Acessibilidade / Reportar erro

UMA REVOLUÇÃO DE HOMBRES JÓVENES: AS REVOLUCIONÁRIAS BRASILEIRAS NO TREINAMENTO GUERRILHEIRO EM CUBA (1968-1971)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referidas. Apoio financeiro: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Número do processo: E-26/202.305/2022.

A REVOLUTION OF HOMBRES JÓVENES: BRAZILIAN REVOLUTIONARY WOMEN IN GUERRILLA TRAINING IN CUBA (1964-1971)

Resumo

Animado pela efeméride dos 70 anos do assalto ao quartel Moncada, início do processo revolucionário cubano, este artigo tem por objetivo analisar a relação entre as mulheres brasileiras que se empenhavam na luta armada contra a ditadura civil-militar e o treinamento guerrilheiro realizado em Cuba. Através da subjetividade da mulher militante, busca-se preencher uma lacuna historiográfica sobre as relações entre Cuba – e seu modelo revolucionário – e as organizações revolucionárias brasileiras. Embora de forma minoritária, as mulheres marcaram presença nos grupos brasileiros que realizaram treinamento na ilha a partir de 1964. Nele, sentiam as pressões e “mal-estares sem nome” diante de um modelo revolucionário e, especialmente, de um modelo militante pautado em uma perspectiva androcêntrica. Objetiva-se, portanto, lançar luz às clivagens de gênero e dificuldades impostas às revolucionárias brasileiras no contexto de predominância do foquismo cubano como estratégia revolucionária.

Palavras-chave
luta armada; guerrilha; mulheres; comunismo; subjetividade

Abstract

Encouraged by the 70th anniversary of the assault on the Moncada headquarter, the beginning of the Cuban revolutionary process, this article aims to analyze the relationship between Brazilian women who engaged in the armed struggle against the civil-military dictatorship and the guerrilla training carried out in Cuba. Through the subjectivity of the militant woman, it seeks to fill a historiographical gap on the relations between Cuba – and its revolutionary model – and the Brazilian revolutionary organizations. Although in a minority, women were present in the Brazilian groups that carried out training on the island from 1964 onwards. In it, they felt the pressures and “unnamed malaise” in the face of a revolutionary model and, especially, a militant model based on a androcentric perspective. The aim is, therefore, to shed light on gender cleavages and difficulties imposed on Brazilian revolutionary women in the context of the predominance of Cuban foquism as a revolutionary strategy.

Keywords
armed struggle; guerrilla; women; communism; subjectivity

O triunfo da revolução liderada por Fidel Castro em janeiro de 1959, com a chegada dos guerrilheiros em Havana, balançou as Américas. Enveredando-se, pouco depois, pelo caminho do socialismo, a revolução cubana, no contexto da Guerra Fria, questionava a hegemonia e o poderio norte-americano em seu próprio continente. Mais. Imersa no contexto de revoluções e/ou guerras de libertação nacional, como eram os casos da revolução chinesa, da libertação argelina e da guerra no Vietnã, a Cuba revolucionária parecia integrar as Américas em um movimento de revolução mundial pela periferia. Assim, se, para os movimentos e as organizações de esquerda, passou-se, a partir da revolução bolchevique de outubro de 1917, a partilhar a ideia de que o mundo caminhava rumo ao socialismo, a revolução cubana era uma das confirmações do prognóstico. O socialismo, depois de passar pela Ásia e África, chegava às Américas.3 3 Como se sabe, a revolução cubana não foi, imediatamente, de caráter socialista. A construção de um regime, efetivamente, socialista em Cuba acontece alguns anos depois, a partir de meados de 1961. Para mais detalhes a respeito da transição cubana ao socialismo, cf. MONIZ BANDEIRA, 2009 [1998].

Nesse cenário, Cuba, amalgamando o ímpeto da libertação nacional dos países terceiro-mundistas ao desenvolvimento do socialismo, passou a contribuir para a consolidação de uma organização supranacional, a fim de fomentar movimentos revolucionários ao redor do globo. Esforço nesse sentido foi a realização, em janeiro de 1966, da conferência Tricontinental em Havana. Ali, foi criada a Organização de Solidariedade entre os Povos da Ásia, África e América Latina (OSPAAL). Sob o impacto dessa conjuntura, Che Guevara, na Mensagem aos povos do mundo através da Tricontinental, lançava a palavra de ordem que ganharia os rincões do mundo, criar “dois, três, muitos Vietnãs” (GUEVARA, 2004GUEVARA, Ernesto “Che”. Obras escogidas. Santiago: Resma, 2004. [1967], p. 425).

Para além da união entre os três continentes, criava-se uma organização específica para as Américas: a Organização Latino-Americana de Solidariedade. OLAS era sua sigla. Nada mais sugestivo. O movimento inaugurado por Cuba parecia ser, efetivamente, uma onda, que arrastaria os países latino-americanos na mesma direção.

Diante dessas organizações criadas, Cuba tornava-se protagonista no apoio, prático e teórico, a grupos revolucionários em outros países. Além de auxiliar, financeiramente, movimentos guerrilheiros, passou a oferecer, na década de 60, treinamento de guerrilha na ilha. De forma concomitante, difundia um arcabouço tático-estratégico para impulsionar as organizações políticas latino-americanas. O foquismo cubano, como ficou conhecido, era a teoria revolucionária forjada e extraída no e do processo revolucionário cubano, podendo ser reproduzida nos demais países do continente. (DEBRAY, 1967DEBRAY, Regis. Revolução na Revolução? São Paulo: Centro Ed. Latino Americano, s.d. [1967].; GUEVARA, 1987GUEVARA, Ernesto “Che”. Guerra de Guerrilhas. 10. ed. São Paulo: Edições Populares, 1987 [1960].)

Nesse contexto, uma transformação radical, em diversos âmbitos, parecia ser iminente na América Latina. Não apenas iminente, mas, para as organizações de esquerda, estava ao alcance das mãos e seria mediada, fundamentalmente, pela ação política. Ação política como ação revolucionária. Revolução como palavra-chave para compreensão do período, em seus mais distintos significados.

Em seu sentido político, tornava-se, na ampla maioria dos casos, sinônimo de luta armada. Assim como os guerrilheiros cubanos haviam, a partir da guerra de guerrilhas nas sierras, derrubado Fulgêncio Baptista e realizado a revolução, os revolucionário latino-americanos conseguiriam fazer o mesmo em seus respectivos países. Transformar a Cordilheira dos Andes na Sierra Maestra da América Latina, como dizia Fidel Castro, dava o tom do imaginário da época.

Com a revolução cubana, atualizava-se, portanto, a ideia de Nuestra América.4 4 O conceito de Nuestra América, enfatizando uma identidade comum aos povos hispano-americanos foi cunhado, pela primeira vez, por Jose Martí, um dos líderes do processo de independência cubano. A revolução cubana propõe uma recuperação dessa identidade comum, embora em novos termos. Para mais detalhes sobre a perspectiva originária, cf. MARTÍ, 1984. Produzia-se uma concepção específica de latino-americanismo. Ideia fortemente ancorada em condições sócio-históricas comuns – que suplantavam as idiossincrasias nacionais – buscando a unidade em direção à emancipação do continente e, especialmente, rumo ao socialismo. Assentavam-se as bases de uma “cultura política transnacional de cunho revolucionário” (MARCHESI, 2019MARCHESI, Aldo. Hacer la revolución. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Siglo XXI, 2019. E-book. ISBN 978-987-629-903-9., p. 17).

Assim, Cuba transformava-se, gradativamente, em um farol revolucionário para as organizações e os movimentos de esquerda, sobretudo latino-americanos. Realizar treinamento guerrilheiro na ilha, ou mesmo receber apoio dos cubanos, era algo de grande valia e visto como fator de grande importância. Parecia credenciar os revolucionários latino-americanos como aptos a realizar a revolução em seus respectivos países. Cuba, portanto, tomada por uma aura de vanguarda revolucionária latino-americana, entusiasmava os revolucionários situados abaixo do Rio Grande.

Como consequência da força gravitacional exercida por Cuba, muitos e variados estudos surgiram a respeito da relação entre a revolução cubana e as esquerdas brasileiras. Em especial, relacionados à miríade de organizações que surgiu no contexto pós-golpe de 1964, integrantes, em sua maioria, da luta armada contra a ditadura civil-militar e bastante influenciadas pelo impacto do processo revolucionário cubano.5 5 Notabilizam-se, dentre eles, GORENDER (2014 [1987]), AARÃO REIS (1990), RIDENTI (2010 [1993]), ROLLEMBERG (2001), BARÃO (2007 [2003]), SALES (2005), SALES, ARAÚJO, MENDES E SILVA (2019). Dentre eles, Denise Rollemberg (2001)ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001. propôs um estudo específico acerca do treinamento guerrilheiro oferecido pelos cubanos aos brasileiros a partir de 1964. Embora de grande importância, nenhum deles realçou as diferenças entre homens e mulheres da luta armada brasileira em sua relação com os cubanos e seu modelo revolucionário.6 6 Existem diversos estudos a respeito das relações de gênero nos grupos constituintes da esquerda armada brasileira. Inexiste, porém, algo específico sobre as mulheres brasileiras participantes desses grupos que realizaram treinamento guerrilheiro em Cuba. Para alguns exemplos dos estudos existentes, cf. RIDENTI, 1990; COLLING, 1997; PEDRO, VEIGA, WOLFF, 2011; RIBEIRO, 2018; WOLFF 2019.

Tributário da bibliografia precedente, este artigo busca preencher uma lacuna historiográfica ao realizar uma análise relacional entre o modelo de militante proposto pelo foquismo cubano e o treinamento guerrilheiro oferecido na ilha a partir das clivagens de gênero. Estamos cientes de que, conforme apontou Joana Pedro, as categorias de análise têm a sua própria historicidade, ou seja, transformam-se ao longo do tempo, pois são “(...) apropriadas por historiadoras e historiadores e instrumentalizadas pelos movimentos sociais” (PEDRO, 2011PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea. Topoi, Rio de Janeiro, v. 12, n. 22, p. 270-283, jan. 2011., p. 270).

Ressaltamos, porém, que o presente artigo acompanha a definição, já clássica, da historiadora norte-americana Joan Scott a respeito do conceito de gênero. Segundo a autora, gênero deve ser compreendido como uma grade análise, ou seja, como um “(...) meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre várias formas de interação humana” (SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995., p. 86). Nessa perspectiva, a pedra angular da definição do conceito está assentada sobre duas proposições: “(...) (1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (Ibid., p. 86). Em outras palavras, entende-se gênero “(...) como uma construção social, cultural e histórica, sempre relacional, e que define hierarquias e estratégias de poder, territórios e comportamentos, para homens e mulheres” (WOLFF, 2007WOLFF, Cristina Scheibe. Feminismo e configurações de gênero na guerrilha: perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985. Revista Brasileira de História, v. 27, n. 54, p. 19-38, dez. 2007., p. 21).

Assim, através da subjetividade militante ou, melhor, da subjetividade da mulher militante7 7 Como questionou Marco Aurélio Garcia: “É possível uma história da esquerda, sem uma história da militância política?” (GARCIA, 1997, p. 320). Nesse sentido, é importante não perder de vista que os militantes são “(...) pessoas concretas, homens e... mulheres, portadoras de valores éticos, de convicções políticas, de influências religiosas e refletem, no seu cotidiano, sua formação cultural, seus antecedentes familiares e um conjunto de ‘determinações’ que incidem na forma pela qual ‘aplicarão’ a ‘linha’ do partido na sociedade” (GARCIA, 1997, p. 322). Sendo assim, tributário das renovações da corrente bibliográfica fortemente enraizada na sociologia norte-americana e francesa, a sociologia do engajamento militante ou sociologia do militantisme, compreende-se, no presente artigo, a subjetividade militante como uma das consequências biográficas do engajamento. Como o militantismo oferece novas perspectivas de “(...) de agir, pensar, perceber – e perceber a si mesmo” (LECLERQ; PAGIS, 2001, p. 5). Em outras palavras, busca-se compreender como os indivíduos experienciam a atividade militante, recusando a ideia de que os militantes sejam “indivíduos abstratos que atuam mecanicamente em função de sua ‘consciência de classe’, ou das diretrizes que emanam do partido” (GARCIA, 1997, p. 322). Para mais detalhes sobre as renovações no seio da sociologia do engajamento militante, cf. SAWICKI; SIMÉANT, 2009. Existem, também, estudos recentes a respeito da subjetividade militante feminina nas organizações de esquerda armada latino-americanas. Para alguns dos exemplos, cf. OBERTI, 2015; ARÁNGUIZ, 2012. , objetiva-se lançar luz sobre as “zonas mudas” (PERROT, 2005PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005., p. 9) da relação entre cubanos e brasileiros na tentativa de realizar a revolução brasileira.

O foquismo cubano e o papel da mulher na guerrilha

Como um modelo revolucionário, o foquismo ganhou corpo a partir das reflexões a respeito do processo revolucionário, realizadas por Che Guevara e pelo filósofo francês Régis Debray. Em conjunto, partilhavam da perspectiva de que os cubanos haviam encontrado um conjunto de táticas e estratégias específicas para a conjuntura latino-americana, imperativas para o desenvolvimento de qualquer processo revolucionário que se desenrolasse nos países latinos.

Inaugurando as produções teóricas nesse sentido, o guerrilheiro argentino, ainda no calor da vitória, escreveu, em 1960, o célebre A guerra de guerrilhas. A partir da luta revolucionária cubana, desvelavam-se três contribuições fundamentais para que um povo pudesse “libertar-se de um governo que o oprime”: 1) As forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército. 2) Nem sempre há que se esperar que se deem todas as condições para a revolução; o foco insurrecional pode criá-las. 3) Na América subdesenvolvida, o terreno da luta armada deve ser, fundamentalmente, o campo (GUEVARA, 1987GUEVARA, Ernesto “Che”. Guerra de Guerrilhas. 10. ed. São Paulo: Edições Populares, 1987 [1960]. [1960], p. 13).

Na visão de Che, o foco insurrecional, ou guerrilheiro, de atuação no campo, tinha a função de acelerar as condições objetivas e subjetivas, conforme os jargões comunistas, necessárias para a realização da revolução. Assim, a experiência cubana revelava as lições necessárias para “el desarrollo de la lucha revolucionaria en América, y pueden aplicarse a cualquiera de los países de nuestro continente en los cuales se vaya a desarrollar una guerra de guerrillas” (GUEVARA, 1968GUEVARA, Ernesto “Che”. Obra revolucionaria. Organização Roberto Fernandez Retamar. 2. ed. México, DF: Era, 1968. [1963], p. 552).

Apesar da convergência com Che na visão geral a respeito da importância do foco guerrilheiro para as revoluções em Nuestra América, Debray distancia-se do guerrilheiro argentino em outros aspectos essenciais. Em seu ensaio Revolução na revolução? (1967), o filósofo francês realizou uma releitura do processo revolucionário cubano, superestimando as características militares e subestimando o apoio das massas e das cidades ao processo revolucionário. Na ótica de Debray, a revolução dependia, exclusivamente, do foco guerrilheiro:

É preciso ir do menor ao maior. (...) O menor é o foco guerrilheiro, núcleo do exército popular, e não é uma frente que cria esse núcleo, mas o núcleo ao desenvolver-se que permitirá criar uma frente nacional revolucionária. (...) É o motorzinho que coloca em marcha o ‘grande motor’, as massas, e precipita a formação de uma frente na ascensão das vitórias obtidas pelo motorzinho

(DEBRAY, s.d. [1967], p. 58).

Nesse sentido, a primazia estava na ação. Ação como sinônimo de luta armada, violenta, guerrilheira. Especialmente no campo. Sedimentava-se a visão de que a revolução, como afirmou Fidel Castro (RAMONET, 2016RAMONET, Ignacio. Fidel Castro: biografia a duas vozes. São Paulo: Boitempo, 2016.), havia começado do zero, de um punhado de homens, armados, nas montanhas cubanas (GORENDER, 2014GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Expressão Popular/Perseu Ábramo, 2014 [1987]. [1987]).

O foquismo, portanto, de modo geral, legitimava a predominância do fator militar sobre o fator político. Em outras palavras, priorizava o foco guerrilheiro em detrimento do partido político de vanguarda, aos moldes clássicos do comunismo desde as teorias de Lenin.8 8 Para mais detalhes a respeito do modelo de partido e, consequentemente, militante de Lenin, cf. LENIN, 1986 [1902]; JOHNSTONE, 1985.

Embora se apresentasse como uma revolução no modo de fazer revolução, como apontava o próprio título da obra de Debray, o foquismo inscrevia-se no seio da cultura política comunista. Assim, apesar das mudanças teórico-estratégicas que buscava apresentar, partilhava, também, de um “(...) conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas”, que “expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos direcionados para o futuro” (PATTO SÁ MOTTA, 2009PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In: PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo (org.). Culturas políticas na História: novos estudos. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 13-37., p. 21).

Dentre os diversos aspectos partilhados, um deles, fundamental para o presente artigo, diz respeito ao modelo militante. Mais especificamente ao caráter androcêntrico galvanizado à construção do ideal de militante comunista.9 9 Algumas autoras e autores se debruçaram a respeito do caráter androcêntrico da cultura política comunista. Por intermédio de análises iconográficas, o historiador inglês Eric Hobsbawm percebeu a “masculinização” das imagens conforme há uma mudança da perspectiva revolucionária “democrático-plebeia” à “socialista proletária”, no final do século XIX e início do século XX. Em outro contexto, Florence Joshua incorporou a análise de Hobsbawm para discutir o questionamento, no seio das organizações de esquerda, do modelo militante inaugurado por Lenin. Analisando as contribuições do movimento feminista, negro e homossexual aos partidos e às organizações de esquerda na França, a autora apontou para a percepção do caráter androcêntrico do modelo de militante proposto pela cultura política comunista. Cf. HOBSBAWM, 1978; JOSHUA, 2015. O foquismo, ao criar um novo modelo de militante, apesar de ancorado nas características tradicionais inauguradas por Lenin, aprofundava a relação entre os atributos codificados socialmente como masculinos e as qualidades ideais e imprescindíveis a todo e qualquer revolucionário. Nessa perspectiva, as sistematizações teóricas de Che e Debray aprofundavam a subestimação e a subalternização das mulheres revolucionárias.

Em A guerra de guerrilhas, Che separou um tópico específico para discutir “o papel da mulher” nos movimentos guerrilheiros. De início, dizia que as mulheres são de “extrema importância”. Reconhecendo a “subestimação para com elas, que chega a se transformar em uma verdadeira discriminação”, apontava que a mulher “pode trabalhar o mesmo que o homem” (GUEVARA, 1987GUEVARA, Ernesto “Che”. Guerra de Guerrilhas. 10. ed. São Paulo: Edições Populares, 1987 [1960].[1960], p. 78-79).

Contudo, por trazerem “qualidades próprias do seu sexo”, as combatentes são, naturalmente, poucas. Se não estão na vanguarda militar, elas, segundo Che, teriam como funções principais a comunicação, pois “por mais brutal que seja a repressão (...) a mulher recebe tratamento menos duro que o homem e pode levar adiante a mensagem” (Ibid., p. 80); a cozinha, tarefa habitual, pois “é muito gratificante ao soldado submetido às duríssimas condições desta vida poder contar com uma comida variada” (Ibid., p. 80); a alfabetização dos guerrilheiros homens; e, por fim, a saúde:

(...) a mulher presta um papel importante como enfermeira, inclusive médica, com ternura infinitamente superior ao do rude companheiro de armas, ternura que tanto se aprecia nos momentos em que o homem está indefeso perante a si mesmo, sem nenhuma comodidade, talvez sofrendo dores fortes e expostos aos muitos perigos de toda espécie, próprios deste tipo de guerra

(Ibid., p. 80).

Debray, por outro lado, talvez por não achar relevante, não discorreu, diretamente, a respeito do papel da mulher na guerrilha. Contudo, deixava claro sua visão a respeito da militância feminina ao limitar gênero e idade dos dirigentes guerrilheiros. Segundo o filósofo francês:

Os dirigentes de envergadura na América Latina de hoje são homens jovens sem larga experiencia política prévia à sua entrada na guerrilha. É ridículo continuar opondo “quadros políticos” e “quadros militares”; “direção política” e “direção militar”; “(...) políticos puros – que querem continuar a sê-lo – não servem para dirigir a luta armada do povo; os ‘militares’ puros servem, e dirigindo uma guerrilha, vivendo-a, convertem-se em “político” também

(DEBRAY, s.d. [1967]DEBRAY, Regis. Revolução na Revolução? São Paulo: Centro Ed. Latino Americano, s.d. [1967]., p. 63, grifo nosso).

Embora com algumas diferenças, de ambos os textos saltavam os estereótipos de gênero. O “homem novo”, que Che recuperava dos textos de juventude de Marx10 10 O conceito de homem-novo está respaldado nos textos de juventude de Marx, em especial, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844. O comunismo, como suprassunção do capitalismo, traria a superação dialética do indivíduo estranhado, resumido à condição de mercadoria: “O comunismo na condição de supra-sunção positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem para si enquanto homem social, isto é, humano” (MARX, 2004 [1844], p. 105). Nos anos de 1960, Che Guevara recolocou a questão do “homem-novo” a partir do desenvolvimento do processo revolucionário em Cuba. Em discurso realizado em março de 1965, denominado El socialismo y el hombre en Cuba, fica clara sua concepção sobre a necessidade de construção do “homem-novo” como parte do processo revolucionário cubano. Para mais detalhes, cf. GUEVARA, 2004 [1965], p. 413-425. , não por acaso era vinculado ao gênero masculino. Ao contrário. Tinha como métrica características codificadas socialmente como masculinas.

Assim, superestimando a força física e a militarização, o foquismo cubano definia e delimitava o gênero e a idade dos revolucionários. Às mulheres, quando presentes, restariam as funções codificadas socialmente como femininas, realçando a manutenção de seu lugar social relacionado ao cuidado, à doçura e à fragilidade.11 11 Embora o foquismo cubano valorizasse as características codificadas socialmente como masculinas, as mulheres fizeram parte, como combatentes, do processo revolucionário cubano. Primeiro, no processo insurrecional fracassado de 1953, nas figuras de Haydée Santamaría Cuadrado e Melba Hernandéz Rodríguez del Rey. Posteriormente, em 1958, nos embates na Sierra Maestra, criou-se um pelotão feminino denominado Las Marianas, formado por: Isabel Luisa Rielo Rodríguez; Delsa Esther Puebla Viltres, Teté; Olga Esther Guevara Pérez; Ángela Antolín Escalona, Angelina; Edemis Tamayo Núñez, la Gallega; Orocia Soto Sardina; Flor Celeste Pérez Chávez; Eva Rodríguez Palma; Lilia Rielo Rodríguez; Rita García Reyes; Juana Bautista Peña Peña e Ada Bella Acosta Pompa. Para maiores detalhes, cf. MAS, 2003; RAMONET, 2016. Opunha-se, portanto, de modo bastante evidente, o “sexo forte”, vanguarda revolucionária, ao “sexo frágil”.

As mulheres, a luta armada no Brasil e o “mal-estar sem nome”

As organizações comunistas que propunham a luta armada contra a ditadura, tendo em vista realizar a revolução brasileira, surgiram no contexto de questionamento da predominância e hegemonia do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no período posterior ao golpe de 1964.

O golpe, consolidado sem resistência significativa, além de sepultar as perspectivas de revolução nacional-democrática, anti-imperialista e antifeudal do PCB12 12 Delineada, em especial, na Declaração sobre a Política do PCB, de março de 1958, e referendada no V Congresso do partido, realizado em 1960, a leitura conjuntural do PCB apontava para uma visão dualista da sociedade brasileira. Por um lado, reconhecia certo desenvolvimento capitalista no meio urbano. Por outro, indicava atraso nas relações sociais no meio agrário, em que predominavam resquícios feudais que, acrescidos à dominação imperialista, mantinham distante a possibilidade de desenvolvimento autônomo do Brasil. Portanto, à leitura conjuntural, preconizava-se a construção de uma frente ampla e heterogênea, incluindo a burguesia patriota, para realização, de início, de uma revolução democrático-burguesa, promovendo o desenvolvimento capitalista no Brasil, para posteriormente realizar a revolução socialista, esta sim com poder de emancipação do proletariado, consolidando a concepção do processo revolucionário seguir por etapas. Nessa perspectiva, enxergavam na figura de João Goulart a personificação desse primeiro processo, que ocorreria dentro “da legalidade democrática e constitucional, com a utilização de formas legais de luta e de organização das massas” (CARONE, 1982, p. 192). Para mais detalhes sobre as posições políticas do PCB, cf. AARÃO REIS (2002). , potencializou as críticas à postura do partido. Se antes de 1964 as críticas endereçadas às posições políticas do PCB partiam, principalmente, de outras organizações de esquerda menos expressivas, como era o caso da Organização Revolucionária Marxista (ORM-POLOP), após o golpe se difundiram na própria estrutura partidária, gerando, em curto espaço de tempo, diversas cisões, pela cúpula e pelas bases, das quais o partido não mais se recuperaria.

As críticas, de modo geral, dos que se tornariam partidários da luta armada, elegiam, impiedosamente, o partido como responsável pela conjuntura resultante. Os equívocos derivavam, na visão dos críticos, dos chamados “desvios” de direita. Estes teriam impulsionado o PCB em uma prática política reboquista – em relação a João Goulart e à burguesia nacional –, etapista e pacifista, com relação à visão sobre o processo revolucionário e pela postura diante do golpe.

Todas as críticas refletiam uma necessidade candente de oposição à inação do partido e das demais organizações de esquerda. O tempo era de ação. Irrompia no horizonte a perspectiva de refundar a esquerda nacional, com objetivo de torná-la, efetivamente, revolucionária. Assim, o foquismo cubano e a máxima da OLAS de que “o dever de todo revolucionário é fazer a revolução” pareciam servir como uma luva à pletora de organizações que surgia na segunda metade da década de 1960. Derrubar a ditadura e realizar a revolução brasileira, acabando com a exploração capitalista, eram as consignas. Imersos no contexto latino-americano da década de 1960, não pareciam ser desejos impossíveis. Ao contrário. Não apenas possíveis, seriam desejos realizáveis, esperando apenas indivíduos que tomassem a história em suas próprias mãos.

Embora de forma não programada, essa “refundação” da esquerda nacional resultou, também, em maior inserção feminina nas organizações comunistas que surgiram na conjuntura pós-1964, impulsionada pelo contexto de transformações socioeconômicas da sociedade brasileira na década de 1960.

De acordo com Francisco Vidal e Herbert Klein, 19 milhões de brasileiros viviam, no início da década de 1950, nas cidades. Esse número saltou para 31 milhões no final da mesma década, representando um aumento de, aproximadamente, 63%. Esse processo trouxe como consequência, em meados da década seguinte, a predominância de pessoas vivendo na cidade em relação ao campo (LUNA; KLEIN, 2014LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Mudanças sociais no período militar (1964-1985). In: AARÃO REIS FILHO, Daniel; PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo; RIDENTI, Marcelo (org.). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 66-91.). O Brasil tornava-se, predominantemente, urbano. Acompanhando essa mudança, aumentava-se, drasticamente, a oferta de vagas nas universidades brasileiras. De 30 mil vagas em 1945, o Brasil atingia 142 mil em 1964 (PATTO SÁ MOTTA, 2014PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., p. 24).

Aliado a isso, o crescimento das classes médias, com a perspectiva de ascensão social por intermédio da educação, contribuiu para que as mulheres ganhassem maior espaço nas universidades. Em 1956, apenas 26% da população universitária brasileira era formada por mulheres. Dez anos depois, em 1966, esse número alcançava 31%. Alguns cursos, historicamente restritos aos homens, oferecem contornos nítidos a essas mudanças. O curso de Direito que, em 1956, tinha apenas 12 % de mulheres matriculadas, passou, em 1966, a 21%. Ciências Econômicas e Administração de Empresas tinham, em 1956, apenas 6% de mulheres matriculadas. Dez anos depois, esse número chegava a 11% (BARROSO; MELLO, 1975BARROSO, Carmen Lúcia de Melo; MELLO, Guiomar Namo de. O acesso da mulher ao ensino superior brasileiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 15, p. 47-77, 1975. p. 48. Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1813. Acesso em: 3 jun. 2022.
https://publicacoes.fcc.org.br/cp/articl...
, p. 51).

Essa maior inserção feminina nas universidades refletiu, também, na configuração da população brasileira economicamente ativa. No início da década de 1970, as mulheres alcançavam, aproximadamente, 19% da população economicamente ativa brasileira (RIDENTI, 1990RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo Social, v. 2, n. 2, p. 113-128, 1990. DOI: https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806.
https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806...
, p. 115).

Embora possam ser vistas como mudanças tímidas, essas transformações pressionaram alterações comportamentais. A inserção das mulheres de classe média no ensino superior, ingressando no mercado de trabalho e participando, em maior medida, da população economicamente ativa, promoviam fissuras nos códigos de gênero da época. Novas revistas surgidas nesse contexto, sendo a Manchete e a Realidade os principais exemplos, estavam, frequentemente, abordando a questão da função da mulher na sociedade e, assim, eram sintoma e causa de um relativo questionamento do papel social reservado às mulheres.13 13 Para mais detalhes sobre o papel das revistas, cf. SETEMY, 2017. Questionamento que incluía, também, a moda. A popularização da minissaia e os protestos e as censuras em relação ao seu uso eram indicativos de que parte das mulheres desafiava, inclusive, os códigos de vestuário da época.

Nesse contexto, portanto, ao menos para as classes médias, perturbava-se a distinção, socialmente construída, entre as esferas pública e privada relacionadas aos gêneros. Aprofundada no século XIX na Europa e incorporada pela sociedade brasileira, o público e o privado eram imaginados como “equivalentes dos sexos”. Aos homens “(...) o público, cujo centro é a política. Às mulheres, o privado, cujo coração é formado pelo doméstico e a casa” (PERROT, 2005PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005., p. 459).

Impulsionadas por essa conjuntura, as mulheres forjavam e forçavam sua participação nas organizações comunistas que surgiam no contexto pós-1964. Fortemente enraizadas no movimento estudantil, que adquiria protagonismo na resistência à ditadura (MARTINS FILHO, 1987MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar: 1964-1968. Campinas: Papirus, 1987., 2018MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e militarização do Estado (1964-1968). In: MULLER, ANGELICA. 1968 em movimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2018, p. 11-28.), os agrupamentos tinham mais participação feminina. Segundo Marcelo Ridenti, ao realizar levantamento estatístico a partir do acervo Brasil: Nunca Mais, apenas 5% das pessoas processadas vinculadas ao PCB eram mulheres. Dados de Leôncio Rodrigues confirmam esse baixo percentual ao apontar que apenas 9,3% dos delegados ao IV Congresso do partido, em 1954, eram mulheres (RIDENTI, 1990RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo Social, v. 2, n. 2, p. 113-128, 1990. DOI: https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806.
https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806...
, p. 115). A mudança nas novas organizações era nítida. Ainda segundo Ridenti, a participação das mulheres nessas organizações oscilou entre 15 e 20%. Na esteira da conquista de novos espaços sociais, as estudantes eram maioria no percentual total de mulheres que militavam nessas organizações, alcançando cerca de 32% (Ibid.).

Para essas mulheres, mesmo que isso não fosse, completamente, racionalizado, o impulso em transformar a sociedade brasileira, tornando-se militante de uma organização revolucionária, acabava por se conjugar com o impulso de se tornar agente ativa da própria vida. Questionava-se o destino, construído socialmente, como natural ao gênero feminino.

Renata Guerra de Andrade, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), salientou essa conjunção ao relembrar sua militância: “Eu era uma garota em busca de alguma coisa. (...) O pensamento marxista é de uma coerência impecável, não deixa furo nenhum, e me pareceu que ali estava a solução de tudo. Vibrei com a possibilidade de transformar as coisas, de me sentir sujeito da história” (de ANDRADE apud CARVALHO, 1998MARKLOUF CARVALHO, Luiz. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Editora Globo, 1998., p. 32, grifos nossos).

Sônia Lafoz, que iniciou sua militância na VPR e depois se transferiu para o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), também apontou na mesma direção, ao dizer:

Não massageio meu próprio ego, mas tiro o chapéu para os homens e mulheres que tiveram coragem de enfrentar aquela situação. No que diz respeito a nós, mulheres, as que pegaram ou não pegaram em armas, foi um momento singular de participação histórica

(LAFOZ apud CARVALHO, 1998, p. 456, grifo nosso).

Para Vera Sílvia Magalhães, militante da Dissidência Comunista da Guanabara (DI-GB) que, posteriormente, assumiu o nome de MR-8, a militância na luta armada adquiria características de “revolução pessoal”, de ruptura com os costumes. Como uma das mulheres mais avançadas com relação às relações afetivo-sexuais naquele contexto, apontou:

Eu tinha, na minha cabeça, que precisava fazer uma revolução pessoal. Uma proposta de relação afetiva diferente, achava um bode aquela perspectiva de casamento dos meus pais, queria ser melhor. Era uma coisa importante, ter uma relação igual com um homem. Essa foi uma batalha importante, para mim, naquela época. A militância foi uma forma de ruptura com tudo isso. Era uma forma de sair de tudo isso e parecia que levaria a um caminho revolucionário. A revolução era de costumes também, não era só uma revolução social. Em determinados momentos, em termos de opção individual, enquanto agentes, enquanto sujeitos dessa história, o grande motor foi uma ruptura dos costumes

(MAGALHÃES, 1986MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevista concedida a Marcelo Ridenti. In: Arquivo Edgar Leuenroth. Militância Política e Luta Armada, 1986.).

Contudo, embora a militância nas organizações revolucionárias adquirisse esse sentido para as militantes mulheres, isso não era gerador de uma relação igualitária com os militantes homens. Ao contrário. Em organizações majoritariamente masculinas, permeadas por um ideal revolucionário masculino, a militância feminina era atravessada por dificuldades.

Por um lado, na vivência clandestina dos “aparelhos”, era comum as tarefas domésticas serem deixadas às mulheres, como se se tratasse de algo natural (MARKLOUF, 1998MARKLOUF CARVALHO, Luiz. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Editora Globo, 1998.). Por outro, conforme apontou Vera Sílvia, havia a perspectiva de “masculinização” feminina. Tendo em vista se fazer respeitar nos circuitos militantes, Vera afirmou: “Eu vou mostrar que sou homem” (MAGALHÃES, 1998MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevista concedida a Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.) Ana Maria Colling, ao explicar o fenômeno, apontou que algumas mulheres, como Vera,

(...) assumiram a militância nas organizações de esquerda negando a sua condição de mulher. As organizações eram espaços fundamentalmente masculinos, o que impunha às mulheres a necessidade de se colocarem como militantes, diluindo as relações de gênero na luta política mais geral

(COLLING, 1997COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à Ditadura Militar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997., p. 75).

Para além da diluição das “relações de gênero na luta política mais geral”, não havia, naquele momento, o arcabouço teórico feminista, como viria a ser formulado na década de 1970, a partir da influência, sobretudo, do feminismo francês. Assim, embora sentidas, as dificuldades das mulheres militantes não eram racionalizadas a partir das noções de gênero. Acabavam sendo “mal-estares sem nome” (SARTI, 2004SARTI, Cynthia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, v. 12, p. 35-50, maio/ago. 2004. p. 38. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/43596613. Acesso em: 17 fev. 2023.
http://www.jstor.org/stable/43596613...
, p. 38). Mal-estares que se evidenciariam, também, na capital revolucionária da Nuestra América, para as militantes que realizaram treinamento guerrilheiro em Cuba.

As mulheres e o treinamento guerrilheiro

O apoio de Cuba às esquerdas brasileiras na década de 1960 teve três momentos principais.

Ainda antes do golpe, Cuba financiou a implantação de campos de treinamento guerrilheiro no Brasil, através da relação com militantes das Ligas Camponesas, em especial Clodomir Morais. Além da compra de fazendas, houve, por parte dos cubanos, fornecimento de armamento, instrução e meios financeiros. Embora alguns militantes ligados a Clodomir tivessem realizado treinamento na ilha, em 1961, a perspectiva de Cuba era desenvolver os campos de treinamento no território brasileiro (ROLLEMBERG, 2001ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001., p. 15-21).

Em um segundo momento, imediatamente após o golpe, Cuba estreitou relações com o então exilado Leonel Brizola e seu grupo de militares legalistas. Juntos, constituíram o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Ao contrário da perspectiva de treinamento no Brasil, Cuba passou, a partir dos contatos com o MNR, a oferecer treinamento guerrilheiro na ilha. Além disso, ofereceu meios financeiros para compra de armamentos.

O treinamento, realizado entre fins de 1965 e meados de 1966, foi o impulso inicial para a primeira tentativa de guerrilha rural no Brasil, desenvolvida na serra do Caparaó, localizada na divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Pouco mais de seis meses depois da instalação de 14 militantes na região, as forças repressivas, sem nenhum embate, prenderam os guerrilheiros e desmobilizaram o princípio de foco guerrilheiro que se inspirava na revolução cubana (Ibid., p. 22-34).

Depois da natimorta Guerrilha do Caparaó, em um terceiro momento, os cubanos desenvolveram intensos laços com a principal liderança da esquerda armada brasileira: Carlos Marighella. Após ruptura/expulsão com o PCB diante de sua participação na conferência da OLAS em 1967, o comunista baiano fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), pioneira na opção pela luta armada no Brasil.

Com a ALN, Cuba estabeleceu a rotina de treinamentos guerrilheiros mais duradoura com as organizações revolucionárias brasileiras. Quatro grupos, em momentos diferentes, foram à ilha para treinar. Embora nomeados como “Exércitos da ALN”, acabavam incorporando, embora em menor número, militantes de outras organizações, tendo realizado o treinamento entre setembro de 1967 e meados de 197114 14 Nesse mesmo período, além dos IV Exércitos da ALN, um grupo de exilados, especialmente vinculados à VPR, também realizou treinamento na ilha entre 1970 e 1971. (Ibid., p. 35).

E, a partir deles, podemos discutir a participação das mulheres nos treinamentos.

Tendo em vista o quadro completo de militantes que foram a Cuba treinar, a presença feminina, embora existente, era pequena. De acordo com um ofício do Centro de Inteligência do Exército brasileiro (CIE) que, de modo surpreendente, mapeou com riqueza de detalhes os treinamentos realizados na ilha caribenha, foram formados, desde 1965, 10 grupos de brasileiros. Na listagem, totalizavam 172 militantes, sendo apenas 20 as mulheres.15 15 O documento do Centro de Inteligência do Exército aponta, para além dos grupos que realizaram o treinamento completo, outros tipos de treinamento, como: Armamento, Fotografia, Enfermagem, Instrução Revolucionária, Explosivos e Imprensa. Além disso, algumas mulheres constam como “Suspeitas”, não sendo possível confirmar a participação nos treinamentos. Nessa soma, estão contabilizados todos os militantes, com exceção dos suspeitos. Para mais detalhes, cf. CIE, 1972. Elas eram, portanto, aproximadamente 11,6 %. Dentre elas, 14 realizaram o treinamento completo. Ou seja, aproximadamente 8% do total16 16 As mulheres que realizaram o treinamento completo foram: Ana Maria de Cerqueira César, Ana Maria Ribas Brasil Palmeira, Dulce de Souza Maia, Isis Dias de Oliveira, Jane Vanini Capozzi, Maria Amélia de Araújo, Maria Augusta Carneiro, Maria Augusta Thomaz, Maria José Carneiro Nahas, Marília Angélica do Amaral, Paulina Reichstul, Suzana Lisboa, Tânia Fayal e Vera Sílvia Magalhães. (CIE, 1972BRASIL. Ministério do Exército. Centro de Inteligência do Exército (CIE). Ofício nº 790-AI. 26/12/1972. 108 p. In: Arquivo Nacional, Fundo de Divisão de Segurança e Informações do Ministério de Relações Exteriores. Disponível em: https://sian.an.gov.br/. Acesso em: 20 ago. 2023. Código de referência: BR DFANBSB Z4.REX.APD.128.
https://sian.an.gov.br/...
).

Além disso, as mulheres marcaram presença, apenas, a partir dos grupos vinculados à ALN. Antes, os treinamentos eram compostos, exclusivamente, por homens, algo que se relaciona, como vimos, à maior presença feminina nas organizações surgidas no contexto da luta armada. Nesse cenário, o IV Exército da ALN destacava-se. Composto por 13 militantes, realizou treinamento entre fins de 1970 e meados de 1971. Ao contrário dos demais, aproximadamente 40% dos participantes eram mulheres (Idem).

O treinamento completo oferecido pelos cubanos era, de maneira geral, padronizado. Na primeira fase, os militantes eram levados ao chamado “Ponto Zero”, quartel do exército cubano, nos arredores de Havana. Ali, tinham acesso a um treinamento técnico, com cursos ministrados a respeito de armas e explosivos.

Durante cinco meses, realizavam esse treinamento. Familiarizavam-se com diversas armas, dentre elas pistolas e fuzis, aprendendo a montá-las e a desmontá-las, inclusive de olhos fechados, uma exigência dos cubanos. Recebiam instruções e praticavam tiro. Além disso, tinham aulas sobre formulação e preparação de explosivos artesanais, com mistura de ingredientes facilmente adquiríveis em lojas de ferragens (ROLLEMBERG, 2001ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.).

Diante da origem social estudantil de parte significativa dos militantes, e da parca experiência com armas e explosivos que tiveram no Brasil, a primeira fase do treinamento empolgava. Vera Sílvia, integrante do IV Exército, relembrou, anos depois, com empolgação o início do treinamento: “A gente aprendeu tudo. (...) Eles tinham uma metodologia. Como professores eram excelentes. (...) tinha muita coisa útil” (MAGALHÃES, 1998MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevista concedida a Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.).

Embora considerados excelentes, um primeiro ponto digno de nota na relação das mulheres com o treinamento era a presença, exclusiva, de instrutores homens. Não havia, de acordo com os depoimentos das militantes e dos militantes que foram à ilha, a presença de instrutoras mulheres.

A ubiquidade masculina não era, propriamente, uma novidade para as revolucionárias brasileiras. Para além do modelo militante do foquismo que, conforme vimos, elegia e privilegiava aspectos da masculinidade, outros fatos denotavam essa onipresença, desde os teóricos lidos até os revolucionários heroicos.

De Marx a Lenin, de Debray e Fanon, de Sartre a Fromm, de Politzer a Huberman, o capitalismo era analisado e as possibilidades de sua superação eram apresentadas por homens. Mais. Os sujeitos que colocavam em prática os ideais revolucionários, guiando o mundo na locomotiva da História eram, também, homens. Com algumas exceções, como era a figura de Rosa Luxemburgo, construía-se um panteão revolucionário masculino: Lenin, Stalin, Trotski, Mao, Giap, Ho Chi Minh, Ben Bela, Fidel Castro, Che Guevara. Assim, no seio da cultura política comunista, as “(...) figuras heroicas e públicas, os modelos de força e coragem e, portanto, os objetos privilegiados de admiração, são, majoritariamente, masculinos” (JOSHUA, 2015JOSHUA, Florence. Anticapitalistes. Une sociologie historique de l’engagement. Paris: La Découverte, 2015., p. 180).

Se não era, efetivamente, uma novidade, a onipresença masculina no treinamento ressaltava os “mal-estares sem nome” da militância feminina. In loco, no “primeiro território livre da América”, onde a utopia sonhada havia se tornado realidade, em que os instrutores eram investidos de uma “aura mística”17 17 Expressão de Flávio Tavares. Para mais detalhes, cf. TAVARES apud ROLLEMBERG, 2001, p. 24. por terem, ao menos em parte, participado do processo guerrilheiro vitorioso, a falta de mulheres reforçava a sensação de deslocamento. Realçava para as mulheres que sua militância estava deslocada, fora de lugar. Reforçava, assim, o que vimos anteriormente como “negação da condição de mulher”. Para participar da guerrilha, para construir-se enquanto um quadro “político-militar”, as mulheres deveriam incorporar as características masculinas.

Neste sentido, a presença, exclusiva, de instrutores homens sublinha o que Florence Joshua apontou como “violência simbólica de gênero”: “(...) a violência simbólica de gênero exercida por intermédio desse modelo [militante] é medida a partir de seu nível de incorporação entre os militantes. E compreende, também, as militantes, que tomavam para si, largamente, essa representação masculina do engajamento” (Ibid., p. 180).

Terminado o curso no “Ponto Zero”, os militantes eram deslocados para Pinar del Rio, extremo oeste da ilha, para a segunda parte do treinamento. Com objetivo de praticar aspectos da guerrilha rural, foram levados à sierra, onde ficavam entre seis e 9 meses.

Na segunda fase, o treinamento consistia em exercícios militares de sobrevivência na selva. Alojados em acampamentos na serra cubana, os militantes tinham uma rotina rigorosa. Às cinco horas da manhã soava a sirene. Acordavam e vestiam-se com o uniforme verde-oliva, característico do Ejército Rebelde, carregando uma mochila e um fuzil.

Diversificado, o treinamento incorporava circuito cronometrado de superação obstáculos, marchas na selva, táticas de mobilidade, além de treinamento de tiros. Apesar das marchas serem, normalmente, de algumas horas, os militantes foram submetidos a duas longas marchas, com duração de três e sete dias. Nelas, dormiam na mata, em uma simulação de situação real de guerrilha rural. Por fim, havia também exercícios práticos de simulação de combates, momento em que enfrentavam os oficiais cubanos (ROLLEMBERG, 2001ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.).

Não havia nenhum tipo de treinamento diferenciado para as mulheres. Especialmente nesta segunda fase, em que as exigências físicas eram mais duras, as mulheres sentiam muitas dificuldades. Maria Augusta Carneiro, integrante do IV Exército e militante do MR-8, ressaltou-as, em depoimento concedido anos depois: “Era um pesadelo permanente. A exaustão física era tanta que eu não conseguia dormir pensando no dia seguinte. (...) As mulheres sofreram muito naquele treinamento” (CARNEIRO, 1996CARNEIRO, Maria Augusta. Entrevista concedida a Denise Rollemberg. In: Arquivo Edgar Leuenroth (AEL/Unicamp). Militância política e luta armada no Brasil, 1996.). Tânia Fayal, também integrante deste mesmo grupo e militante da ALN, embora enfatizasse a dureza do treinamento, buscou ressaltar a necessidade de superá-la, tendo em vista o ideal revolucionário: “Muita dureza, muitos percalços, muitos problemas de sobreviver no meio da selva. Mas estávamos ali, ideologicamente nos formando para a revolução. E a dureza do dia a dia nós colocávamos embaixo do colchão, quando, eventualmente, dormíamos no acampamento” (FAYAL, 2022FAYAL, Tania. Entrevista concedida a Higor Codarin, via telefone, 21 de dezembro de 2022.). Vera Sílvia, realçando sua origem de classe média alta carioca, também apontou para as asperezas: “Eu era moça da zona sul. Fiquei toda roxa, toda vermelha (...). Foi o maior sacrifício” (MAGALHÃES, 1998MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevista concedida a Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.).

De modo geral, mesmo os homens sofriam com os treinamentos. A maioria dos militantes não estava acostumada com grandes períodos de privação e vivências em meio à selva. Contudo, embora o sofrimento fosse partilhado, não era o mesmo. As mulheres acabavam por sofrer duplamente, amargando críticas veladas tanto dos companheiros brasileiros quanto dos cubanos, que realçavam, uma vez mais, a sensação de deslocamento.

Fernando Gabeira, também integrante do IV Exército, relembrou o treinamento na ilha em seu livro de memórias, O Crepúsculo do Macho. Ao discorrer sobre a divisão de turmas para o circuito cronometrado, em que se estimulava a competição entre os integrantes, ressaltou que as “(...) mulheres eram vistas como um peso, cada vez que se escolhiam os grupos” (GABEIRA,1980, p. 75).

Por outro lado, a atitude dos instrutores cubanos com relação às mulheres era de condescendência, fruto da subestimação. Segundo Vera Sílvia, os cubanos toleravam a não realização de certas atividades pelas mulheres: “(...) é diferente a visão deles, dos homens e das mulheres, era completamente diferente. A exigência não era a mesma. Tanto é que eu dizia: ‘Isso aí eu não vou fazer!’ E não fazia” (MAGALHÃES, 1998MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevista concedida a Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.).

Vera, inclusive, relatou ter passado por uma situação de violência sexual durante a segunda parte do treinamento.

Em meio às marchas realizadas, os cubanos elegiam, diariamente, os comandantes da tropa. Numa dessas eleições, Vera foi escolhida. Estranhou. Sabia que seu desempenho não era condizente com o cargo de comando. Como uma das funções, deveria ficar de guarda enquanto o grupo dormia. Em guarda, sofreu tentativa de abuso por parte de Miguel, instrutor cubano. Percebeu, ali, que sua escolha era para que ficassem sozinhos. Vera, com o fuzil, vociferou contra o instrutor que, diante da postura dela, recuou, como ela mesma relembrou: “Eu estava com o FAL [fuzil] com bala na agulha. Aí disse: Miguel, isso é uma loucura. Se eu tivesse uma raiva maior, te matava! Isso é um absurdo!” (Ibid.).

A tentativa de abuso não se tornou uma questão para o IV Exército. Não há, nos depoimentos dos demais que realizaram treinamento com Vera, menção a essa questão. Nesse sentido, não é possível saber se Vera, diante da violência, guardou-a para si, ou se, pelo contexto da época e pela predominância masculina no treinamento, esse fato foi relativizado e minimizado pelos demais. Serve, no entanto, como mais uma evidência das dificuldades impostas às mulheres que realizaram treinamento guerrilheiro na ilha.

Embora tenham enfrentado todos esses obstáculos, não há evidências de que alguma das 20 mulheres tenha desistido do treinamento. Ao contrário. Tendo a revolução social como objetivo em comum, todas buscavam superar as adversidades, “colocando as durezas embaixo do colchão”. A superação dos “mal-estares sem nome” fazia-se necessária, como uma espécie de credenciamento enquanto militantes revolucionárias, tendo em vista voltar ao Brasil para realizar a idealizada revolução brasileira.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo analisar a participação feminina nos treinamentos guerrilheiros oferecidos por Cuba às organizações brasileiras que se empenharam na luta armada contra a ditadura. Através das experiências concretas das militantes revolucionárias, foi possível perceber o reforçamento do modelo militante de caráter androcêntrico, amplificando e reverberando os obstáculos e as dificuldades das mulheres que militavam nas organizações revolucionárias brasileiras. Na capital da revolução latino-americana, o modelo revolucionário foquista, centrado no militante “político-militar”, era almejado tanto pelos cubanos quanto pelos brasileiros que realizavam o treinamento. Assim, as mulheres sofreram desde “violências simbólicas de gênero”, representadas na onipresença masculina, até críticas veladas dos companheiros brasileiros e dos instrutores cubanos, por conta da desigualdade física nos treinamentos na selva. Além disso, uma das militantes relatou uma tentativa de abuso sexual por parte de um instrutor cubano.

Diante dessas adversidades todas, geradoras de sensações de deslocamento e não pertencimento, como se aqueles espaços não fossem possíveis de serem ocupados por mulheres, as militantes, embora em menor número, mantiveram a “determinação revolucionária”, como se afirmava na época. Forjaram e forçaram sua presença e permanência nos espaços de militância antes exclusivos aos homens, participando, inclusive, do treinamento no coração da revolução em Nuestra América. Mesmo que não o fizessem de forma racionalizada, na prática, contribuíam ao questionamento das divisões rígidas entre o espaço público e o privado como “equivalentes dos sexos”. Buscando a revolução brasileira, acabavam por se encontrar – e se perceber – como sujeitos de sua própria história.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referidas. Apoio financeiro: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Número do processo: E-26/202.305/2022.
  • 3
    Como se sabe, a revolução cubana não foi, imediatamente, de caráter socialista. A construção de um regime, efetivamente, socialista em Cuba acontece alguns anos depois, a partir de meados de 1961. Para mais detalhes a respeito da transição cubana ao socialismo, cf. MONIZ BANDEIRA, 2009MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2009 [1998]. [1998].
  • 4
    O conceito de Nuestra América, enfatizando uma identidade comum aos povos hispano-americanos foi cunhado, pela primeira vez, por Jose Martí, um dos líderes do processo de independência cubano. A revolução cubana propõe uma recuperação dessa identidade comum, embora em novos termos. Para mais detalhes sobre a perspectiva originária, cf. MARTÍ, 1984MARTÍ, José. Política de Nuestra América. México: Ed. Siglo Veinteuno, 1984..
  • 5
    Notabilizam-se, dentre eles, GORENDER (2014 [1987])GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Expressão Popular/Perseu Ábramo, 2014 [1987]., AARÃO REIS (1990)AARÃO REIS FILHO, Daniel. A revolução faltou ao encontro. Os comunistas no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990., RIDENTI (2010 [1993])RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. 2. ed. São Paulo: Editora da UNESP, 2010 [1993]., ROLLEMBERG (2001)ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001., BARÃO (2007 [2003])BARÃO, Carlos Alberto. A influência da Revolução Cubana sobre a esquerda brasileira nos anos 60. In: AARÃO REIS FILHO, Daniel; MORAES, João Quartim (org.). História do marxismo no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2007 [2003], p. 229-280. v. 1., SALES (2005)SALES, Jean Rodrigues. O impacto da revolução cubana sobre as organizações comunistas brasileiras (1959-1974). 2005. 262 p. Tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000375071. Acesso em: 19 abr. 2023.
    http://libdigi.unicamp.br/document/?code...
    , SALES, ARAÚJO, MENDES E SILVA (2019)SALES, Jean Rodrigues; ARAÚJO, Rafael; MENDES, Ricardo; SILVA, Tiago (org.). Revolução cubana: ecos, dilemas e embates na América Latina. Aracajú: IFS, 2019..
  • 6
    Existem diversos estudos a respeito das relações de gênero nos grupos constituintes da esquerda armada brasileira. Inexiste, porém, algo específico sobre as mulheres brasileiras participantes desses grupos que realizaram treinamento guerrilheiro em Cuba. Para alguns exemplos dos estudos existentes, cf. RIDENTI, 1990RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo Social, v. 2, n. 2, p. 113-128, 1990. DOI: https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806.
    https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806...
    ; COLLING, 1997COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à Ditadura Militar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.; PEDRO, VEIGA, WOLFF, 2011PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe; VEIGA, Ana Maria (org.). Resistências, gênero e feminismos contra as ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2011.; RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Maria Cláudia Badan. Mulheres na luta armada: Protagonismo feminino na ALN (Ação Libertadora Nacional). São Paulo: Alameda Editorial, 2018.; WOLFF 2019WOLFF, Cristina Scheibe. Razón y emoción: mujeres militantes en las dictaduras del cono sur. Historia del presente, n. 33, p. 75-87, 2019..
  • 7
    Como questionou Marco Aurélio Garcia: “É possível uma história da esquerda, sem uma história da militância política?” (GARCIA, 1997GARCIA, Marco Aurélio. O gênero da militância: notas sobre as possibilidades de uma outra história da ação política. Pagu, n. 8-9, 1997., p. 320). Nesse sentido, é importante não perder de vista que os militantes são “(...) pessoas concretas, homens e... mulheres, portadoras de valores éticos, de convicções políticas, de influências religiosas e refletem, no seu cotidiano, sua formação cultural, seus antecedentes familiares e um conjunto de ‘determinações’ que incidem na forma pela qual ‘aplicarão’ a ‘linha’ do partido na sociedade” (GARCIA, 1997GARCIA, Marco Aurélio. O gênero da militância: notas sobre as possibilidades de uma outra história da ação política. Pagu, n. 8-9, 1997., p. 322). Sendo assim, tributário das renovações da corrente bibliográfica fortemente enraizada na sociologia norte-americana e francesa, a sociologia do engajamento militante ou sociologia do militantisme, compreende-se, no presente artigo, a subjetividade militante como uma das consequências biográficas do engajamento. Como o militantismo oferece novas perspectivas de “(...) de agir, pensar, perceber – e perceber a si mesmo” (LECLERQ; PAGIS, 2001ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001., p. 5). Em outras palavras, busca-se compreender como os indivíduos experienciam a atividade militante, recusando a ideia de que os militantes sejam “indivíduos abstratos que atuam mecanicamente em função de sua ‘consciência de classe’, ou das diretrizes que emanam do partido” (GARCIA, 1997GARCIA, Marco Aurélio. O gênero da militância: notas sobre as possibilidades de uma outra história da ação política. Pagu, n. 8-9, 1997., p. 322). Para mais detalhes sobre as renovações no seio da sociologia do engajamento militante, cf. SAWICKI; SIMÉANT, 2009SAWICKI, Frédéric; SIMÉANT, Johanna. Décloisonner la sociologie de l’engagement militant. Note critique sur quelques tendances récentes des travaux français. Sociologie du travail, v. 51, n. 1, p. 97-125, 2009. DOI: https://doi.org/10.1016/j.soctra.2008.12.006.
    https://doi.org/10.1016/j.soctra.2008.12...
    . Existem, também, estudos recentes a respeito da subjetividade militante feminina nas organizações de esquerda armada latino-americanas. Para alguns dos exemplos, cf. OBERTI, 2015OBERTI, Alejandra. Las revolucionarias. Buenos Aires, Argentina: Edhasa, 2015.; ARÁNGUIZ, 2012VIDAURRÁZAGA ARÁNGUIZ, T. ¿El hombre nuevo?: moral revolucionaria guevarista y militancia femenina. El caso del MIR. Nomadías, n. 15, p. 69-89, 2012. Disponível em: https://nomadias.uchile.cl/index.php/NO/article/view/21142. Acesso em: 3 dec. 2023.
    https://nomadias.uchile.cl/index.php/NO/...
    .
  • 8
    Para mais detalhes a respeito do modelo de partido e, consequentemente, militante de Lenin, cf. LENIN, 1986 [1902]LÊNIN, Vladimir Ilitch. “Que fazer?” [1902]. In: LÊNIN, Vladimir Ilitch. Obras escolhidas, tomo 1. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986.; JOHNSTONE, 1985JOHNSTONE, Monty. Um instrumento político de tipo novo: o partido leninista de vanguarda. In: HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do Marxismo. São Paulo: Paz e Terra, 1985. v. 6, p. 13-44..
  • 9
    Algumas autoras e autores se debruçaram a respeito do caráter androcêntrico da cultura política comunista. Por intermédio de análises iconográficas, o historiador inglês Eric Hobsbawm percebeu a “masculinização” das imagens conforme há uma mudança da perspectiva revolucionária “democrático-plebeia” à “socialista proletária”, no final do século XIX e início do século XX. Em outro contexto, Florence Joshua incorporou a análise de Hobsbawm para discutir o questionamento, no seio das organizações de esquerda, do modelo militante inaugurado por Lenin. Analisando as contribuições do movimento feminista, negro e homossexual aos partidos e às organizações de esquerda na França, a autora apontou para a percepção do caráter androcêntrico do modelo de militante proposto pela cultura política comunista. Cf. HOBSBAWM, 1978HOBSBAWM, Eric. Sexe, symboles, vêtements et socialisme. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 23, p. 2-18, sept. 1978. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1978_num_23_1_2604. Acesso em: 25 jun. 2022.
    https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322...
    ; JOSHUA, 2015JOSHUA, Florence. Anticapitalistes. Une sociologie historique de l’engagement. Paris: La Découverte, 2015..
  • 10
    O conceito de homem-novo está respaldado nos textos de juventude de Marx, em especial, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844. O comunismo, como suprassunção do capitalismo, traria a superação dialética do indivíduo estranhado, resumido à condição de mercadoria: “O comunismo na condição de supra-sunção positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem para si enquanto homem social, isto é, humano” (MARX, 2004MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004 [1844]. [1844], p. 105). Nos anos de 1960, Che Guevara recolocou a questão do “homem-novo” a partir do desenvolvimento do processo revolucionário em Cuba. Em discurso realizado em março de 1965, denominado El socialismo y el hombre en Cuba, fica clara sua concepção sobre a necessidade de construção do “homem-novo” como parte do processo revolucionário cubano. Para mais detalhes, cf. GUEVARA, 2004GUEVARA, Ernesto “Che”. Obras escogidas. Santiago: Resma, 2004. [1965], p. 413-425.
  • 11
    Embora o foquismo cubano valorizasse as características codificadas socialmente como masculinas, as mulheres fizeram parte, como combatentes, do processo revolucionário cubano. Primeiro, no processo insurrecional fracassado de 1953, nas figuras de Haydée Santamaría Cuadrado e Melba Hernandéz Rodríguez del Rey. Posteriormente, em 1958, nos embates na Sierra Maestra, criou-se um pelotão feminino denominado Las Marianas, formado por: Isabel Luisa Rielo Rodríguez; Delsa Esther Puebla Viltres, Teté; Olga Esther Guevara Pérez; Ángela Antolín Escalona, Angelina; Edemis Tamayo Núñez, la Gallega; Orocia Soto Sardina; Flor Celeste Pérez Chávez; Eva Rodríguez Palma; Lilia Rielo Rodríguez; Rita García Reyes; Juana Bautista Peña Peña e Ada Bella Acosta Pompa. Para maiores detalhes, cf. MAS, 2003MAS, Sara. “Mujeres en la línea de fuego. Las Marianas.”, Granma, Havana, 4 de dezembro de 2003.; RAMONET, 2016RAMONET, Ignacio. Fidel Castro: biografia a duas vozes. São Paulo: Boitempo, 2016..
  • 12
    Delineada, em especial, na Declaração sobre a Política do PCB, de março de 1958, e referendada no V Congresso do partido, realizado em 1960, a leitura conjuntural do PCB apontava para uma visão dualista da sociedade brasileira. Por um lado, reconhecia certo desenvolvimento capitalista no meio urbano. Por outro, indicava atraso nas relações sociais no meio agrário, em que predominavam resquícios feudais que, acrescidos à dominação imperialista, mantinham distante a possibilidade de desenvolvimento autônomo do Brasil. Portanto, à leitura conjuntural, preconizava-se a construção de uma frente ampla e heterogênea, incluindo a burguesia patriota, para realização, de início, de uma revolução democrático-burguesa, promovendo o desenvolvimento capitalista no Brasil, para posteriormente realizar a revolução socialista, esta sim com poder de emancipação do proletariado, consolidando a concepção do processo revolucionário seguir por etapas. Nessa perspectiva, enxergavam na figura de João Goulart a personificação desse primeiro processo, que ocorreria dentro “da legalidade democrática e constitucional, com a utilização de formas legais de luta e de organização das massas” (CARONE, 1982CARONE, Edgar. O P.C.B (1943-1964). São Paulo: Editora Difel, 1982., p. 192). Para mais detalhes sobre as posições políticas do PCB, cf. AARÃO REIS (2002)AARÃO REIS FILHO, Daniel. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943-1964. In: AARÃO REIS FILHO, Daniel; RIDENTI, Marcelo (org.). História do Marxismo no Brasil: Partidos e organizações dos anos 1920 aos 1960. Campinas: Editora Unicamp, 2002..
  • 13
    Para mais detalhes sobre o papel das revistas, cf. SETEMY, 2017SETEMY, Adrianna. O mercado de revistas e a construção cultural da transformação dos costumes no Brasil dos anos 1960. Escuta. Revista de política e cultura, 2017. Disponível em: https://revistaescuta.wordpress.com/2017/11/24/o-mercado-de-revistas-e-a-construcao-cultural-da-transformacao-dos-costumes-no-brasil-dos-anos-1960/. Acesso em: 11 ago. 2022.
    https://revistaescuta.wordpress.com/2017...
    .
  • 14
    Nesse mesmo período, além dos IV Exércitos da ALN, um grupo de exilados, especialmente vinculados à VPR, também realizou treinamento na ilha entre 1970 e 1971.
  • 15
    O documento do Centro de Inteligência do Exército aponta, para além dos grupos que realizaram o treinamento completo, outros tipos de treinamento, como: Armamento, Fotografia, Enfermagem, Instrução Revolucionária, Explosivos e Imprensa. Além disso, algumas mulheres constam como “Suspeitas”, não sendo possível confirmar a participação nos treinamentos. Nessa soma, estão contabilizados todos os militantes, com exceção dos suspeitos. Para mais detalhes, cf. CIE, 1972.
  • 16
    As mulheres que realizaram o treinamento completo foram: Ana Maria de Cerqueira César, Ana Maria Ribas Brasil Palmeira, Dulce de Souza Maia, Isis Dias de Oliveira, Jane Vanini Capozzi, Maria Amélia de Araújo, Maria Augusta Carneiro, Maria Augusta Thomaz, Maria José Carneiro Nahas, Marília Angélica do Amaral, Paulina Reichstul, Suzana Lisboa, Tânia Fayal e Vera Sílvia Magalhães.
  • 17
    Expressão de Flávio Tavares. Para mais detalhes, cf. TAVARES apud ROLLEMBERG, 2001ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001., p. 24.

Referências bibliográficas

  • BRASIL. Ministério do Exército. Centro de Inteligência do Exército (CIE). Ofício nº 790-AI. 26/12/1972. 108 p. In: Arquivo Nacional, Fundo de Divisão de Segurança e Informações do Ministério de Relações Exteriores. Disponível em: https://sian.an.gov.br/ Acesso em: 20 ago. 2023. Código de referência: BR DFANBSB Z4.REX.APD.128.
    » https://sian.an.gov.br/
  • CARNEIRO, Maria Augusta. Entrevista concedida a Denise Rollemberg. In: Arquivo Edgar Leuenroth (AEL/Unicamp) Militância política e luta armada no Brasil, 1996.
  • FAYAL, Tania. Entrevista concedida a Higor Codarin, via telefone, 21 de dezembro de 2022.
  • MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevista concedida a Marcelo Ridenti. In: Arquivo Edgar Leuenroth Militância Política e Luta Armada, 1986.
  • MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevista concedida a Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.

Bibliografia

  • AARÃO REIS FILHO, Daniel. A revolução faltou ao encontro. Os comunistas no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.
  • AARÃO REIS FILHO, Daniel. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943-1964. In: AARÃO REIS FILHO, Daniel; RIDENTI, Marcelo (org.). História do Marxismo no Brasil: Partidos e organizações dos anos 1920 aos 1960. Campinas: Editora Unicamp, 2002.
  • RIBEIRO, Maria Cláudia Badan. Mulheres na luta armada: Protagonismo feminino na ALN (Ação Libertadora Nacional) São Paulo: Alameda Editorial, 2018.
  • BARÃO, Carlos Alberto. A influência da Revolução Cubana sobre a esquerda brasileira nos anos 60. In: AARÃO REIS FILHO, Daniel; MORAES, João Quartim (org.). História do marxismo no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2007 [2003], p. 229-280. v. 1.
  • BARROSO, Carmen Lúcia de Melo; MELLO, Guiomar Namo de. O acesso da mulher ao ensino superior brasileiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 15, p. 47-77, 1975. p. 48. Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1813 Acesso em: 3 jun. 2022.
    » https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1813
  • CODARIN, Higor. Um intelectual anti-intelectualista: Régis Debray e a revolução cubana (1964-1967). Izquierdas, Santiago, n. 49, p. 3799-3816, maio 2020. ISSN 0718-5049.
  • CARONE, Edgar. O P.C.B (1943-1964). São Paulo: Editora Difel, 1982.
  • COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à Ditadura Militar no Brasil Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.
  • DEBRAY, Regis. Revolução na Revolução? São Paulo: Centro Ed. Latino Americano, s.d. [1967].
  • GARCIA, Marco Aurélio. O gênero da militância: notas sobre as possibilidades de uma outra história da ação política. Pagu, n. 8-9, 1997.
  • GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada São Paulo: Expressão Popular/Perseu Ábramo, 2014 [1987].
  • GUEVARA, Ernesto “Che”. Obra revolucionaria Organização Roberto Fernandez Retamar. 2. ed. México, DF: Era, 1968.
  • GUEVARA, Ernesto “Che”. Guerra de Guerrilhas 10. ed. São Paulo: Edições Populares, 1987 [1960].
  • GUEVARA, Ernesto “Che”. Obras escogidas Santiago: Resma, 2004.
  • HOBSBAWM, Eric. Sexe, symboles, vêtements et socialisme. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 23, p. 2-18, sept. 1978. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1978_num_23_1_2604 Acesso em: 25 jun. 2022.
    » https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1978_num_23_1_2604
  • JOHNSTONE, Monty. Um instrumento político de tipo novo: o partido leninista de vanguarda. In: HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do Marxismo São Paulo: Paz e Terra, 1985. v. 6, p. 13-44.
  • JOSHUA, Florence. Anticapitalistes. Une sociologie historique de l’engagement. Paris: La Découverte, 2015.
  • LÊNIN, Vladimir Ilitch. “Que fazer?” [1902]. In: LÊNIN, Vladimir Ilitch. Obras escolhidas, tomo 1. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986.
  • LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Mudanças sociais no período militar (1964-1985). In: AARÃO REIS FILHO, Daniel; PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo; RIDENTI, Marcelo (org.). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964 Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 66-91.
  • MARCHESI, Aldo. Hacer la revolución. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Siglo XXI, 2019. E-book ISBN 978-987-629-903-9.
  • MARTÍ, José. Política de Nuestra América. México: Ed. Siglo Veinteuno, 1984.
  • MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar: 1964-1968. Campinas: Papirus, 1987.
  • MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e militarização do Estado (1964-1968). In: MULLER, ANGELICA. 1968 em movimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2018, p. 11-28.
  • MARKLOUF CARVALHO, Luiz. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Editora Globo, 1998.
  • MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004 [1844].
  • MAS, Sara. “Mujeres en la línea de fuego. Las Marianas.”, Granma, Havana, 4 de dezembro de 2003.
  • MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2009 [1998].
  • OBERTI, Alejandra. Las revolucionarias Buenos Aires, Argentina: Edhasa, 2015.
  • PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In: PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo (org.). Culturas políticas na História: novos estudos Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 13-37.
  • PATTO SÁ MOTTA, Rodrigo. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
  • PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe; VEIGA, Ana Maria (org.). Resistências, gênero e feminismos contra as ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2011.
  • PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea. Topoi, Rio de Janeiro, v. 12, n. 22, p. 270-283, jan. 2011.
  • PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005.
  • RAMONET, Ignacio. Fidel Castro: biografia a duas vozes. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo Social, v. 2, n. 2, p. 113-128, 1990. DOI: https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806.
    » https://doi.org/10.1590/ts.v2i2.84806
  • RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. 2. ed. São Paulo: Editora da UNESP, 2010 [1993].
  • ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.
  • SALES, Jean Rodrigues. O impacto da revolução cubana sobre as organizações comunistas brasileiras (1959-1974) 2005. 262 p. Tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000375071 Acesso em: 19 abr. 2023.
    » http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000375071
  • SALES, Jean Rodrigues; ARAÚJO, Rafael; MENDES, Ricardo; SILVA, Tiago (org.). Revolução cubana: ecos, dilemas e embates na América Latina. Aracajú: IFS, 2019.
  • SARTI, Cynthia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, v. 12, p. 35-50, maio/ago. 2004. p. 38. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/43596613 Acesso em: 17 fev. 2023.
    » http://www.jstor.org/stable/43596613
  • SAWICKI, Frédéric; SIMÉANT, Johanna. Décloisonner la sociologie de l’engagement militant. Note critique sur quelques tendances récentes des travaux français. Sociologie du travail, v. 51, n. 1, p. 97-125, 2009. DOI: https://doi.org/10.1016/j.soctra.2008.12.006.
    » https://doi.org/10.1016/j.soctra.2008.12.006
  • SETEMY, Adrianna. O mercado de revistas e a construção cultural da transformação dos costumes no Brasil dos anos 1960. Escuta Revista de política e cultura, 2017. Disponível em: https://revistaescuta.wordpress.com/2017/11/24/o-mercado-de-revistas-e-a-construcao-cultural-da-transformacao-dos-costumes-no-brasil-dos-anos-1960/ Acesso em: 11 ago. 2022.
    » https://revistaescuta.wordpress.com/2017/11/24/o-mercado-de-revistas-e-a-construcao-cultural-da-transformacao-dos-costumes-no-brasil-dos-anos-1960/
  • SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995.
  • VIDAURRÁZAGA ARÁNGUIZ, T. ¿El hombre nuevo?: moral revolucionaria guevarista y militancia femenina. El caso del MIR. Nomadías, n. 15, p. 69-89, 2012. Disponível em: https://nomadias.uchile.cl/index.php/NO/article/view/21142 Acesso em: 3 dec. 2023.
    » https://nomadias.uchile.cl/index.php/NO/article/view/21142
  • WOLFF, Cristina Scheibe. Feminismo e configurações de gênero na guerrilha: perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985. Revista Brasileira de História, v. 27, n. 54, p. 19-38, dez. 2007.
  • WOLFF, Cristina Scheibe. Razón y emoción: mujeres militantes en las dictaduras del cono sur. Historia del presente, n. 33, p. 75-87, 2019.

Editado por

Editores responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2023
  • Aceito
    07 Dez 2023
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@usp.br