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EDITORIAL

Neste volume 171 da Revista de História o leitor poderá aproveitar os artigos de duas maneiras distintas: pela leitura individual de cada um deles, como é usual, mas também pode reuni-los em cadeias temáticas bastante atraentes. Os três primeiros textos, por exemplo, concentram-se na questão indígena no Brasil entre os séculos XVII e XIX. O primeiro, escrito pela pesquisadora portuguesa Guida Marques, aborda a conquista e ocupação do sertão baiano na segunda metade do século XVII e seus desdobramentos. Ela discute como as práticas e relações institucionais emanadas da metrópole se relacionam com as dinâmicas locais e seus impactos para as populações indígenas da região. O texto seguinte, de Márcio Couto Henrique e Laura Trindade de Morais, trata das atividades comerciais dos “regatões” nos rios amazônicos durante o século XIX. Naquelas autênticas “estradas líquidas” se realizava um dinâmico comércio ambulante em que os indígenas tinham participação bastante ativa, diferentemente do que a historiografia quase sempre apresentou. Por fim, o terceiro artigo discute a presença e a participação indígena na Guerra dos Farrapos. Segundo o autor, Eduardo Santos Neumann, as populações ameríndias, ao contrário de que se pensava, participaram ativamente dos conflitos, mas haveria um certo silêncio historiográfico sobre o assunto que é colocado em discussão.

Já os dois textos seguintes debatem aspectos da escravidão no Brasil nos séculos XVIII e XIX. O universo dos alforriados, por exemplo, é observado e discutido por Kátia Lorena Novais Almeida nos limites da Vila de Rio de Contas, capitania da Bahia, uma área mineradora secundária da colônia portuguesa. Em outra região economicamente periférica, a Vila de Iguape, no Vale do Ribeira, em São Paulo, Agnaldo Valentin e José Flávio Motta procuram entender as relações entre o batismo dos escravos e a dinâmica da produção de arroz na primeira metade do século XIX.

A memória em suas múltiplas aparências é o eixo que agrupa um outro conjunto de textos de assuntos distintos. Ela se revela, por exemplo, no artigo de Rubens Leonardo Panegassi, que esmiúça como Manuel Severim de Faria escreveu, no século XVII, uma celebração heroica na biografia do historiador, literato e humanista português João de Barros. Outro texto apresenta a transcrição de um documento que é uma memória de 1816 sobre as capitanias da Paraíba e do Ceará. Fabiano Vilaça dos Santos expõe os traços biográficos do memorialista, as linhas gerais do seu discurso relacionado à estrutura de governo das capitanias da América portuguesa e faz uma análise crítica do documento recuperado. A memória se exterioriza também no inventário que recupera o catálogo da biblioteca particular do cônego da Sé da Bahia, Manoel José de Freitas Baptista Mascarenhas (Manoel Dendê Bus), e que o autor, Pablo Antonio Iglesias Magalhães, discute a partir de uma história do livro e da leitura.

As relações entre o mundo político, judicial e religioso estão presentes em três artigos e formam uma outra série. O texto escrito por Pollyanna Gouveia Mendonça Muniz e Yllan de Mattos debate as afinidades entre e Justiça Eclesiástica e a Inquisição na América portuguesa, e as particularidades que assumiram no tempo e espaço. Outro, de autoria de Rafael Ruiz Gonzalez, revela como uma certa Teologia Moral, como aquela presente na obra do teólogo jesuíta peruano Juan de Alloza, foi decisiva para que juízes proferissem suas sentenças na América espanhola nos século XVII e XVIII. E um terceiro, escrito por Isabele de Matos Pereira de Mello, propõe uma reflexão sobre o papel dos ouvidores-gerais e juízes-de-fora como principais responsáveis pela justiça na América portuguesa ao longo do século XVIII, e como as questões religiosas também estavam ali presentes.

Finalmente, o último texto deste volume, de Regiane Augusto de Mattos, apresenta as ações que, no final do século XIX, desencadearam e mobilizaram tribos e líderes islâmicos contra as políticas coloniais portuguesas na costa africana oriental. Na região atual de Moçambique ocorreram sistematicamente o tráfico de armas e de munições, além de troca de guerreiros, tendo em vista ataques e outras ações de combate simultâneas a postos administrativos e militares portugueses.

Desejamos a todos boa leitura.

José Geraldo Vinci de Moraes

Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014
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