Acessibilidade / Reportar erro

A QUEDA DA MARQUESA D’ANCRE IMPRESSA DOS DOIS LADOS DO CANAL DA MANCHA (1617)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. As menções aos arquivos correspondem ao seguinte: (BnF) Bibliothèque Nationale de France; (BM-Amiens) Bibliothèque Municipale d’Amiens; (SBB) Staatsbibliothek zu Berlin; (HAB) Herzog August Bibliothek; (BL) British Library. Pesquisa financiada com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, por meio de bolsa de produtividade em pesquisa PQ-2 (Processo 306361/2022-1), assim como pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ (Processo 211.105/2019).

Resumo

Em 24 de abril de 1617, chegava ao fim a prodigiosa influência de um casal de italianos sobre a regente da França, Marie de Médicis. Ao articular o assassinato do marquês d’Ancre, marechal da França e figura-chave na condução dos negócios do reino, o delfim Louis XIII garantiu sua ascensão ao trono e o isolamento da rainha-mãe, apoiando-se sobre a distribuição das riquezas do falecido entre seus apoiadores. Restava, contudo, a questão em torno do que fazer com a viúva Léonora Dori, herdeira legítima de Concini. Através da análise das representações da marquesa em folhetos franceses e ingleses, este artigo reconstrói as facetas que lhe foram atribuídas e as visões contrastantes em torno de seu grau de influência na França do início do século XVII. No entrecruzamento entre a História do Impresso, a História das Mulheres e a História das Emoções, este artigo se volta à reflexão sobre a mobilidade dos textos e o impacto dos impressos baratos na constituição de um dado imaginário em torno do feminino e da formação da opinião na França moderna.

Palavras-chave
França; literatura de rua; Léonora Dori Galigaï; Louis XIII; emoções

Abstract

April 24, 1617, marked the end of the prodigious influence of an Italian couple over the regent of France, Marie de Médicis. By arranging the murder of the Marquis d’Ancre, French Marshal and key figure in the affairs of the kingdom, the Dauphin Louis XIII ensured his grasp over the throne and isolated the Queen Mother thanks to the distribution of the deceased’s riches of among his supporters. However, a question remained: What should be done to widow Léonora Dori, Concini’s legitimate heir? By analyzing how the Marquise is represented in French and English pamphlets, this article rebuilds the ways she was portrayed and the opposing views about her degree of influence in early 17th-century France. By investigating the interface between the History of Print, the History of Women and the History of Emotions, this work reflects on the mobility of texts and the impact of cheap prints on establishing a specific imaginary around the feminine and opinion formation in early modern France.

Keywords
France; Street Literature; Léonora Dori Galigaï; Louis XIII; Emotions

Marquesa, marechala, Galigaï, Dragontine, Medeia da França. Os múltiplos títulos e alcunhas recebidos por Léonora Dori (1568-1617), favorita de Marie de Médicis, aventam para a dimensão dessa personagem hoje obscura para além do círculo de pesquisadores dedicados à França do século XVII. Dama de companhia da rainha e dona de uma fortuna prodigiosa, Dori não apenas elevou sua própria posição desde sua chegada à corte francesa com a comitiva da então prometida de Henri IV, como propiciou a ascensão de Concino Concini após seu casamento em 1601.5 5 Ao facilitar a convivência da rainha com a favorita do rei, Henriette d’Entragues, Dori e Concini conseguiram obter a concordância de Henri IV à sua união em 1601, recebendo, ademais, um dote generoso de Marie de Médicis (DUCCINI, 1991). Léonora obteve então a cobiçada posição de dame d’atours, o terceiro cargo na hierarquia da casa da rainha, após a superintendente e a primeira dama de honra. Todas as funções requeriam, naturalmente, um título de nobreza e sólidas relações na política curial. Ou seja, as habilidades políticas de ambos foram exponencializadas com sua união, com o casal conseguindo não apenas vencer a desconfiança do rei, mas romper com as práticas de isolamento de estrangeiros das posições-chave da corte. Florentino como ela, oriundo da pequena nobreza toscana que servia aos Médicis, Concini lhe oferecia a possibilidade de um título, enquanto recebia, em retorno, o apoio daquela que se tornara refúgio da rainha em terreno desconhecido.

A intensa campanha difamatória levantada contra o casal de “arrivistas” italianos em libelos a partir de 1615 escolhe omitir, de início, esses bastidores que prepararam sua ascensão mais de uma década antes. Contrariamente à ideia disseminada de que era um estrangeiro de baixa extração, o fidalgo Concini fora naturalizado francês (e afrancesado Conchine) ainda em 1601, ano de seu enlace com Dori (DIZIONARIO, 1982DIZIONARIO BIOGRAFICO DEGLI ITALIANI. Concino Concini. Roma: Istituto Della Enciclopedia Italiana, 1982. v. XXVII, p. 726., p. 726; AMSTUTZ; TEYSSANDIER, 2017AMSTUTZ, Delphine; TEYSSANDIER, Bernard. 1617, Louis XIII prend le pouvoir: naissance d’un mythe?. Dix-septième siècle, n. 276, p. 395-398, 2017. Disponível em: https://hal.science/hal-02076482. Acesso em: 6 mar. 2023. doi: 10.3917/dss.173.0395.
https://hal.science/hal-02076482...
, p. 2), e, portanto, muito antes de Marie de Médicis ascender à regência. Na mesma linha, a suposta baixa extração de Léonora é apresentada em livro publicado em 1618 (cujo privilégio data de 9 de novembro de 1617), no qual o autor anônimo a apresenta – ela que crescera no Palácio Pitti com a ainda Maria de’ Medici – como filha de um carpinteiro de Florença, a fim de reforçar sua pretensa ambição desmedida que teria feito a regente de refém ([MATTHIEU], 1618). Atribuída a Pierre Matthieu, erudito que passa de apoiador da Liga a fiel historiógrafo de Henri IV enquanto atuava como advogado representante da cidade de Lyon, La conjuration de Conchine [A conjuração de Concini] traz à luz os eventos contemporâneos com um propósito edificador, no qual sobressai-se a ação implacável da fortuna. Também de sua pluma resulta La magicienne estrangere (1617) [A maga estrangeira], tragédia que narra a origem, os caminhos desonrosos e o fim arrasador do casal.

Ainda que ambas as obras sejam explícitas quanto à identidade de seus protagonistas, Matthieu não se limita a elas para explorar as misérias de seu tempo naquele ano particularmente profícuo (ao menos em termos literários). Duas outras tragédias por ele publicadas em 1617 se utilizam de exemplos passados que ressoavam em seu presente: Histoire d’Ælius Sejanus [História de Élio Sejano] e Histoire des prosperitez malheureuses d’une femme cathenoise, grande sesnechalle de Naples [História das infelizes prosperidades de uma mulher catana, grande senescala de Nápoles].6 6 A Histoire d’Ælius Sejanus consiste em uma tradução dos livros III e IV dos Annales, de Tácito, que versa sobre o favorito e traidor de Tibério. Já a Histoire des prosperitez malheureuses funda-se em uma das biografias de Boccaccio inseridas no célebre De casibus virorum illustrium (ca. 1347) e trata de Philippa da Catânia. De Boccaccio a Mathieu, o texto retornará às cidades italianas em numerosas edições. A respeito da fortuna editorial de Mathieu na península itálica, ver Miotti, 2014. Diferentes personagens, em temporalidades distintas, aludem à repetição da história: o abandono das origens em busca de riqueza e glória, por homens e mulheres que recorrem à manipulação e à trapaça daqueles que os ajudaram. Philippa da Catânia, em especial, é intimamente relacionada à Léonora Dori, na medida em que se trata da filha de um pescador que galgou os caminhos da corte napolitana, casando-se com um antigo escravizado que se tornou líder do exército. Em cada um desses casos, as riquezas angariadas foram insuficientes para tornar os personagens capazes de compreender o amor a um reino, de onde a justificativa – mortal e divina – das desgraças que se abateram sobre eles.

Matthieu apresenta, na dedicatória de Ælius Sejanus ao rei, a compreensão de sua obra como um espelho que serve não apenas para mostrar a mancha, mas também para ensinar a apagá-la (MATTHIEU, 1617aMATTHIEU, Pierre. Histoire d’Ælius Sejanus. Paris: veuve Jean Regnoul, 1617a., p. 3). Fortalece-se, assim, no campo literário, uma leitura particular das ações de Louis XIII, justificadas pela história. Não mais delfim, Louis XIII é um rei consagrado e no pleno exercício de suas funções, que teria recorrido ao aniquilamento do marechal d’Ancre como um ato de justiça soberana preventiva. Pierre de Bérule, em carta ao rei, equipara o episódio “às sombras que realçam um belo quadro ou às manchas que não alteram o esplendor solar”7 7 Trad. livre: “aux ombres qui rehaussent un beau tableau ou aux taches qui n’altèrent pas la splendeur solaire”. (JOUANNA, 2014, p. 36). Poucas décadas depois, Gabriel Naudé assinalará, em seu tratado sobre os golpes de Estado, a exemplaridade das ações do jovem rei em um golpe que reuniu premeditação, arranjo (com o assassinato de Concini seguido pela condenação de sua esposa e o exílio da rainha) e uma decisão autocrática (NAUDÉ, 1989 [1639]NAUDÉ, Gabriel. Considérations politiques sur les coups d’État. Rome: Les Éditions de Paris, 1639., p. 101). Ou seja, a partir do golpe que o tornou rei de facto, Louis XIII demonstrou as qualidades necessárias ao bom governo, fazendo o que era preciso para livrar o reino de seus parasitas que dilapidavam o tesouro, enfeitiçavam a rainha e abriam caminho para uma aliança com os rivais espanhóis. Todas as ações se mostram doravante justificadas, inclusive a conspiração e o assassinato. Trata-se, mais oportunamente, de um “golpe de majestade”, como explorado por Yves-Marie Bercé (1996)BERCÉ, Yves-Marie. Les coups de majesté des rois de France, 1588, 1617, 1661. In: BERCÉ, Yves-Marie; GUARINI, Elena Fasano (dir.). Complots et conjurations dans l’Europe moderne. Actes du colloque international organisé à Rome, 30 sept.-2 oct. 1993. Rome: École Française de Rome, 1996. p. 491-505., com a remoção de um rival do rei cujo prestígio impedia que se recorresse aos meios tradicionais.

Entretanto, assim como sua origem se revela diferente do que viria a ser eternizado, Concini estava longe de ser desprovido de méritos. Sucessivamente apontado como maître d’hôtel por Henri IV, em 1605, e como primeiro escudeiro da rainha, em 1608, apesar da tensão referente à inserção de estrangeiros findados os anos da corte italianizada de Cathérine de Médicis, o florentino rapidamente demonstrou talento para os negócios reais. A confiança nele depositada pelo rei pode ser percebida, inclusive, em seu aceite para se tornar padrinho da filha do casal, sem surpresa alguma batizada como Marie, enquanto seu filho mais velho já fora nomeado a partir do rei. Com o assassinato de Henri IV e a proximidade da rainha, sua posição na corte é reforçada, garantindo o marquesado, ainda em 1610, e o marechalato, em 1613, o qual, na prática, tornava Concino Concini o grande oficial da coroa da França. Seu poder ainda alargava-se nas províncias, tendo recebido a superintendência da Picardia em 1611 e a da Normandia em 1616, importantes para a formação de conexões regionais. Sua influência, assim, expandia-se em múltiplas frentes e apontava para a formação de uma dinastia própria8 8 Tal como mostram as perspectivas de casamento de sua filha com uma das grandes famílias do reino, projeto frustrado com a morte de Marie em janeiro de 1617 (DUBOST, 1999, p. 77). (DUCCINI, 1991DUCCINI, Hélène. Concini: grandeur et misère du favori de Marie de Médicis. Paris: Albin Michel, 1991.; DUBOST, 1999DUBOST, Jean-François. Between Mignons and Principal Ministers: Concini, 1610-1617. In: ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite. New Haven; London: Yale University Press, 1999. p. 71-78.; 2009DUBOST, Jean-François. Marie de Médicis. La reine dévoilée. Paris: Payot, 2009.).

A ascensão do forasteiro foi acompanhada de resistências dentro e fora da corte, notadamente dos grandes que se viam afastados das principais decisões e temiam a centralização e a perda de privilégios, a despeito da fragilidade da regência – ou, precisamente, por almejarem prosperar nesse momento (JOUANNA, 1989JOUANNA, Arlette. Le Devoir de révolte, la noblesse française et la gestation de l’État moderne, 1559- 1661. Paris: Fayard, 1989.; CORNETTE, 2000CORNETTE, Joël. La Monarchie. Entre Renaissance et Révolution, 1515-1792. Paris: Seuil, 2000.; COSANDEY, DESCIMON, 2002COSANDEY, Fanny; DESCIMON, Robert. L’Absolutisme en France. Histoire et historiographie. Paris: Seuil, 2002.; DUBOST, 2009DUBOST, Jean-François. Marie de Médicis. La reine dévoilée. Paris: Payot, 2009.). As práticas que viriam a definir o absolutismo,9 9 Fanny Cosandey reflete sobre os questionamentos em torno dos usos de “absolutismo”, termo surgido apenas ao final do século XVIII para definir, de forma crítica, as práticas da monarquia francesa contestada, e que acabou por se tornar perene na historiografia. Entre a busca de um aparato que isolasse as decisões de um rei sacralizado e os limites da época para tal, o conceito de absolutismo salient>a a influência da teoria política sobre o exercício do poder. Como conclui a autora, a despeito dos problemas, ele permanece não substituído (COSANDEY, 2023 [2002], p. 946). coroado sob Richelieu, germinam ainda sob Concini, que se esforça para preservar a rainha, estimulando uma política de aliança com a Espanha, a manutenção da (frágil) paz civil e maior austeridade em relação aos príncipes (JOUANNA, 1989JOUANNA, Arlette. Le Devoir de révolte, la noblesse française et la gestation de l’État moderne, 1559- 1661. Paris: Fayard, 1989.; DUBOST, 2009DUBOST, Jean-François. Marie de Médicis. La reine dévoilée. Paris: Payot, 2009.). Ele encarna a figura do favorito, personagem que, desde os mignons de Henri III, revela-se um poderoso intermediário na obtenção do favor real e, como expressa Nicolas Le Roux, “caracteriza-se em um dado momento pela capitalização mais extraordinária dos signos da exceção, que são formas de sublimação da relação de dependência, e manifestam a eficácia criadora e legitimadora do poder soberano”10 10 Trad. livre: “se caractérise à un moment donné par la plus extraordinaire capitalisation de signes de l’exception, qui sont autant de formes de sublimation du rapport de dépendance, et manifestent l’efficacité créatrice et légitimante du pouvoir souverain”. (LE ROUX, 1998LE ROUX, Nicolas. Courtisans et favoris: l’entourage du prince et les mécanismes du pouvoir dans la France des guerres de religion. Histoire, économie & société, v. 17, n. 3, p. 377-387, 1998. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/hes_0752-5702_1998_num_17_3_1992. Acesso em: 31 jan. 2024.
https://www.persee.fr/doc/hes_0752-5702_...
, p. 380-381). Esse “homem novo” que ascende socialmente graças à sua posição privilegiada no séquito do rei – no caso, da regente – inaugura o caminho a ser trilhado pelos grandes cardeais (CORNETTE, 2000CORNETTE, Joël. La Monarchie. Entre Renaissance et Révolution, 1515-1792. Paris: Seuil, 2000., p. 201).

Contudo, a posição privilegiada de Concini não é resultado único de um conjunto de características pessoais que inclui o oportunismo, comumente associado a outro mais famoso florentino. Antes de Concini, é Léonora quem vive na intimidade da rainha11 11 A proximidade é também espacial, já que Léonora recebeu um quarto adjacente ao da rainha no Louvre, o que foi seguido de uma casa ao lado do palácio real em 1612 (DUBOST, 1999, p. 73). e lhe serve seus conselhos, sendo recompensada (escandalosamente, dizem os relatos contemporâneos) por sua fidelidade. Como declarado pelo séquito da marquesa, a rainha-mãe parecia depender largamente de seus conselhos para tomar qualquer ação, seja para distribuir presentes, seja para dispensar favores (DUBOST, 1999DUBOST, Jean-François. Between Mignons and Principal Ministers: Concini, 1610-1617. In: ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite. New Haven; London: Yale University Press, 1999. p. 71-78., p. 72). Tal dependência garantiu a influência perene do casal d’Ancre na indicação dos ministérios (inclusive de Richelieu como ministro do exterior), na distribuição de cargos nas residências reais, nos parlamentos e mesmo na cúpula da Igreja, o que, como salienta Jean-François Dubost (1999)DUBOST, Jean-François. Between Mignons and Principal Ministers: Concini, 1610-1617. In: ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite. New Haven; London: Yale University Press, 1999. p. 71-78., estabeleceu o caminho para seu enriquecimento e status crescente.

Enquanto Concini é um exemplo primário do mundo dos favoritos na Europa moderna, que pende para as figuras masculinas, aquelas que exercem poder direto, como explorado na coletânea de Elliott e Brockliss (1999)ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite. New Haven; London: Yale University Press, 1999., Léonora Dori se encontra em uma posição peculiar. As favoritas reais, afinal, são tradicionalmente as amantes dos reis, que ascendem na corte e elevam seus filhos ilegítimos – para desespero daqueles que privilegiavam a origem sobre o mérito e a influência real, como demonstrará Saint-Simon (LADURIE, 2004LADURIE, Emmanuel Le Roy. Saint-Simon ou o sistema da corte. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 2004 [1997]. [1997]) –, exercendo poder nocivo através do sexo.12 12 O mundo das maîtresses en titre francesas oferece dezenas de biografias com apelo ao público amplo, enfatizando ascensão social, influência sobre o monarca e sexo. Entre elas, destacam-se aquelas que se sucederam no longo reinado de Louis XIV, como madame de Montespan (PETITFILS, 2009) e madame de Maintenon (DESPRAT, 2003; MARAL, 2018); e no reinado de Louis XV, madame de Pompadour (MUCHEMBLED, 2014) e a infame madame du Barry (SAINT-VICTOR, 2013). Já Louis XIII não seguiu os copiosos exemplos de seu pai. Até Gabrielle de Polignac e os escândalos da entourage de Marie Antoinette – nos quais, novamente, o sexo (ou a pretensão de sexo) desempenha papel fundamental –, a ligação de uma rainha com sua favorita na corte francesa toma um caminho muito menos percorrido. A relação de amizade e dependência de Marie de Médicis com Léonora Dori permanece sob os escombros das acusações de fraqueza e ingenuidade, de um lado, e de aproveitamento, de outro.

Através do acesso de Léonora e, por extensão, de Concini à rainha, a distribuição de favores tornou-se um meio de governo indireto na corte. Confundem-se, assim, os domínios público e privado da regente que, graças a seus intermediários, dispensa favores às pessoas certas – de onde a insatisfação dos grandes do reino, sujeitos ao crivo dos italianos – e é blindada da vileza das tratativas. Ainda não estamos diante de uma corte isolada em si mesma, na qual a velha nobreza concorre diretamente pelos favores do soberano, como os trabalhos magistrais de Elias (2001 [1969])ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001 [1969]. e Le Roy Ladurie (2004)LADURIE, Emmanuel Le Roy. Saint-Simon ou o sistema da corte. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 2004 [1997]. exploram para um momento posterior, mas a corte já demonstra se tornar, de mais a mais, “o ponto de culminação obrigatório das redes clientelistas e o lugar por excelência da formação do capital simbólico e material da nobreza”13 13 Trad. livre: “point d’aboutissement obligé des réseaux clientélaires et le lieux par excellence de la formation du capital symbolique et matériel de la noblesse”. (LE ROUX, 1998LE ROUX, Nicolas. Courtisans et favoris: l’entourage du prince et les mécanismes du pouvoir dans la France des guerres de religion. Histoire, économie & société, v. 17, n. 3, p. 377-387, 1998. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/hes_0752-5702_1998_num_17_3_1992. Acesso em: 31 jan. 2024.
https://www.persee.fr/doc/hes_0752-5702_...
, p. 386). As estruturas cortesãs são lentamente colocadas no lugar no Grande Século para a autonomia do jogo político.

A posição de favoritos do casal d’Ancre cumpriu seu propósito final de blindar a regente, tornando-se alvo dos descontentamentos dos grandes que foram desalojados de suas prerrogativas, e da população que se via inundada pelos relatos de influência indevida e de enriquecimento vergonhoso. Sua ascendência perdura até o fatídico 24 de abril de 1617, quando Concini é baleado três vezes, no peito, na cabeça e no ventre, por Nicolas de l’Hospital, barão de Vitry, e seus acólitos em uma das entradas do Louvre (QUATRIESME, 1617QUATRIESME Tome du Mercure François, ou, Les Memoires de la Suitte de l’Histoire de nostre temps, sous le Regne du tres-Chrestien Roy de France et de Navarre Louis XIII. Paris: E. Richer, 1617., p. 198). No que rapidamente se revela um complô orquestrado por Louis XIII, então com 16 anos, e seu favorito, Charles d’Albert de Luynes, o marechal é morto e rapidamente sepultado, não escapando seu corpo da profanação pela massa que o arrasta pelas ruas de Paris, despedaçando-o e, enfim, reduzindo-o a cinzas (DUCCINI, 1991DUCCINI, Hélène. Concini: grandeur et misère du favori de Marie de Médicis. Paris: Albin Michel, 1991.; BLANCHARD, 2009BLANCHARD, Jean-Vincent. Dies Irae. Le coup d’État de Louis XIII, les pamphlets et l’institution du public. Littératures classiques, v. 1, n. 68, p. 31-42, 2009. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-litteratures-classiques1-2009-1-page-31.htm. Acesso em: 6 mar. 2023. doi: https://doi.org/10.3917/licla.068.0031.
https://www.cairn.info/revue-litterature...
). Um dos ocasionais sobre o evento assinala, já em seu título, o ódio extraordinário lançado sobre o cadáver: ele foi “carabinado, enterrado, desenterrado, enforcado, emasculado, desmembrado, arrastado e queimado em Paris” (P. B. S. D. V., 1617P. B. S. D. V. [Pierre Beaunis de Chanterrain]. Le Définement de la guerre appaisée par la mort de Concino Concini, marquis d’Ancre, lequel a esté carrabiné, enterré, desterré, pendu, décoyonné, démembré, trainé et bruslé à Paris, ayant esté trouvé ateint & convaincu de crime de lèze Majesté, le vingt- quatriesme et vingt-cinquiesme Avril seize cens dix-sept… Lyon, pris sur la coppie imprimée à Paris: [s.n.], 1617.). O que é conhecido na historiografia como o golpe de Estado de Louis XIII promoveu sua tomada do poder, a elevação do assassino a marechal da França pelo rei, que afasta a rainha-mãe da corte junto de todos os seus ministros – ainda que o preço de sua ânsia por acender ao trono tenha sido o adiamento do processo de centralização, que será retomado por Richelieu e adquirirá valor de referência sob o Rei Sol.14 14 Sem, obviamente, tornar-se o regime absoluto de fato, dados os equilíbrios frágeis das instituições que acabam por sobrepor novas concepções administrativas a práticas antigas que não são eliminadas, bem como as resistências que não deixam de existir. De toda forma, o reforço do aparato estatal, sobretudo sob o governo pessoal de Louis XIV, a partir da profissionalização administrativa, da centralização do poder nas mãos do conselho real e, finalmente, do próprio rei (COSANDEY, 2023 [2002], p. 940) dão o tom do que mais se aproximou de um paradigma.

As ações do finado marechal serão julgadas apenas após sua eliminação, em um processo instaurado pelo Parlamento de Paris em 9 de maio de 1617. Tal processo será sumarizado em numerosos factums saídos dos ateliês de impressão, a exemplo do Chef du procès fait à la mémoire de Conchino Conchini, naguères maréchal de France, et à Léonora Galigaï sa veuve, et complices, sur la déprédation et interversion de deniers royaux, depuis la mort de Henry le GrandCHEF du procès fait à la mémoire de Conchino Conchini, naguères maréchal de France, et à Léonora Galigaï sa veuve, et complices, sur la déprédation et interversion de deniers royaux, depuis la mort de Henry le Grand (…) par autorité qu’icelui Conchine et sa femme, laquelle était son principal conseil, auraient usurpé les officiers du roi Louis XIII, et sur la violence et exactions commises sur toutes sortes de personnes pour amasser or et argent… [S. l.]: [s. n.], 1617.… [Processo feito em memória de Conchino Conchini, antigo marechal da França, e Léonora Galigaï, sua viúva, e cúmplices, sobre a depredação e inversão de fundos reais, desde a morte de Henri, o Grande…] (1617). Esses impressos insistirão sobre o caráter do complô armado pelo casal, com Léonora no papel de principal conselheira de seu marido, conduzindo-o no labirinto de artimanhas que, mais do que seu enriquecimento pessoal, visavam a dilapidação do reino em benefício de estrangeiros, “desde a morte do rei Henri, o Grande, em detrimento do rei Louis XIII, no prejuízo de sua autoridade e da tranquilidade do Estado”15 15 Trad. livre: “depuis la mort du roi Henry le Grand, au dommage du roi Louis XIII, au préjudice de son autorité et au repos de son État”. (CHAPITRE, 1617CHAPITRE du procès fait à la mémoire de Conchino Conchini, naguères maréchal de France, et à Léonora Galigaï sa veuve, sur le chef de crime de lèse-majesté royale, concernant les intelligences qu’iceux Conchine et sa femme ont eues et entretenues avec les étrangers, depuis la mort du roi Henry le Grand, au dommage du roi Louis XIII, au préjudice de son autorité et au repos de son État, en Italie et Espagne, en Flandre et Allemagne. [S. l.]: [s. n.], 1617., folha de rosto).

A retórica16 16 Sobre as influências, os debates e as transformações em torno da retórica na França dos séculos XVI e XVII, ver Marc Fumaroli (2009 [1980]). utilizada para tratar do evento é permeada, assim, desde os primeiros impressos a respeito, com teorias sobre o inimigo estrangeiro e a necessidade de salvar o reino. Os numerosos folhetos que invadem as ruas da capital logo na sequência do assassinato de Concini e da prisão de Léonora exploram o escândalo em detalhes, indiciando não apenas a falta de esforços para contê-lo, mas mesmo um aparente incentivo pela facção de Louis XIII (DUBOST, 1997DUBOST, Jean-François. La prise de pouvoir par Louis XIII. In: CORNETTE, Joël (dir.). La France de la monarchie absolue (1610-1715). Paris: Seuil, 1997. p. 83-100.; DUCCINI 1995DUCCINI, Hélène. Un campagne de presse sous Louis XIII: l’affaire Concini, 1614-1617. In: JOUTARD, Philippe (ed.). Histoire sociale, sensibilités collectives et mentalités: Mélanges Robert Mandrou. Paris: Presses Universitaires de France, 1985. p. 292-301., 2003DUCCINI, Hélène. Faire voire, faire croire. L’opinion publique sous Louis XIII. Paris: Champ Vallon, 2003.; TEYSSANDIER, 2013TEYSSANDIER, Bernard (dir.). Le Roi hors de page et autres textes. Une anthologie. Reims: EPURE, 2013.). Ao reforçar uma determinada versão dos eventos, que se tornaria a versão oficial, a Coroa transforma um golpe de Estado e assassinato encomendado pelo delfim em um esforço legítimo para recuperar o trono de um usurpador, um manipulador que se aproveitara da boa-fé da rainha para exercer sua influência perniciosa.

Com um anti-italianismo latente que já se manifestara durante a regência da prévia rainha Médicis e que continuará a pontuar a cena política nas décadas seguintes, alvejando notavelmente Mazarin e Jean-Baptiste Lully já sob Louis XIV, o reino parece confluir no que era de interesse dos príncipes de sangue, capitaneados por Condé: a necessidade de que os ouvidos reais fossem acessíveis apenas para vozes da alta nobreza, livrando a França de uma suposta influência externa nociva. Além dos italianos, os costumeiros rivais espanhóis,17 17 Até 1659, pelo menos, quando o Tratado dos Pirineus celebra a paz entre França e Espanha e acorda o casamento de Louis XIV com a infanta Marie-Thérèse da Áustria. Esse ano-chave que assinala a proeminência da França no continente europeu é apontado como o fim do primeiro século XVII, iniciado após o assassinato de Henri IV em 1610 (RODIER, 2020, p. 17). ingleses, turcos e judeus figuram entre os alvos, sendo o “judaísmo” o primeiro crime imputado ao marechal caído no processo póstumo instaurado contra ele (RECUEIL, 1617RECUEIL des charges qui sont au proces faictes à la mémoire de Conchino Conchini n’agueres Mareschal de France, et à Leonora Galigai sa vefve, sur le chef du crime de leze-Majesté divine. In: Quatriesme Tome du Mercure François, ou, Les Memoires de la Suitte de l’ Histoire de nostre temps, sous le Regne du tres-Chrestien Roy de France et de Navarre Louis XIII. Paris: E. Richer, 1617. p. 1-8., p. 1 et seq.). Elie de Montalto, médico oficial de Marie de Médicis que fora introduzido na corte em 1606 e autorizado a praticar sua religião em 1612, será acusado de provocar a hidropisia que acometia a regente no libelo La Chemise Sanglante. Com seus “olhos de basilisco, (…) corpo totalmente gasto que não é mais que um porão de varíola e de infecção”18 18 Trad. livre: “yeux de basilic, (…) corps tellement gasté que ce n’est plus qu’une sentine de vérole & d’infection”. (RODIER, 2020RODIER, Yann. Les Raisons de la haine. Histoire d’une passion dans la France du premier XVIIe siècle (1610-1659). Paris: Champ Vallon, 2020., p. 162), o médico a exauria com suas sangrias, desviando-a do exercício do poder. Obviamente, ele fora apresentado por Léonora Galigaï.

O Mercure François,19 19 Publicação caracterizada como o primeiro periódico francês, o Mercure François foi editado entre 1611 e 1648, contando os eventos remarcáveis do reino ocorridos entre 1605 e 1644. Obra dos impressores parisienses Jean e Estienne Richer, o Mercure contava com privilégio real e, em seus últimos anos, foi mantido por Théophastre Renaudot, cujos esforços para estabelecer uma imprensa periódica na França foram recompensados com a proteção de Richelieu e Mazarin. em especial, em um capítulo inteiro dedicado às acusações, enfatiza a associação de Concini com judeus, cuja entrada no reino teria sido facilitada com o propósito expresso de miná-lo (RECUEIL, 1617RECUEIL des charges qui sont au proces faictes à la mémoire de Conchino Conchini n’agueres Mareschal de France, et à Leonora Galigai sa vefve, sur le chef du crime de leze-Majesté divine. In: Quatriesme Tome du Mercure François, ou, Les Memoires de la Suitte de l’ Histoire de nostre temps, sous le Regne du tres-Chrestien Roy de France et de Navarre Louis XIII. Paris: E. Richer, 1617. p. 1-8., p. 1-8). Os impressos exercem, assim, um impacto considerável nas campanhas movidas contra os estrangeiros, alimentando uma “xenofobia de Estado” e contribuindo para a cristalização do ódio coletivo, como ressalta Yann Rodier (2020, p. 162 et seq.)RODIER, Yann. Les Raisons de la haine. Histoire d’une passion dans la France du premier XVIIe siècle (1610-1659). Paris: Champ Vallon, 2020.. O autor assinala como a gestão da emoção pública adquire um caráter estratégico para o Estado, para a qual concorre uma gama de discursos voltados ao desvelamento das paixões, os mesmos discursos transmitidos em rumores e libelos que contribuem para sua instrumentalização contra a regência e que Norbert Elias (1990ELIAS, Norbert. O Processo civilizador. Rio de Janeiro: J. Bahar, 1990 [1939]. Vol. 1: Uma história dos costumes.; 1993ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1993 [1939]. Vol. 2: Formação do Estado e civilização. [1939]) já considerara em sua análise clássica do processo civilizador.

A emoção pública é, portanto, um elemento capital ao tratar da construção de um escândalo nos ateliês de impressão. Em um espaço de poucos meses, mais de uma centena de impressos baratos, sem contar o Mercure François e as tragédias de Mathieu, foram difundidos pelas ruas da capital, alimentando o interesse crescente pelo evento cujo impacto se estendeu para muito além das portas do Louvre, onde o assassinato fora consumado. Nessa operação rápida e eficaz, um evento foi moldado de forma a justificar uma justiça arbitrária, mas plenamente condizente com os interesses envolvidos. Insuflada e repercutida pela maioria dos impressos, a versão de que a execução de Concini foi necessária e de que o julgamento de sua esposa Léonora resultava da intervenção divina para colocar a França novamente no bom caminho ganhou espaço. Dos impressos sobreviventes, pouquíssimos colocam em xeque a narrativa oficial, e nunca acintosamente. Se houve dúvidas sobre a necessidade de livrar o reino do casal de italianos, elas não resistiram ao tempo e à enxurrada de libelos que obstinadamente reiteravam um mesmo discurso.

Tal imagem persiste na reflexão acerca da França do início século XVII, a despeito das tentativas de reavaliação do papel de Concini na démarche absolutista pela historiografia a partir dos anos 1990. Os trabalhos de Hélène Duccini (1985DUCCINI, Hélène. Un campagne de presse sous Louis XIII: l’affaire Concini, 1614-1617. In: JOUTARD, Philippe (ed.). Histoire sociale, sensibilités collectives et mentalités: Mélanges Robert Mandrou. Paris: Presses Universitaires de France, 1985. p. 292-301., 1991DUCCINI, Hélène. Concini: grandeur et misère du favori de Marie de Médicis. Paris: Albin Michel, 1991., 2003)DUCCINI, Hélène. Faire voire, faire croire. L’opinion publique sous Louis XIII. Paris: Champ Vallon, 2003. e de Jean-François Dubost (1997DUBOST, Jean-François. La prise de pouvoir par Louis XIII. In: CORNETTE, Joël (dir.). La France de la monarchie absolue (1610-1715). Paris: Seuil, 1997. p. 83-100., 2009)DUBOST, Jean-François. Marie de Médicis. La reine dévoilée. Paris: Payot, 2009., destacadamente, esmiuçaram os bastidores da acensão do favorito da rainha Marie de Médicis. Mais recentemente, Yann Rodier (2020)RODIER, Yann. Les Raisons de la haine. Histoire d’une passion dans la France du premier XVIIe siècle (1610-1659). Paris: Champ Vallon, 2020. se debruçou sobre a construção do anti-italianismo nos libelos, e Bernard Teyssandier (2013)TEYSSANDIER, Bernard (dir.). Le Roi hors de page et autres textes. Une anthologie. Reims: EPURE, 2013. reuniu fontes importantes e análises sobre a derrocada do casal nos impressos. De forma mais ampla, tais estudos se inserem na renovação de pesquisas sobre o absolutismo e sobre uma história cultural do político, para a qual a cultura impressa tem valor excepcional.

Contudo, ainda que os estudos específicos sobre o papel de Concino Concini na coroa da França e sobre os bastidores da elevação de Louis XIII tenham se multiplicado, permanece sub-representada nas análises de caráter historiográfico aquela que é descrita nas fontes (parciais) da época como sua principal incentivadora. Tendo recebido alguns estudos fundadores no século XX (HAYEM, 1910HAYEM, Fernand. Le Maréchal d’Ancre et Léonora Galigaï. Paris: Plon, 1910.; MONGRÉDIEN, 1968MONGRÉDIEN, Georges. Léonora Galigaï. Un procès de sorcellerie sous Louis XIII. Paris: Hachette, 1968.), ainda cabe desvelar as representações construídas em torno de Léonora Dori e do papel singular por ela ocupado entre as mulheres descritas nos impressos baratos da França do século XVII, e não como um apêndice de Concini. Tanto em termos do número de peças a ela dedicados, impressos que ultrapassarão as fronteiras do reino e da língua francesa, assim como em termos do ódio que lhe é dedicado, ela assinala um paroxismo no trato do feminino nessas fontes. Inflacionando o número de libelos e canards que contam com uma presença feminina, a “marechala” é a personagem mais evocada da literatura de rua francesa em seu auge, cujas narrativas atravessam fronteiras e amplificam a audiência do escândalo.

A queda da Galigaï dos dois lados do Canal da Mancha

O interesse pelo escândalo do casal Concini é responsável por uma curva acentuada nos números da literatura de rua da França moderna, que encontra seu pico no primeiro terço do século XVII. Período marcado por um crescimento do número de relatos sobre crimes femininos em compasso com os esforços de moralização do reino no cenário pós-guerras de religião e de avanço da Contrarreforma (LIEBEL, 2013LIEBEL, Silvia. Les Médées modernes: la cruauté féminine d’après les canards imprimés (1574-1651). Rennes: PUR, 2013.), essas décadas serão pontuadas por um sentido inédito de oportunidade entre os impressores. Se até então alguns poucos casos se singularizaram e foram objeto de diferentes impressos, a exemplo dos múltiplos assassinatos cometidos por Anne de Buringel, reproduzidos por quatro ateliês distintos,20 20 LE VRAY Discours d’une des plus grandes cruaultez qui ait esté veuë de nostre temps, avenue au Royaulme de Naples. Par une damoiselle nommée Anne de Buringel, laquelle a fait empoisonner son mary par un à qui elle promettait mariage, et depuis elle a empoisonné son pere, sa soeur, et deux de ses petits neveux, et de la mort qui s’est ensuyvie d’un jeune Gentil-homme… Paris: J. de Lastre, 1577 (BnF); LE DISCOURS d’une très-grande cruauté commise par une Damoyselle nommée Anne de Buringel laquelle a fait empoisonner son mary… Lyon: J. Bourgeois, 1587 (BnF); LE VRAY Discours d’une cruauté exercée par une demoiselle envers son mary, son père, sa soeur et deux de ses nepveux. Lyon: T. Ancelin, 1598 (BM-Amiens); LE VRAY Discours d’une cruauté exercee par une Damoiselle envers son Marit, son Pere, sa Sœur, et deux de ses neveux. Rouen, jouxte l’exemplaire imprimé à Paris: J. Hubault, 1609 (BnF). o rumor público em torno da queda do marquês e da marquesa d’Ancre tanto impulsionará o mercado editorial, como será por ele alimentado. O trabalho dos impressores voltados às publicações baratas não pode, portanto, ser desvencilhado desse lógica que implica uma simbiose entre os dois grupos de interesses envolvidos no processo: os leitores que demandam mais notícias e os ateliês que aproveitam um cenário favorável para ampliar suas vendas. Não se trata, naturalmente, de uma troca equilibrada, na medida em que os folhetos são compostos segundo visões específicas, fornecendo a seus leitores (e ouvintes) uma chave de leitura própria, relacionada aos eventos do tempo e, não raramente, às informações presentes em outros impressos.

Aos ruídos públicos que alimentavam interesses bastante específicos, a literatura de rua corresponde com textos ocasionais sob medida: canards, i.e., brochuras de poucas páginas, caráter apelativo e com uma atração pelo sanguinolento, seguindo sua denominação do século XVIII (LEVER, 1993LEVER, Maurice. Canards sanglants. Naissance du fait divers. Paris: Fayard, 1993., p. 11; LIEBEL, 2013LIEBEL, Silvia. Les Médées modernes: la cruauté féminine d’après les canards imprimés (1574-1651). Rennes: PUR, 2013., p. 28 et seq.); e libelos ou panfletos – termo derivado do inglês pamphlet que atravessa o Canal da Mancha após a profusão desse tipo de impresso durante as guerras civis e passa a ser usado como sinônimo de libelle (DUCCINI, 2003DUCCINI, Hélène. Faire voire, faire croire. L’opinion publique sous Louis XIII. Paris: Champ Vallon, 2003.) –, textos maiores, com até 48 páginas no formato octavo (MARTIN, 2000MARTIN, Henri-Jean. Livres, pouvoirs et société à Paris au XVIIe siècle. Genebra: Droz, 2000 [1969]. [1969]) e com objetos explícita ou implicitamente políticos. As duas categorias acabam se confundindo quando os curtos impressos políticos são analisados,21 21 Hélène Duccini (1991), por exemplo, ao contabilizar 76 folhetos dedicados ao escândalo, mescla impressos de diferentes tamanhos, e a eles adiciona 35 peças em versos. pois todo canard com tom político, afinal, pode ser considerado um libelo, mas nem todo libelo é um canard que, na maioria dos casos, não possuía mais de dois cadernos, i.e., 16 páginas. O conteúdo característico dos canards, o fait divers que expressa um evento curioso, extraordinário ou de grande repercussão, igualmente se aplica ao caso.

A esses textos se somam peças em versos, cartazes e folhas avulsas, materiais que frequentemente não apresentam informações sobre os impressores, desafiam as classificações e são impossíveis de serem quantificados pela sua profusão, fragilidade e fração mínima que chegou aos nossos dias. Com diferentes ênfases, portanto, os produtos saídos dos ateliês voltam-se a um público heterogêneo, tanto no apelo específico de cada tipo de impresso quanto nos custos envolvidos em sua aquisição, o que se relaciona às expectativas de Donald F. Mackenzie (1986) acerca da materialidade dos impressos como definidores dos leitores e dos sentidos produzidos. Ao enfatizar os canards, os mais baratos dos impressos de múltiplas páginas, busca-se, portanto, situar o horizonte cultural dos leitores de bolsos mais modestos, aos quais devem ser acrescidos os ouvintes que eram parte do universo da leitura em uma sociedade na qual o compartilhamento era comum. Os canards apresentam, ademais, uma versão condensada do que poderia ser abordado mais longamente nos panfletos, sendo particularmente rentáveis por ensejarem cópias mais rápidas. Eles se constituem, em certa medida, em um termômetro dos interesses do mercado impressor nesse período que Christian Jouhaud (2003, p. 33)JOUHAUD, Christian. Les libelles en France au XVIIe siècle: action et publication. Cahiers d’histoire. Revue d’histoire critique, n. 90-91, p. 33-45, 2003. Disponível em: https://journals.openedition.org/chrhc/1443. Acesso em: 31 jan. 2024. doi: https://doi.org/10.4000/chrhc.1443.
https://journals.openedition.org/chrhc/1...
classifica como “o tempo dos libelos”.

É exemplar nesse sentido a atuação do impressor parisiense Fleury Bourriquant, ativo nas duas primeiras décadas do século XVII e conhecido por seus impressos baratos que vão de relatos sobre campanhas militares a polêmicas religiosas, passando pelo cotidiano político francês. Em 1617, ele foi responsável por ao menos seis publicações sobre o destino funesto do casal d’Ancre,22 22 DESTINÉE du mareschal d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617 (SBB); LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617a (HAB); LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617b (BnF); LE TOMBEAU du Marquis d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617 (SBB); L’OMBRE du marquis d’Ancre, apparue à MM. les Princes. Paris: F. Bourriquant, 1617 (BnF); LETTRE escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617a (BnF). O canard La Médée de la France foi também impresso pelo lionês Claude Pelletier, igualmente em 1617, não sendo possível determinar qual foi o folheto original. das quais duas reproduzem o mesmo texto com diferentes elementos tipográficos; uma foi base para a publicação de outro impressor, sediado em Lyon;23 23 A folha de rosto menciona “segundo a cópia impressa em Paris por F. Bourriquant.” Trad. livre: “jouxte la coppie imprimée à Paris par F. Bourriquant” (DESTINÉE, 1617a). e uma carta, impressa com permissão, foi reproduzida por três outros ateliês.24 24 A Lettre escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre foi objeto de reprodução em Paris, por Joseph Guerreau (também com permissão); e, em Lyon, por Jean Rovaize, além de existir um cópia sem dados editoriais. A multiplicação de cópias aponta para as práticas difundidas em torno da (re)utilização de uma mesma composição, inclusive aquelas com privilégio. São os tipógrafos, afinal, e não os “autores” – na grande maioria anônimos – os responsáveis pelo desenvolvimento desse nicho do mercado, do qual a autoria compósita é parte de um processo que implica adequações, recortes e ampliações promovidas nos ateliês de impressão (CHARTIER, 2004CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: UNESP, 2004 [1987]. [1987]; 2012CHARTIER, Roger. O que é um autor? Revisão de uma genealogia. São Carlos: Edufscar, 2012 [2000]. [2000]). Escritores, gravuristas, preparadores de tipos, impressores e revisores (trabalho que, de forma não rara, era feito pelos próprios autores) contribuem, assim, coletivamente, para a versão final de uma obra.

A repetição de um texto encerra um conjunto de possibilidades entre os impressores de então, das quais se sobressai o intuito de aumentar a vendagem entre leitores ávidos que poderiam acreditar se tratar de material novo, atender a apelos por uma nova edição ou ainda diminuir ou onerar seu valor. No caso de Bourriquant, em particular, evidencia-se o barateamento de uma das edições em relação ao texto que conta com uma gravura e elementos ornamentais (capitulares e vinheta), pois esse modelo tipográfico mais elaborado será repetido em seus impressos posteriores. A despeito da maioria de seus canards contar com apenas um caderno, i.e., oito páginas, eles se diferenciavam, assim, por folhas de rosto mais elaboradas e cuidados adicionais na impressão.

Igualmente se destaca o trabalho de Abraham Saugrain, o mais prolífico dos impressores de canards (LIEBEL, 2013LIEBEL, Silvia. Les Médées modernes: la cruauté féminine d’après les canards imprimés (1574-1651). Rennes: PUR, 2013., p. 41), responsável por cinco publicações referentes ao evento25 25 LES ACTIONS et regrets de la marquise d’Anchre après la prononciation de son Arrest. Et les particularitez notables de tout ce qui s’en est ensuivy. Paris: A. Saugrain, 1617 (BnF); BREF RECIT de tout ce qui s’est passé pour l’execution & juste punition de la Marquize d’Anchre. Avec son Anagramme, Et deux Epitaphes, dont l’une est Chronologique. Paris: A. Saugrain, 1617 (BnF); LA DESCENTE du Marquis d’Ancre aux enfers, son combat et sa rencontre avec Maistre Guillaume… Paris: A. Saugrain, 1617 (BnF); LA RENCONTRE du marquis et de la marquise d’Ancre en l’autre monde. Ensemble leurs discours avec le roi Henri le Grand. Paris: A. Saugrain, 1617 (BnF); LES SOUSPIRS et regrets du fils du marquis d’Anchre, sur la mort de son père, et exécution de sa mère. Paris: A. Saugrain, 1617 (BnF). em meio a diversos relatos que esmiuçam a atualidade dos acontecimentos do tempo, o maravilhoso e o insólito. Explorando cada oportunidade que abria margem para uma notícia ser veiculada, os folhetos de Saugrain e de sua viúva, que lhe sucede na condução do ateliê após sua morte, em 1622, acompanham as oscilações temáticas na passagem do século XVI para o século XVII. Nesse sentido, seus impressos referentes ao escândalo vão dos lamentos da marquesa ao encontro com seu marido no inferno, enquanto, no plano mais geral, ganham corpo as notícias moralizantes sobre crimes.

Se tão somente Bourriquant e Saugrain são responsáveis, juntos, por 11 folhetos sobre o caso em 1617, a popularidade da notícia pode ser antevista. Ela será contada através da reprodução da sentença, da denúncia dos crimes e do arrependimento de Léonora Dori, de seu percurso da Conciergerie até o patíbulo, da vida e da morte do casal, das lágrimas de seu filho que será expropriado e banido, além do testamento da marquesa, alcançando 46 canards sobre o tema apenas em 1617. Desses, a Galigaï é o tema de 24 peças, das quais 15 se dedicam exclusivamente a ela, e outras nove a abordam em conjunto com Concini, uma porcentagem nada negligenciável dentro desse universo de fontes. Léonora Dori é, dessa forma, singularizada entre as personagens (reais e fictícias) da literatura de rua, e sua tragédia será esquadrinhada por escritores, impressores e, seguramente, leitores.

Os numerosos relatos sobre a queda do outrora poderoso casal, ademais, não ficam restritos ao reino da França e servirão de base de comparação para a decadência dos grandes ao longo do século, a exemplo dos irmãos holandeses Cornelis e Johan de Witt, presos e linchados pela massa no âmbito de uma conspiração da casa de Orange já no início dos anos 1670.26 26 A comparação pode ser vista nos panfletos in-4°: VERGELIJCKINGHE over het leven en doodt van der Marquis d’Ancre in Vranckrijck, met dat van Cornelis en Ian de Wit, in Hollandt. [S.l.]: [s. n.], 1672 (BL); DEN BEDROGEN Engelsman met de handen in ‚t hair. Of T‚ samenspraeck tusschen drie persoonen, Daniel, een Fransman. Robbert, een Engelsman. en Jan, een Hollander. Nevens een vergelijckinge tusschen den Marquis d’Ancre, en Cornelis en Ian de Wit. [S.l.]: [s. n.], 1672 (BL). Ainda no ano do acontecimento definidor do reinado de Louis XIII, são encontrados 14 folhetos impressos em inglês, fora os relatos posteriores, dentro de memórias. Apoiando-se em textos originais franceses, impressores londrinos lançaram-se à tradução das desgraças que se abateram sobre Concini e Dori, por vezes sem se preocupar em adaptar o texto – observa-se, nesse sentido, a indignação contra a “fúria infernal” que surgiu para “semear nosso país da França com a tinta de todas as misérias”27 27 Trad. livre: “this infernall furie (…) came to sprinkle our Countrey of France with the Incke of all miseries”. Ênfase minha. O folheto conta com uma nota indicando o trocadilho entre Incke e Ancre. (THE ARRAIGNMENT, 1617THE ARRAIGNMENT of the Marques d’Ancre. Translated According to the French Copie, printed at Roan. London: Felix Kingston for William Arondell, at the Angels in Pauls Church-yard, 1617., p. 3). Ainda que não haja registros conhecidos sobre a recepção desses impressos na Inglaterra ou sobre as motivações específicas para a tradução de um caso ocorrido em Paris, eles exploram uma tópica fértil do período que transcende fronteiras: o orgulho e sua punição.

Nesse conjunto de ocasionais, o patronímico Dori não é mais do que uma introdução para indicar as origens modestas da protagonista, segundo alguns canardiers, enquanto Concini/Conchine é reservado a seu esposo. Já seus títulos são evocados continuamente, dentro do arco narrativo que compreende origem, ascensão e queda. São, assim, perfilados Galigaï (ou Galligaya), marquesa e marechala, posição incondizente com seu sexo, a fim de caracterizar a ambição e a ganância que serão suas principais características no universo dos impressos. Assim como (para todos os efeitos) Pierre Mathieu narra sua ascendência desprovida de lustre, é ele quem igualmente explica as origens do nome Galigaï, que teria sido usurpado por Léonora de um velho nobre junto de suas armas, com o beneplácito do duque de Florença ([MATTHIEU], 1618, p. 5). Dentro de um processo de intertextualidade característico dessas narrativas, canardiers incorporam com frequência elementos de impressos mais extensos, como tragédias e histórias trágicas, passando a caracterizar Léonora Dori preferencialmente a partir desse nome de família “roubado”. Galigaï servirá de base, inclusive, para um anagrama no Bref Recit de tout ce qui s’est passé pour l’execution et juste punition de la Marquize d’Anchre [Relato breve de tudo o que se passou para a execução e justa punição da Marquesa d’Ancre] (1617, p. 5), no qual “Eleonor de Galliguea” se torna “Déloyalle ronge Gaule” [Desleal rói a Gália].28 28 Magda Campanini (2019) também chama atenção para esse canard, mas em texto voltado para as dimensões enunciativas dos impressos dedicados à marquesa.

As acusações contra a marquesa atingem, assim, um crescendo: de influência nefasta sobre o marido, ela passa à manipuladora da rainha, até finalmente se tornar uma ameaça para todo o reino. Alguns ocasionais chegam a inculpá-la pelas ações de Concini (HARANGUE, 1617aHARANGUE de la marquise d’Ancre, estant sur l’échafaud. Ensemble la remontrance à son fils. Paris: J. Viala, 1617a.; 1617bHARANGUE de la marquise d’Ancre, estant sur l’échafaud. Ensemble la remontrance à son fils. Lyon: Claude Pelletier, 1617b.), apresentando, em primeira pessoa, seu lamento no cadafalso, quando anseia pelo perdão do falecido, arruinado por sua ambição: “vou encontrar minha cara metade, e lhe pedir perdão de seu falecimento, do qual eu infelizmente urdi a trama” (DISCOURS, 1617aDISCOURS, regrets et harangue de la marquise d’Ancre, despuis la Conciergerie jusques sur l’escchafaut. Ensemble la remontrance à son fils. Avec son oraison. Paris: Joseph Guerreau, 1617a., p. 3). Conjugam-se, portanto, as denúncias de seus crimes com o temor de uma ascendência propriamente feminina, afinal, é ela quem incita o marido a cometer as ações mais vis em prol de sua ambição, é ela quem influencia sua amiga e confidente, ações coroadas, por fim, com seus lamentos patéticos quando é fatalmente emprisionada.

Os apelos emotivos ao leitor destacam-se, sobremaneira, em As lágrimas da marquesa d’Ancre sobre a morte de seu marido, título que encontrou audiência tanto na França, a partir de ao menos três edições, quanto na Inglaterra com uma tradução consideravelmente fiel do original em francês, a exceção de um poema à memória do casal que está presente ao final de todas as cópias publicadas no reino de Louis XIII. O octavo originalmente impresso pelo parisiense Esti>enne Perrin, situado à rua Judas, em 1617, é intitulado Les larmes de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts [As lágrimas da marquesa d’Ancre sobre a morte de seu marido. Com os lamentos de seu nascimento, e detestação de seus crimes e mal-feitos]. A peça será reproduzida em Tours por Jean Vantard, situado na rue de la Sellerie, e em Lyon, em uma cópia supostamente com permissão que, no entanto, não apresenta o nome do impressor. As três versões francesas do folheto alcançam distintas quantidades de páginas em função da distribuição do texto e do tamanho dos tipos, contando com uma gravura em madeira com a marca dos impressores na folha de rosto, letras capitulares estilizadas e diferentes vinhetas, atestando suas origens distintas. A edição lionesa ganha ainda uma atualização ortográfica, que corrige erros de grafia e desenvolve as abreviações utilizadas por Perrin,29 29 Como, por exemplo, “inventiõs”, que passa a ser grafada como “inventions”. além de um poema adicional sobre Louis XIII ao final.

Já a edição inglesa sai das prensas de Felix Kingston para o livreiro William Arondell, localizado nos arredores da igreja de St. Paul. O impressor tem presença destacada na difusão dos acontecimentos ocorridos na França, lançando onze das treze edições sobre o marquês e/ou a marquesa d’Ancre publicadas na Inglaterra em 1617, em sua quase totalidade com a indicação de terem sido (fielmente) traduzidas de cópias francesas. Além da impressão, a venda também se mostra concentrada do lado inglês, com cinco das onze edições impressas por Kingston sendo vendidas por Nathaniel Newbery, cujas lojas se localizavam próximo da igreja de St. Peter e na Popes-head Alley, e seis pelo anteriormente citado William Arondell. The teares of the Marshall d’Ancres wife, shed for the death of her husband. with the bewailing of her nativitie, and detestation of her heinous crimes and offences é apresentado como uma tradução de cópia francesa, que pode ser identificada com a cópia parisiense original de Perrin, pois a edição de Lyon conta adicionalmente, na folha de rosto, com um parágrafo sobre as ações do rei e o poema anteriormente mencionado.

FIGURA 1
Edição original de As lágrimas da Marquesa d’Ancre sobre a morte de seu marido
FIGURA 2
Edição lionesa de As lágrimas da Marquesa d’Ancre sobre a morte de seu marido
FIGURA 3
Edição inglesa de As lágrimas da Marquesa d’Ancre sobre a morte de seu marido

Versões de um mesmo texto, portanto, os folhetos franceses e o folheto inglês que exploram o título As lágrimas da Marquesa d’Ancre sobre a morte de seu marido se diferenciam em seu conteúdo das demais narrativas sobre o escândalo. Ao adotar um tom confessional para sua protagonista, que se coloca em posição de súplica, arrependimento e temor pelo futuro que lhe é reservado, essas fontes constróem uma imagem alternativa para Léonora Dori, sem, contudo, retirar-lhe a ignomínia. Despida do orgulho que lhe é tão bem caracterizado no conjunto de folhetos narrando sua ascensão e queda, a marquesa d’Ancre surge na posição que é comumente imposta às mulheres desviantes na literatura de rua francesa: a arrependida, que maldiz seu nascimento e se coloca sob as mãos da justiça e do rei, acreditando em sua sabedoria. Uma das mulheres mais importantes do reino, acusada de subjugar a regente para seu benefício pessoal, é, assim, igualada ao conjunto de criminosas construídas por esses textos efêmeros, sendo despida mesmo de seu nome. Nos folhetos, leitores e leitoras são apresentados à “pobre florentina”, à esposa de Conchine/Conchini, à marquesa, mas em nenhum momento a uma mulher dotada de nome próprio.

Reduzida, portanto, ao denominador comum das demais desviantes, sua relação com o masculino, Léonora Dori denuncia a ambição do marido e sua própria ignorância como responsáveis pelas desgraças geradas por ambos. Apesar disso, ela não deixa de clamar pelo companheiro e lamentar sua separação, em um movimento que vai da acusação à súplica. A marquesa, mais uma vez imaginada por um autor de fait divers, ou seja, dotada de conflitos a partir de um filtro masculino, questiona a perda de sua influência perniciosa e seu isolamento:

“onde estão meus sentidos e os espíritos os mais sutis, dos quais a natureza pareceu me honrar? onde estão, eu digo, essas cautelosas invenções que pareciam tão bem encantar o espírito daquela que devia servir de aurora no firmamento deste Estado? Lástima! está feito, meus prodígios estão sufocados, os monstros de minhas imaginações estão na tumba.” Tradução livre.

“où sont mes sens, et les esprits les plus subtils dont la nature a semblé de m’honorer? où sont dis-je ces cauteleuses inventions qui sembloient si bien charmer l’esprit de celle qui devoit servir d’Aurore dans le Firmament de cet Estat ? Helas ! s’en est faict, mes prodiges sont ettoufez, les monstres de mes imaginations sont au tombeau”

(LES LARMES, 1617LES LARMES de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts. Paris: Estienne Perin, 1617.a, p. 3-4).

“where be those most subtile wits and conceits that nature seemed to much to honour me whithall? where be those deceitful tricks and inventions, that seemed so strongly to charm the soul of her, that should have been the Aurora in the firmament of this estate? they are gone, my prodigies are smothered, the deformed monsters of my imaginations are buried in the grave”

(THE TEARES, 1617THE TEARES of the Marshall d’Ancres Wife, shed for the death of her Husband. With the Bewailing of her nativitie, and detestation of her heinous crimes and offences. Translated out of the French Copie. London: printed by Felix Kingston for William Arondell, 1617., p. 2 [3]).

Nessas fontes não estamos, portanto, diante da Medeia da França, alcunha grandiloquente que será atribuída por outro ocasional,30 30 LA MEDEE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: Fleurry Bourriquant, 1617 (BnF, HAB); Lyon: Claude Pelletier, 1617 (BnF). mas de uma mulher caída que abraça seu destino. O pesar nelas se faz presente como um componente essencial da literatura de rua que denuncia o crime e sinaliza o arrependimento para uma ordem de mundo coerente, restaurando a concórdia perdida – todo crime, afinal, é ruptura. Largamente moralizante, a literatura de rua é compreendida como um gênero próprio e, como tal, implica uma convenção de leitura, seguindo a reflexão de Christian Jouhaud (2009 [1985])JOUHAUD, Christian. Lisibilité et persuasion. Les placards politiques. In: CHARTIER, Roger (dir.). Les usages de l’imprimé. Paris: Fayard, 1987. p. 309-342. para os cartazes (placards). A leitura dos folhetos espera, assim, mesmo nos casos mais grotescos, o remorso como um elemento-chave, por mais improvável que ele possa soar. Um exemplo necessário, a condenação iminente da marquesa é aceita como consequência natural de suas ações:

Pois que assim é, e que a justiça divina e humana não podem mais permitir a impunidade de meus crimes, que meus encantos e sortilégios não podem mais nada neste mundo, é preciso que eu me exponha entre as mãos daqueles que me deviam fazer passar a barca31 31 Alusão à barca de Caronte que transpunha as almas dos mortos através do rio Estige no Hades. , e que entregando o espírito eu peça perdão àquele que podia me conservar em um repouso perpétuo32 32 Trad. livre: “Puis qu’>ainsi est, & que la justice divine et humaine ne peut plus permettre l’>impunité de mes crimes, que mes charmes & sortileges ne peuvent plus rien en ce monde, il faut que je m’>expose entre les mains de ceux qui me doivent faire passer la barque, & que rendant les esprits je demande pardon à celuy qui me pouvoit conserver en un repos perpetuel”.

(LES LARMES, 1617aLES LARMES de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts. Lyon, jouxte la copie imprimée à Paris: [s. n.], d’après l’édition d’Estienne Perrin, 1617a., p. 7).

A referência a seus “encantos e sortilégios” não é gratuita, considerando a feitiçaria ter se constituído no argumento central do processo movido contra ela, ainda que claramente visto como um embuste pelos poderosos33 33 O próprio Richelieu questiona a legitimidade da acusação em suas Memórias (1837, p. 165). e largamente ignorado por essa literatura sedenta de escândalos. Voltadas à construção do caráter e da glória do rei, as narrativas dedicadas à ascensão e queda de Léonora Dori não se desviam, assim, da busca pelo perdão, elemento que seria improvável em uma verdadeira acólita do diabo. É à figura do rei, o responsável pela destruição de seu mundo, que a protagonista recorre, muito mais do que ao tinhoso.

De Louis XIII, “imagem viva da clemência”34 34 Trad. livre: “Image vive de la Clemence”. (LES LARMES, 1617LES LARMES de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts. Paris: Estienne Perin, 1617.a, p. 8), aponta-se o golpe dado para reclamar seu próprio trono, sendo-lhe rogado um novo golpe, dessa feita contra a justiça em curso, um golpe que mostre sua beneficência. No clamor pelo perdão real, a imaginada marquesa d’Ancre não deixa, assim, de sutilmente apontar as faltas cometidas pelo rei, o que é, ademais, reforçado no subtítulo que foi acrescentado à edição lionesa: “E também as Estrofes sobre os desvios do Rei, tanto na morte do Marquês d’Ancre quanto após o efeito de sua louvável resolução sobre o assunto”35 35 Trad. livre: “Et aussi les Stances, sur les deportements du Roy, tant en la mort du Marquis d’Ancre, qu’après l’effect de sa loüable resolution sur ce sujet”. Chamo atenção aqui para o uso de “déportement” que, embora se traduza como conduta, implica em um desvio, ou seja, em um comportamento reprovável no plano moral, mas que é justificado, afinal, posteriormente seu juízo é “louvável”. (LES LARMES, 1617LES LARMES de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts. Paris: Estienne Perin, 1617.a, p. 1). A autoria anônima do folheto não nega, assim, o caminho tortuoso percorrido pelo delfim para ascender ao poder, mas reafirma sua soberania e infere a justiça de suas ações. Essa crítica acidental escapará aos demais folhetos tratando do caso, que insistem na narrativa de um rei “absolutamente tomando o governo para si mesmo”36 36 Trad. livre: “absolutely taking the government for himself”. (THE FRENCH JUBILE, 1617THE FRENCH JUBILE: or, the joy and thanksgiving of all France, to God, and their King, for the death of the Marquise d’Ancre. Translated out of the French Copie printed at Paris. London: printed by Felix Kingston for Nathaniel Newbery, 1617., p. 3), como em O Júbilo Francês, outro folheto traduzido para o inglês que justifica, inclusive, a distribuição das riquezas do casal entre aqueles que ajudaram o rei a recuperar o trono, devolvendo aos pares da França as posições usurpadas devido à influência italiana.

O perdão almejado pela protagonista de As lágrimas da Marquesa d’Ancre sobre a morte de seu marido, contudo, não está ao alcance da prisioneira, que anseia pela morte e teme o suplício inevitável. Do monólogo da marquesa que serve como uma exortação ao aceite dos lugares sociais e à ordem do mundo, passa-se ao testemunho de um observador que vê sua decadência e miséria e, do desespero que a toma, “parece que os demônios já desfrutam”37 37 Trad. livre: “semble [sic] il que les demons en soient deja jouyssants”. (LES LARMES, 1617LES LARMES de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts. Paris: Estienne Perin, 1617.a, p. 9). Conjugam-se, assim, orgulho e decadência daquela que ousou almejar ir além de sua posição social selada no nascimento: outrora “deusa” que detinha o mundo nas mãos, Léonora Dori se vê reduzida a nada (DISCOURS, 1617DISCOURS, regrets et harangue de la marquise d’Ancre, despuis la Conciergerie jusques sur l’escchafaut. Ensemble la remontrance à son fils. Avec son oraison. Paris: Joseph Guerreau, 1617a., p. 7-8).

Em sua desgraça, a marquesa sintetiza o poder feminino tal como retratado na literatura de rua: trata-se de um poder de exceção, construído a partir do referencial masculino e em sua ausência, um poder que corrompe quando usurpado e que leva à ruína – dos seus e à sua própria. Em suas múltiplas faces, como esposa insubmissa, que se apodera da autoridade natural de seu marido e nele instila o mal; como amiga ingrata daquela que não apenas a acolheu e elevou, mas que deveria antepor a proteção de todo o reino a seus caprichos; como estrangeira, tirando o lugar de honra devido à elite francesa; como mãe, incapaz de proteger seu filho da infâmia; como feiticeira improvável, ocupada em perverter e fomentar a discórdia no reino muito cristão. Ela encarna os vícios temidos pelo tempo e apresenta uma face visível, capaz de canalizar os ódios.

As contradições são evidentes, visto serem fontes produzidas por diferentes mãos, mas uma mesma visão de mundo androcêntrica dita os defeitos atribuídos à Galigaï. Ela peca por sua ambição e fraqueza, ditas naturais do feminino. A despeito de sua débil constituição, estampada em seu físico defeituoso – dela Michelet (1857, p. 76)MICHELET, Jules. Histoire de France au dix-septième siècle. Henri IV et Richelieu. Paris: Chamerot, 1857. dirá que se tratava de “um tipo de anã sombria, com olhos sinistros, como carvões do inferno”38 38 Trad. livre: “une sorte de naine noire, avec des yeux sinistres, comme des charbons d’enfer”. –, ela se sobreporá aos grandes. De tão fraca, ela se torna responsável pelas misérias do povo francês, espoliado por seu enriquecimento escandaloso. Para uns, ela tão somente insufla a ambição de Concini, enquanto para outros é ela quem pavimenta a ascensão do marido graças a seu acesso à rainha, tornando-se responsável por sua queda. Sua força reside, portanto, em sua fraqueza natural, que ensejou a germinação de vícios e a levou a ser menosprezada.

Léonora Dori, contudo, não tem sua imagem construída isoladamente. Ela compartilha a origem estrangeira com a regente abatida e se torna alvo para as acusações que não poderiam ser levantadas contra a mãe do rei. Marie de Médicis, afinal, escolhera seu círculo de confiança, escorneando a cabala formada pela alta nobreza francesa, mas não poderia ser diretamente implicada – mais de um século e meio aguarda a proliferação de impressos escandalosos que tornarão a reputação de outra rainha insustentável. Transportadas para o reino da Pérsia em uma das histórias trágicas de François de Rosset (1619)ROSSET, François de Rosset. Des enchantemens et sortileges de Dragontine: de sa fortune prodigieuse, et de sa fin mal-heureuse. In: Les histoires memorables et tragiques de ce temps. Où sont contenuës les morts funestes et lamentables de plusieurs personnes, arrivées par leurs ambitions, amours desreiglees, sortileges, vols, rapines, et par autres accidens divers et memorables. Paris: P. Chevalier, 1619. p. 1-46., a dupla de irmãs de criação39 39 A marquesa é apresentada na literatura de rua como a “sœur de lait” [irmã de leite] da rainha, ou seja, Léonora era filha de sua ama de leite em Florença. é encontrada na “bela e sábia” imperatriz Parthénie e na “negra e seca” Dragontine. É apenas através de artes nefastas e de sortilégios que a governante pôde ser controlada e o futuro da Pérsia ameaçado, perenizando a contraposição entre as duas figuras que selaram a apreensão contemporânea dos perigos do poder em mãos femininas e a importância da lei sálica40 40 Sobre os usos da lei sálica na estruturação da coroa da França, ver Fanny Cosandey (2000). para a organização masculina do mundo. Seguramente, graças à astúcia do Sophy/delfim, a ordem é reestabelecida.

A repetição exaustiva dos vícios da marquesa d’Ancre através de múltiplos impressos não deixa, contudo, de apresentar algumas brechas. Primeiramente, a ausência de material crítico ao casal nos impressos anteriores a 1615 revela o oportunismo da avalanche de acusações em meio ao processo póstumo de Concini e a execução de Léonora. Além disso, o ódio insuflado contra aquela que se aproveitara da rainha-mãe e teve sua infâmia minuciosamente descrita, com pormenores sobre sua aparência, trejeitos e fraquezas, não sobrevive de todo à descrição de seu suplício. Executada na praça de Grève em 8 de julho de 1617, sua coragem teria despertado a compaixão da massa, até então revoltada e pronta a linchá-la (BLUCHE, 1990BLUCHE, François (dir.). Dictionnaire du Grand Siècle. Paris: Fayard, 1990., p. 368):

Ela subiu corajosamente no cadafalso, resolveu morrer com constância, o executor lá presente, após lhe ter cortado os cabelos, (…) ela toda resolvida se desvendou e não se assustou de forma alguma com o golpe que ela não podia evitar, (…) ela recebeu o golpe de espada que lhe separou a alma do corpo, isso feito ela foi despojada de suas vestimentas, e seu corpo foi colocado na fogueira de madeira para ser ardido e queimado41 41 Trad. livre: “Elle monte courageusement sur l’eschaffaut, se resoult de mourir constamment, l’executeur là present, apres luy avoir couppe ses cheveux, (…) elle toute resoluë se debande et ne s’effraya aucunement du coup qu’elle ne pouvoit eviter, (…) elle reçoit le coup d’espée qui luy separa l’ame d’avec le corps, cella fait elle est depouillee de ses habillements, et son corps fut mis sur le bucher de bois pour estre ard et brusle”. Além da edição parisiense de Anthoine du Brueil, o mesmo título saiu das prensas de C. Larjot em Lyon (DISCOURS, 1617c), et de J. Vatard, em Tours (DISCOURS, 1617d).

(DISCOURS, 1617bDISCOURS sur la mort de Eleonor Galligay femme de Conchine Marquis d’Ancre. Executee en Greve le Samedy 8. de Juillet. 1617. Paris: A. du Brueil, 1617b., p. 8).

Produtos internos aos textos, que ajudam a moldar a realidade ao mesmo tempo em que revelam sua leitura particular de mundo, as representações não são elementos arbitrários. Fundadas sobre os preconceitos do tempo, elas mobilizam paixões na prática discursiva e corroboram para a construção de um dado imaginário. Elas sinalizam igualmente os embates envoltos em suas construções, como já sinalizou Roger Chartier (1989)CHARTIER, Roger. Le monde comme représentation. Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, v. 44, n. 6, p. 1505-1520, 1989. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/ahess0395-26491989num446283667. Acesso em: 30 jan. 2024.
https://www.persee.fr/doc/ahess0395-2649...
ao esmiuçá-las na França do Antigo Regime. Atravessando fronteiras, o conjunto de representações produzidas em torno do feminino e de sua relação com o poder contribui para a justificativa das ações, por mais brutais e convenientes que possam parecer, assim como alimentam a opinião que se quer uníssona.

A proliferação de impressos e a formação da opinião: à guisa de conclusão

O impacto dos impressos, especialmente daqueles baratos, não deve ser subestimado em função dos altos índices de analfabetismo nos inícios dos tempos modernos. Alimentados por rumores, escândalos e mexericos, como uma de suas possíveis origens etimológicas o indica,42 42 Furetière (1701 [1690], p. 249) relaciona o termo canard a cancan, i.e., boato. os canards e os libelos transcendem a leitura individual, seguindo as práticas de leitura da época, mas vão além, na medida em que vendedores ambulantes os anunciavam aos gritos nas grandes cidades.

Tendo em vista que as formas de leitura e o compartilhamento do material escrito são historicamente mutáveis, o período se torna palco do desenvolvimento de novas habilidades e estratégias para discussão em torno de saberes, práticas e eventos com a quebra do monopólio do saber propiciado pela revolução de Gutenberg. Ao considerar os libelos, Christian Jouhaud (2003)JOUHAUD, Christian. Les libelles en France au XVIIe siècle: action et publication. Cahiers d’histoire. Revue d’histoire critique, n. 90-91, p. 33-45, 2003. Disponível em: https://journals.openedition.org/chrhc/1443. Acesso em: 31 jan. 2024. doi: https://doi.org/10.4000/chrhc.1443.
https://journals.openedition.org/chrhc/1...
assinala, nesse sentido, como eles permitem uma instrumentalização do acontecimento, que é lido, discutido e interpretado. Os canards lhes abrirão os caminhos para sua multiplicação nos anos da Fronda (1648-1653), largamente sendo deixados de lado quando a polêmica se instala no coração impressor do reino.

Ainda no começo do século, são eles que concentram as narrativas sobre os casos de maior repercussão da literatura de rua francesa. O assassinato de Concini e a execução da marquesa d’Ancre permitem vislumbrar, a partir de fontes abundantes, não apenas a linearidade e a justificativa dos eventos, mas emoções e ambições de figuras históricas tornadas personagens que alimentaram o imaginário da época. Os canards revelam, nesse ponto, as vantagens de sua difusão, juntamente dos motivos para seu progressivo ocaso: com um viés aparentemente mais inofensivo da transmissão da informação do que os libelos, graças a seus relatos vívidos que apelam a um conjunto amplo de leitores, eles não incitam a vigilância das autoridades, antes se constituem em transmissores dos valores da ordem estabelecida.

A espetacularização da política, na ordem do dia dos impressos desde o assassinato de Henri IV, é alavancada com o golpe de Louis XIII e ganha espaço, como observado, na França e além, com impressores ingleses ávidos pelas notícias do reino vizinho. Com apologistas fervorosos entre os canardiers, a construção pública da autoridade se vê imbuída de uma dimensão afetiva que apenas a narrativa pode cimentar. Herdeiro eclipsado pela grandeza da imagem de seu pai, e que permaneceu sob a sombra do cardeal Richelieu, Louis XIII tem, no entanto, um futuro radiante prometido pelos ocasionais.

Ao legitimar a execução de Léonora Dori, quando o marechal da França já havia sido eliminado e a marquesa não representava uma ameaça, os impressos baratos foram ativos na moldagem do evento à época. No deslizamento do real sobre a ficção, o evento que fez nascer o governo de Louis XIII se sustenta sobre o aniquilamento (literal e metafórico) da ambiciosa florentina. Esse rico conjunto de fontes mostra a tentativa de controle, as manipulações e, também, algumas sutis objeções e a impossibilidade de inteiramente controlar o funcionamento das prensas. Os testemunhos, debates e regozijo em nome do povo francês engajam um debate que será aprofundado com as revoltas nobiliárquicas dos anos seguintes.

Libelos e canards abrem caminho junto à população urbana que, desde as folhas de grande formato de finais do século XV e inícios do século XVI, tem nos impressores e vendedores ambulantes os veículos de acesso à informação. Ajudando a construir a ordem do mundo, a literatura de rua reforça as estruturas sociais através de seu fundo moralizador que não passa despercebido sob seu conteúdo escandalizante. Nela, a Galigaï que ensejou dezenas de ocasionais e alimentou o mercado impressor ao longo de um ano, torna-se o epítome da mulher faltosa, plena de vícios, que insiste em dominar e precisa ser submetida. Forma-se um conjunto de representações ancoradas nos preconceitos sobre o feminino que sobreviveu ao tempo. Construindo a memória dos eventos, tais representações contribuem para a legitimação não apenas de Louis XIII, mas do regime da monarquia de poder absoluto – esse modelo patriarcal43 43 Por toda a Europa, a raiz patriarcal da autoridade real é declarada nos séculos XVI e XVII em um retorno a Platão. Mais do que uma herança senhorial, teóricos da monarquia absoluta como Bodin, Bossuet, Filmer e Pufendorf desenvolverão suas reflexões sobre o regime que está sendo moldado a partir de noção de patriarcado. Tal compreensão servirá, inclusive, para a busca pelo Estado do controle das relações familiares. em escala ampliada do qual falam Robert Muchembled (1988)MUCHEMBLED, R. L’Invention de l’homme moderne. Culture et sensibilités en France du XVe au XVIIIe siècle. Paris: Fayard, 1988., Yves-Marie Bercé (1997)BERCÉ, Yves-Marie. Les coups de majesté des rois de France, 1588, 1617, 1661. In: BERCÉ, Yves-Marie; GUARINI, Elena Fasano (dir.). Complots et conjurations dans l’Europe moderne. Actes du colloque international organisé à Rome, 30 sept.-2 oct. 1993. Rome: École Française de Rome, 1996. p. 491-505., Fanny Cosandey e Robert Descimon (2002)COSANDEY, Fanny; DESCIMON, Robert. L’Absolutisme en France. Histoire et historiographie. Paris: Seuil, 2002. – que está em constante fermentação. Pois a monarquia francesa não se apresenta de forma coerente e acabada, nem mesmo (e, sobretudo) às vésperas da Revolução, e seus esforços no sentido de controle dos corpos e consciências (assim como as resistências) são observados em múltiplas esferas ao longo dos dois séculos sob os Bourbon.44 44 Observa-se, nesse sentido, uma investida no campo legal, com a promulgação de éditos reais condenando a gravidez fora do casamento e o enlace sem a autorização parental (HANLEY, 1989) que serão sucedidos pelas lettres de cachet e os pedidos de internação compulsória dos filhos e esposas desobedientes; acompanhada de severa repressão judiciária, onde ficam patentes os esforços de controle específico sobre as mulheres a partir da perseguição ao infanticídio (MUCHEMBLED, 2007). A literatura de rua acaba por fornecer, em um cenário de instabilidade, um apelo ao controle da ordem: o reino não mais precisava temer os perigos simbolizados pelas mulheres (estrangeiras) à frente da coroa da França, pois o mundo fora recolocado no lugar.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. As menções aos arquivos correspondem ao seguinte: (BnF) Bibliothèque Nationale de France; (BM-Amiens) Bibliothèque Municipale d’Amiens; (SBB) Staatsbibliothek zu Berlin; (HAB) Herzog August Bibliothek; (BL) British Library. Pesquisa financiada com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, por meio de bolsa de produtividade em pesquisa PQ-2 (Processo 306361/2022-1), assim como pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ (Processo 211.105/2019).
  • 3
    Article not published on preprint platforms. All sources and bibliography have been referenced. Allusions to archives are as follows: (BnF) Bibliothèque Nationale de France; (BM-Amiens) Bibliothèque Municipale d’Amiens; (SBB) Staatsbibliothek zu Berlin; (HAB) Herzog August Bibliothek; (BL) British Library. Research financed with support from the National Council for Scientific and Technological Development – CNPq under research productivity grant PQ-2 (Process 306361/2022-1) and by the Rio de Janeiro State Research Support Foundation – FAPERJ (Process 211.105/2019).
  • 4
    Ph.D. in Early Modern History from Université Sorbonne Paris Nord, Assistant Professor of Early Modern History at the History Institute of the Federal University of Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ – Brazil.
  • 5
    Ao facilitar a convivência da rainha com a favorita do rei, Henriette d’Entragues, Dori e Concini conseguiram obter a concordância de Henri IV à sua união em 1601, recebendo, ademais, um dote generoso de Marie de Médicis (DUCCINI, 1991DUCCINI, Hélène. Concini: grandeur et misère du favori de Marie de Médicis. Paris: Albin Michel, 1991.). Léonora obteve então a cobiçada posição de dame d’atours, o terceiro cargo na hierarquia da casa da rainha, após a superintendente e a primeira dama de honra. Todas as funções requeriam, naturalmente, um título de nobreza e sólidas relações na política curial. Ou seja, as habilidades políticas de ambos foram exponencializadas com sua união, com o casal conseguindo não apenas vencer a desconfiança do rei, mas romper com as práticas de isolamento de estrangeiros das posições-chave da corte.
  • 6
    A Histoire d’Ælius Sejanus consiste em uma tradução dos livros III e IV dos Annales, de Tácito, que versa sobre o favorito e traidor de Tibério. Já a Histoire des prosperitez malheureuses funda-se em uma das biografias de Boccaccio inseridas no célebre De casibus virorum illustrium (ca. 1347)BOCCACCIO. De casibus virorum illustrium [ca. 1347]. Traité des mésadventures de personnages signalez. Paris: Nicolas Eue, 1578. e trata de Philippa da Catânia. De Boccaccio a Mathieu, o texto retornará às cidades italianas em numerosas edições. A respeito da fortuna editorial de Mathieu na península itálica, ver Miotti, 2014MIOTTI, Mariangela. De l’Italie à la France, de la France à l’Italie: l’histoire tragique de la femme “cathenoise”. Boccace, Pierre Matthieu (1563-1621), Virgilio Malvezzi (1595-1654). Cahiers d’études italiennes, n. 19, p. 127-147, 2014. Disponível em: https://journals.openedition.org/cei/2158. Acesso em: 31 jan. 2024. doi: https://doi.org/10.4000/cei.2158.
    https://journals.openedition.org/cei/215...
    .
  • 7
    Trad. livre: “aux ombres qui rehaussent un beau tableau ou aux taches qui n’altèrent pas la splendeur solaire”.
  • 8
    Tal como mostram as perspectivas de casamento de sua filha com uma das grandes famílias do reino, projeto frustrado com a morte de Marie em janeiro de 1617 (DUBOST, 1999DUBOST, Jean-François. Between Mignons and Principal Ministers: Concini, 1610-1617. In: ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite. New Haven; London: Yale University Press, 1999. p. 71-78., p. 77).
  • 9
    Fanny Cosandey reflete sobre os questionamentos em torno dos usos de “absolutismo”, termo surgido apenas ao final do século XVIII para definir, de forma crítica, as práticas da monarquia francesa contestada, e que acabou por se tornar perene na historiografia. Entre a busca de um aparato que isolasse as decisões de um rei sacralizado e os limites da época para tal, o conceito de absolutismo salient>a a influência da teoria política sobre o exercício do poder. Como conclui a autora, a despeito dos problemas, ele permanece não substituído (COSANDEY, 2023COSANDEY, Fanny. Absolutismo: um conceito não-substituído. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 54, n. 54, p. 933-954, set./dez. 2023 [2002]. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/4rMqfjrwT5WqNkdcTSz45Ld/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 30 jan. 2024. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02405417.
    https://www.scielo.br/j/topoi/a/4rMqfjrw...
    [2002], p. 946).
  • 10
    Trad. livre: “se caractérise à un moment donné par la plus extraordinaire capitalisation de signes de l’exception, qui sont autant de formes de sublimation du rapport de dépendance, et manifestent l’efficacité créatrice et légitimante du pouvoir souverain”.
  • 11
    A proximidade é também espacial, já que Léonora recebeu um quarto adjacente ao da rainha no Louvre, o que foi seguido de uma casa ao lado do palácio real em 1612 (DUBOST, 1999DUBOST, Jean-François. Between Mignons and Principal Ministers: Concini, 1610-1617. In: ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite. New Haven; London: Yale University Press, 1999. p. 71-78., p. 73).
  • 12
    O mundo das maîtresses en titre francesas oferece dezenas de biografias com apelo ao público amplo, enfatizando ascensão social, influência sobre o monarca e sexo. Entre elas, destacam-se aquelas que se sucederam no longo reinado de Louis XIV, como madame de Montespan (PETITFILS, 2009PETITFILS, Jean-François. Madame de Montespan. Paris: Perrin, 2009.) e madame de Maintenon (DESPRAT, 2003DESPRAT, Jean-Paul. Madame de Maintenon. Paris: Perrin, 2003.; MARAL, 2018MARAL, Alexandre. Madame de Maintenon. La presque reine. Paris: Belin, 2018.); e no reinado de Louis XV, madame de Pompadour (MUCHEMBLED, 2014MUCHEMBLED, Robert. Madame de Pompadour. Paris: Fayard, 2014.) e a infame madame du Barry (SAINT-VICTOR, 2013SAINT-VICTOR, Jacques. Madame du Barry. Paris: Perrin, 2013.). Já Louis XIII não seguiu os copiosos exemplos de seu pai.
  • 13
    Trad. livre: “point d’aboutissement obligé des réseaux clientélaires et le lieux par excellence de la formation du capital symbolique et matériel de la noblesse”.
  • 14
    Sem, obviamente, tornar-se o regime absoluto de fato, dados os equilíbrios frágeis das instituições que acabam por sobrepor novas concepções administrativas a práticas antigas que não são eliminadas, bem como as resistências que não deixam de existir. De toda forma, o reforço do aparato estatal, sobretudo sob o governo pessoal de Louis XIV, a partir da profissionalização administrativa, da centralização do poder nas mãos do conselho real e, finalmente, do próprio rei (COSANDEY, 2023COSANDEY, Fanny. Absolutismo: um conceito não-substituído. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 54, n. 54, p. 933-954, set./dez. 2023 [2002]. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/4rMqfjrwT5WqNkdcTSz45Ld/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 30 jan. 2024. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02405417.
    https://www.scielo.br/j/topoi/a/4rMqfjrw...
    [2002], p. 940) dão o tom do que mais se aproximou de um paradigma.
  • 15
    Trad. livre: “depuis la mort du roi Henry le Grand, au dommage du roi Louis XIII, au préjudice de son autorité et au repos de son État”.
  • 16
    Sobre as influências, os debates e as transformações em torno da retórica na França dos séculos XVI e XVII, ver Marc Fumaroli (2009 [1980])FUMAROLI, Marc. L’Âge de l’éloquence: rhétorique et « res literaria » de la Renaissance au seuil de l’époque classique. Genebra: Droz, 2009 [1980]..
  • 17
    Até 1659, pelo menos, quando o Tratado dos Pirineus celebra a paz entre França e Espanha e acorda o casamento de Louis XIV com a infanta Marie-Thérèse da Áustria. Esse ano-chave que assinala a proeminência da França no continente europeu é apontado como o fim do primeiro século XVII, iniciado após o assassinato de Henri IV em 1610 (RODIER, 2020RODIER, Yann. Les Raisons de la haine. Histoire d’une passion dans la France du premier XVIIe siècle (1610-1659). Paris: Champ Vallon, 2020., p. 17).
  • 18
    Trad. livre: “yeux de basilic, (…) corps tellement gasté que ce n’est plus qu’une sentine de vérole & d’infection”.
  • 19
    Publicação caracterizada como o primeiro periódico francês, o Mercure François foi editado entre 1611 e 1648, contando os eventos remarcáveis do reino ocorridos entre 1605 e 1644. Obra dos impressores parisienses Jean e Estienne Richer, o Mercure contava com privilégio real e, em seus últimos anos, foi mantido por Théophastre Renaudot, cujos esforços para estabelecer uma imprensa periódica na França foram recompensados com a proteção de Richelieu e Mazarin.
  • 20
    LE VRAY Discours d’une des plus grandes cruaultez qui ait esté veuë de nostre temps, avenue au Royaulme de Naples. Par une damoiselle nommée Anne de Buringel, laquelle a fait empoisonner son mary par un à qui elle promettait mariage, et depuis elle a empoisonné son pere, sa soeur, et deux de ses petits neveux, et de la mort qui s’est ensuyvie d’un jeune Gentil-homme… Paris: J. de Lastre, 1577 (BnF); LE DISCOURS d’une très-grande cruauté commise par une Damoyselle nommée Anne de Buringel laquelle a fait empoisonner son mary… Lyon: J. Bourgeois, 1587 (BnF); LE VRAY Discours d’une cruauté exercée par une demoiselle envers son mary, son père, sa soeur et deux de ses nepveux. Lyon: T. Ancelin, 1598 (BM-Amiens); LE VRAY Discours d’une cruauté exercee par une Damoiselle envers son Marit, son Pere, sa Sœur, et deux de ses neveux. Rouen, jouxte l’exemplaire imprimé à Paris: J. Hubault, 1609 (BnF).
  • 21
    Hélène Duccini (1991)DUCCINI, Hélène. Concini: grandeur et misère du favori de Marie de Médicis. Paris: Albin Michel, 1991., por exemplo, ao contabilizar 76 folhetos dedicados ao escândalo, mescla impressos de diferentes tamanhos, e a eles adiciona 35 peças em versos.
  • 22
    DESTINÉE du mareschal d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617DESTINÉE du mareschal d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617. (SBB); LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617aLA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617a. (HAB); LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617bLA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Lyon: Claude Pelletier, 1617c. (BnF); LE TOMBEAU du Marquis d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617LE TOMBEAU du Marquis d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617. (SBB); L’OMBRE du marquis d’Ancre, apparue à MM. les Princes. Paris: F. Bourriquant, 1617L’OMBRE du marquis d’Ancre, apparue à MM. les Princes. Paris: Fleury Bourriquant, 1617. (BnF); LETTRE escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre. Paris: F. Bourriquant, 1617aLETTRE escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617a. (BnF). O canard La Médée de la France foi também impresso pelo lionês Claude Pelletier, igualmente em 1617, não sendo possível determinar qual foi o folheto original.
  • 23
    A folha de rosto menciona “segundo a cópia impressa em Paris por F. Bourriquant.” Trad. livre: “jouxte la coppie imprimée à Paris par F. Bourriquant” (DESTINÉE, 1617aDESTINÉE du mareschal d’Ancre. Lyon: G. Mamiolles, 1617a.).
  • 24
    A Lettre escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre foi objeto de reprodução em Paris, por Joseph Guerreau (também com permissão); e, em Lyon, por Jean Rovaize, além de existir um cópia sem dados editoriais.
  • 25
    LES ACTIONS et regrets de la marquise d’Anchre après la prononciation de son Arrest. Et les particularitez notables de tout ce qui s’en est ensuivy. Paris: A. Saugrain, 1617LES ACTIONS et regrets de la marquise d’Anchre après la prononciation de son Arrest. Et les particularitez notables de tout ce qui s’en est ensuivy. Paris: A. Saugrain, 1617. (BnF); BREF RECIT de tout ce qui s’est passé pour l’execution & juste punition de la Marquize d’Anchre. Avec son Anagramme, Et deux Epitaphes, dont l’une est Chronologique. Paris: A. Saugrain, 1617BREF RECIT de tout ce qui s’est passé pour l’ execution & juste punition de la Marquize d’Anchre. Avec son Anagramme, Et deux Epitaphes, dont l’une est Chronologique. Paris: A. Saugrain, 1617. (BnF); LA DESCENTE du Marquis d’Ancre aux enfers, son combat et sa rencontre avec Maistre Guillaume… Paris: A. Saugrain, 1617LA DESCENTE du Marquis d’Ancre aux enfers, son combat et sa rencontre avec Maistre Guillaume… Paris: A. Saugrain, 1617. (BnF); LA RENCONTRE du marquis et de la marquise d’Ancre en l’autre monde. Ensemble leurs discours avec le roi Henri le Grand. Paris: A. Saugrain, 1617LA RENCONTRE du marquis et de la marquise d’Ancre en l’autre monde. Ensemble leurs discours avec le roi Henri le Grand. Paris: A. Saugrain, 1617. (BnF); LES SOUSPIRS et regrets du fils du marquis d’Anchre, sur la mort de son père, et exécution de sa mère. Paris: A. Saugrain, 1617LES SOUSPIRS et regrets du fils du marquis d’Anchre, sur la mort de son père, et exécution de sa mère. Paris: A. Saugrain, 1617. (BnF).
  • 26
    A comparação pode ser vista nos panfletos in-4°: VERGELIJCKINGHE over het leven en doodt van der Marquis d’Ancre in Vranckrijck, met dat van Cornelis en Ian de Wit, in Hollandt. [S.l.]: [s. n.], 1672VERGELIJCKINGHE over het leven en doodt van der Marquis d’Ancre in Vranckrijck, met dat van Cornelis en Ian de Wit, in Hollandt. [S.l.]: [s. n.], 1672. (BL); DEN BEDROGEN Engelsman met de handen in ‚t hair. Of T‚ samenspraeck tusschen drie persoonen, Daniel, een Fransman. Robbert, een Engelsman. en Jan, een Hollander. Nevens een vergelijckinge tusschen den Marquis d’Ancre, en Cornelis en Ian de Wit. [S.l.]: [s. n.], 1672DEN BEDROGEN Engelsman met de handen in ‚t hair. Of T‚ samenspraeck tusschen drie persoonen, Daniel, een Fransman. Robbert, een Engelsman. en Jan, een Hollander. Nevens een vergelijckinge tusschen den Marquis d‘Ancre, en Cornelis en Ian de Wit. [S.l.]: [s. n.], 1672. (BL).
  • 27
    Trad. livre: “this infernall furie (…) came to sprinkle our Countrey of France with the Incke of all miseries”. Ênfase minha. O folheto conta com uma nota indicando o trocadilho entre Incke e Ancre.
  • 28
    Magda Campanini (2019)CAMPANINI, Magda. L’actualité au carrefour des langages: formes et destins croisés de quelques occasionnels sur la mort de la maréchale d’Ancre. In: ARNOULD, Jean-Claude; LIEBEL, Silvia. Canards, occasionnels, éphémères: « information » et infralittérature en France à l’aube des temps modernes. Actes…, Université de Rouen, 2018. Publications numériques du CÉRÉdI, n. 23, 2019. Disponível em: http://ceredi.labos.univ-rouen.fr/public/?l-actualite-au-carrefour-des.html. Acesso em: 12 ago. 2022.
    http://ceredi.labos.univ-rouen.fr/public...
    também chama atenção para esse canard, mas em texto voltado para as dimensões enunciativas dos impressos dedicados à marquesa.
  • 29
    Como, por exemplo, “inventiõs”, que passa a ser grafada como “inventions”.
  • 30
    LA MEDEE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: Fleurry Bourriquant, 1617 (BnF, HAB); Lyon: Claude Pelletier, 1617LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617a. (BnF).
  • 31
    Alusão à barca de Caronte que transpunha as almas dos mortos através do rio Estige no Hades.
  • 32
    Trad. livre: “Puis qu’>ainsi est, & que la justice divine et humaine ne peut plus permettre l’>impunité de mes crimes, que mes charmes & sortileges ne peuvent plus rien en ce monde, il faut que je m’>expose entre les mains de ceux qui me doivent faire passer la barque, & que rendant les esprits je demande pardon à celuy qui me pouvoit conserver en un repos perpetuel”.
  • 33
    O próprio Richelieu questiona a legitimidade da acusação em suas Memórias (1837, p. 165).
  • 34
    Trad. livre: “Image vive de la Clemence”.
  • 35
    Trad. livre: “Et aussi les Stances, sur les deportements du Roy, tant en la mort du Marquis d’Ancre, qu’après l’effect de sa loüable resolution sur ce sujet”. Chamo atenção aqui para o uso de “déportement” que, embora se traduza como conduta, implica em um desvio, ou seja, em um comportamento reprovável no plano moral, mas que é justificado, afinal, posteriormente seu juízo é “louvável”.
  • 36
    Trad. livre: “absolutely taking the government for himself”.
  • 37
    Trad. livre: “semble [sic] il que les demons en soient deja jouyssants”.
  • 38
    Trad. livre: “une sorte de naine noire, avec des yeux sinistres, comme des charbons d’enfer”.
  • 39
    A marquesa é apresentada na literatura de rua como a “sœur de lait” [irmã de leite] da rainha, ou seja, Léonora era filha de sua ama de leite em Florença.
  • 40
    Sobre os usos da lei sálica na estruturação da coroa da França, ver Fanny Cosandey (2000)COSANDEY, Fanny. La reine de France. Symbole et pouvoir. Paris: Gallimard, 2000..
  • 41
    Trad. livre: “Elle monte courageusement sur l’eschaffaut, se resoult de mourir constamment, l’executeur là present, apres luy avoir couppe ses cheveux, (…) elle toute resoluë se debande et ne s’effraya aucunement du coup qu’elle ne pouvoit eviter, (…) elle reçoit le coup d’espée qui luy separa l’ame d’avec le corps, cella fait elle est depouillee de ses habillements, et son corps fut mis sur le bucher de bois pour estre ard et brusle”. Além da edição parisiense de Anthoine du Brueil, o mesmo título saiu das prensas de C. Larjot em Lyon (DISCOURS, 1617cDISCOURS sur la mort de Eleonor Galligay femme de Conchine Marquis d’Ancre. Executee en Greve le Samedy 8. de Juillet. 1617. Lyon: C. Larjot, 1617c.), et de J. Vatard, em Tours (DISCOURS, 1617dDISCOURS sur la mort de Eleonor Galligay femme de Conchine Marquis d’Ancre. Executee en Greve le Samedy 8. de Juillet. 1617. Tour: J. Vatard, 1617d.).
  • 42
    Furetière (1701 [1690], p. 249)FURETIÈRE, Antoine. Dictionnaire universel, contenant généralement tous les mots françois tant vieux que modernes et les termes des sciences et des arts..., t. I. La Haye; Rotterdam: A. et R. Leers, 1701 [1690]. relaciona o termo canard a cancan, i.e., boato.
  • 43
    Por toda a Europa, a raiz patriarcal da autoridade real é declarada nos séculos XVI e XVII em um retorno a Platão. Mais do que uma herança senhorial, teóricos da monarquia absoluta como Bodin, Bossuet, Filmer e Pufendorf desenvolverão suas reflexões sobre o regime que está sendo moldado a partir de noção de patriarcado. Tal compreensão servirá, inclusive, para a busca pelo Estado do controle das relações familiares.
  • 44
    Observa-se, nesse sentido, uma investida no campo legal, com a promulgação de éditos reais condenando a gravidez fora do casamento e o enlace sem a autorização parental (HANLEY, 1989HANLEY, Sarah. Engendering the State: Family formation and state building in early modern France. French Historical Studies, v. 16, n. 1, p. 4-27, 1989. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/286431. Acesso em: 31 jan. 2024. doi: https://doi.org/10.2307/286431.
    https://www.jstor.org/stable/286431...
    ) que serão sucedidos pelas lettres de cachet e os pedidos de internação compulsória dos filhos e esposas desobedientes; acompanhada de severa repressão judiciária, onde ficam patentes os esforços de controle específico sobre as mulheres a partir da perseguição ao infanticídio (MUCHEMBLED, 2007MUCHEMBLED, Robert. Fils de Caïn, enfants de Médée. Homicide et infanticide devant le parlement de Paris (1575-1604). Annales. Histoire, Sciences Sociales, ano 62, n. 5, p. 1063-1094, 2007. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-annales-2007-5-page-1063.htm. Acesso em: 31 jan. 2024.
    https://www.cairn.info/revue-annales-200...
    ).

Referências bibliográficas

  • [MATTHIEU, Pierre]. La conjuration de Conchine. Paris: Pierre Rocolet, 1618.
  • [MATTHIEU, Pierre]. La magicienne estrangere Rouen: David Geuffroy & Jacques Besongne, 1617.
  • BOCCACCIO. De casibus virorum illustrium [ca. 1347]. Traité des mésadventures de personnages signalez Paris: Nicolas Eue, 1578.
  • BREF RECIT de tout ce qui s’est passé pour l’ execution & juste punition de la Marquize d’Anchre. Avec son Anagramme, Et deux Epitaphes, dont l’une est Chronologique. Paris: A. Saugrain, 1617.
  • CHAPITRE du procès fait à la mémoire de Conchino Conchini, naguères maréchal de France, et à Léonora Galigaï sa veuve, sur le chef de crime de lèse-majesté royale, concernant les intelligences qu’iceux Conchine et sa femme ont eues et entretenues avec les étrangers, depuis la mort du roi Henry le Grand, au dommage du roi Louis XIII, au préjudice de son autorité et au repos de son État, en Italie et Espagne, en Flandre et Allemagne. [S. l.]: [s. n.], 1617.
  • CHEF du procès fait à la mémoire de Conchino Conchini, naguères maréchal de France, et à Léonora Galigaï sa veuve, et complices, sur la déprédation et interversion de deniers royaux, depuis la mort de Henry le Grand (…) par autorité qu’icelui Conchine et sa femme, laquelle était son principal conseil, auraient usurpé les officiers du roi Louis XIII, et sur la violence et exactions commises sur toutes sortes de personnes pour amasser or et argent… [S. l.]: [s. n.], 1617.
  • DEN BEDROGEN Engelsman met de handen in ‚t hair. Of T‚ samenspraeck tusschen drie persoonen, Daniel, een Fransman. Robbert, een Engelsman. en Jan, een Hollander. Nevens een vergelijckinge tusschen den Marquis d‘Ancre, en Cornelis en Ian de Wit. [S.l.]: [s. n.], 1672.
  • DESTINÉE du mareschal d’Ancre. Lyon: G. Mamiolles, 1617a.
  • DESTINÉE du mareschal d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617.
  • DISCOURS, regrets et harangue de la marquise d’Ancre, despuis la Conciergerie jusques sur l’escchafaut. Ensemble la remontrance à son fils. Avec son oraison. Paris: Joseph Guerreau, 1617a.
  • DISCOURS sur la mort de Eleonor Galligay femme de Conchine Marquis d’Ancre. Executee en Greve le Samedy 8. de Juillet. 1617. Paris: A. du Brueil, 1617b.
  • DISCOURS sur la mort de Eleonor Galligay femme de Conchine Marquis d’Ancre. Executee en Greve le Samedy 8. de Juillet. 1617. Lyon: C. Larjot, 1617c.
  • DISCOURS sur la mort de Eleonor Galligay femme de Conchine Marquis d’Ancre. Executee en Greve le Samedy 8. de Juillet. 1617. Tour: J. Vatard, 1617d.
  • HARANGUE de la marquise d’Ancre, estant sur l’échafaud. Ensemble la remontrance à son fils. Paris: J. Viala, 1617a.
  • HARANGUE de la marquise d’Ancre, estant sur l’échafaud. Ensemble la remontrance à son fils. Lyon: Claude Pelletier, 1617b.
  • L’OMBRE du marquis d’Ancre, apparue à MM. les Princes. Paris: Fleury Bourriquant, 1617.
  • LA DESCENTE du Marquis d’Ancre aux enfers, son combat et sa rencontre avec Maistre Guillaume… Paris: A. Saugrain, 1617.
  • LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617a.
  • LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617b.
  • LA MÉDÉE de la France. Dépeinte en la personne de la Marquise d’Ancre. Lyon: Claude Pelletier, 1617c.
  • LA RENCONTRE du marquis et de la marquise d’Ancre en l’autre monde. Ensemble leurs discours avec le roi Henri le Grand. Paris: A. Saugrain, 1617.
  • LE DISCOURS d’une très-grande cruauté commise par une Damoyselle nommée Anne de Buringel laquelle a fait empoisonner son mary, son père, sa soeur, deux petis neveux qu’elle avoit et de la mort d’un jeune Gentilhomme qui s’en est ensuyvie, le tout pour la paillardise… Lyon: J. Bourgeois, 1587.
  • LE TOMBEAU du Marquis d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617.
  • LE VRAY Discours d’une cruauté exercee par une Damoiselle envers son Marit, son Pere, sa Sœur, et deux de ses neveux. Rouen, jouxte l’exemplaire imprimé à Paris: J. Hubault, 1609.
  • LE VRAY Discours d’une cruauté exercée par une demoiselle envers son mary, son père, sa soeur et deux de ses nepveux. Lyon: T. Ancelin, 1598.
  • LE VRAY Discours d’une des plus grandes cruaultez qui ait esté veuë de nostre temps, avenue au Royaulme de Naples. Par une damoiselle nommée Anne de Buringel, laquelle a fait empoisonner son mary par un à qui elle promettait mariage, et depuis elle a empoisonné son pere, sa soeur, et deux de ses petits neveux, et de la mort qui s’est ensuyvie d’un jeune Gentil-homme… Paris: J. de Lastre, 1577.
  • LES ACTIONS et regrets de la marquise d’Anchre après la prononciation de son Arrest. Et les particularitez notables de tout ce qui s’en est ensuivy. Paris: A. Saugrain, 1617.
  • LES LARMES de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts. Paris: Estienne Perin, 1617.
  • LES LARMES de la marquise d’Ancre, sur la mort de son mary. Avec les regrets de sa naissance, et detestation de ses crimes et forfaicts. Lyon, jouxte la copie imprimée à Paris: [s. n.], d’après l’édition d’Estienne Perrin, 1617a.
  • LES SOUSPIRS et regrets du fils du marquis d’Anchre, sur la mort de son père, et exécution de sa mère. Paris: A. Saugrain, 1617.
  • LETTRE escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre. [S. l.]: [s.n.], 1617d.
  • LETTRE escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre. Lyon: Jean Royaize, 1617c.
  • LETTRE escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre. Paris: Fleury Bourriquant, 1617a.
  • LETTRE escrite au Roy, par Monsieur le Mareschal d’Ancre. Paris: Joseph Guerreau, 1617b.
  • MATTHIEU, Pierre. Histoire d’Ælius Sejanus Paris: veuve Jean Regnoul, 1617a.
  • MATTHIEU, Pierre. Histoire des prosperitez malheureuses d’une femme cathenoise, grande sesnechalle de Naples. Paris: vefve Jean Regnoul, 1617.
  • NAUDÉ, Gabriel. Considérations politiques sur les coups d’État. Rome: Les Éditions de Paris, 1639.
  • P. B. S. D. V. [Pierre Beaunis de Chanterrain]. Le Définement de la guerre appaisée par la mort de Concino Concini, marquis d’Ancre, lequel a esté carrabiné, enterré, desterré, pendu, décoyonné, démembré, trainé et bruslé à Paris, ayant esté trouvé ateint & convaincu de crime de lèze Majesté, le vingt- quatriesme et vingt-cinquiesme Avril seize cens dix-sept… Lyon, pris sur la coppie imprimée à Paris: [s.n.], 1617.
  • QUATRIESME Tome du Mercure François, ou, Les Memoires de la Suitte de l’Histoire de nostre temps, sous le Regne du tres-Chrestien Roy de France et de Navarre Louis XIII. Paris: E. Richer, 1617.
  • RECUEIL des charges qui sont au proces faictes à la mémoire de Conchino Conchini n’agueres Mareschal de France, et à Leonora Galigai sa vefve, sur le chef du crime de leze-Majesté divine. In: Quatriesme Tome du Mercure François, ou, Les Memoires de la Suitte de l’ Histoire de nostre temps, sous le Regne du tres-Chrestien Roy de France et de Navarre Louis XIII Paris: E. Richer, 1617. p. 1-8.
  • RICHELIEU, Armand Jean du Plessis (duque de). Mémoires du Cardinal de Richelieu, sur le règne de Louis XIII, depuis 1610 jusqu’à 1638. In: MICHAUD, Joseph-François; POUJOLAT, Jean-Joseph-François (éd.). Nouvelle collection des mémoires pour servir à l’histoire de France depuis le XIIIe siècle jusqu’à la fin du xviiie siècle. Paris: chez l’éditeur du Commentaire analytique du Code civil, 1837. t. VII.
  • ROSSET, François de Rosset. Des enchantemens et sortileges de Dragontine: de sa fortune prodigieuse, et de sa fin mal-heureuse. In: Les histoires memorables et tragiques de ce temps. Où sont contenuës les morts funestes et lamentables de plusieurs personnes, arrivées par leurs ambitions, amours desreiglees, sortileges, vols, rapines, et par autres accidens divers et memorables Paris: P. Chevalier, 1619. p. 1-46.
  • THE ARRAIGNMENT of the Marques d’Ancre. Translated According to the French Copie, printed at Roan. London: Felix Kingston for William Arondell, at the Angels in Pauls Church-yard, 1617.
  • THE FRENCH JUBILE: or, the joy and thanksgiving of all France, to God, and their King, for the death of the Marquise d’Ancre. Translated out of the French Copie printed at Paris. London: printed by Felix Kingston for Nathaniel Newbery, 1617.
  • THE TEARES of the Marshall d’Ancres Wife, shed for the death of her Husband. With the Bewailing of her nativitie, and detestation of her heinous crimes and offences. Translated out of the French Copie. London: printed by Felix Kingston for William Arondell, 1617.
  • VERGELIJCKINGHE over het leven en doodt van der Marquis d’Ancre in Vranckrijck, met dat van Cornelis en Ian de Wit, in Hollandt. [S.l.]: [s. n.], 1672.
  • AMSTUTZ, Delphine; TEYSSANDIER, Bernard. 1617, Louis XIII prend le pouvoir: naissance d’un mythe?. Dix-septième siècle, n. 276, p. 395-398, 2017. Disponível em: https://hal.science/hal-02076482 Acesso em: 6 mar. 2023. doi: 10.3917/dss.173.0395.
    » https://hal.science/hal-02076482
  • BERCÉ, Yves-Marie. Les coups de majesté des rois de France, 1588, 1617, 1661. In: BERCÉ, Yves-Marie; GUARINI, Elena Fasano (dir.). Complots et conjurations dans l’Europe moderne. Actes du colloque international organisé à Rome, 30 sept.-2 oct. 1993 Rome: École Française de Rome, 1996. p. 491-505.
  • BLANCHARD, Jean-Vincent. Dies Irae Le coup d’État de Louis XIII, les pamphlets et l’institution du public. Littératures classiques, v. 1, n. 68, p. 31-42, 2009. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-litteratures-classiques1-2009-1-page-31.htm Acesso em: 6 mar. 2023. doi: https://doi.org/10.3917/licla.068.0031.
    » https://www.cairn.info/revue-litteratures-classiques1-2009-1-page-31.htm
  • BLUCHE, François (dir.). Dictionnaire du Grand Siècle. Paris: Fayard, 1990.
  • CAMPANINI, Magda. L’actualité au carrefour des langages: formes et destins croisés de quelques occasionnels sur la mort de la maréchale d’Ancre. In: ARNOULD, Jean-Claude; LIEBEL, Silvia. Canards, occasionnels, éphémères: « information » et infralittérature en France à l’aube des temps modernes. Actes…, Université de Rouen, 2018. Publications numériques du CÉRÉdI, n. 23, 2019. Disponível em: http://ceredi.labos.univ-rouen.fr/public/?l-actualite-au-carrefour-des.html Acesso em: 12 ago. 2022.
    » http://ceredi.labos.univ-rouen.fr/public/?l-actualite-au-carrefour-des.html
  • CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime São Paulo: UNESP, 2004 [1987].
  • CHARTIER, Roger. Le monde comme représentation. Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, v. 44, n. 6, p. 1505-1520, 1989. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/ahess0395-26491989num446283667 Acesso em: 30 jan. 2024.
    » https://www.persee.fr/doc/ahess0395-26491989num446283667
  • CHARTIER, Roger. O que é um autor? Revisão de uma genealogia São Carlos: Edufscar, 2012 [2000].
  • CORNETTE, Joël. La Monarchie. Entre Renaissance et Révolution, 1515-1792 Paris: Seuil, 2000.
  • COSANDEY, Fanny. Absolutismo: um conceito não-substituído. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 54, n. 54, p. 933-954, set./dez. 2023 [2002]. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/4rMqfjrwT5WqNkdcTSz45Ld/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 30 jan. 2024. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02405417.
    » https://www.scielo.br/j/topoi/a/4rMqfjrwT5WqNkdcTSz45Ld/?format=pdf⟨=pt
  • COSANDEY, Fanny. La reine de France Symbole et pouvoir Paris: Gallimard, 2000.
  • COSANDEY, Fanny; DESCIMON, Robert. L’Absolutisme en France. Histoire et historiographie Paris: Seuil, 2002.
  • DESPRAT, Jean-Paul. Madame de Maintenon Paris: Perrin, 2003.
  • DIZIONARIO BIOGRAFICO DEGLI ITALIANI. Concino Concini. Roma: Istituto Della Enciclopedia Italiana, 1982. v. XXVII, p. 726.
  • DUBOST, Jean-François. Between Mignons and Principal Ministers: Concini, 1610-1617. In: ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite New Haven; London: Yale University Press, 1999. p. 71-78.
  • DUBOST, Jean-François. La prise de pouvoir par Louis XIII. In: CORNETTE, Joël (dir.). La France de la monarchie absolue (1610-1715). Paris: Seuil, 1997. p. 83-100.
  • DUBOST, Jean-François. Marie de Médicis La reine dévoilée Paris: Payot, 2009.
  • DUCCINI, Hélène. Un campagne de presse sous Louis XIII: l’affaire Concini, 1614-1617. In: JOUTARD, Philippe (ed.). Histoire sociale, sensibilités collectives et mentalités: Mélanges Robert Mandrou Paris: Presses Universitaires de France, 1985. p. 292-301.
  • DUCCINI, Hélène. Concini: grandeur et misère du favori de Marie de Médicis Paris: Albin Michel, 1991.
  • DUCCINI, Hélène. Faire voire, faire croire. L’opinion publique sous Louis XIII. Paris: Champ Vallon, 2003.
  • ELIAS, Norbert. O Processo civilizador. Rio de Janeiro: J. Bahar, 1990 [1939]. Vol. 1: Uma história dos costumes.
  • ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1993 [1939]. Vol. 2: Formação do Estado e civilização.
  • ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001 [1969].
  • ELLIOTT, John H.; BROCKLISS, Laurence W. B. (ed.). The World of the Favourite New Haven; London: Yale University Press, 1999.
  • FUMAROLI, Marc. L’Âge de l’éloquence: rhétorique et « res literaria » de la Renaissance au seuil de l’époque classique Genebra: Droz, 2009 [1980].
  • FURETIÈRE, Antoine. Dictionnaire universel, contenant généralement tous les mots françois tant vieux que modernes et les termes des sciences et des arts..., t. I. La Haye; Rotterdam: A. et R. Leers, 1701 [1690].
  • HANLEY, Sarah. Engendering the State: Family formation and state building in early modern France. French Historical Studies, v. 16, n. 1, p. 4-27, 1989. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/286431 Acesso em: 31 jan. 2024. doi: https://doi.org/10.2307/286431.
    » https://www.jstor.org/stable/286431
  • HAYEM, Fernand. Le Maréchal d’Ancre et Léonora Galigaï. Paris: Plon, 1910.
  • JOUANNA, Arlette. Le Devoir de révolte, la noblesse française et la gestation de l’État moderne, 1559- 1661 Paris: Fayard, 1989.
  • JOUHAUD, Christian. Les libelles en France au XVIIe siècle: action et publication. Cahiers d’histoire. Revue d’histoire critique, n. 90-91, p. 33-45, 2003. Disponível em: https://journals.openedition.org/chrhc/1443 Acesso em: 31 jan. 2024. doi: https://doi.org/10.4000/chrhc.1443.
    » https://doi.org/10.4000/chrhc.1443» https://journals.openedition.org/chrhc/1443
  • JOUHAUD, Christian. Lisibilité et persuasion. Les placards politiques. In: CHARTIER, Roger (dir.). Les usages de limprimé. Paris: Fayard, 1987. p. 309-342.
  • JOUHAUD, Christian. Mazarinades La Fronde des mots. Paris: Aubier, 2009 [1985].
  • LADURIE, Emmanuel Le Roy. Saint-Simon ou o sistema da corte Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 2004 [1997].
  • LE ROUX, Nicolas. Courtisans et favoris: l’entourage du prince et les mécanismes du pouvoir dans la France des guerres de religion. Histoire, économie & société, v. 17, n. 3, p. 377-387, 1998. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/hes_0752-5702_1998_num_17_3_1992 Acesso em: 31 jan. 2024.
    » https://www.persee.fr/doc/hes_0752-5702_1998_num_17_3_1992
  • LEVER, Maurice. Canards sanglants. Naissance du fait divers. Paris: Fayard, 1993.
  • LIEBEL, Silvia. Les Médées modernes: la cruauté féminine d’après les canards imprimés (1574-1651). Rennes: PUR, 2013.
  • MARAL, Alexandre. Madame de Maintenon La presque reine. Paris: Belin, 2018.
  • MARTIN, Henri-Jean. Livres, pouvoirs et société à Paris au XVIIe siècle Genebra: Droz, 2000 [1969].
  • MICHELET, Jules. Histoire de France au dix-septième siècle Henri IV et Richelieu. Paris: Chamerot, 1857.
  • MIOTTI, Mariangela. De l’Italie à la France, de la France à l’Italie: l’histoire tragique de la femme “cathenoise”. Boccace, Pierre Matthieu (1563-1621), Virgilio Malvezzi (1595-1654). Cahiers d’études italiennes, n. 19, p. 127-147, 2014. Disponível em: https://journals.openedition.org/cei/2158 Acesso em: 31 jan. 2024. doi: https://doi.org/10.4000/cei.2158.
    » https://doi.org/10.4000/cei.2158» https://journals.openedition.org/cei/2158
  • MCKENZIE, Donald Francis. Bibliography and the Sociology of Texts Londres: The British Library, 1986.
  • MONGRÉDIEN, Georges. Léonora Galigaï. Un procès de sorcellerie sous Louis XIII Paris: Hachette, 1968.
  • MUCHEMBLED, Robert. Fils de Caïn, enfants de Médée. Homicide et infanticide devant le parlement de Paris (1575-1604). Annales. Histoire, Sciences Sociales, ano 62, n. 5, p. 1063-1094, 2007. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-annales-2007-5-page-1063.htm Acesso em: 31 jan. 2024.
    » https://www.cairn.info/revue-annales-2007-5-page-1063.htm
  • MUCHEMBLED, R. L’Invention de l’homme moderne Culture et sensibilités en France du XVe au XVIIIe siècle. Paris: Fayard, 1988.
  • MUCHEMBLED, Robert. Madame de Pompadour Paris: Fayard, 2014.
  • PETITFILS, Jean-François. Madame de Montespan Paris: Perrin, 2009.
  • RODIER, Yann. Les Raisons de la haine. Histoire d’une passion dans la France du premier XVIIe siècle (1610-1659) Paris: Champ Vallon, 2020.
  • SAINT-VICTOR, Jacques. Madame du Barry. Paris: Perrin, 2013.
  • TEYSSANDIER, Bernard (dir.). Le Roi hors de page et autres textes Une anthologie. Reims: EPURE, 2013.

Editado por

Editores Responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2023
  • Aceito
    29 Jan 2024
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@usp.br