. Atuação do enfermeiro na atenção básica de saúde. Rev Saúde Dom Alberto. 2019 [cited 2022 Jun 10];4(1):169-86. Available from: Available from: https://revista.domalberto.edu.br/revistadesaudedomalberto/article/view/145
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A prática do enfermeiro em sistemas universais com atenção primária abrangente, como é o caso do Brasil, tem o enfermeiro como profissional chave para ampliação da prática clínica, melhoria do acesso e resolutividade do cuidado. Em países cuja função de prática avançada é estabelecida, com clínica ampliada do enfermeiro, este profissional é considerado essencial na APS1515. Laurant M, van der Biezen M, Wijers N, Watananirun K, Kontopantelis E, van Vught AJ. Nurses as substitutes for doctors in primary care. Cochrane Database Syst Rev. 2018;7(7):CD0012171. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD001271.pub3
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O trabalho compartilhado na APS entre médicos e enfermeiros é possível e desejável, pois possibilita a ampliação da clínica, com mudança do enfoque médico-centrado para usuário-centrado, com divisão do cuidado entre os membros da equipe, acolhimento e escuta, melhorando a resolutividade e ampliando o acesso aos serviços1616. Heumann M, Röhnsch G, Zabaleta-del-Olmo E, Toso BRGO, Hämel K. Barriers to and enablers of the promotion of patient and family participation in primary health care nursing in Brazil, Germany and Spain: a qualitative study. Health Expect. 2023;26(6):2396-408 doi: https://doi.org/10.1111/hex.13843
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Ainda sobre as atribuições e práticas dos enfermeiros na gestão do cuidado, autores elencaram que compete ao enfermeiro na AB à promoção de saúde de todos os usuários cadastrados na unidade em questão, seja fazendo esse cuidado na unidade de saúde ou no ambiente domiciliar, por meio das visitas domiciliares e/ou nos espaços comunitários, em todas as fases do desenvolvimento humano, auxiliar em procedimentos, prescrição de medicamentos conforme protocolos, encaminhamentos, realizar a educação continuada e permanente para os grupos de trabalho, planejar, gerenciar e avaliar junto à equipe de saúde as atividades realizadas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), e a consulta de enfermagem propriamente dita1717. Sanchez MCO, Santos CL, Xavier ML, Chrizostimo MM, Braga ALS, Nassar PRB. Planning process performed by nurses: primary health care. J Nurs UFPE online. 2019;13(5):1437-43. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i05a238015p1437-1443-2019
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,1818. Soder RM, Santos LE, Oliveira IC, Silva LAA, Peiter CC, Santos JLG. Práticas de enfermeiros na gestão do cuidado na atenção básica. Rev Cubana Enfermer. 2020 [cited 2022 Sep 10];36(1):e2815. Available from: Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/enf/v36n1/1561-2961-enf-36-01-e2815.pdf
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, tal qual mencionado pelos participantes de nosso estudo.

Além destas atribuições próprias do profissional, o enfermeiro coordenador de uma unidade de saúde, é responsável pela liderança da equipe, delegando funções e supervisionando, por realizar o manejo de recursos físicos para o bom funcionamento da unidade e organização dos diferentes procedimentos que os usuários necessitam. Por ter um bom manejo em relação a equipe de saúde, para resolução de problemas e conflitos, o enfermeiro acaba se tornando o gerente da unidade de saúde. Funções essas que coincidem com os relatos dos enfermeiros entrevistados, que afirmaram realizar dupla função e não deixar de lado as atribuições próprias do profissional1717. Sanchez MCO, Santos CL, Xavier ML, Chrizostimo MM, Braga ALS, Nassar PRB. Planning process performed by nurses: primary health care. J Nurs UFPE online. 2019;13(5):1437-43. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i05a238015p1437-1443-2019
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,1818. Soder RM, Santos LE, Oliveira IC, Silva LAA, Peiter CC, Santos JLG. Práticas de enfermeiros na gestão do cuidado na atenção básica. Rev Cubana Enfermer. 2020 [cited 2022 Sep 10];36(1):e2815. Available from: Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/enf/v36n1/1561-2961-enf-36-01-e2815.pdf
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Nos depoimentos dos enfermeiros deste estudo, estes relataram que, apesar de desempenharem suas próprias atividades, muitas vezes acabam exercendo funções que não lhes competem, e isso acontece principalmente por falta de funcionários e/ou por funcionários que não cumprem com suas atribuições, somados ao excesso de demandas administrativas e gerenciais da unidade. Os enfermeiros relataram a dispensação de medicamentos, em substituição ao funcionário administrativo da função, trabalho da técnica de enfermagem, por não existir este profissional na unidade em todos os seus horários de funcionamento, organização da agenda médica, e até mesmo atuação como motorista da unidade.

Em estudo que analisou os pontos positivos e negativos das cargas de trabalhos dos enfermeiros em cinco estados brasileiros, constatou-se que na maioria das situações analisadas os enfermeiros deixam de realizar suas atribuições, para cumprir com o excesso de demandas da unidade de saúde e da comunidade (atividades extramuro) e que os fatores que contribuíram para isso foram a falta de recursos materiais, físicos e humanos. Foi dado ênfase ao adoecimento dos enfermeiros associados aos excessos das cargas de trabalho, isso porque os profissionais relataram ter um grande sentimento de autocobrança, uma vez que se tornam responsáveis pelo bom andamento da unidade de saúde e quando não conseguem cumprir com suas tarefas, vem o sentimento de frustração1919. Biff D, Pires DEP, Forte ECN, Trindade LL, Machado RR, Amadigi FR, et al. Cargas de trabalho de enfermeiros: luzes e sombras na Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet. 2019;25(1):147-58. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.28622019
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O enfermeiro, portanto, é visto como o gerente ou líder da unidade de saúde tanto pela visão dos usuários quanto da equipe, mesmo que isso não seja sua responsabilidade, o que acaba afetando o desempenho para cumprir com suas próprias atribuições. Em investigação realizada sobre a atuação do enfermeiro na AB, os autores destacam que, ao se comprometer com múltiplas atribuições, o enfermeiro fica com excesso de trabalho, o que, por conseguinte, reforça a ideia de um profissional permanentemente ocupado, dificultando estar disponível ao diálogo e o afastando da equipe e da comunidade2020. Draeger VM, Andrade SR, Meirelles BHS, Cechinel-Peiter C. Practices of nurses in monitoring chronic non-communicable diseases in Primary Health Care. Esc Anna Nery. 2022;26:e20210353. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0353pt
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Ainda, no estudo mencionado, os enfermeiros têm a percepção de ser um profissional faz-tudo, assumindo por exemplo, a manutenção de insumos básicos para a unidade, como a compra de gás, solução de problemas de energia elétrica, realização de atividades distintas que geram um desgaste emocional e acabam perdendo a sua própria identidade profissional por assumir um leque de atribuições que vão além de sua função. Por fim, advém o sentimento de distância da essência da profissão, já que, ao assumir atribuições de outros profissionais, tem a sensação de pertencer a outras categorias que não à enfermagem2020. Draeger VM, Andrade SR, Meirelles BHS, Cechinel-Peiter C. Practices of nurses in monitoring chronic non-communicable diseases in Primary Health Care. Esc Anna Nery. 2022;26:e20210353. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0353pt
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Nos depoimentos os enfermeiros relataram não conseguir cumprir com tudo que se espera deles, pelo fato de adotar o papel de coordenador da equipe, como já citado anteriormente, assumindo outras funções e consequentemente abdicando de suas próprias, o que se tornou uma característica desse profissional. Em revisão integrativa77. Mattos JCO, Balsanelli AP. A liderança do enfermeiro na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Enferm Foco. 2019;10(4):164-71. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n4.2618
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, concluiu-se que o enfermeiro tem a característica intrínseca de ser o líder e que a sua equipe, quando o vê dessa forma, tem bons resultados, uma vez que na liderança é capaz de ter um bom relacionamento interpessoal e uma tomada de decisão qualificada.

A atual PNAB insere o gerente na Equipe de Saúde da Família e, entre os profissionais que atuam nesse nível de atenção, os enfermeiros, em sua prática cotidiana, costumam assumir as funções de gerência. Estudo que analisou as competências necessárias ao gerente de APS revelou que os enfermeiros referem desconforto e inquietação perante a dupla missão, uma vez que ao assumir a administração da unidade, o tempo dedicado aos processos de trabalho e ao cuidado reduz-se consideravelmente, o que acaba muitas vezes por impedir a assistência integral ao usuário. Externam ainda não se sentirem verdadeiramente preparados para transitar entre as dimensões do cuidado, gerência e educação exigidas pelo trabalho na saúde, grifando a necessidade da continuidade do processo de formação2121. Fernandes JC, Cordeiro BC, Rezende AC, Freitas DS. Necessary skills for the Family Health Units manager: a clipping of the nurse’s practice. Saúde Debate. 2019;43(spe6):22-35. doi: https://doi.org/10.1590/0103-11042019S602
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A APS, que já vinha enfrentando diversos obstáculos estruturais, físicos e organizacionais, em 2020, com a chegada da pandemia mundial de COVID-19, sofreu diversas mudanças na rotina de atendimento da população, em especial as adequações e novas exigências de biossegurança, o que afetou as práticas de cuidado nas unidades e para o enfermeiro. Nos relatos obtidos nessa pesquisa, foi possível entender as atividades que sofreram alterações, seja por falta de funcionários ou pelas orientações recebidas a nível municipal, por meio dos planos de contingência que visavam evitar a aglomeração de pessoas e suspender serviços que não estariam classificados como urgentes. A experiência de um munícipio brasileiro relatada em estudo destacou o papel da APS na pandemia, com base nos planos contingenciais ofertados pela gestão municipal local, incluindo: “identificar e gerenciar casos suspeitos e confirmados precocemente; prevenir a transmissão do vírus entre os trabalhadores da saúde e contatos; reforçar a vigilância do território; promover a disseminação da informação acerca das medidas de prevenção, envolvendo a comunidade; e manter os serviços essenciais à população"2222. Cirino FMSB, Aragão JB, Meyer G, Campos DS, Gryschek ALFPL, Nichiata LYI. Desafios da atenção primária no contexto da COVID-19: a experiência de Diadema, SP. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2021;16(43):2665. doi: https://doi.org/10.5712/rbmfc16(43)2665
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Os estudos também ressaltam a importância e a valorização da enfermagem e da APS, principalmente em contextos de surtos pandêmicos, pois a enfermagem se destaca na composição de força de trabalho na área de saúde no país, representando mais de 50% dos profissionais. Numa situação de crise sanitária emerge a necessidade de valorização da profissão, por meio da qualificação e desenvolvimento da categoria Enfermagem, alinhada aos princípios e diretrizes do SUS2323. Geremia DS, Vendrusculo C, Celuppi IC, Souza JB, Schopf K, Maestri E. Pandemia COVID-2019: formação e atuação da enfermagem para o Sistema Único de Saúde. Enferm Foco. 2020;11(esp):40-7. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3956
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Estudo realizado com enfermeiros australianos2424. Halcomb E,Williams A, Ashley C, McInnes S, Stephen C, Calma K, James S. The support needs of Australian primary health care nurses during the COVID-19 pandemic. J Nurs Manag. 2020;28(7):1553-60. doi: https://doi-org.ez45.periodicos.capes.gov.br/10.1111/jonm.13108
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refere que durante a pandemia de COVID-19 os enfermeiros não se sentiam valorizados ou reconhecidos pelo seu papel. Eles buscavam reconhecimento do papel do enfermeiro como educador e como essencial na gestão de usuários com doenças crônicas durante a pandemia. Nesse sentido, destaca-se o papel das organizações profissionais de enfermagem que precisam assumir uma postura ativa na defesa da profissão e garantirem que a voz dos enfermeiros seja valorizada na esfera da atenção primária à saúde e das políticas de saúde2424. Halcomb E,Williams A, Ashley C, McInnes S, Stephen C, Calma K, James S. The support needs of Australian primary health care nurses during the COVID-19 pandemic. J Nurs Manag. 2020;28(7):1553-60. doi: https://doi-org.ez45.periodicos.capes.gov.br/10.1111/jonm.13108
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Ademais, se reforça as funções de liderança da enfermagem e protagonismo no enfrentamento da pandemia, com destaque para a atuação profissional na APS, a qual, além de porta de entrada ao sistema de saúde, é a protagonista da coordenação do cuidado, tendo relevância também em outras epidemias como: dengue; febre amarela; Zika, Chikungunya entre outras2525. Brito LL, Simonvil S, Giotto AC. Autonomia do profissional de enfermagem diante da covid-19: revisão integrativa. Rev Inic Cient Ext. 2020 [cited 2022 Sep 10];3(2):420-37. Available from https://revistasfacesa.senaaires.com.br/index.php/iniciacao-cientifica/article/view/300
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, destacando-se no vínculo com o usuário e comunidade, no conhecimento do território de abrangência, facilitando a notificação, orientação e encaminhamentos de novos casos de pacientes sintomáticos.

As ações de visita domiciliar, vigilância em saúde e específicas do cuidado aos distintos grupos, foram relatadas por todos os enfermeiros como parte de suas atividades de trabalho. Estudo que analisou o trabalho do enfermeiro na APS demonstrou achados similares. O conjunto das atividades atribuídas ao enfermeiro da APS é amplo, sendo esse profissional responsável por ações gerenciais e assistenciais, independente do modelo de atenção. Houve ausência de ações a grupos prioritários e de promoção de saúde. O enfermeiro enfrenta dificuldades em atuar como profissional integrante das equipes e em otimizar seu tempo entre tarefas organizativas e de cuidado aos indivíduos e populações1111. Toso BRGO, Fungueto L, Maraschin MS, Tonini NS. Atuação do enfermeiro em distintos modelos de Atenção Primária à Saúde no Brasil. Saúde Debate. 2021;45(130):666-80. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104202113008
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Considerando a diversidade de ações realizadas pelos enfermeiros nas unidades básicas de saúde destacadas nesse estudo, compreendeu-se que esses profissionais realizam seus afazeres de acordo com as atribuições definidas na PNAB, contribuindo para a qualidade dos serviços ofertados na APS. Ressalta-se que o enfermeiro é um profissional indispensável nesse ponto de atenção da RAS e que merece reconhecimento e valorização pelo seu desempenho na profissão e no setor saúde. Espera-se que os resultados obtidos possam favorecer a visibilidade e a valorização do enfermeiro.

Como limitação do estudo deve-se mencionar a forma de coleta de dados por meio de entrevistas online, única opção no momento da obtenção dos dados dessa pesquisa, em função da pandemia de COVID-19, pois os participantes podem ter ficado inibidos em suas respostas em função da técnica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se que os enfermeiros que atuam na APS enfrentam dificuldades em desenvolver suas práticas clínicas em vistas ao excesso de responsabilidades assistenciais e gerenciais com a UBS, com a equipe e com os usuários. A falta de equilíbrio entre as atividades comuns à equipe, especialmente no âmbito da gerência, dificulta o desenvolvimento de práticas clínicas do enfermeiro.

Quanto as práticas, cabe destacar que a coordenação de ações nas linhas de cuidado estabelecidas pelo MS esteve presente, a realização de consultas do enfermeiro, as visitas domiciliares, ações de prevenção e promoção da saúde foram as atividades de maior destaque e reconhecidas pelos profissionais. A coordenação de unidades, das equipes, gerência de recursos humanos, insumos e equipamentos fez-se presente, com acúmulo de funções, gerando sobrecarga.

A práticas dos enfermeiros na APS nos três estados da região Sul do Brasil apresentam homogeneidade no cotidiano de trabalho. Contudo, divergências foram identificadas quanto aos aspectos relacionados à autonomia e uso de protocolos, a depender da tipologia dos municípios. Observa-se que os enfermeiros que atuam em municípios menores e mais afastados dos centros urbanos, tem maior restrição em suas práticas. Além disso, foram identificadas importantes disparidades salariais para o desenvolvimento das mesmas atribuições, conforme define a PNAB.

Para além desse cotidiano de trabalho na APS, faz-se importante contextualizar que, no estudo em tela, muitos dos enfermeiros foram desafiados a conduzir suas equipes de saúde em um momento pandêmico. Isso certamente exigiu uma prática gerencial sustentada em visão ampliada de saúde e necessidade de priorização adequada dos problemas e necessidades da comunidade.

Em síntese, como estratégia para melhorar o acesso, a qualidade da atenção à saúde e o desempenho das práticas dos enfermeiros, sugere-se a reorganização de responsabilidades gerais da unidade, entre todos os membros da equipe, bem como a jornada de trabalho igualitária e isonomia salarial. O enfermeiro na APS apresenta práticas consolidadas e eficazes na oferta de cuidados primários de saúde, com potencial de mudança de hábitos e estilos de vida. Sua prática clínica está em conformidade com os princípios da declaração de Alma Ata e na política de APS estruturada no Brasil.

Agradecimentos:

Ao Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), ao Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília (NESP/UnB) por financiar, desenhar e realizar esta pesquisa. As universidades parceiras na realização da pesquisa na região Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal da Fronteira Sul e Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2023
  • Aceito
    19 Jan 2024
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