Open-access LIBERTOS AFRICANOS, COMÉRCIO ATLÂNTICO E CANDOMBLÉ: A HISTÓRIA DE UMA CARTA QUE NÃO CHEGOU AO DESTINO*

FREED AFRICANS, ATLANTIC COMMERCE AND AFRO-BRAZILIAN RELIGION: THE HISTORY OF A LETTER THAT NEVER REACHED ITS DESTINATION

Resumo

Este artigo apresenta uma análise pormenorizada de uma carta enviada da Bahia ao porto negreiro de Ajudá em 1839 pela africana Roza Maria da Conceição à também africana Francisca da Silva, a legendária Iyá Nassô, fundadora do candomblé da Casa Branca em Salvador. A trajetória dessas duas libertas e de seus maridos, no contexto da passagem da Colônia para o Império, permite identificar processos de cooperação intergeracional entre os libertos africanos e de ascensão econômica associada ao comércio atlântico e ao tráfico ilegal. Postula-se que a propriedade escrava era uma forma de investimento político na organização da “casa” ou da coletividade doméstica, por sua vez a base do “terreiro”, formas de associativismo através das quais esses casais adquiriam poder e reforçavam sua liderança na comunidade negra. Em última instância, a conexão entre Roza e Francisca permite vislumbrar como o sucesso comercial, o controle social e a autoridade religiosa se emaranhavam de forma indissociável.

Palavras-chave: Libertos africanos; comércio atlântico; candomblé; escravidão; Bahia

Abstract

This paper presents a detailed analysis of a letter sent from Bahia to the slave port of Ouidah in 1839 by the African Roza Maria da Conceição to the also African Francisca da Silva, the legendary Iyá Nassô, founder of a famous temple of Afro-Brazilian religion, the Casa Branca in Salvador. The trajectory of these two freed women and their husbands, in the context of the passage from the Colony to the Brazilian Empire, allows to identify processes of intergenerational cooperation between African freedmen and of economic rise associated with the Atlantic commerce and the illegal slave trade. It is postulated that slave ownership was a form of political investment in the organization of the “house” or the domestic community, in turn the basis of the “terreiro” or religious congregation, forms of association through which these couples acquired power and reinforced their leadership in the black community. Ultimately, the connection between Roza and Francisca allows one to glimpse how commercial success, social control and religious authority were inextricably entangled.

Keywords: African freedmen; Atlantic trade; candomblé; slavery; Bahia

A descoberta

Esta é a história de uma carta que nunca chegou ao destino. Como a maioria das missivas em meados do século XIX, ela não utilizou envelope. A face escrita do fólio foi dobrada repetidas vezes sobre si mesma, de forma a deixar visível apenas o verso, onde foi grafado o nome e endereço do destinatário: “Senr’ José Pedro... Em Ajudá”. Contudo, ao desdobrar o papel, lê-se, no encabeçamento, o nome da real destinatária: “Minha Filha Franca da Silva”.

Qualquer historiador terá experimentado a descarga de adrenalina produzida por encontrar um novo documento com os nomes das personagens centrais da sua pesquisa. Às vezes o achado é resultado de uma busca, quando já sabemos ou inferimos a existência do documento e se trata apenas de localizá-lo; outras, ele é uma descoberta, quando sua existência nos era desconhecida. Todavia, a descoberta exige algum conhecimento prévio que faz com que, no momento do encontro, o documento não passe despercebido; a descoberta é sempre um reconhecimento inesperado.

Durante mais de uma década, em diálogo com a historiadora Lisa Earl Castillo, pesquisamos a trajetória biográfica do casal de libertos Francisca da Silva e José Pedro Autran, africanos de nação nagô, como eram conhecidos os falantes de iorubá na Bahia. Um aspecto fundamental dessa pesquisa foi identificar, de forma inequívoca, Francisca da Silva com a lendária Iyá Nassô ou mãe Nassô, título honorifico, na corte de Oyó, da sacerdotisa do orixá do trovão Xangô. Ela foi uma das fundadoras do candomblé Ilê Iyá Nassô, também conhecido como terreiro do Engenho Velho ou Casa Branca, o primeiro no Brasil a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Outro aspecto inovador da pesquisa foi a confirmação do mito de fundação desse candomblé, cuja memória oral evoca uma viagem à África de Iyá Nassô, junto com sua filha de santo Marcelina da Silva (Obatossi), que iria lhe suceder na liderança da comunidade religiosa. Com efeito, em novembro de 1837, Francisca da Silva e seu marido José Pedro Autran, acompanhados de um grupo de uns 25 agregados, entre os quais Marcelina, optaram por escapar à perseguição antiafricana que assolou a Bahia após a Revolta dos Malês, acontecida em 1835. Dois filhos de Francisca foram condenados a galés por sua suposta participação na insurgência, mas a mãe conseguiu comutar a pena para deportação, comprometendo-se, em contrapartida, a pagar a viagem à África e a não voltar nunca mais ao Brasil.1 Todavia, através da historiadora Kristin Mann, conhecemos uma carta, datada em 1841, remetida a José Pedro Autran em Ajudá, que permitiu localizar o casal naquele porto negreiro na Costa da Mina, na África Ocidental.2 Naquela altura, eles já faziam parte da comunidade agudá - que agregava mercadores portugueses, brasileiros, luso-africanos e os libertos retornados do Brasil - e mantinham relações comerciais relativamente fluidas com seus parentes da Bahia.

Com esses antecedentes em mente e precisamente por causa deles, quando me deparei com a carta dirigida conjuntamente ao “Senhor José Pedro” e a “Francisca da Silva”, “em Ajudá”, não tive a menor dúvida de tratar-se de José Pedro Autran e Iyá Nassô. Estava em The National Arquives, na Inglaterra, pesquisando o acervo em que foi achada a carta de 1841. Esse fundo reúne a documentação apreendida pela Marinha inglesa nos navios espanhóis, portugueses e brasileiros apresados por suspeita de envolvimento no tráfico negreiro. Eu andava atrás de outras personagens e, embora a chance de achar o nome de Autran estivesse no horizonte, nunca imaginei encontrar uma referência tão direta a Francisca. A missiva formava parte dos papéis encontrados a bordo do brigue brasileiro Emprehendedor, apresado pelo cruzador britânico em 23 de junho de 1839 na costa de Ajudá.3

A carta foi confiscada, o seu lacre violado e o conteúdo examinado por algum oficial inglês, ou o seu interprete lusófono, em busca de indícios que delatassem o ilícito tráfico de humanos, mas sem sucesso. Por isso ela não foi traduzida ao inglês, nem aparece mencionada nos relatórios oficiais, como acontece com outras cartas mais comprometedoras. Foi apenas anotada com um asséptico “N. 11, sealed letter” (carta lacrada) e ficou esquecida no maço de documentos avulsos que acompanhou o processo do brigue nas cortes mistas de Serra Leoa. Passado o tempo, ela seria encaixotada e transferida, com outros papéis do Emprehendedor, aos fundos do arquivo britânico, lá ficando empoeirada e silenciada por mais de 175 anos. Nesse longo intervalo, talvez algum historiador a tenha reaberto e lido o seu texto, mas, com certeza, sem a necessária informação contextual para sua interpretação pormenorizada.

Voltando à descoberta, minha surpresa dobrou ao constatar que, além do já mencionado encabeçamento, “Minha filha Francisca da Silva”, o final da carta rezava: “sou com veras sua mãe e amiga, Roza Maria da Conceição”.4 Eu não sabia ainda quem era a remetente, mas pesquisa posterior revelaria que Roza não teve filhos biológicos, o que descartava a hipótese da consanguinidade ou de maternidade biológica. O apelativo “filha” podia ser próprio de um trato coloquial, indicando algum tipo de relação afetiva e de senioridade da remetente, mas assinar com a expressão “sua mãe” resultava mais difícil de explicar na lógica de uma mera relação de amizade.

Considerando a condição de ialorixá de Francisca da Silva, a possibilidade da terminologia ser indicativa de filiação religiosa apresentou-se, no início, como uma hipótese inescapável. No candomblé, as pessoas responsáveis pela iniciação e suas iniciadas recorrem à linguagem do parentesco, com termos como “mãe” e “filha”, para expressar relações hierárquicas na cadeia de transmissão do axé. Em meados do século XIX, expressões como “mamãe” ou “mãe de terreiro” e “papai” ou “pai de terreiro” eram comuns para designar as lideranças do candomblé. Os termos podiam anteceder o nome da pessoa, como em “papai Domingos” ou “mamãe Ludovina”.5

Caso a expressão “sua mãe” indicasse algum tipo de filiação espiritual, caberia especular sobre a identificação de Roza Maria da Conceição com alguma das mulheres que a memória oral lembra ter ajudado Iyá Nassô na fundação e liderança do terreiro da Barroquinha, antecessor do terreiro da Casa Branca. Poderia ser ela, seguindo alguma das versões orais dos terreiros da Casa Branca e do Gantois, Iyá Adetá ou Iyá Akalá? Ou seria Iyá Lussô, a personagem lembrada pela memória oral do terreiro Axé Opô Afonjá? Esta última versão, registrada por Verger na década de 1950, sustenta que Iyá Lussô, vinda de Ketu e consagrada ao orixá Oxóssi, era a “mãe” de Iyá Nassô.6 Qualquer que seja o caso, como dizia o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, esse é um “assunto muito delicado e complexo”, no qual não cabe aqui se aprofundar.7

Roza Maria não sabia ler nem escrever e, portanto, precisou de um amanuense para redigir a carta em português.8 Todavia, a língua cotidiana entre as correspondentes devia ser o nagô, ou iorubá, e o termo “mãe” poderia estar traduzindo a palavra ìyá que, nessa língua, tem vários significados. Para além de mãe biológica, ìyá designa a mulher mais velha, remetendo à ancestralidade feminina e à força de reprodução do grupo, encarnando, assim, valores fundamentais da cultura iorubá. Invocações rituais às ìyá-àgbà (grandes mães) e às ìyámi (nossas mães), amiúde associadas ao poder da feitiçaria, testemunham essa centralidade. Nos cultos aos orixás, ìyá faz parte de títulos honoríficos, conotando autoridade ritual, como no caso da própria Iyá Nassô ou em Iyálodé.

Porém, ìyá pode ser utilizado fora do contexto religioso, às vezes em relação a certas ocupações, como em Iyá Akara, para se referir à vendedora de acarajé. Ainda no contexto profano, ìyá é usado como termo de cortesia para se dirigir a uma mulher de idade com a qual não se tem muita familiaridade. De igual modo, esta pode tratar a mais nova como ọmọ mi (minha filha) e se referir a si mesma como ìyá. Resumindo, na cultura iorubá o termo “mãe” (ìyá) é um marcador de senioridade e, portanto, de respeito e hierarquia, mas só o contexto poderá indicar se essa autoridade envolve uma dimensão religiosa.9 No caso em apreço, essa possibilidade não pode ser verificada de forma conclusiva, como também não pode ser excluída.

Além da natureza da filiação entre destinatária e remetente, o mais relevante da carta são as informações que dela derivam, mostrando como Iyá Nassô contava no seu entorno social com uma “mãe e amiga”, personagem que, enquanto sua sênior, numa sociedade escravocrata, teria exercido algum papel de proteção e patronagem. Mas, afinal de contas, quem era Roza Maria da Conceição? No restante deste artigo, analisarei o conteúdo da missiva na tentativa de responder essa pergunta e de iluminar a rede social que, naquele início do século XIX, estava por trás do que viria a ser um dos candomblés mais influentes da cidade. Veremos como as duas mulheres da missiva faziam parte de uma minoria africana, na Bahia, com poderio econômico notável, não isento de relações com o comércio atlântico.

A carta e seus defuntos

A estratégia de usar o nome de José Pedro como destinatário sugere que a remetente julgava que, no porto de Ajudá, ele seria mais conhecido do que sua mulher, conferindo à missiva mais chance de chegar ao destino. Como vimos, não foi o caso. Seja como for, a carta prova que, após abandonar a Bahia, Iyá Nassô se instalou em Ajudá, longe do reino de Ketu, onde a memória oral a situava. Vejamos, antes de prosseguir, o teor do conteúdo epistolar.

Minha Filha Franca da Silva

Ba 13 de Abril 1839

Receby a sua carta datada de 22 de janro do corrente, e nella vejo o q’ me dis a respeito de saber noticias minhas; eu desde aquelle tempo té agora não tenho saido de [desde que] vmce me deixou té agora nem pa hir a cide [cidade] apesár de com esta já tenho recebido duas, mas os meos vexames me tem impedido de lhe responder o q’ Agora faço; participo lhe q’ meu Marido hé morto, e essa foi a cauza de eu um tempo não lhe ter respondido pr cauza da sua comprida molléstia q’ munto me deo q’ fazer, e me deixou a mim tão bem bastante doente dos meos achaques; tão bém morreo meu Afilhado Jose logo depois da morte do meo marido nove dias o Alfaiate, e tão [bem] hé morto meu cunhado Gaspár[.] Já a tempo, e tão [bem] hé morto Pai Jose q’ hera cazado no gravatá; pr hora hé o q’ tenho a diser a vmce; tão bem lhe participo q’ o Azeite q’ vmce mandou não tem tido saida pr cauza da mto [muito] grande fartura q’ a delle, e isso hé a cauza de inda estár em [cer?]; eu aqui me axo como sempre pronta pa o q’ for do ceo cerviço; e Aceite Las [lembranças] minhas, e de tudo qto [quanto] me pertence[,] pos [pois] sou com veras sua Mai e aMiga

Roza Ma da Conceição

O escrevente tinha uma caligrafia clara, embora não isenta de falhas ortográficas e de pontuação assistemática. A sua mediação comprometia a capacidade de Roza Maria tocar em intimidades ou informações sigilosas. Entretanto, tratava-se de uma carta pessoal e pesarosa, carregada de notícias de morte, enviada por uma mulher idosa e adoentada que acabara de enviuvar. Ao que parece, desde que abandonara a Bahia no fim de 1837, Francisca da Silva já tinha enviado três cartas à sua “mãe” pedindo-lhe notícias, a última em janeiro de 1839. Mas só em abril desse ano, mais de um ano e meio depois da partida da “filha”, Roza respondia com uma primeira carta. Roza justificava a demora com os seus “vexames” e os cuidados devidos ao marido, vítima de “comprida moléstia”, atividade que a deixou “bastante doente dos [seus] achaques”. Ela dizia que desde “aquele tempo” em que Francisca a “deixou”, evocando o conturbado período da viagem à África, ela não tinha ido à cidade, o que indicaria ter ficado recolhida na sua residência localizada, como veremos, na freguesia do Pilar, distante alguns quilômetros do centro. O isolamento e o cansaço do casal adoentado emergem nas entrelinhas.

A notícia de maior impacto e talvez a causa principal da missiva era o anúncio da morte do marido de Roza. Ele não é nomeado, porém, ao pesquisar no meu computador ocorrências de “Roza Maria de Conceição” - um nome bastante comum, com vários homônimos e, portanto, de difícil identificação - me deparei, entre outras, com a esposa de um “velho conhecido” na pesquisa, o africano Manoel Pereira Lopes.10 O registro do seu testamento não deixa dúvidas: ele faleceu em 9 de março de 1839, um mês antes da escrita da nossa carta, em 13 de abril.11 Essa evidência permite identificar, sem muita margem de erro, Roza Maria da Conceição, “mãe” de Francisca da Silva, como a esposa de Manoel Pereira Lopes.

Essa conexão nominal foi uma revelação. Embora soubéssemos da proximidade social de Manoel Pereira Lopes e José Pedro Autran, desconhecíamos a intimidade entre suas respectivas mulheres. A correlação entre os dois casais abriu um leque de possibilidades interpretativas insuspeitadas, pois há uma quantidade razoável de informação sobre Manoel e Roza. Em particular, seus dois testamentos - escritos no mesmo dia, em 6 de agosto de 1838, com os mesmos testamenteiros e idêntico conteúdo (excetuando informações pessoais) - permitem vislumbrar o excepcional poderio econômico do casal e, portanto, seu destaque social na comunidade africana daquele momento.

Na hora da escrita das últimas vontades, Manoel Pereira Lopes já andava “molesto”, mas “em perfeito juízo”. Ele declarou ser natural da Costa d’África e ter sido escravo, primeiro, de José Pereira Lopes, de quem tomou o sobrenome, e, depois, do ajudante de ordens José Ignacio Acciaiuole [Accioli], a quem pagou 200$000 réis pela alforria. Accioli obteve aquela patente militar em 1785, do que podemos inferir que Manoel foi revendido após essa data. Ele declarou, ainda, estar casado com Roza Maria da Conceição, “de cujo consorcio não tivemos filhos nem antes nem depois de casados”.12

Já Roza, também natural da Costa d’África, especificou que fora escrava de José Francisco Rocha e de sua mulher Thereza e que se libertou pela quantia de 190$000 réis. Igual a seu marido, declarou não ter filhos, nem dele, “nem de qualquer outro homem”, ponto importante para descartar qualquer hipótese de filiação biológica entre ela e Francisca, como apontei acima. Lapso de memória ou erro do escrivão, ambos os cônjuges informaram que as núpcias tinham acontecido 34 anos antes, ou seja, em 1804, mas o registro da união está datado de 29 de junho de 1800. Nessa altura, ambos já eram forros e moradores na freguesia da Conceição da Praia. Ele foi identificado como sendo de nação mina, vivendo “de sua agência”, com idade de 45 anos, o que colocaria seu nascimento por volta de 1755. Ela, identificada apenas como preta, tinha 30 anos, tendo nascido, portanto, por volta de 1770. As testemunhas foram o capitão Felix da Costa Lisboa e Francisca Fernandez.13 Dela nada sei, mas ele era um conhecido capitão negreiro com trânsito frequente pelo porto de Ajudá.14 Essa patronagem não deve passar despercebida, pois, com os anos, o casal adquiriu um volume de riqueza que talvez só a participação no comércio atlântico possa explicar.

Antes de aprofundar nesse tema, voltemos à carta da Roza Maria da Conceição. Ela não tinha perdido apenas seu marido, mas também seu afilhado José, alfaiate de profissão. Tratava-se de José da Silva, com registro de óbito datado exatos nove dias depois da morte de Manoel Pereira, em 18 de março de 1839. Nesse documento ele é descrito como preto forro, africano, maior de 80 anos, casado com Ana Maria da Conceição, falecido de moléstia interna na freguesia de Santana, onde era morador.15 Em 1820, ele aparece como “José da Silva Roza” - note-se o acréscimo do nome da madrinha ao seu sobrenome - apadrinhando um escravo do traficante jeje Antônio Caetano Coelho, no mesmo dia em que José Antônio d’Etra, outro jeje envolvido no negócio, batizava três dos seus cativos.16 Em junho de 1824, “José da Silva Roza” apadrinhava um escravo do mina Geraldo Rodrigues Pereira que, além de notório e próspero traficante, era afilhado de Manoel Pereira Lopes.17 Voltarei a esse sujeito na próxima seção. Já em novembro de 1829, José da Silva e sua mulher, Ana Maria da Conceição, apadrinharam uma escrava africana chamada Constança. O detalhe é que, na ocasião, estava presente José Pedro Autran, batizando Maria [Magdalena], filha de sua cativa Marcelina.18 Essa Marcelina era a mesma Obatossi que, como o leitor lembrará, uma vez liberta, acompanhou sua senhora e ialorixá, Iyá Nassô, à África e depois a sucedeu na liderança religiosa. Esse enredo de personagens sugere a inserção do afilhado de Roza Maria da Conceição numa rede que envolvia por igual conhecidos comerciantes africanos e membros do terreiro de Francisca da Silva.

Gaspar, o terceiro defunto da carta e cunhado de Roza, era Gaspar José de Moura, um africano de nação tapa, falecido de moléstia interna em 30 de março de 1839, uns dias antes de Manoel Pereira Lopes. Ele era casado com Rita Maria da Conceição, irmã de Roza. Em outubro de 1835, após a Revolta dos Malês, o nome dele aparece nos pedidos de passaporte para Benguela, em companhia de traficantes jejes como o já citado Antônio Caetano Coelho e Joaquim d’Almeida. No fim da sua vida, Gaspar estava em tratos comerciais com seu compadre, José Marques de Oliveira, outro negreiro jeje, naquela altura instalado em Onim, que tinha lhe enviado quatro “fardos”, eufemismo utilizado para se referir a escravos. Após o seu falecimento, Inocêncio de Araújo Santana, mais um negreiro jeje, tentava obter dos vendedores daqueles fardos na Bahia o rédito da operação para pagar à viúva. Ou seja, há fortes indícios de que Gaspar participava do lucrativo negócio atlântico. Ele foi sepultado na igreja do Rosário de João Pereira, e quem tomou conta do funeral foi o mesmo Inocêncio que, além de traficante, era barbeiro e, desconfio, versado nas artes da cura e dos ritos funerários africanos.19

Sobre a viúva, irmã de Roza, pouco sei, além de que era mãe de várias “filhas” e proprietária de três casas, compradas aos mesmos vendedores ao longo do mês de maio de 1830, uma no beco do Queiroz e duas à rua de Baixo de São Bento, na freguesia de São Pedro Velho. No último endereço e no mesmo mês, o seu compadre José Marques de Oliveira comprou outra casa.20 Fora isso, o nome de Rita Maria da Conceição é muito comum e apresenta vários homônimos, pelo que serão necessárias futuras pesquisas para melhor identificá-la e saber em que condições as duas irmãs foram escravizadas e libertas.

O quarto e último defunto da missiva é pai José, a personagem mais elusiva até agora. O apelativo “pai”, como o de “mãe”, poderia denotar um posto na alta hierarquia do candomblé, o que não seria de estranhar no círculo social de Roza e Francisca, sendo esta uma célebre sacerdotisa dos orixás. Ele “era casado no Gravatá”, ou seja, residia na rua ou solar do Gravatá, no atual bairro de Nazaré, na divisa das freguesias de Santana e da Sé. José Pedro Autran também morou lá, nos anos 1820, não longe da igreja da Barroquinha, onde se diz que funcionou o primeiro candomblé de Iyá Nassô.21 Buscando nos livros de óbito das freguesias supramencionadas, e assumindo que pai José fosse africano e casado, não achei ainda nenhum registro compatível.

Após anunciar as quatro defunções, Roza Maria da Conceição notificava que recebeu de Francisca da Silva uma quantidade não especificada de azeite de dendê. Essa era a mercadoria africana, fora os cativos, que mais se importava naquele período. Na Costa da Mina, a sua produção e comercialização resultava viável para as pequenas unidades domésticas, favorecendo uma relativa democratização da comunidade mercantil, incluindo, em especial, as mulheres e os retornados agudás. No entanto, o mercado baiano, por já dispor de uma produção local de azeite de dendê e por não ter uma indústria que precisasse do lubrificante, não conseguia absorver muita quantidade. No início de 1839, cinco navios chegados da Costa com aquele produto conseguiram saturar o mercado, gerando uma queda do preço de mais de 20%. Roza foi uma das vítimas daquela conjuntura e sua frustração por não poder tirar vantagem do negócio transparece nas entrelinhas. Cabe notar que outras cartas dos agudás interceptadas pelos britânicos apontam para uma participação significativa das mulheres no comércio do azeite e outros produtos como panos da costa, corais ou missangas.22 O caso de Francisca e Roza é ilustrativo da progressiva entrada no comércio atlântico das mulheres e, neste caso, de mulheres vinculadas ao candomblé, uma prática que irá se prolongar até o início do século XX.23

Manuel Pereira Lopes e suas ligações

A amizade entre Roza Maria da Conceição e Francisca da Silva pode ser acompanhada também através dos rastros documentais deixados por seus maridos. Uma primeira observação é que, apesar da proximidade social dos dois casais, eles pertenciam a gerações distintas. Manoel Pereira Lopes e Roza Maria se alforriaram no fim do século XVIII e, como vimos, contraíram núpcias pela igreja católica com idade avançada em 1800. Já José Pedro Autran se libertou em 1822 e casou com Francisca da Silva dez anos depois, em 1832, embora eles se conhecessem e provavelmente vivessem amasiados desde pelo menos 1824.24 Por serem mais velhos e libertos há mais tempo, Manoel e Roza dominavam as manhas da cidade colonial e estavam em condições de atuar como mentores e facilitadores da inserção social do casal mais novo. Embora o vínculo religioso entre as duas mulheres não possa ser confirmado, o caso ilustra os processos de aliança e cooperação que cabiam entre libertos de distintas idades. Esse tipo de consórcio transgeracional possibilitava a continuidade e a atualização da cultura ladina, que envolvia a reprodução estratégica dos códigos e comportamentos da classe senhorial para melhor controlá-los e tirar deles proveito. A participação em irmandades católicas, por exemplo, e a manutenção, por meio dessas e outras associações, de redes relativamente exclusivistas, garantiam distinção social e acesso a privilégios comerciais.

O pertencimento a mesma “nação” - que no contexto colonial escravista indicava uma relativa proximidade cultural e linguística, mas não necessariamente uma origem étnica comum - podia facilitar a cooperação entre africanos, mas não era um determinante absoluto da sua sociabilidade. Manoel Pereira Lopes é referido como mina ou como jeje, e parte importante da sua rede social era dessa última nação que, em termos demográficos, no início do século XIX, era a dominante entre os libertos.25 Quanto à nação de Roza Maria da Conceição, no testamento ela se declara “natural da Costa da África”, sem maior precisão. Caso aceitássemos a hipótese de ela ser Iyá Lussô, deveríamos, conforme a memória oral, identificá-la como originária do reino iorubá de Ketu. Teríamos, assim, uma união interétnica de um jeje e uma nagô, lembrando que a convergência geocultural dos falantes de línguas gbe (os jejes da Bahia) e iorubá (os nagôs) já se dava em solo africano.26 Por outro lado, José Pedro Autran e Francisca da Silva eram ambos nagôs, ele talvez do reino de Ijexá e ela talvez de Oyó ou de Ketu.27 Na Bahia, como naquela região de fronteira na Costa da Mina, a aliança entre membros de nações distintas não era infrequente e a proximidade dos cultos aos voduns e aos orixás favoreceria o diálogo.

A primeira evidência do contato entre os dois casais ocorre só após a independência do Brasil, quando, em novembro de 1823, recém-alforriado, José Pedro Autran foi chamado a apadrinhar o preto Sebastião, escravo de Manoel Pereira Lopes, aquele então morador na Conceição da Praia.28 A relação de compadrio ou, se me permite o neologismo, de “cossenhorio”, pois era o batismo de um cativo e não de um filho carnal, podia responder a várias motivações, mas, de modo geral, era uma forma de os africanos estabelecerem redes clientelistas e de adquirirem prestígio e visibilidade social. Nesse caso é possível que Lopes quisesse prestigiar e acolher na sua rede de seguidores o recém-liberto mais novo.

Um ano depois, Francisca da Silva batizou sua escrava Marcelina (a futura Obatossi) e como padrinhos escolheu “Constantino do Bomfim e Roza da Conceição, solteiros, moradores da freguesia da Conceição da Praia”.29 Pelo exposto até aqui, é bem provável que essa “Roza da Conceição” fosse nossa Roza Maria da Conceição, moradora na Praia com o seu marido. A única discrepância é o “solteiros” no plural, que desconfio seja um erro do escrivão referindo-se ao padrinho e não a ela. Assim, a primeira evidência disponível do contato entre Roza e Francisca as apresentaria como “comadres”, ou “cossenhoras”, nesse caso, talvez a jovem senhora Francisca solicitando a sua sênior e “mãe” para atuar como madrinha da cativa. A escolha dos padrinhos por parte dos progenitores ou dos senhores muitas vezes encobria a busca de pessoas influentes que pudessem atuar como protetores do batizado. Levando em conta que Marcelina viria a ser uma importante liderança religiosa, a aliança entre afilhada, madrinha e senhora seria mais um indício do envolvimento religioso de Roza.30

De qualquer modo, antes de 1823 as informações sobre Manoel e Roza são esparsas. Um ano após suas núpcias, em fevereiro de 1801, Manoel aparece enterrando o seu escravo José de nação jeje e com 19 anos de idade.31 Essa é a primeira notícia de posse de escravos do casal, pois, como mostram seus testamentos, eles compartilhavam todos os bens. A propriedade escrava entre os libertos vem sendo discutida pela historiografia com certa recorrência; basta dizer que, numa sociedade escravocrata, ela era habitual entre os que conseguiam acumular algum pecúlio.32 O que não é tão comum no caso de Manoel e Roza é a quantidade. Consegui contabilizar referências a pelo menos 55 cativos pertencentes ao casal, sendo que, nos testamentos, em 1838, constam 29 deles: 14 africanos (nove mulheres e cinco homens) e 15 crioulos (nove mulheres e seis homens, a maioria crianças). Entre os africanos identificados por nação, seis eram nagôs, dois jejes e um bini.33 Essa propriedade humana é a que se esconde por trás da expressão “lembranças minhas e de tudo quanto me pertence” que encerra a carta de Roza Maria acima transcrita. O número de cativos era muito elevado, inclusive para o padrão dos brancos e, junto com quatro imóveis, um deles sobrado, constituía um patrimônio que podemos estimar em torno de quinze contos de réis, o que colocaria o casal Manoel e Roza entre os 20% da população mais rica da Bahia.34

As pesquisas sobre as trajetórias de vida dos africanos libertos, iniciadas por Katia Mattoso, Maria Inês Cortes de Oliveira, Pierre Verger e João José Reis, têm se multiplicado nas duas últimas décadas. No seu conjunto, elas permitem reconstituir parte importante da rede social dos africanos mais prósperos, ou seja, daqueles que deixaram traços documentais, evidenciando, de forma inequívoca, distintos processos de ascensão social, mais ou menos bem sucedidos e duráveis. Essa minoria negra mais rica circulava nas irmandades católicas e nas corporações militares e, a partir da inserção no mercado de trabalho e no comércio, acumulava riqueza que investia na posse de escravos e imóveis. Essa constatação levou alguns autores, entre os quais me incluo, a postular a existência de uma “elite” negra ou afro-baiana que foi se configurando desde pelo menos o último quartel do século XVIII e, sobretudo, no início do XIX. Parte significativa dos retornados à África após a Revolta dos Malês, inclusive Francisca da Silva e José Pedro Autran, pertenciam a esse grupo seleto dos mais abastados.35

Contudo, o conceito de “elite” denota um grupo ou estamento social estabelecido, mais ou menos homogêneo, com privilégios econômicos e políticos assegurados, o que não parece se encaixar de forma clara na realidade em apreço. O que os documentos permitem inferir é a excepcionalidade de certos indivíduos ou, como no caso baiano, casais, como Manoel e Roza ou José Pedro e Francisca, equiparáveis aos “grandes homens” das sociedades iorubás descritos por Karin Barber, que acumulavam poder com base no número de pessoas que podiam agregar em torno de si como dependentes, clientes e seguidores.36 Esse modelo africano, porém, poderia ser também equiparado ao da família patriarcal brasileira.

Em ambos os casos, a unidade doméstica, a “casa” ou a “coletividade familiar”, enquanto unidade de produção baseada em mão de obra subalterna, constituiria o núcleo fundamental para a configuração social do poder. O acúmulo de cativos, assim, não seria apenas uma forma de assegurar a subsistência dos senhores - no contexto urbano, sobretudo através do sistema do ganho -, mas um investimento político, no sentido lato do termo. Junto à posse de bens imóveis, a acumulação de capital humano e a consequente procriação de descendência crioula responderiam a uma tática de formação de comunidade tanto para atender às necessidades dos membros do grupo como para definir espaços de poder para os donos da casa na sociedade mais ampla.

De forma complementar, o funcionamento de uma congregação religiosa em volta do grupo doméstico, como ocorreu no caso de Iyá Nassô e José Pedro e talvez no de Manoel e Roza, agregando dependentes e clientes, além da possível contribuição à economia da casa mediante serviços rituais, seria uma forma de reforçar a base social e de dar maior visibilidade e distinção a esses “grandes homens” e “grandes senhoras”. A predominância feminina e de nação nagô entre os cativos de Manoel e Roza, como ocorria entre os cativos de Iyá Nassô e Autran, poderia estar relacionada à intenção de recrutar iniciadas para a comunidade de terreiro.37

Mas como Manoel Pereira Lopes, que conforme o registro de casamento vivia “de sua agência”, teria conseguido sua ascensão econômica? Parte da explicação talvez resida em sua amizade e relações comerciais com vários africanos jejes e minas membros da Irmandade do Bom Jesus das Necessidades e Redenção (doravante IBJNR). Essa agremiação, fundada em 1774 na igreja do Corpo Santo, na freguesia da Conceição da Praia, agregava milicianos do terço dos Henriques, capitães de mato, barbeiros, donos de bandas de música de barbeiro, comerciantes de secos e molhados, marinheiros. Muitos deles eram donos de escravos e vários estavam envolvidos no comércio atlântico, se beneficiando, de uma forma ou outra, do tráfico de escravos, a atividade mercantil mais lucrativa do momento e que dinamizava a Cidade Baixa.38

Um dos irmãos da IBJNR, José Gomes da Conceição, por exemplo, “natural da Costa de Leste” (isto é, dos “portos de baixo” a leste de Uidá), um próspero sapateiro, com comércio de couros e molhados no porto, apadrinhou em 1811 dois escravos de Manoel Pereira Lopes. Aliás, José Gomes era o sogro do já citado Geraldo Rodrigues Pereira, afilhado de Manoel, que estava presente naquela mesma cerimônia batismal.39 Dois anos depois, José Gomes nomeava Manoel Pereira seu segundo testamenteiro, denotando a confiança nele depositada. Uma década depois, em 1824, outro irmão da IBJNR, Joaquim Cardoso da Costa, de nação jeje, capitão de mato e dono de uma banda de música de barbeiro, também nomeava Manoel como seu segundo testamenteiro. Nesse caso, o primeiro testamenteiro foi José da Silva Roza, o afilhado de Roza Maria da Conceição, citado na carta de 1839. Essas conexões sugerem que Manoel Pereira Lopes tratava com alguns dos africanos mais bem sucedidos da cidade e que já nas primeiras décadas do século se contava entre eles.40

Contudo, a ligação mais reveladora e “perigosa” da rede social de Manoel Pereira Lopes era a que o unia a seu afilhado Geraldo Rodrigues Pereira, um acaudalado africano de nação mina, também irmão da IBJNR. Geraldo fora cativo do influente e poderoso João Ferreira de Bittencourt e Sá.41 Em 1809, já liberto, recebeu a patente de ajudante de entradas e assaltos da freguesia da Conceição da Praia, ou seja, devia exercer funções de capitão de mato na freguesia mais ativa no comércio negreiro.42 Em 1816, após seu casamento, viajou para a África, onde regeu uma feitoria em Onim (Lagos) a serviço de traficantes espanhóis em Havana.43 Geraldo reaparece na Bahia em 1823, passando a morar na freguesia do Pilar, onde permaneceu até sua morte em março de 1830.

Na década de 1820, já no período do tráfico ilegal ao norte do Equador, ele enriqueceu de forma extraordinária, pois seu inventário post-mortem registra um total de 36 cativos e um monte mor de 33 contos, ou seja, mais do que o dobro do que acumulou o seu padrinho. Nesse documento, o inventariante listava quinze “escravos novos”, não declarados no testamento, que Geraldo tinha em “sociedade” com Inocêncio de Araújo Santana, aquele barbeiro e traficante que intercedeu pelos interesses da viúva Rita, irmã de Roza Maria da Conceição. Essa partida de escravos recém-chegados prova de forma inequívoca o envolvimento de Geraldo e Inocêncio no tráfico. Um deles foi consignado ao testamenteiro para ser entregue a Manoel Pereira Lopes.44

A década de 1820 foi um período crítico para o avigoramento dos homens de negócio afro-baianos, conforme sugere a ascensão social de Geraldo Rodrigues Pereira, Manoel Pereira Lopes e José Pedro Autran. A partir de 1826, o anúncio da iminente proibição do tráfico atlântico gerou na Bahia uma corrida sem precedentes por escravos que durou até a interdição ser legalmente sancionada em 1831.45 Essa demanda coincidiu com uma oferta excepcional de escravizados nos portos de Lagos, Badagri e Porto Novo, provocada pelo colapso do reino de Oyó, que alimentou e aqueceu de forma continuada e maciça o mercado baiano. Essa circunstância permitiu a alguns africanos investir naquela “mercadoria” - homens e mulheres nagôs na sua maioria - ou lucrar com atividades relacionadas à sua comercialização. Alguns libertos eram recrutados para o adestramento e a inserção no mundo da escravidão dos cativos recém-chegados. O apadrinhamento era uma dessas formas e não era incomum, no período, encontrar um único africano apadrinhando grupos deles. Por exemplo, entre 1826 e 1829, José Pedro Autran apadrinhou uns vinte africanos e, numa ocasião, em 1828, sete de uma vez.46

Em 20 de setembro de 1829, meses antes da morte de Geraldo Rodrigues Pereira e no pico daquele frenesi negreiro, ocorreu, na freguesia do Pilar, um batismo coletivo emblemático. Manoel Pereira Lopes levou à pia batismal quatro cativos, todos crioulos (filhos de três de suas escravas africanas), e José Pedro Autran foi o padrinho de dois deles, Francisco e Gregório, filhos gêmeos da africana Narcisa. Na mesma ocasião, Autran apadrinhou ainda um africano, propriedade de Geraldo Rodrigues Pereira.47 Ambos tinham uma relação fluida, como sugere o fato de Geraldo ter assinado como testemunha de Autran quando este comprou um sobrado na rua do Carmo, dois anos antes.48

Não acaba por aqui o enredo. Outra das cativas batizadas neste dia por Manoel Pereira Lopes era a crioulinha de três meses Joana, filha da nagô Justina. O curioso é que, no seu testamento, escrito cinco meses depois, Geraldo, que não tinha filhos, chamou essa crioulinha de Joana Maria do Coração de Jesus (acrescentando-lhe o sobrenome de sua esposa) e a nomeou herdeira do remanescente da sua terça. Ele ainda a declarou liberta e a colocou sob a tutoria do seu primeiro testamenteiro. Também deixou 400$000 réis para que a mãe, Justina, se alforriasse e 100$000 réis para que iniciasse algum negócio. Essa generosidade com as cativas da casa do seu padrinho é surpreendente e responde a alguma razão por enquanto obscura, embora a paternidade de Geraldo fosse uma possibilidade.49

A densidade do tecido social entrelaçando as casas de Manoel, José Pedro e Geraldo pode ser ainda ilustrada com mais dois casos. José da Silva Roza, o afilhado de Roza Maria da Conceição, também mantinha estreitas relações com Geraldo. Como dito, ele apadrinhou, em 1824, Jorge, um crioulinho escravo de Geraldo, e aparece como devedor deste no seu inventario.50 O outro caso é o de Bento Rodrigues Pereira, um dos cativos privilegiados de Geraldo, envolvido nos negócios do seu senhor. Em abril de 1828, Bento apadrinhou Simão, filho da africana Josefa, ambos escravos de Manoel (o padrinho do seu senhor). Em junho, apadrinhou Custodio, cativo nagô de Inocêncio de Araújo Santana (o sócio do seu senhor), sendo a madrinha “Roza Maria da Conceição, africana”, talvez a nossa Roza. Bento só foi alforriado em 1830, por verba testamentária. Nos anos seguintes aparece de novo apadrinhando escravos de Manoel, sugerindo que, após a morte do patrono, Bento tenha ficado sob a influência do padrinho daquele, até que, em 1835, seguindo o êxodo pós-Revolta dos Malês, retornou com mulher e filhos ao continente africano.51

Outros indícios: vizinhança, a viagem africana e a irmandade

A partir de 1823, Geraldo Rodrigues Pereira aparece nos registros de batismo como morador no Pilar. Esta freguesia, vizinha da Conceição da Praia, ocupa uma estreita franja litorânea que estende a zona portuária da Cidade Baixa para o interior da baia de Todos-os-Santos. Quando redigiu o testamento, no início de 1830, Geraldo possuía lá quatro sobrados: um de dois andares, onde morava, em frente ao forte de Santo Alberto, ao lado da atual feira de São Joaquim; um “ao lugar do Barbalho para Água Brusca”; e dois contíguos, adquiridos em 1829, antes de morrer, no lugar dos Coqueiros d’Água dos Meninos (também na área da feira de São Joaquim).52

Por seu lado, Manoel e Roza compraram, em 1805, uma pequena casa de taipa na rua da Poeira, na freguesia de Santana, uma das mais densamente povoadas por africanos no centro da cidade. Até 1828, porém, nos registros eclesiásticos, eles aparecem como moradores na freguesia da Conceição da Praia, na zona portuária, onde talvez vivessem de aluguel.53 Em 1826, no período de sua ascensão econômica, compraram uma “sorte de terras à rua do Bomgosto do Noviciado que vai para o Engenho da Conceição”, na freguesia do Pilar.54 Lá eles construíram um sobrado, onde passaram a residir a partir de 1828. Não seria impensável que o casal fosse atraído àquela freguesia pelo afilhado Geraldo, pois a rua do Bomgosto do Noviciado - em referência ao Noviciado da Anunciada da Jequitaia, atual Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim - estava a escassos 500 metros do forte de Santo Alberto, onde ele morava. Não sei se antes ou depois, Manoel e Roza adquiriram uma casa na rua do Tijolo, na freguesia da Sé, e, já no fim das suas vidas, em janeiro de 1837, compraram ainda um outro sítio de terras “à rua nova do Bomgosto”, imagino que próximo de sua residência.55

Enquanto isso, José Pedro e Francisca moraram na freguesia de Santana até 1833, quando, depois de casar em setembro de 1832, mudaram para a rua do Carmo, na freguesia do Passo, instalando-se nos “dois terços de uma morada de casas de dois sobrados”. Como foi dito, esse imóvel foi adquirido por Autran em 1827, com o aval de Geraldo Rodrigues Pereira, e teria ali funcionado por algum tempo um candomblé. Mesmo com um sobrado no centro da cidade, em março de 1832, meses antes de suas núpcias, José Pedro comprou outra casa “no lugar do Bomgosto da Mangueira do Noviciado da Calçada do Bomfim”, em chãos foreiros aos herdeiros da finada dona Maria Violante, a mesma que vendera as terras a Manoel Pereira Lopes em 1826.56 Ou seja, os casais Manoel e Roza e José Pedro e Francisca tinham casas vizinhas no Bomgosto. Se José Pedro e Francisca chegaram a morar lá, passavam temporadas ou compraram o imóvel apenas como investimento, não sei dizer, mas uma casa afastada do centro, na imediação de mato e água, podia ser útil para realizar rituais de iniciação religiosa. Em todo caso, a proximidade residencial é mais um indício da estreita relação entre os dois casais.

Outro desdobramento possibilitado pela carta de 1839 foi a identificação de várias pessoas que viajaram à África com Francisca da Silva e José Pedro Autran no fim de 1837. Como já visto, após convencer as autoridades a comutar a pena dos seus filhos de galés para deportação, Francisca vendeu todas as suas propriedades, inclusive a casa do Bomgosto, e alforriou vários dos seus cativos, com a condição de que acompanhassem seus patronos lá aonde eles fossem. Em 10 e 11 de outubro de 1837, Francisca e José Pedro e mais 25 agregados, entre os quais sua liberta Marcelina da Silva, solicitaram passaportes para a Costa da África.57

À luz da estreita relação de amizade entre Roza e Francisca revelada pela carta, constatou-se que, no grupo que acompanhou Iyá Nassô, figuravam várias libertas da casa de Roza. Por exemplo, aparecem listados o nagô Joaquim José Ludovico e a preta Josefa Ludovica. Esta última era a mesma Josefa Maria Roza que, em 1834, casou com Joaquim José e que, na solicitação de passaporte, utilizou o sobrenome do marido. Ao contrair núpcias, já forros e moradores na freguesia de Santana, tiveram como testemunha Manoel Pereira Lopes, o patrono da liberta. Oito anos antes, em 1826, Josefa foi batizada pelo senhor “Manoel Pereira” [Lopes] e apadrinhada por “José Pedro” [Autran]. Em dezembro de 1830, já forra, Josefa batizou duas escravas que foram apadrinhadas pelo seu próprio padrinho, José Pedro Autran. Nesse registro, como no do casamento, ela usou o nome de sua senhora, Josefa Maria Roza.58 O vínculo de Josefa com seus senhores, seu padrinho e, por extensão, Francisca da Silva, permitiria explicar a viagem conjunta.

Outras cinco solicitantes de passaporte, todas elas africanas e forras, usam o nome “Roza” ou o sobrenome “Maria da Conceição”, sugerindo a possibilidade de alguma delas ser liberta da casa de Roza Maria da Conceição. São elas: Joaquina Roza, Maria Roza, Thereza Maria da Conceição, Izabel Maria da Conceição e Caetana Maria da Conceição.59 O casal Manoel e Roza possuíram uma cativa chamada Joaquina desde pelo menos 1829, pois, em janeiro de 1833, ainda escrava, batizou seu filho crioulo Felipe, de quatro anos de idade. O padrinho dessa criança foi Bento, aquele liberto de Geraldo Rodrigues Pereira, o afilhado de Manoel Pereira.60 Enquanto Felipe aparece nos testamentos do casal, sua mãe está ausente, sugerindo ser ela a mesma Joaquina Roza que, já liberta, seguiu para a África. Esse pode ter sido também o caso de Maria Roza, que presumo ser a mesma “Maria da Conceição”, escrava do casal Manoel e Roza, alforriada em 26 de setembro de 1837, semanas antes da viagem. A liberdade foi comprada a vista por 550$000 réis (50$000 a serem pagos 30 dias depois), uma soma bastante elevada para o período.61

Thereza Maria da Conceição, que aparece como jeje na solicitação de passaporte, poderia ser a Thereza, de nação jeje, escrava adulta de Manoel Pereira Lopes, batizada em maio de 1831. Seu padrinho, Rufino Serra, era um africano nagô, adepto de Xangô, que circulava no entorno social de Autran e que também acabaria na África.62 Já Caetana Maria da Conceição poderia ser a mesma Maria Caetana da Conceição (com o nome invertido) que aparece em Ajudá, em 1839, referida como ilustríssima senhora, enviando à Bahia panos da costa e azeite de dendê. Mais um exemplo, como o da própria Francisca da Silva, do envolvimento de mulheres no comércio atlântico.63 Sobre a última dessas africanas, Isabel Maria da Conceição, não achei ainda maiores informações. Em todo caso, a presença de prováveis libertas de Roza Maria acompanhando Francisca da Silva no seu retorno ao continente africano indicaria um projeto orquestrado em conjunto pelas duas casas, envolvendo, provavelmente, várias iniciadas da comunidade religiosa.

Após a partida do grupo para a costa africana, coincidindo com a rebelião republicana da Sabinada, Roza Maria ficou reclusa no Bomgosto, na companhia do marido doente e de “tudo o que lhe pertencia”. Em agosto de 1838, Manoel e Roza ditaram, na sua residência, os testamentos que, como foi dito, fora detalhes pessoais, são idênticos. Um número considerável de cláusulas dizia respeito aos ritos católicos a serem seguidos após o seu falecimento. Ambos pediam ser amortalhados em hábito branco e, no dia seguinte, ser depositados na capela de Nossa Senhora do Rosário às Portas do Carmo, da qual eram “indignos” irmãos.64 Também solicitavam um ofício de corpo presente, com 21 sacerdotes e 20 pobres e, no mesmo dia, dez missas por suas almas. Ambos pediam dez missas para cada um dos seus respectivos senhores (Francisco José Rocha e sua senhora dona Thereza, os dela; José Pereira Lopes e José Ignacio Accioli, os dele). Ainda requeriam, cada um, quatro capelas de missas de esmola de cruzado por suas almas e uma quinta, de esmola de 640 réis, a ser dita pelo padre José Faustino da Costa Gomes. Finalmente, mandavam celebrar mais uma capela de missas “pelas almas das pessoas com quem [tiveram] negócios, benfeitores e amigos”.65

Essa profusão de missas e a preocupação com o destino das almas no além, bem no costume da época, em particular entre os libertos africanos, contrastam com a ausência de seus registros nos livros de óbito da sua freguesia. No entanto, o pertencimento do casal à irmandade do Rosário às Portas do Carmo não era uma mera formalidade. Em novembro de 1838, meses depois de selar o testamento, o padre José Faustino da Costa Gomes, a quem o casal encarregou duas capelas de missas, era nomeado procurador geral da dita irmandade e, na mesma ocasião, foram eleitas entre as juízas, com seus nomes listados um após o outro, “Rozaria Maria” e “Marcelina da Silva”. A proximidade entre Roza Maria e o procurador geral, explícita no testamento, sugere que essa juíza “Rozaria Maria” fosse Roza Maria da Conceição e, nesse caso, há chances de que “Marcelina da Silva” fosse a mesma Obatossi, afilhada de Roza e liberta de Iyá Nassô, que teria regressado da Costa da Mina recentemente.66 Esse indício sugere que Roza Maria da Conceição estivesse por trás da reativação da comunidade do terreiro liderada por Obatossi após seu regresso à Bahia.

Mas não por muito tempo, pois em 31 de março de 1840, um ano após a morte do marido, falecia a preta Roza Maria da Conceição, conforme registrou o testamenteiro de ambos, Henrique José Teixeira Chaves, negociante, branco, morador à Cidade Baixa.67 Sobre a trajetória de José Pedro Autran e Francisca da Silva em Ajudá já escrevemos em outra parte. Não sabemos exatamente quando Francisca da Silva faleceu, mas seu esposo José Pedro Autran viveu em terras africanas mais duas décadas.68

Considerações finais de ordem geral

Essa é a história de uma carta truncada, a história de uma carta violada, lida por olhos alheios, aos quais não estava destinada. Deixando de lado o fato de que foi uma resposta que demorou mais de um ano a ser escrita, a carta interceptada é uma boa metáfora da ruptura atlântica, a outra face da moeda da tão badalada comunicação transoceânica entre o Brasil e a África. Ela simboliza a descontinuidade de um passado traumático, de separação forçada, de diáspora sem retorno. Mas também emerge desse tempo remoto e nebuloso, numa atualidade não menos turbulenta, como emblema de reconexão no labirinto da memória fragmentada. Como um fio de Ariadne deixado por figuras espectrais, essa intermediação textual estabelece inesperadas ligações que colapsam o que foi e o que ainda é. Talvez pareça exagerado, mas o intrincado itinerário dessa carta que hoje nos permite revelar a identidade de figuras até então anônimas não seria, aos olhos da remetente e dos destinatários originais, fruto do mero acaso. Se a missiva tivesse chegado ao destino talvez nunca tivéssemos tido a oportunidade de relacionar Francisca da Silva (Iyá Nassô) com Roza Maria da Conceição e esta com as sombras ancestrais de Iyá Lussô, Iyá Akalá ou Iyá Adetá. Assim, a interrupção, em aparência acidental, da comunicação passada, como uma ironia do destino, nos permite hoje entrever implicações inusitadas.

O valor indicial da epístola, a tinta seca que leva inscrita em sua caligrafia o gesto de uma pena segurada por uma mão humana, o fólio hoje grisalho com as marcas resilientes da primeira vez em que foi dobrado fossiliza, como uma pegada, um momento do passado no presente. Contudo, a interpretação dos significados do texto e a identificação de suas personagens são alheias ao próprio objeto físico e, conforme a velha lógica hermenêutica, só serão possíveis a partir do saber contextual do leitor que, em última instância, é quem lhe confere seu “valor histórico”. Como diz Levi Strauss, os arquivos

constituem o fato em sua contingência radical (visto que apenas a interpretação, que não faz parte dele, pode baseá-lo numa razão); por outro lado eles dão existência física à história, pois apenas neles é ultrapassada a contradição de um passado terminado e de um presente onde ele sobrevive. Os arquivos são o ser encarnado da factualidade.69

Mas os arquivos levam implícito também seu potencial intertextual, sujeito ao que poderíamos chamar, com certo pedantismo, de razão dialética, não da história, mas da historiografia. O sentido da carta de 1839 só foi revelado a partir do seu contraste com informações preexistentes adquiridas por meio de muitas outras “cartas” e interações sociais, e esse confronto “dialético” da carta recém-descoberta com as cartas já conhecidas gerou novos horizontes interpretativos, tanto para estas últimas como para outras que ainda dormem opacas e silenciosas.

No seu sentido metafórico, essas “cartas” que compõem o baralho historiográfico também incluem as tradições orais. Assim, a carta de Roza Maria da Conceição também permitiria reinterpretar as várias versões orais relativas à fundação do candomblé da Barroquinha, valorizando aquelas que melhor se adequem à “evidência documental”, sem, no entanto, desconsiderar o valor antropológico de memória compartilhada que as outras representam. Tudo isso, se aceitarmos a possibilidade de essas duas expressões, aparentemente inócuas, inscritas na missiva, “minha filha” e “sua mãe”, indicarem algum tipo de vínculo iniciático no candomblé.

O historiador, no fim das contas, limita-se a elaborar “integrações descritivas” que alargam a nossa compreensão de determinados eventos e experiências.70 Para isso ele precisa de estratégias narrativas persuasivas, entre as quais a trajetória biográfica capaz de encadear sequências de ação expressiva. Nos documentos, o nome da mesma pessoa aparece e reaparece ao lado de outros nomes, como se fossem encontros e reencontros numa rede nominal que pode se expandir em múltiplas direções. Neste artigo, privilegiei como eixo narrativo não um indivíduo, mas a relação entre dois casais ou duas “casas”, aliás, dois casais de gerações distintas. Nesse sentido, o texto quis destacar a importância da transmissão cultural por meio dos grupos etários. Examinando a biografia coletiva de múltiplos sujeitos históricos de gerações superpostas, seria possível vislumbrar como as práticas sociais, as estratégias e os projetos políticos dos libertos, se reproduziram, mas também se transformaram no contexto da passagem da Colônia para o Império.

Voltando então à “evidência documental”, a capacidade de ascensão social de personagens como Geraldo, Manoel, José Pedro e suas consortes é resultado, em parte, da manutenção de relações fluidas com seus patronos. Também emerge desses casos a importância dos estamentos militares cuja sombra possibilitou a mobilidade social de vários dos libertos mais bem-sucedidos. Manoel Pereira Lopes foi escravo do tenente José Ignacio Accioli, lembrado, muitos anos depois, no seu testamento, e Geraldo Rodrigues Pereira foi ajudante de entradas, sob o comando do capitão-mor Antônio José de Freitas. Se as fardas não asseguravam salário, ofereciam articulação e prestigio social.71

O ganho econômico, no entanto, resultou da habilidade desses libertos em se inserir no mercado e, em particular, no comércio atlântico, e essa inserção mercantil dependeu de sua capilaridade social. Além das relações mais ou menos fluidas com os patronos, suas redes sociais precisavam atravessar fronteiras de cor e classe. O inventario post-mortem de Geraldo Pereira é indicativo dessa transversalidade social, envolvendo desde abastados donos de navios, capitães de mar, milicianos, comerciantes e até seus próprios escravizados, gradualmente inseridos no negócio.72 No caso de Manoel e Roza percebe-se esse tipo de sociabilidade inter-racial, por exemplo, com Henrique José Teixeira Chaves, homem de negócios branco, com quem já desde 1815 estabeleciam relações mútuas de cossenhorio, e mais de vinte anos depois nomeavam como testamenteiro.73 Ora, há também ampla evidência de que, com base em diversas formas de associativismo, entre as quais as irmandades, os libertos tendiam a realizar negócios entre si, promovendo uma relativa autonomia comercial africana. Isso significa dizer que a inserção no mercado dos libertos mais abastados dependia e requeria sua dupla articulação com os pares africanos, assim como com negociantes brancos e mestiços.

A proximidade social de Manoel Pereira Lopes e José Pedro Autran com Geraldo Rodrigues Pereira e deste com o mundo do tráfico negreiro sugere que sua ascensão econômica esteve ligada, de uma forma ou outra, a esse negócio. Óbvio, não é questão de limitar o comércio marítimo ao tráfico, nem de reduzir este a compra de cativos na África e sua venda no Brasil, pois havia outros serviços associados igualmente vantajosos, desde o suprimento de navios negreiros, até a recepção e disciplina dos cativos recém-chegados. Contudo, a propriedade escrava das casas Lopes e Autran - a primeira chegando a possuir mais de 50 cativos, entre 1801 e 1838, e a segunda, até 22 entre 1822 e 1837 - prova o seu interesse naquele investimento.74 A pergunta lógica e incômoda que se impõe é até que ponto o sucesso econômico daquela minoria afro-baiana estava ligado ou dependia da atividade do tráfico. É certo que, em muitos casos, o lucro provinha de colocar os cativos ao ganho, de aluguéis de imóveis ou do legítimo comércio atlântico do azeite de dendê, de panos da costa ou de nozes cola. Mas, casos como o de Geraldo Rodrigues Pereira e outros sugerem que, entre os libertos africanos mais prósperos, os que investiam no tráfico eram os que conseguiam acumular maior riqueza. Isso, porém, não significa estabelecer uma correlação direta entre riqueza e tráfico, pois a maioria dos libertos envolvidos nesse negócio o fazia em pequena escala e não conseguia lucros avultados.75

A chave interpretativa utilizada neste texto para compreender a mobilidade social dos libertos tentou destacar a excepcionalidade individual, à maneira dos “grandes homens” (e mulheres) das sociedades da África Ocidental, que acumulavam poder em função do número de seguidores, antes do que postular a existência de uma “elite” afro-baiana. Nessa perspectiva, a casa ou a coletividade doméstica aparece como lugar de investimento político, estimulando a agregação de dependentes e clientes, entre os quais os cativos. Essa dinâmica associativa gerava a interdependência coletiva em volta de indivíduos poderosos, determinando formas de sociabilidade bastante hierarquizadas. Vale lembrar, porém, que a ascensão socioeconômica dessa minoria de libertos mais bem-sucedidos era sempre precária e instável e raramente se perpetuava por meio das gerações. Também cabe lembrar que, embora alguns se beneficiassem da economia do tráfico, nenhum deles se comparava aos grandes capitalistas brancos que investiam no negócio como armadores e donos de navio. A ascensão dos africanos, nesse quadro mais amplo não deixava de ser marginal, resultado do aproveitamento das frestas do sistema e da alta rentabilidade de operações ilícitas. Eles exerceriam influência e podiam ser reverenciados no seio da comunidade negra, mas o olhar de uma sociedade racialmente hierarquizada dificilmente os deixava transcender a figura do “barão da ralé”.76

A conexão entre Roza e Francisca revelada pela carta, porém, permite vislumbrar os vínculos estreitos entre religião, economia e poder. Quer se aceite ou não a hipótese de Roza Maria da Conceição ser Iyá Lussô ou Iyá Akalá, ou de ela estar ligada a Iyá Nassô por um vínculo iniciático, sua condição de ìyá, enquanto sênior desta, parece confirmada. Podemos dizer então que pelo menos parte da liderança do candomblé daquele início dos Oitocentos foi favorecida por condições materiais fora do comum, associadas ao comércio atlântico. Não é aventurado supor que essa afluência, junto à forma organizacional da “casa”, que agregava capital humano na forma de cativos e crias, facilitasse a formação do grupo religioso ou, quando menos, contribuísse para o reforço da sua liderança.

A continuidade geracional desse projeto religioso, porém, estava sujeita a forças imponderáveis. O fato de várias libertas de Roza acompanharem Iyá Nassô na viagem à África em 1837 sugere um processo de coparticipação das duas casas. O exílio foi consequência de uma conjuntura associada à perseguição dos africanos após a Revolta dos Malês, mas talvez expressasse também uma reorientação das ambições existenciais e políticas daquela geração de africanas mais novas. A legislação antiafricana de 1835 foi apenas o ápice de um processo de discriminação étnico-racial de longa data. A constituição de 1824, escrita após a Independência do Brasil, não reconhecia a cidadania ou a nacionalidade brasileira aos libertos africanos. Uma lei de 1831 interditava a entrada de africanos no Brasil e comprometia sua mobilidade e nenhuma das revoltas daquele tumultuado início do Império, fossem elas antilusitanas, federalistas ou inspiradas pelo populismo dos liberais exaltados, incluía o liberto africano no projeto nacional. Inclusive as instituições tradicionalmente ocupadas pelos libertos como as milícias negras foram desmanteladas em 1831.77 Ou seja, o pequeno setor dos africanos que tinha acumulado certos bens no período colonial, apesar da ascensão econômica, vinha sofrendo uma asfixia política que não permitia vislumbrar qualquer futuro promissor.

Deixar a Bahia para plantar semente em outra terra não pressupunha, contudo, uma excisão ou ruptura radical, como indica o retorno um ano depois de Marcelina da Silva. A provável reunião com sua madrinha Roza e a reorganização do grupo religioso que viria a ser o candomblé da Casa Branca sinalizariam uma estratégia de cooperação mais ampla que não podia renunciar aos que ficaram para trás. Por outro lado, o potencial da troca comercial atlântica, de dendê, cola e outras mercadorias foi o complemento material da colaboração religiosa e teria entrado nos cálculos de José Pedro e Francisca, prévios à sua viagem de retorno. Em definitivo, nos anos posteriores à Independência do Brasil, a minoria negra mais próspera da Bahia, já arraigada havia décadas, após conseguir ascender econômica, mas não politicamente, experimentava sua frágil liberdade com novos projetos e desafios atlânticos, em que a autoridade religiosa, o sucesso comercial e o controle social da comunidade negra se emaranhavam de forma indissociável.

Referências bibliográficas

  • ACCIOLI, Inácio. Memórias históricas e políticas da província da Bahia, vol. 5. Salvador: Imprensa Oficial, 1940.
  • ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860. Salvador: Corrupio, 1988 [1975].
  • BARBER, Karin. Como o homem cria Deus na África Ocidental: atitudes dos yorubá para com o òrìsà. In: MOURA, C. E. M. de (org.). Meu sinal está no teu corpo. São Paulo: Edicon-Edusp, 1989.
  • BASTIDE, Roger & VERGER, Pierre. Diálogo entre filhos de Xangô. Correspondência 1947-1974. São Paulo: Edusp, 2017.
  • BETHELL, Leslie. A abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília: Senado Federal/Conselho Editorial, 2002.
  • BOWEN, T. J. Grammar and dictionary of the Yoruba language. The Smithsonian Institution, 1858.
  • CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. Salvador: Ediouro, 1985 [1948].
  • CASTILLO, Lisa Earl. Entre memória, mito e história: viajantes transatlânticos da Casa Branca. In: REIS, João José & AZEVEDO, Alciene (org..). Escravidão e suas sombras. Salvador: Edufba, 2012. p. 65-110.
  • __________. O terreiro do Gantois: redes sociais e etnografia histórica no século XIX. Revista de História, n. 176, São Paulo, 2017, p. 1-57. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.118842
    » http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.118842
  • CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva e seu mundo: novos dados para historiografia do candomblé ketu. Afro-Ásia, n. 36, 2007, p. 111-51. DOI: http://dx.doi.org/10.9771/1981-1411aa.v0i36.21143
    » http://dx.doi.org/10.9771/1981-1411aa.v0i36.21143
  • __________. Marcelina da Silva: a Candomblé priestess in Bahia. Slavery & Abolition, vol. 31, n. 1, 2010, p. 1-27. DOI: https://doi.org/10.1080/01440390903481639
    » https://doi.org/10.1080/01440390903481639
  • CASTRO e ALMEIDA, Eduardo de. Inventário dos documentos relativos ao Brasil. Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 32, 1910.
  • CROWTHER, Samuel. A vocabulary of the Yoruba language. Londres: Seebyz, 1852.
  • CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Companhia das Letras, 2012 [1985].
  • DORIA, Francisco Antônio. The Acciaioli family in Brazil. Disponível em: http://www.sardimpex.com/articoli/The%20Acciaioli%20family%20in%20Brazil.ht
    » http://www.sardimpex.com/articoli/The%20Acciaioli%20family%20in%20Brazil.ht
  • INGOLD, Tim. Antropologia não é etnografia. In: Idem. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petropolis: Vozes, 2015.
  • KRAAY, Hendrik. Race, State, and Armed Forces in Independence-Era Brazil: Bahia, 1790s-1840s. Stanford: Stanford University Press, 2001.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Editora Nacional/Edusp, 1970.
  • LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santo nos candomblés jeje-nagôs da Bahia. Salvador: Corrupio , 2003 [1972].
  • LUZ, Marco Aurélio. Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira. Salvador: Edufba , 2017 [1995].
  • MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia, uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
  • __________. Testamentos de escravos libertos na Bahia no século XIX: uma fonte para o estudo das mentalidades. In: Idem. Da revolução dos alfaiates à riqueza dos baianos do século XIX. Salvador: Corrupio, 2004 [1979], p. 225-60.
  • NERÍN, Gustau. Traficants d’ànimes. Els negrers espanhols a l’África. Barcelona: Portic, 2015.
  • OLIVEIRA, Maria Inês Cortes de. O liberto: o seu mundo e os outros (Salvador, 1790-1890). Salvador: Corrupio , 1988.
  • PARÉS, Luis Nicolau. A formação do candomblé. História e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
  • __________. Cartas do Daomé. Afro-Ásia, n. 47, 2013, p. 295-395. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0002-05912013000100009
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0002-05912013000100009
  • __________. Milicianos, barbeiros e traficantes numa irmandade católica de africanos minas e jejes (Bahia, 1770-1830). Tempo, n. 20, 2014, p. 1-23. DOI: 10.5533/TEM-1980-542X-2014203607.
    » https://doi.org/10.5533/TEM-1980-542X-2014203607
  • __________. Entre Bahia e a Costa da Mina, libertos africanos no tráfico ilegal. In: FIGUEIROA-REGO, João; RAGGI, Giuseppina; STUMPF, Roberta (org.). Salvador da Bahia entre América e Àfrica. Salvador/Lisboa: Edufba/Cham, 2017, p. 13-50.
  • PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô. Religião e Sociedade, vol. 35, n. 1, 2015, p. 13-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0100-85872015v35n1cap01
    » http://dx.doi.org/10.1590/0100-85872015v35n1cap01
  • PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. São Paulo: Ed. Nacional, 1971 [1942].
  • REIS, João José. Domingos Sodré: um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras , 2008.
  • __________. Cor, classe, ocupação etc.: o perfil social (às vezes pessoal) dos rebeldes baianos, 1823-1833. In: REIS, João José & ACEVEDO, Elciene (org.). Escravidão e suas sombras. Salvador: Edufba, 2012, p. 279-320.
  • __________. De escravo a rico liberto: a trajetória do africano Manoel Joaquim Ricardo na Bahia oitocentista. Revista de História, n. 174, São Paulo, 2016, p. 15-68. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2016.108145
    » http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2016.108145
  • SACHNINE, Michka. Dictionnaire usuel yorùbá-français. Paris/Ibadan: Karthala/Ifra, 1997.
  • SANTOS, Flavio Gonçalves dos. Economia e cultura do candomblé na Bahia: O comércio dos objetos litúrgicos afro-brasileiros, 1850-1937. Ilhéus: Editora Uesc, 2013.
  • SANTOS, Joana Elbeim dos. Mãe Senhora, lembranças e reflexões. In: SANTOS, José Felix dos & NÓBREGA, Cida (org.). Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora: saudade e memória. Salvador: Corrupio , 2000.
  • SILVEIRA, Renato da. O candomblé da Barroquinha: processo de constituição do primeiro terreiro baiano de keto. Salvador: Maianga, 2006.
  • VERGER, Pierre. Orixás. Salvador: Corrupio , 1981.
  • __________. A contribuição especial das mulheres ao candomblé do Brasil. In: Idem. Artigos. Salvador: Corrupio, 1992 [1985].
  • __________. Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos. Salvador: Corrupio, 1992.
  • 1
    Essa pesquisa resultou em três artigos, com os quais este texto dialoga o tempo todo: CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva e seu mundo: novos dados para historiografia do candomblé ketu. Afro-Ásia, n. 36, 2007, p. 111-151; CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva: a Candomblé priestess in Bahia. Slavery & Abolition, vol. 31, n. 1, 2010, p. 1-27; PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô. Religião e Sociedade, vol. 35, n. 1, 2015, p. 13-43.
  • 2
    The National Archives (doravante TNA), Kew, FO 315/50/57, Nova Fortuna, doc. 47, Manoel Joaquim Ricardo a José Pedro Otram, Bahia, 24/04/1841.
  • 3
    TNA, FO 315/44/32, Emprehendedor, doc. 11, Roza Maria da Conceição a José Pedro, Bahia, 13/04/1839. O Emprehendedor, brigue construído nos Estados Unidos e propriedade de Francisco Felix de Souza, levava bandeira portuguesa, mas foi acusado pelos ingleses de ser espanhol, enquanto a defesa alegava ser ele brasileiro. O caso foi julgado no fim de julho pelo Tribunal Misto Anglo-Espanhol em Serra Leoa, que o desestimou por não poder se provar a propriedade espanhola. Contudo, o processo seguiu para o Tribunal da Comissão Mista Anglo-Brasileira que, em 31 de agosto, o sentenciou como “boa presa”: House of Commons Parliamentary Papers (doravante HCPP), Correspondence with British comissioners, Class A, 1840, n. 77, caso Emprehendedor, p. 111-17.
  • 4
    A expressão “com veras” significa “de maneira sincera”.
  • 5
    Ver por exemplo O Alabama, 22 de março de 1867, p. 4; 16 de abril de 1867, p. 5-6; 16 de fevereiro de 1869, p. 2-3; 23 de junho de 1870, p. 2; 24 de novembro de 1871, p. 4. A expressão mais frequente hoje em dia, “mãe de santo”, não aparece naquele período. Contudo, “pai de santo”, provável tradução de babalorixá (literalmente pai do orixá) já aparece registrado: O Alabama, 28 de julho de 1868, p. 1-2. Ver: PARÉS, Luis Nicolau. A formação do candomblé. História e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 147, 166, 318, 360.
  • 6
    Para a versão das três mães fundadoras (Iyá Adêtá, Iyá Kalá e Iyá Nassô) ver CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. Salvador: Ediouro, 1985 [1948], p. 48, 129-30; VERGER, Pierre. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981, p. 29-30; SILVEIRA, Renato da. O candomblé da Barroquinha: processo de constituição do primeiro terreiro baiano de keto. Salvador: Maianga, 2006, p. 391-403; CASTILLO, Lisa Earl. O terreiro do Gantois: redes sociais e etnografia histórica no século XIX. Revista de História, n. 176, São Paulo, 2017, p. 48. Para a versão de duas mães fundadoras (Iyá Lussô e Iyá Nassô) ver Institut de la Mémoire de l’Édition Contemporaine (Imec), Caen (França), Fonds Bastide, BST2.N6-02.02 (Voyage en Afrique), carta 3, Pierre Verger a Roger Bastide, Dakar, 1/04/1954; carta 5, Pierre Verger a Roger Bastide, Porto Novo, 24/10/1955. Essas duas cartas constam, parcialmente, em BASTIDE, Roger & VERGER, Pierre. Diálogo entre filhos de Xangô. Correspondência 1947-1974. São Paulo: Edusp, 2017, nota 3, p. 322-26, 381. Ainda sobre Iyá Lussô Odanadana ver VERGER, Pierre. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981, p. 28-29; VERGER, Pierre. A contribuição especial das mulheres ao candomblé do Brasil. In: Idem. Artigos. Salvador: Corrupio, 1992 [1985], p. 113-15; SANTOS, Joana Elbeim dos. Mãe Senhora, lembranças e reflexões. In: SANTOS, José Felix dos & NÓBREGA, Cida (org.). Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora: saudade e memória. Salvador: Corrupio, 2000, p. 45.
  • 7
    LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santo nos candomblés jeje-nagôs da Bahia. Salvador: Corrupio, 2003 [1972], p. 33.
  • 8
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 27, Testamento de Roza Maria da Conceição, f. em 31/03/1840, fls. 148v-151v.
  • 9
    Agradeço os esclarecimentos sobre os diversos usos do termo em iorubá ao professor Toyin Falola (email recebido em 21/10/2017). Ver ainda CROWTHER, Samuel. A vocabulary of the Yoruba language. Londres: Seebyz, 1852, p. 169; BOWEN, T. J.Grammar and dictionary of the Yoruba language. The Smithsonian Institution, 1858, p. 48. SACHNINE, Michka. Dictionnaire usuel yorùbá-français. Paris/Ibadan: Karthala/Ifra, 1997. Para ìyá Bowen refere também o significado de “senhora de um serviçal”.
  • 10
    Escrevi a propósito dele em PARÉS, Luis Nicolau. Milicianos, barbeiros e traficantes numa irmandade católica de africanos minas e jejes (Bahia, 1770-1830). Tempo, n. 20, 2014, p. 1-32. Agradeço a Lisa Castillo por ter chamado minha atenção, no início de nossa pesquisa, para essa personagem e seu afilhado Geraldo Rodrigues Pereira. Há vários homônimos de Roza Maria da Conceição, entre eles a mulher do africano Manoel Joaquim Ricardo, mas esta aparece num período posterior. Cf. REIS, João José. De escravo a rico liberto: a trajetória do africano Manoel Joaquim Ricardo na Bahia oitocentista. Revista de História, n. 174, São Paulo, 2016, p. 15-68.
  • 11
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 26, Testamento de Manoel Pereira Lopes, f. em 9/003/1839, fls. 108-111. Todavia, outra carta do Emprehendedor menciona os falecimentos do sr. Manoel Pereira do Bomgosto e Gaspar de São Pedro Velho. Cf. TNA, FO 315/44/32, Emprehendedor, doc. 146, Constantino José do Bomfim a Domingos Francisco Maya, Bahia, 08/04/1839.
  • 12
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 26, Testamento de Manoel Pereira Lopes, f. em 9/003/1839, fls. 108-111. Em 1821, José Pereira Lopez aparece referido como “falecido desembargador”. Cf. Idade d’Ouro, 19 de fevereiro de 1821, p. 4. Sobre Accioli ver Portaria pela qual foi nomeado Ajudante de Ordens José Ignacio Acchioli de Vasconcellos Brandão [...] Bahia, 17 de setembro de 1785. In: CASTRO e ALMEIDA, Eduardo de. Inventário dos documentos relativos ao Brasil. Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 32, 1910, n. ref. 11.946. José Ignacio Accioli (1750-1826) chegou a ser marechal, hospedou em Salvador a Jerôme Bonaparte em 1806 e ajudou a transportar a corte portuguesa em 1807. Em 1811, aparece como dono de navio negreiro. Tinha um engenho em Itaparica e confrontou uma revolta de escravos em 1820. Foi enterrado na igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ver DORIA, Francisco Antônio. The Acciaioli family in Brazil. Disponível em: <http://www.sardimpex.com/articoli/The%20Acciaioli%20family%20in%20Brazil.htm>. Acesso em: 04/09/2017; Idade d’Ouro, 17 de setembro de 1811, p. 4.
  • 13
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 27, Testamento de Roza Maria da Conceição, f. em 31/03/1840, fls. 148v-151v. Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador (doravante ACMS), Freguesia da Conceição da Praia, Casamentos, 1776-1806, fl. 171. Agradeço a Lisa Castillo pela indicação desse registro de casamento.
  • 14
    PARÉS, Luis Nicolau. Cartas do Daomé. Afro-Ásia, n. 47, 2013, p. 361.
  • 15
    ACMS, Freguesia de Santana, Óbitos, 1818-47, fl. 214. A pesquisa de um José, nessas datas, nas freguesias de Santo Antônio, Passo e Conceição da Praia não revelaram outros casos compatíveis com nosso sujeito.
  • 16
    ACMS, Freguesia da Conceição da Praia, Batismos, 1815-1824, fl. 158v.
  • 17
    ACMS, Freguesia do Pilar, Batismos, 1824-1830, fl. 6.
  • 18
    ACMS, Freguesia de Santana, Batismos, 1821-30, fls. 209v, 210. Para o batismo de Magdalena ver CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva: a Candomblé priestess in Bahia, op. cit., 2010, p. 3.
  • 19
    ACMS, Freguesia de São Pedro Velho, Óbitos, 1838-48, fl. 15v. Apeb, Colonial, Livro de Passaportes 5883, fls. 115, 115v. TNA, FO 315/46-36, Augusto, doc. 56, Rita Maria da Conceição a José Marques de Oliveira, Bahia 08/07/1839; doc. 60, Inocêncio Araújo Santana a José Marques de Oliveira, Bahia 10/07/1839.
  • 20
    Para a referência às filhas ver TNA, FO 315/46-36, Augusto, doc. 56, Rita Maria da Conceição a José Marques de Oliveira, Bahia 08/07/1839. Para sua relação de compadrio com José Marques ver ACMS, Freguesia de Santana, Batismos, 1821-30, fl. 5v. Para a compra das casas ver Apeb, Judiciário, Livro de Notas n. 231, fls. 32, 45, 54; Livro de Notas n. 230, fl. 133.
  • 21
    PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 15; cf. ACMS, Freguesia da Conceição da Praia, Batismos, 1824-34, fls. 82 e 201.
  • 22
    TNA, FO 315/44/32, Emprehendedor, doc. s. n., João Simões a Caetana Maria da Conceição, Bahia, 9/04/1839; doc. 29a, José Manoel d’Etra a José Francisco dos Santos, Bahia, 20/04/1839. Sobre a participação das mulheres no comércio atlântico nesse período ver, por exemplo, o caso de Ifigênia da Cruz em PARÉS, Luis Nicolau. Entre Bahia e a Costa da Mina, libertos africanos no tráfico ilegal. In: FIGUEIROA-REGO, João; RAGGI, Giuseppina; STUMPF, Roberta (org.).Salvador da Bahia entre América e África. Salvador/Lisboa: Edufba/Cham, 2017, p. 13-50.
  • 23
    A célebre mãe Aninha do Axé Opô Afonjá, por exemplo, tinha uma loja na Cidade Baixa onde vendia produtos religiosos importados da África. Cf. PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. São Paulo: Editora Nacional, 1971 [1942], p. 320. Sobre o comércio atlântico de produtos religiosos ver ainda CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Companhia das Letras, 2012 [1985]; SANTOS, Flavio Gonçalves dos. Economia e cultura do candomblé na Bahia: o comércio dos objetos litúrgicos afro-brasileiros, 1850-1937. Ilhéus: Editora Uesc, 2013.
  • 24
    CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva e seu mundo..., op. cit., 2007, p. 116-17; PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 15. José Pedro e Francisca aparecem juntos num batismo coletivo em 7 de novembro de 1824. Cf. ACMS, Freguesia de Santana, Batismos, 1821-1830, fl. 78.
  • 25
    Ver, por exemplo, ACMS, Freguesia da Conceição da Praia, Casamentos, 1776-1806, fl. 17; Óbitos, 1804-10, fl. 270v. Para uma discussão sobre as nações africanas na Bahia e sua quantificação no início do século XIX ver PARÉS, Luis Nicolau. A formação do candomblé..., op. cit., 2006, p. 71-74.
  • 26
    Outro caso conhecido de casal interétnico associado ao candomblé é o da fundadora do terreiro Gantois, a nagô tia Julia e seu marido, o jeje José Nazareth. Cf. CASTILLO, Lisa Earl. O terreiro do Gantois..., op. cit., 2017, p. 1-57.
  • 27
    Para a etnicidade de José Pedro ver PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 14, 27-28. Para a etnicidade de Francisca (Iyá Nassô), que a tradição oral diz ter vindo de Ketu, cabe notar que ela teve um filho identificado como sendo de Oyó. Cf. CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva e seu mundo..., op. cit., 2007, p. 115, 122.
  • 28
    ACMS, Freguesia da Conceição da Praia, Batismos, 1815-1824, fl. 271v.
  • 29
    CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva: a Candomblé priestess in Bahia, op. cit., 2010, p. 3; cf. ACMS, Freguesia de Santana, Batismos, 1821-1830, f. 78. A data do batismo, em que estava presente “José Pedro”, foi 7/11/1824. Sobre o barbeiro jeje Constantino do Bomfim ver CASTILLO, Lisa Earl. O terreiro do Gantois..., op. cit., 2017, p. 49-51.
  • 30
    Elbeim dos Santos diz que Obatossi era “filha” de Iyá Lussô, filiação religiosa que poderia ser paralela à sua condição de afilhada no rito católico e, nesse caso, teríamos mais um indício para associar Roza Maria da Conceição a Iyá Lussô: SANTOS, Joana Elbeim dos. Mãe Senhora, lembranças e reflexões, op. cit., 2000, p. 45.
  • 31
    ACMS, Freguesia da Conceição da Praia, Óbitos, 1781-1804, f. 227.
  • 32
    Ver, entre outros, OLIVEIRA, Maria Inês Cortes de. O liberto: o seu mundo e os outros (Salvador, 1790-1890). Salvador: Corrupio, 1988; REIS, João José. Domingos Sodré: um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 189-90; CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva e seu mundo..., op. cit., 2007, p. 15-16; PARÉS, Luis Nicolau. Milicianos, barbeiros e traficantes..., op. cit., 2014; PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 18-21.
  • 33
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 26, Testamento de Manoel Pereira Lopes, f. em 9/003/1839, fls. 108-111; Livro de Testamentos, n. 27, Testamento de Roza Maria da Conceição, f. em 31/03/1840, fls. 148v-151v.
  • 34
    Para a estimativa do valor dos escravos ver ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860. Salvador: Corrupio, 1988 [1975], p. 207-13 (para o ano 1838). Calculei o valor dos imóveis em, aproximadamente, dois contos de réis. Para a distribuição da riqueza em Salvador ver MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia, uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p. 607.
  • 35
    Para citar apenas alguns dos trabalhos mais significativos ver MATTOSO, Katia M. de Queirós. Testamentos de escravos libertos na Bahia no século XIX: uma fonte para o estudo das mentalidades. In: Idem. Da revolução dos alfaiates à riqueza dos baianos do século XIX. Salvador: Corrupio, 2004 [1979], p. 225-260; OLIVEIRA, Maria Inês Cortes de. O liberto: o seu mundo e os outros ..., op. cit., 1988; VERGER, Pierre. Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos. Salvador: Corrupio, 1992; REIS, João José. Domingos Sodré..., op. cit., 2008; REIS, João José. De escravo a rico liberto..., op. cit., 2016, p. 15-68; GRAHAM, Richard. Alimentar a cidade. Das vendedoras de rua à reforma liberal (Salvador 1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2013; CASTILLO, Lisa Earl. Entre memória, mito e história: viajantes transatlânticos da Casa Branca. In: REIS, João José & AZEVEDO, Alciene (org.). Escravidão e suas sombras. Salvador: Edufba, 2012, p. 65-110; PARÉS, Luis Nicolau. Milicianos, barbeiros e traficantes..., op. cit., 2014, p. 1-32.
  • 36
    BARBER, Karin. Como o homem cria Deus na África Ocidental: atitudes dos yorubá para com o òrìsà. In: MOURA, C. E. M. de (org.). Meu sinal está no teu corpo. São Paulo: Edicon-Edusp, 1989; PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 18.
  • 37
    PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 18-22.
  • 38
    Para uma análise da rede social dessa irmandade ver PARÉS, Luis Nicolau. Milicianos, barbeiros e traficantes..., op. cit., 2014, p. 1-32.
  • 39
    ACMS, Freguesia da Conceição da Praia, Batismos, 1809-15, fl. 35. Geraldo Rodrigues Pereira casou em julho de 1814 com Maria Angélica do Coração de Jesus, com 19 anos, a filha de José Gomes da Conceição. Cf. ACMS, Freguesia de Santana, Casamentos, 1783-1818, fl. 196v.
  • 40
    Apeb, Judiciário, 04/1511/1980/01, Inventário de José Gomes da Conceição, 1813, fl. 17; 04/1724/2194/11, Inventário de Joaquim Cardoso da Costa, 1826, fl. 11. Para mais sobre essas personagens ver PARÉS, Luis Nicolau. Milicianos, barbeiros e traficantes..., op. cit., 2014, p. 19-20, 25-26.
  • 41
    Entre 1755 e 1766, João Ferreira Bittencourt foi sucessivamente juiz de fora da cidade da Bahia, escrivão dos sequestros dos bens dos jesuítas, intendente e primeiro ministro da mesa da inspeção da Bahia e desembargador intendente geral do ouro. Cf. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, ACL_CU_005, cx. 123, doc. 9606; cx. 152, doc. 11639; cx. 157, doc. 11945 e 11958; ACCIOLI, Inácio. Memórias históricas e políticas da província da Bahia, vol. 5. Salvador: Imprensa Oficial, 1940, p. 588. Em 1829, tinha numerosa propriedade escrava e residia em Sam Bartolomeu de Piraja. Cf. ACMS, Freguesia de São Bartolomeu, Batismos, 1829-51, fl. 2v-3.
  • 42
    Apeb, Colonial, maço 390, fls. 68-69.
  • 43
    NERÍN, Gustau. Traficants d’ànimes. Els negrers espanhols a l’África. Barcelona: Portic, 2015, p. 210; cf. Archivo Histórico Nacional, Madri, Fondo Estado, leg. 109, esp. 17, Caso Cuesta e Manzanal, factoria em Onim.
  • 44
    Apeb, Judiciário, 03/1094/1563/03, Inventário de Geraldo Rodrigues Pereira, 1830, fls. 44, 136v, 138, 154, 178 e 191. O primeiro testamenteiro e inventariante era o capitão João Pereira de Araújo e França, proprietário de vários navios negreiros, com viagens entre 1805 e 1828, todas ao golfo do Benim. Cf. Transatlantic Slave Trade Database (doravante TSTD). Disponível em: http://www.slavevoyages.org/, n. 51.442, 51.455, 49.454, 51.472. Acesso em: 02/04/2017.
  • 45
    Para a convenção anglo-brasileira de 1826 e a Lei Feijó-Barbacena de 1831 ver BETHELL, Leslie. A abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília: Senado Federal/Conselho Editorial, 2002. Embora os números sejam incompletos, houve um claro aumento dos escravos desembarcados na Bahia entre os anos 1826 e 1830, em comparação com o quinquênio anterior. Cf. TSTD.
  • 46
    PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 16-18. Para o batismo coletivo em 25 de maio de 1828 ver ACMS, Freguesia da Sé, Batismos, 1816-29, fl. 295. Para o apadrinhamento como forma de controle e inserção social no mundo da escravaria ver PARÉS, Luis Nicolau. Entre Bahia e a Costa da Mina, libertos africanos no tráfico ilegal, op. cit., 2017, p. 21-22.
  • 47
    ACMS, Freguesia do Pilar, Batismos, 1824-30, fl. 88v. José Pedro Autran atuou em 1826 como padrinho de Josefa, outra escrava de Pereira Lopes. Cf. ACMS, Freguesia de Santana, Batismos, 1821-30, fl. 105.
  • 48
    PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 15.
  • 49
    Joana nasceu em 26 de junho de 1829 e foi batizada em 20 de setembro do mesmo ano. O testamento foi escrito em 24 de fevereiro de 1830. Cf. Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos n. 19, Testamento de Geraldo Rodrigues Pereira, 1830, fls. 257-63. ACMS, Freguesia do Pilar, Batismos, 1824-30, fl. 88v.
  • 50
    ACMS, Freguesia do Pilar, Batismos, 1824-1830, fl. 6, 8/6/1824. Apeb, Judiciário, 03/1094/1563/03, Inventário de Geraldo Rodrigues Pereira, 1830, fl. 33v.
  • 51
    Apeb, Colonial, Livros de Passaportes, n. 5.883, fl. 88v (28/04/1835) e fl. 101 (17/07/1835); Judiciário, 03/1094/1563/03, Inventário de Geraldo Rodrigues Pereira, 1830, fls. 14, 31v, 179. ACMS, Freguesia do Pilar, Batismos, 1824-30, fls. 62-62v, 83v-84; Batismos, 1830-38, fls. 51, 71-72v.
  • 52
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos n. 19, Testamento de Geraldo Rodrigues Pereira, 1830, fl. 258v; Livro de Notas n. 227, fls. 268v-270v. Geraldo pagou mais de três contos de réis pelos sobrados do lugar dos Coqueiros.
  • 53
    Apeb, Judiciário, Livro de Notas n. 153, fl. 184vss. A morada de casas em chãos próprios, comprada por 360$000 réis, é descrita no testamento como sendo de taipa.
  • 54
    Apeb, Judiciário, Livro de Notas n. 218, fl. 169ss. Dona Maria Violante Telles de Menezes Matos Cavalcante Albuquerque vendeu por 300$000 réis aquela propriedade “com seis braças de frente e vinte de fundo que parte de um lado com terras arrendadas por Francisco da Silva Guerra [...]”. Esse Francisco era jeje, irmão da IBJNR, e tinha hipotecado a Geraldo Rodrigues Pereira uma casa térrea sita “logo ao princípio” do lugar do Bomgosto. Cf. Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos n. 19, Testamento de Geraldo Rodrigues Pereira, 1830, fl. 258v.
  • 55
    Para a casa na rua do Tijolo ver Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 26, Testamento de Manoel Pereira Lopes, f. em 9/003/1839, fl. 109. Para a última casa do Bomgosto ver Apeb, Judiciário, Livro de Notas n. 257, fl. 134v.
  • 56
    PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 15; CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva e seu mundo..., op. cit., 2007, p. 116, 122; cf. Apeb, Judiciário, Livro de Notas n. 236, fls. 243-243v (1/03/1832); Livro de Notas n. 257, fl. 87 (17/05/1836).
  • 57
    Tudo isso está contado em detalhe em CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva e seu mundo..., op. cit., 2007, p. 117-24.
  • 58
    ACMS, Freguesia de Santana, Casamento, 1819-73, fl. 62; Batismos, 1821-30, fl. 105. Agradeço a Lisa Castillo a indicação desses documentos.
  • 59
    De igual modo, naquela lista de passaportes, a liberta Marcelina (Obatossi) foi identificada com o primeiro nome de sua senhora, como “Marcelina Francisca”. Cf. Apeb, Colonial, Livro de Passaportes n. 5883, 1834-1837, fls. 200v-201v.
  • 60
    ACMS, Freguesia do Pilar, Batismos, 1830-38, fls. 71-72v.
  • 61
    Apeb, Judiciário, Livro de Notas n. 257, f. 225v. A carta foi registrada em 22/12/1837.
  • 62
    ACMS, Freguesia do Pilar, Batismos, 1830-38, fl. 26. Para Rufino Serra ver PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 19-21, 34.
  • 63
    TNA, FO 315/44-32, Emprehendedor, s. n., Carta de José Simões à ilustríssima sra. Maria Caetana da Conceição, Bahia, 09/04/1839.
  • 64
    A tradição oral sustenta que Iyá Lussô e Iyá Nassô eram irmãs da confraria de Nossa Senhora da Boa Morte. Cf. VERGER, Pierre. A contribuição especial das mulheres ao candomblé do Brasil. In: Idem. Artigos. Salvador: Corrupio, 1992 [1985], p. 113; LUZ, Marco Aurélio. Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira. Salvador: Edufba, 2017 [1995], p. 342.
  • 65
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 26, Testamento de Manoel Pereira Lopes, f. em 9/03/1839, fls. 108-111; Livro de Testamentos, n. 27, Testamento de Roza Maria da Conceição, f. em 31/03/1840, fls. 148v-151v.
  • 66
    A presença de Marcelina da Silva, de volta, na Bahia estava registrada desde maio de 1839: CASTILLO, Lisa Earl & PARÉS, Luis Nicolau. Marcelina da Silva: a Candomblé priestess in Bahia, op. cit., 2010, p. 8-9. Se aceita a evidência da irmandade, o regresso teria acontecido antes de 12 de novembro de 1838, data da eleição da mesa diretora. Cabe notar, porém, que já em 24 de dezembro de 1825, quando o padre Faustino da Costa Gomes (que era também professor de primeiras letras) foi eleito 1º juiz da irmandade, entre as juízas figurava o nome de Roza Maria da Conceição. Também na eleição de 13 de novembro de 1835-36, o nome Roza Maria da Conceição aparece entre as mordomas. Cf. Arquivo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da Baixa dos Sapateiros, Livro das Eleições da Irmandade, 1830-1921, fls. 4, 10v, 13.
  • 67
    Apeb, Judiciário, Livro de Testamentos, n. 27, Testamento de Roza Maria da Conceição, f. em 31/03/1840, fls. 148v-151v.
  • 68
    PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015.
  • 69
    LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Editora Nacional/Edusp, 1970, p. 269.
  • 70
    Para uma discussão sobre o conceito de “integração descritiva” de Alfred Kroeber ver INGOLD, Tim. Antropologia não é etnografia. In: Idem. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petropolis: Vozes, 2015, p. 6.
  • 71
    KRAAY, Hendrik. Race, State, and Armed Forces in Independence-Era Brazil: Bahia, 1790s-1840s. Stanford: Stanford University Press, 2001.
  • 72
    Por exemplo, o testamenteiro e inventariante de Geraldo era o capitão João Pereira de Araújo e França, proprietário de vários navios negreiros (TSTD, n. 51442, 51455, 49454, 51472); no testamento, Geraldo pede missas pelas almas de Antônio Ferreira Coelho e Domingos José de Almeida Lima, ex-sócios e donos de navios negreiros; entre seus credores figuravam o barão de Itaparica e outras companhias comerciais e o capitão de mar Caetano Alberto da França. Cf. Apeb, Judiciário, 03/1094/1563/03, Inventário de Geraldo Rodrigues Pereira, fls. 29, 85, 88; Livro de Testamentos n. 19, Testamento de Geraldo Rodrigues Pereira, fls. 257-263v.
  • 73
    ACMS, Freguesia da Conceição da Praia, Batismos, 1815-24, fls. 8v, 18v.
  • 74
    PARÉS, Luis Nicolau & CASTILLO, Lisa Earl. José Pedro Autran e o retorno de Xangô, op. cit., 2015, p. 18.
  • 75
    PARÉS, Luis Nicolau. Entre Bahia e a Costa da Mina, libertos africanos no tráfico ilegal, op. cit., 2017.
  • 76
    Agradeço a Edmar Ferreira por sugerir essa possibilidade interpretativa do “barão da ralé”. Cf. comunicação pessoal em 27/09/2017.
  • 77
    KRAAY, Hendrik. Race, State, and Armed Forces in Independence-Era Brazil…, op. cit., 2001, p. 106 ss.; REIS, João José. Cor, classe, ocupação etc.: o perfil social (às vezes pessoal) dos rebeldes baianos, 1823-1833. In: REIS, João José & ACEVEDO, Elciene (org.). Escravidão e suas sombras. Salvador: Edufba, 2012, p. 279-320.
  • *
    Agradeço a Silvia Lara, Edmar Ferreira, Equede Sinhá (Gerondice Azevedo Brandão) da Casa Branca e aos membros da linha de pesquisa Escravidão e Invenção da Liberdade do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da UFBA pelos comentários a uma versão preliminar deste texto. Agradeço a Lisa Earl Castillo por indicar e compartilhar alguma das fontes utilizadas neste artigo; a Carlos da Silva Júnior por fornecer cópias digitais de documentos e a Elisée Soumonni, a Fondation pour le Patrimoine Afro-Brésilien au Bénin e a Lucy Duran por viabilizar a pesquisa de arquivo realizada em Londres (2016).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2018
  • Aceito
    25 Jun 2018
location_on
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 , Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@usp.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro