Open-access PLÍNIO SALGADO: UM ITINERÁRIO LUSITANO

Resenha do livro: GONÇALVES, Leandro Pereira. Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2017.

Desde os trabalhos pioneiros de Hélgio Trindade (1974, 2007) na década de 1970 a respeito do Integralismo brasileiro, diversos outros estudos procuraram apresentar novas abordagens sobre o tema (CHASIN, 1999; CHAUÍ, 1985; VASCONCELOS, 1979). Também a produção acadêmica comparativa dos autoritarismos português e brasileiro, iniciada no trabalho organizado por José Luiz Werneck da Silva (1991), prosperou em análises diversas, fortalecendo aos poucos este campo de investigação (PINTO; MARTINHO, 2007).

O trabalho de Leandro Pereira Gonçalves, Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975), vem, portanto, contribuir com uma tradição importante e já consolidada de pesquisas a respeito do integralismo e das direitas radicais. O livro tem, como objeto de análise, o pensamento e a produção intelectual do mais importante político do movimento integralista brasileiro: Plínio Salgado. Ao mesmo tempo, o autor lança luz sobre as possibilidades de investigações acadêmicas comparativas acerca de Portugal e do Brasil. Longe, entretanto, da mera repetição, seu estudo acrescenta novidades ao complexo universo das direitas no século XX, não só no Brasil como também na Europa.

São vários os elementos de novidade no trabalho de Leandro Gonçalves que devem ser destacados. Talvez, o mais importante deles seja a profundidade com que o autor trata o período português da vida de Plínio Salgado, que viveu exilado em Lisboa entre os anos de 1939 e 1946. Aliás, uma preocupação central de Leandro Gonçalves em todo o trabalho é perceber as conexões entre o líder integralista brasileiro e as direitas radicais portuguesas. Assim, dos cinco capítulos que compõem o livro, três deles referem-se diretamente ao período em que Plínio Salgado residiu em Lisboa.

Não se tratando exatamente de uma biografia, como informa o próprio autor, o estudo sobre o líder integralista não deixa de enfocar aspectos importantes de sua vida que contribuem para a percepção de seu perfil ao mesmo tempo político, espiritualista e religioso. A preocupação principal de Leandro Gonçalves é com sua trajetória intelectual. E, aqui, como seria igualmente importante em um estudo biográfico, Leandro Gonçalves foge da coerência empobrecedora da análise. Embora, claro está, existam fios de continuidades, o jovem Plínio modernista dos anos 1920 não é exatamente o mesmo do Partido de Representação Popular (PRP) do intervalo democrático ou de seu ocaso durante a ditadura militar. Leandro Gonçalves destrincha uma produção algo simbiótica entre a política e a espiritualidade, marca fundamental de seu perfil, sem, no entanto, deixar de reconhecê-las como campos específicos e dotados de relativa autonomia.

Organizado em cinco capítulos, além da introdução e das considerações finais, o livro se apresenta como um relato cronológico da vida de Plínio Salgado. Desde a infância e o peso do catolicismo em sua família, passando pela produção literária, pela política, pelo exílio, pelo aggiornamento algo democrático no pós-1945 e seu apoio ao golpe de Estado de 1964 e pela participação como Deputado Federal no partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena). Neste relato, é de se destacar o volume documental tratado e discutido, com ênfase para a documentação referente às proximidades de Plínio Salgado com intelectuais e políticos da extrema-direita portuguesa. Proximidade esta que começou antes de sua ida a Portugal. Produto da “época dos fascismos” (PINTO, 2014), Salgado teve acesso a uma vasta produção de direita que desde os anos 1920 pensaram em alternativas políticas de terza via entre o liberalismo e o comunismo. Assim, se podemos falar da Action Française como a matriz tão importante para as direitas do espaço ibérico e mesmo da América Hispânica (COMPAGNON, 2009; DARD, 2010), é de se destacar o peso que a direita portuguesa terá no Brasil e em especial na obra de Plínio Salgado. Além do jornalista e fundador do Integralismo Lusitano, António Sardinha, o líder integralista brasileiro estabeleceu interlocuções com outros importantes personagens da direita portuguesa, como Alberto Monsaraz, Hipólito Raposo, Luis de Almeida Braga e Pequito Rebelo (LEAL, 1999). Porém, exilado em Portugal, para além dessas reconhecidas referências político-intelectuais, Salgado viu de perto o regime salazarista. Retornado ao Brasil, manteve o regime do Estado Novo português como referência fundamental. Em suas estadias em Lisboa, durante e após o exílio, estabeleceu contatos não apenas com o próprio Salazar, mas igualmente com quadros afeitos ao regime, como o Cardeal Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira. De certa forma, o contato com Portugal permitiu a Plínio Salgado alguma revisão da matriz integralista, migrando para um modelo conservador e algo tradicionalista. Será este o perfil que tentará imprimir a seu PRP, com o qual disputa a eleição presidencial de 1955 e, nas eleições de 1958 e 1962, se elege Deputado Federal. Quando do golpe militar de 1964, Plínio Salgado apoia o movimento e passa a servir à ditadura militar que se instaura a partir de 1º de abril daquele ano. Entretanto, já sem a notoriedade e importância de antes, será, no regime militar, um quadro de importância secundária.

Outro aspecto ainda a destacar do trabalho é o diálogo intenso com a literatura luso-brasileira. Especialistas da história política brasileira e em particular da direita, como Ricardo Benzaquém de Araújo, Fábio Bertonha, Gilberto Calil, Janaína Cordeiro e Rodrigo Patto Sá Motta, entre outros, são fartamente discutidos e problematizados. O mesmo ocorre com a literatura especializada portuguesa, com autores como Ricardo Marchi, Irene Pimentel, António Costa Pinto e Inácia Rezola, entre outros. O conhecimento da literatura acerca do tema e do personagem permite a Leandro Gonçalves desenhar o perfil de um Plínio Salgado muito próximo do catolicismo tradicional e espiritualista, colocando-se, assim, equidistante de dois outros importantes personagens do integralismo brasileiro, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Daí a importância de todo o itinerário português. E não é à toa que, regressado do exílio, Salgado se tornou uma espécie de porta-voz informal do salazarismo, tanto a defender e justificar a guerra colonial como a projetar para o Brasil o modelo de representação corporativa existente em Portugal. Neste sentido, um dos elementos centrais do trabalho de Leandro Gonçalves, de grande originalidade, é a percepção da permanência de Portugal no pensamento político de Plínio Salgado antes, durante e depois de seu exílio.

De acordo com o autor, seu estudo se ancora no conceito de cultura política, de modo que a variada produção intelectual de Plínio Salgado é decorrente de uma série de “valores, tradições, práticas e representações partilhadas por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado” (MOTTA, 2009, p. 23).

Vale aqui indagar em que medida a cultura política de um personagem que viveu tantos anos e por tantos anos militou política e intelectualmente permaneceu a mesma. É bom lembrar que a cultura política pertence a uma “família política”, o que exige a compreensão de mudanças de rota, de formação de novas culturas etc (DUTRA, 2002; RIOUX, 1998). Outro elemento que talvez falte a seu trabalho é uma problematização do conceito de intelectual e de seu papel na História. Autores como Norberto Bobbio (1997), Jean-Fraçois Sirinelli (1992, 1998) e Michel Winock (2000) teriam contribuído para uma reflexão mais complexa da vasta produção de Plínio Salgado.

Estas lacunas, entretanto, não obstam o fato de que se trata de uma pesquisa de excelência, resultante de um trabalho doravante obrigatório para os estudos a respeito das direitas radicais no século XX e de Plínio Salgado, seu personagem brasileiro de maior destaque.

  • Editores responsáveis pela publicação:
    Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Referências bibliográficas

  • BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea São Paulo: Editora UNESP, 1997.
  • CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: formas de regressividade no capitalismo hiper-tardio Belo Horizonte: Una, 1999.
  • CHAUÍ, Marilena. Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira. In: CHAUÍ, Marilena & FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho (org.). Ideologia e mobilização popular São Paulo: Paz e Terra, 1985, p. 17-150.
  • COMPAGNON, Olivier. Le maurracisme em Amerique Latine. Etude comparée des cas argentin et brésilien. In: DARD, Olivier & GRUNEWALD, Michel. Charles Maurras et l’étranger - L’étranger et Charles Maurras Berna: Peter Lang, 2009, p. 283-305.
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  • DUTRA, Eliana. História e culturas políticas: definições, usos e genealogias. Varia História, Belo Horizonte, n. 28,p. 13-28, 2002.
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  • MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na apropriação da cultura política pela historiografia. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). Culturas políticas na história: novos estudos Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009, p. 13-37.
  • PINTO, António Costa. O corporativismo nas ditaduras da época do fascismo. Varia História. Belo Horizonte, vol. 30, n. 52, p. 17-49, 2014.
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  • SILVA, José Luiz Werneck (org.). O feixe e o prisma: uma revisão do Estado Novo Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
  • SIRINELLI, Jean-François. Histoire des droites Paris: Gallimard, 1992
  • SIRINELLI, Jean-François. De la demeure à l’agora: pour une histoire des cultures politiques. Vingtième Siècle, Paris, v. 57, n. 1, p. 121-131, 1998.
  • TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30 São Paulo: Difel, 1974.
  • TRINDADE, Hélgio. Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30. In: HOLANDA, Sérgio Buarque (org.). História geral da civilização brasileira: o Brasil Republicano, v. 10. 9ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand, 2007, p. 359-401.
  • VASCONCELOS, Gilberto Felisberto. Ideologia Curupira: análise do discurso integralista São Paulo: Brasiliense, 1979.
  • WINOCK, Michel. O século dos intelectuais Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    9 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2018
  • Aceito
    08 Abr 2019
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