Resumo
A partir dos conceitos de "lugares de memória" (Nora) e "espaços de recordação" (Assmann), o artigo propõe uma reflexão crítica sobre as intenções e as contradições presentes na narrativa do Memorial dos Heróis Silenciosos - Resistência contra a perseguição dos judeus, 1933-1945, criado em 2008, em Berlim, na Rua Rosenthaler, no bairro com grande concentração de judeus na época da Alemanha nazista. O Memorial narra histórias daqueles que, individualmente ou articulados a grupos, associações, organizações, arriscaram suas vidas para salvar judeus da deportação, independentemente do êxito ou não de tais iniciativas.
Palavras-chave
Resistência; nazismo; holocausto; memória alemã; museus e memoriais
Abstract
Based on the concepts of "realms of memory" (Nora) and "spaces of remembrance" (Assmann), the article proposes a critical reflection on the intentions and contradictions econhec in the narrative of the Memorial of the Silent Heroes - Resistance econhe persecution econhe the Jews, 1933-1945, created in 2008 in Berlin, on Rosenthaler Street, in a district with a high concentration of Jews at the time of National Socialist Germany. The Memorial narrates stories of those who, individually or linked to groups, associations, organizations, risked their lives to save Jews from deportation, regardless of the success or econh such initiatives.
Keywords
Resistance; nazism; holocaust; German memory; museums and memorials
O nazismo contra os judeus: perspectivas conceituais
O Memorial dos Heróis Silenciosos - Resistência contra a perseguição dos judeus, 1933-19453 3 Gedenkstätte Stille Helden. Widerstand gegen die Judenverfolgung 1933 bis 1945. narra histórias daqueles que, individualmente ou articulados a grupos, associações, organizações arriscaram suas vidas para salvar judeus da deportação, independentemente do êxito ou não de tais iniciativas. Não aborda, portanto, situações que envolvem as demais categorias atingidas pela perseguição nacional socialista (comunistas, socialistas, liberais, pacifistas, antinazistas, ciganos, Testemunhas de Jeová, homossexuais, deficientes mentais e físicos, "associais"4 4 Termo utilizado pelo regime nazista para prostitutas, alcoólatras, moradores sem domicílio fixo etc. ), salvo se elas atravessam as histórias de judeus.
Trata-se de um tópico muito específico de temática complexa, como é o da perseguição antissemita perpetrada pelo nazismo, do que resultou a Shoah, o traumático Holocausto de cerca de seis milhões de judeus no continente europeu. Há vastíssima bibliografia sobre o nazismo e o Holocausto impossível de contemplar neste artigo. Mas vale dizer que o regime, não obstante violento e opressor de diversos segmentos sociais e políticos no próprio país, contou com larga aprovação da população alemã depurada dos seus opositores. É o que vários autores já demonstraram. Aly Götz, por exemplo, fala em uma "ditadura de consensos com um apoio maioritário e cada vez mais amplo" (2009, p. 40). Entre consentimento e coerção, Robert Gellatelly enxergou a formação do "consenso pró-Nacional-Socialismo" (2011, p. 41). Peter Reichel preferiu usar o termo "fascinação" ao de "sedução" para compreender o papel que a propaganda nazista exerceu na época. Segundo o historiador, seu êxito associou-se à identificação que os alemães tiveram com os valores e as referências nela veiculados. Nessa abordagem, o público-alvo é agente na construção da propaganda, enquanto o termo "sedução" para se referir a essa relação denotaria um receptor passivo do seu conteúdo (REICHEL, 1993REICHEL, Peter. La fascination du nazisme. Paris: Éditions Odile Jacob, 1993.).
De todo modo, o estudo de caso aqui proposto ancora-se no conceito de memória, também plural, referida à própria construção da memória alemã sobre o nazismo (cf. LEPSIUS apud REICHEL, 1998REICHEL, Peter. L'Allemagne et sa mémoire. Paris, Éditions Odile Jacob, 1998. ), bem como da memória de suas vítimas. Mais diretamente, diz respeito aos conceitos de "lugares de memória" (NORA, 1984, 1986, 1992NORA, Pierre. (dir.). Les Lieux de mémoire. Paris: Gallimard. 3 tomos: t. 1 La République (1 vol., 1984), t. 2 La Nation (3 vols., 1987), t. 3 Les France (3 vols., 1992)., 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, nº 10, p. 7-28, dez. 1993.) e "espaços de recordação" (ASSMANN, 2011ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação. Formas e transformações da memória cultural. Campinas, Ed. Unicamp, 2011.). Não limitado a lugares físicos, mas também aos imateriais (símbolos políticos, festas, coleções, hinos, manuais escolares etc.), o papel que os "lugares de memória" tiveram na consolidação do nacionalismo na França foi decisivo para a formulação do conceito pelo historiador francês. Mais tarde, já no pós-1945, os "lugares de memória" serviram à causa semelhante na reestruturação do país em meio à crise de identidade nacional, já presente nos anos 1930 e levada às últimas consequências com a derrota para a Alemanha em 1940.5 5 Sobre a discussão em torno dessa atualização do papel dos “lugares de memória” na França do pós-Segunda Guerra Mundial, ver ROLLEMBERG, 2016. Por outro lado, Aleida Assmann, linguista alemã, com formação interdisciplinar em história, antropologia e arte, acredita que o marco da modernidade como impulsionador da multiplicação dos "lugares de memória" (Erinnerungsorte) ou "locais da recordação" (Erinnerungsräume) não serve para pensar o fenômeno no pós-Segunda Guerra: "O fato de toda a Europa ter se recoberto de locais da recordação depois da guerra nada tem a ver com a modernização [modernidade], mas sim com o regime totalitário dos nacional-socialistas e com o crime de genocídio planejado" (ASSMANN, 2011ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação. Formas e transformações da memória cultural. Campinas, Ed. Unicamp, 2011., p. 361).6 6 O título original do livro de Assmann, Erinnerungsräume, foi traduzido no Brasil, como Espaços da memória. Erinnerungsort, cuja tradução é “lugares de memória”, por sua vez, é a palavra usada na tradução de “lieux de mémoire” (Nora), no texto de introdução do vol. 1 da coleção Les lieux de mémoire, traduzido para o alemão: Zwischen Geschichte und Gedächtnis [Entre história e memória]. Fischer, Frankfurt am Main, 1998. Outras obras publicadas na Alemanha, que recorrem ao conceito do historiador francês, também usam a palavra Erinnerungsort, como: Étienne Francois e Hagen Schulze (orgs.). Deutsche Erinnerungsorte - Gesamtwerk / In drei Leinenbänden: Deutsche Erinnerungsorte [Lugares de memória alemães]. 3 vols, 2001 (tradução francesa: Étienne Francois e Hagen Schulze (dir.). Mémoires allemands. Paris, Gallimard, 2007); e Cornelia Siebeck. Erinnerungsorte, Lieux de Mémoire. In: Docupedia-Zeitgeschichte. http://docupedia.de/zg/Siebeck_erinnerungsorte_v1_de_2017 (consulta em 19/12/18). O trauma causado pelos eventos simbolizados por Auschwitz explicaria tal realidade: "Não há nada que tenha mantido a lembrança tanto tempo em funcionamento quanto a catástrofe da destruição e do esquecimento que teve lugar em meados do século XX." O "contexto de destruição e de lembrança" desfaz o paradoxo de Nora, defende a autora. É por meio da lembrança que as gerações posteriores ao conflito "herdam os terrores do século XX e são capazes de lidar com eles" (ASSMANN, 2011ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação. Formas e transformações da memória cultural. Campinas, Ed. Unicamp, 2011., p. 22 para ambas citações). O conceito de Nora, por si só, não atingiria a complexidade das muitas e diversificadas formas de transmissão da memória. Segundo uma percepção mais antropológica e psicológica de memória, em Assmann, sua difusão está associada a grupos sociais, redes de sociabilidade, gerações, enfim, à cultura.
Como Assmann, Andreas Huyssen também coloca em xeque o paradigma da modernidade para compreender as questões que envolvem a memória do século XX e, igualmente, concebe a memória e a sua transmissão em uma perspectiva mais ampla e complexa do que aquela sugerida por Nora, aproximando-se, portanto, da formulação de Assmann:
O lugar da memória numa determinada cultura é definido por uma rede discursiva extremamente complexa, envolvendo fatores rituais e míticos, históricos, políticos e psicológicos. Assim, a lamentação de que a nossa cultura pós-moderna sofre de amnésia é apenas o reverso do conhecido lugar-comum de crítica cultural que sugere que a modernização esclarecida nos livra da tradição e das superstições, que a modernidade e o passado são necessariamente antagônicos um ao outro, que os museus não são compatíveis com uma cultura verdadeiramente moderna, que um monumento moderno é uma contradição em termos - em suma, que ser radicalmente moderno significa cortar todos os elos de ligação com o passado (HUYSSEN, 2004HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Arquitetura, monumentos, mídia. 2a ed. Rio de Janeiro, Aeroplano, 2004., p. 69).
Sem questionar, propriamente, a modernidade como fator de ruptura dos meios de transmissão do passado, Peter Reichel, contudo, faz uma ressalva ao usar o conceito de Nora:
à questão da transmissão indireta da história da memória se acrescenta, portanto, aquela de sua função específica no interior de um sistema mais vasto. Trata-se da interação complexa existente entre a imagem que uma nação tem de si mesma, a memória coletiva e a faculdade de integração social. Uma vez que esta interação funciona diferentemente segundo as sociedades, é preciso saber por que uma cultura nacional se preocupa mais com seu passado do que outra e por que certos elementos deste passado colocam mais problemas que outros (1998, p. 15).
Diante disso, Reichel defende a observância de tal especificidade ao se usar o conceito de lugares de memória. Na França, ao contrário da Alemanha, por exemplo, a memória social seria mais longa, remontando o laço entre nação e Estado-nação.7 7 Para essa distinção entre a memória na França e a lembrança, na Alemanha, Peter Reichel recorre às reflexões do historiador francês Étienne François, Lieux de mémoire - Erinnerungsorte. D’un modèle français à un projet allemande. Berlin, 1996. Cf. REICHEL, 1998, p. 15. Cf. também FRANÇOIS e SERRIER, 2012. Neste sentido, haveria neste país "um equilíbrio no acordo formado por 'lembrança, identidade e herança'." Na Alemanha, contrariamente, esta
harmonia foi sensível e duradouramente perturbada, país em que não se fala praticamente mais de herança nacional, mas se discute abundantemente a identidade coletiva, que se tornou um problema sempre recolocado. Evoca-se, assim, de maneira quase obsessiva a 'lembrança', enquanto que a noção de 'memória', ideia complexa que integra elementos contraditórios e inclui a lembrança e o esquecimento, seria pouco popular. Contrariamente ao que se passa na França, a relação com a nação e com o Estado-nação, criador de identidade, foi destruída e duradouramente colocada em xeque na Alemanha. Quanto à memória social, ela concerne a um período de tempo relativamente estreito: a história do nacional socialismo, seus crimes, seus milhões de mortos (REICHEL, 1998REICHEL, Peter. L'Allemagne et sa mémoire. Paris, Éditions Odile Jacob, 1998. , p. 15-16).
A advertência de Reichel, portanto, diz respeito ao papel que os chamados lugares de memória tiveram na configuração do Estado nacional e não exatamente à tese defendida por Pierre Nora, segundo a qual a modernidade teria provocado a ruptura dos meios de transmissão do passado, levando, com isso, à necessidade de lugares específicos para exercer tal função.
A partir das problematizações acerca dos "lugares de memória", em Nora, e "espaços da recordação", em Assmann, busco, nesse artigo, refletir sobre a memória alemã, ou melhor, sobre a crítica da memória que o Memorial os Heróis Silenciosos permite exercitar. Neste ponto, vale citar a reflexão de Peter Reichel em outro texto clássico, L'Allemagne et as mémoire:
Apesar da reconstrução exitosa e do acesso ao status de grande potência econômica, que suscitou surpresa do mundo inteiro, apesar da notável estabilidade política e da democratização social que se seguiu, a imagem que a Alemanha Federal tinha e dava dela mesma permaneceu particularmente incerta, como se este Estado buscasse no futuro um passado melhor (1998, p. 42).
Ou, como escreveu Andreas Huyssen, em Seduzidos pela memória, adotando perspectiva similar:
O país está tomado por uma implacável mania de monumentos, que promete não esmorecer enquanto cada quilômetro quadrado não tiver o seu próprio monumento ou memorial, rememorando não algum mundo à parte de amor, e sim o mundo da destruição e do genocídio organizados, que adotou Wagner como um de seus heróis e profetas. Na Alemanha de hoje, o objetivo é a redenção pela memória (2004, p. 43)
É neste território conceitual e nesta problemática histórica específica que se move a reflexão aqui proposta.
Resistência ao nazismo
Explicitado no próprio nome, o Memorial reconhece essas pessoas como resistentes, conforme se lê logo na apresentação da exposição8 8 O Memorial dos Heróis Silenciosos funciona como um museu com uma exposição permanente. : "Em vista do assassinato em massa do judaísmo europeu, salvar judeus, individualmente, deve ser visto como parte da resistência à ditadura nazista." 9 9 Salvo indicação, as citações referem-se à narrativa do Memorial dos Heróis Silenciosos presente nos painéis da exposição, no site e nas suas publicações. Ver a lista das publicações do Memorial dos Heróis Silenciosos, nas Referência bibliográficas. Também considera resistentes os que tentaram escapar da deportação, mesmo que, por fim, tenham sido descobertos e deportados: "aqueles que se tornaram 'clandestinos' ou se esconderam resistiram à ditadura". São eles também os "heróis silenciosos" homenageados no Memorial.
Muito longe de um consenso está a bibliografia que buscou conceituar Resistência. Esse debate não se limita à academia, mobilizando desde associações de vítimas do nazismo a políticas públicas traduzidas em criação e manutenção de lugares de memória e reparações materiais e morais. Ou, no jargão dos estudos de memória, envolve as "disputas de memória" e os "usos do passado." Tampouco é exclusivo à Alemanha, mas diz respeito, igualmente, aos países que viveram a ocupação nazista, embora cada país guarde suas especificidades nacionais, regionais. Inaugurado em outubro de 2008, em um dos prédios do pátio da Rua Rosenthaler, o Heróis Silenciosos foi transferido para o Bendlerblock, na parte ocidental da cidade, em fevereiro de 2018, onde está o Memorial da Resistência Alemã. Lugar-símbolo da Resistência ao nacional socialismo, neste complexo de edificações que abrigou, entre 1938 e 1945, o Alto Comando da Wehrmacht, foram executados oficiais militares participantes da última tentativa de assassinar Hitler, ocorrida em 20 de julho de 1944. O coronel Claus von Stauffenberg é o mais conhecido deles
A Rosenthaler Strasse, por sua vez, situa-se no distrito Mitte (Berliner Ortsteil Mitte), próxima à Nova Sinagoga. Era um distrito com grande densidade populacional judaica no século XX, em geral judeus pobres vindos da Europa Oriental. Em todo caso, a mudança do memorial para o Bendlerblock evoca a memória das ações resistentes praticadas no cotidiano, iniciativa de indivíduos solidários com os perseguidos. Não que a narrativa da exposição do Memorial da Resistência Alemã descarte essas ações ou assim não as considere. Entretanto, com a instalação do Heróis Silenciosos, dedicado exclusivamente a essa abordagem, onde se desenrolaram fatos decisivos em torno do atentado de 20 de julho, a perspectiva de Resistência associada a esse tipo de comportamento ganha outra dimensão. Para além desse aspecto, a alteração de endereço do bairro judeu para o Bendlerblock desloca sua inserção de um locus identitário particular para outro de caráter universal. Deste então, a exposição foi "expandida e completamente redesenhada." Veremos adiante as modificações.
Assim, quem vai ao Bendlerblock, não raramente, em busca dos célebres "heróis" que tentaram eliminar Hitler, mais exatamente do coronel Stauffenberg, encontrará outros "heróis", anônimos, desconhecidos, silenciosos.10 10 A primeira exposição do Memorial da Resistência Alemã, em Berlim, inaugurada em 1968, dedicou-se exclusivamente à Resistência dos oficiais da Wehrmacht. A exposição atual, de 1989, trouxe as ações dos movimentos de trabalhadores, das Igrejas protestantes e católica, de artistas, intelectuais e cientistas, dos aristocratas do Círculo de Kreisau, estudantes etc.
A transferência, no entanto, não se deu por meio da incorporação da narrativa museológica do Heróis Silenciosos àquela do Memorial da Resistência Alemã. Trata-se mais da justaposição das duas. Cada um está instalado em um andar próprio, mantendo as respectivas autonomias físicas e narrativas, mesmo que ambos estejam sob a tutela da Fundação Memorial da Resistência Alemã, financiada pelo governo, e contem com os mesmos curadores.11 11 Peter Steinbach, professor da Universidade de Mannheim, diretor acadêmico do Memorial da Resistência Alemã. Johannes Tuchel, diretor do Memorial da Resistência Alemã e diretor executivo da Fundação Memorial da Resistência Alemã. Pessoal do Memorial dos Heróis Silenciosos, na Fundação Memorial da Resistência Alemã (em outubro de 2017): Barbara Schieb, Claudia Schoppmann, Karoline Georg, Andrea Heubach, Marta Ansilewska-Lehnstaedt, Uta Fröhlich. Cf site do Memorial dos Heróis Silenciosos. Essa proximidade sem fusão retoma, de certa forma, as tensões da conceituação de Resistência: uma perspectiva mais restrita, destacando a consciência ideológica e política da ação resistente; outra mais ampla e flexível quanto a esses critérios, relevando motivações como compaixão e afinidades pessoais; e, por fim, aquela que valoriza o ato em si, independentemente das razões. Do ponto de vista do Memorial dos Heróis Silenciosos, as razões para resistir devem ser encontradas tanto nas opções ideológicas e políticas, como nos "sentimentos espontâneos de simpatia."12 12 Para o debate historiográfico acerca do conceito de Resistência ao nacional socialismo, comparando os casos da França, da Itália, ambos países ocupados durante a Segunda Guerra Mundial, e da Alemanha, ver Rollemberg, 2016, Capítulo 1- Resistência: o desafio conceitual.
Quanto à conceituação da Resistência alemã, o uso de diferentes palavras para defini-la explicita a questão: Widerstand e Resistenz. Resistenz, conceito proposto por Martin Broszat (1977-1983)BROSZAT, Martin e outros. Bayern in der NS-Zeit (Baviera nos anos do nacional socialismo). 6 vols. Munique: De Gruyter Oldenbourg, 1977-1983. (Band I (volume I) Soziale Lage und politisches Verhalten der Bevölkerung im Spiegel vertraulicher Berichte; Band II Herrschaft und Gesellschaft im Konflikt; Band III Herrschaft und Gesellschaft im Konflikt; Band IV Herrschaft und Gesellschaft im Konflikt; Band V Die Parteien KPD, SPD, BVP in Verfolgung und Widerstand; Band VI Die Herausforderung des Einzelnen)., na década de 1970, em alusão a ações cotidianas e anônimas, é mais do que uma ampliação do conceito Widerstand, este para se referir a posições e práticas mais visíveis (oficiais militares, movimento operário, Igrejas, intelectuais etc.). O Memorial dos Heróis Silenciosos não usa, porém, o termo de Broszat, mas Widerstand, presente mesmo no seu nome completo13 13 Gedenkstätte Stille Helden. Widerstand gegen die Judenverfolgung 1933 bis 1945. , possivelmente porque a primeira é palavra muito elitizada no vocabulário alemão, enquanto a segunda é mais acessível, inclusive a grupos escolares que visitam os museus no país.
Também vale observar que, apesar da ênfase na percepção das pessoas e das redes de apoio como resistentes - assim como dos judeus sobreviventes graças a suas ações -, as palavras usadas no Memorial para se referir a elas é Helferinnen, Helfer, ou seja, "ajudantes", "salvadores", raramente "resistentes." A tradução para o inglês destes termos, nos textos do Memorial do Heróis Silenciosos, foi "helpers" e "rescuers." Tendo em vista a dificuldade de encontrar, em português, uma palavra que traduza o sentido dos termos nos dois idiomas e, ao mesmo tempo, não soe estranha a nós (como ajudantes, salvadores), uso aqui o termo apoiadores. No entanto, como veremos, a atuação destes personagens, na narrativa do Memorial, é vista como expressão de protagonismo na luta contra regime.
Como em outros museus da Resistência de países ocupados durante a expansão alemã na Segunda Guerra Mundial, o Memorial pretende demostrar que, "de fato, havia margem de manobra para ajudar pessoas em risco na Alemanha nazista e nos territórios ocupados pelos alemães."14 14 https://www.gedenkstaette-stille-helden.de/en/memorial-center/
Nesse estreito espaço, houve os que "ultrapassaram o medo pela própria segurança e das suas famílias":
Alguns, por conta própria, ofereceram apoio para salvar vidas. Persuadiram amigos judeus a não se deixarem deportar, prometendo ajudá-los a sobreviver caso se escondessem. Outros desempenharam esse papel, quando diretamente solicitados por judeus ou outros apoiadores.
Esta tese vai na contracorrente da construção de memória do pós-guerra, segundo a qual nada podia ser feito para ajudar as vítimas das exclusões perpetradas pelo regime. Respalda, assim, a vocação pedagógica do Memorial, comum aos demais museus europeus da Resistência, estimulando a presença de crianças e jovens estudantes em visitas promovidas pelas escolas e apoiadas por material produzido para orientar os professores.
O balanço, em relação aos envolvidos na salvação, demonstra os enormes esforços mobilizados:
No curso das tentativas de salvar os judeus, desenvolveram-se muitas redes de apoiadores. Para cada judeu que se escondia, até dez - e às vezes muitos mais - apoiadores não-judeus estavam envolvidos, apesar de muitas operações de resgate terem fracassado. As estimativas atuais supõem um total de várias dezenas de milhares de pessoas, somente no Reich alemão, que ajudaram os judeus a enfrentar a perseguição. Havia também alemães, nos países ocupados da Europa, que se aproveitavam de sua posição como soldados ou trabalhadores em indústrias de guerra, para ajudar pessoas ameaçadas de morte.
Apenas tardiamente essas iniciativas foram celebradas na memória dos anos de guerra:
A maioria deles permaneceu em silêncio, depois da guerra, sobre a ajuda que forneceram, o que muitos deles consideraram como natural. Seus esforços foram reconhecidos apenas mais tarde. Até 2017, o Memorial do Holocausto de Israel, Yad Vashem, homenageou como Justo entre as Nações mais de 26.000 mulheres e homens envolvidos nesses esforços.
Vários dos "heróis silenciosos", cujas histórias conhecemos no memorial, estão entre eles.15 15 Para a homenagem aos Justos entre as Nações, concedida pelo Estado de Israel, ver Nissim, 2007; e Rollemberg, 2007.
Quanto ao Memorial dos Heróis Silenciosos, por sua vez, as tratativas para a sua criação datam de 1997. O Heróis Silenciosos foi concebido, no contexto da Alemanha reunificada e do fim da Guerra Fria. Este momento talvez tenha contribuído para a valorização das ações individuais movidas mais por compaixão, empatia, relações pessoais do que por razões políticas e ideológicas.
Além desse aspecto, no período entre o aparecimento dos dois lugares de memória, a temática da deportação e, sobretudo, a deportação dos judeus, ganhou uma dimensão inexistente na década de 1950. Outro julgamento de um "carrasco nazista", ocorrido em 1987, em Lyon, foi um ponto de inflexão desta mudança: o de Klaus Barbie, antigo oficial da SS e chefe da Gestapo, na cidade francesa, acusado de crimes contra a humanidade. O evento mobilizou não apenas a França, mas o mundo, e foi um marco na valorização deste tema. Museus da Resistência à ocupação nazista na França e na Itália, por exemplo, só o incorporam ou o enfatizaram nas décadas de 1980 e 1990 (ROLLEMBERG, 2016ROLLEMBERG, Denise. Resistência. Memória da ocupação nazista na França e na Itália. São Paulo, Alameda, 2016. ).
Na origem do Memorial dos Heróis Silenciosos, esteve o projeto de pesquisa histórica "Resgatando judeus na Alemanha nazista de 1933 a 1945", desenvolvido entre 1997 e 2002 sob a coordenação do professor Wolfgang Benz, no Centro de Pesquisa sobre Antissemitismo da Universidade Técnica de Berlim (BENZ e PEHLE, 1996BENZ, Wolfgang e PEHLE, Walter H. (ed.). Encyclopedia of German Resistance to the Nazi Movement. Continuum International Publishing Group, 1996.).
Com o apoio de Johannes Rau, então presidente da República, o prédio do pátio da Rua Rosenthaler foi comprado, em 2004. O político do SPD ( Partido Social Democrata da Alemanha), nascido em 1931, numa família protestante, esteve ligado à Igreja Confessante (Bekennende Kirche), surgida em setembro de 1933, como um movimento minoritário no interior das Igrejas protestantes, negando-se a submeter-se à ideologia nazista. 16 16 Johannes Rau foi presidente da Alemanha entre julho de 1999 e junho de 2004. Os recursos, provenientes do governo destinavam-se, inicialmente, à criação do Museu Otto Weidt, ocasionando também a fundação do Memorial dos Heróis Silenciosos.17 17 Otto Weidt (1883-1947) era o proprietário de uma pequena fábrica de escovas que empregou vários judeus ameaçados de deportação. Alegando que precisava de mão de obra para a crescente produção em face das necessidades de guerra, salvou vários deles. O Museu permanece aberto no pátio da Rua Rosenthaler, preservando a memória desse “herói silencioso”.
Enfim, o planejamento conceitual e organizacional do Memorial dos Heróis Silenciosos foi atribuído ao Memorial da Resistência Alemã, em abril de 2005, integrando-se à Fundação Memorial da Resistência Alemã. "Em colaboração com o Centro de Pesquisa sobre Antissemitismo, e com base em seus resultados da pesquisa, o projeto 'Heróis Silenciosos' começou a preparar uma exposição permanente. O Memorial foi inaugurado em 27 de outubro de 2008."
Proteção de judeus
A rua estreita aparece tomada por uma pequena multidão. Homens e mulheres seguiam na mesma direção, carregando bagagem e a estrela de Davi costurada nos sobretudos. Era março e ainda fazia frio. Com eles, um oficial da SS.
Essa é a primeira imagem da exposição. Duzentos e oito judeus de Kitzingen, na Baviera, partiam para Izbica, perto de Lublin, na Polônia, em 1942. O destino final foi o campo de concentração de Majdanek a alguns quilômetros da cidade, onde a maioria desapareceu. Junto a ela, a conhecida foto de Auschwitz-Birkenau já libertado, em 1945, com a linha ferroviária avançando em direção ao campo, tomada por neve e objetos ali deixados.
O Memorial destaca certos marcos da perseguição aos judeus, desde a nomeação de Hitler como primeiro ministro, que causou "o ostracismo, a difamação e a privação de direitos dos cerca de 500 mil judeus alemães." O primeiro diz respeito ao boicote às lojas de proprietários judeus a partir de 1º de abril de 1933. As Leis de Nuremberg, em setembro de 1935, estabelecem a segunda referência temporal. O pogrom de 9 de novembro de 1938, a terceira. A partir da Noite dos cristais, a perseguição iniciada, em 1933, tornou-se maciça, assim como as tentativas para dela escapar. Na ocasião, mais de 30 mil judeus foram presos em campos de concentração e a legislação antissemita ampliou as "discriminações econômicas e sociais":
Muitos judeus, reconhecendo quão perigosa a vida na Alemanha se tornara, prepararam-se para a emigração com cursos de idiomas e reciclagem vocacional. Mais de 300.000 judeus conseguiram fugir da Alemanha antes do início da guerra, no outono de 1939.
O balanço final da tragédia:
Cerca de seis milhões de pessoas foram assassinadas no curso do genocídio nazista do judaísmo europeu começado em 1941. A maioria foi baleada ou gaseada. Entre eles, havia mais de 160 mil judeus alemães. A partir de outubro de 1941, eles foram em grande parte deportados para campos de extermínio e outros locais de extermínio nas regiões ocupadas pelos alemães da Polônia e da União Soviética e lá assassinados.
Com a emigração proibida, em outubro de 1941, escapar da deportação implicava viver clandestinamente. Para sobreviver, portanto, a ajuda de terceiros era imprescindível. Entre 10.000 e 12.000 judeus viveram em tais condições:
Dos que escaparam da deportação, presumivelmente, mais da metade o fez em Berlim. Muitos não se esconderam até 1943, quando todos os judeus remanescentes, que em grande parte estavam realizando trabalhos forçados na indústria de armamentos, deveriam ser deportados. Cerca de 5.000 entre os que se esconderam sobreviveram, mais de 1.700 deles em Berlim.
A narrativa do Heróis Silenciosos parte do princípio de que apenas uma minoria da população alemã se engajou nas tentativas de salvar os judeus a partir de 1933. Esta foi a realidade, mesmo no interior das Igrejas católica e protestantes entre aqueles que combinaram "fé e coragem civil." Além disso, mostra que, no interior dessas Igrejas e entre seus seguidores, essas mobilizações envolviam, sobretudo, a salvação de cristãos de ascendência judaica, que permaneciam judeus, segundo a política racial nazista, e não de judeus não-convertidos. Assim foi também na Igreja Confessante, que, como as demais igrejas cristãs (católica e protestantes), jamais se opôs abertamente ao regime nazista, conforme lembra a narrativa. "A 'solidariedade ativa' com os 'não-arianos'" - aquela que se materializa em ações concretas - "foi expressa unicamente por indivíduos cristãos corajosos das duas comunidades religiosas [católica e protestantes]." A exceção entre as comunidades cristãs ficou por conta dos Quakers: "Apenas a pequena Sociedade Religiosa de Amigos, os Quakers, apoiou, em todos os sentidos, as vítimas do regime nazista, desde abril de 1933", e não exclusivamente alemães de origem judaica, convertidos ou não.
Na Alemanha, a Sociedade Religiosa de Amigos atuava ao lado de membros ingleses e norte-americanos. Em Berlim, sua Agência Internacional procurou ajudar os presos e perseguidos desde 1933, aconselhando-os nas dificuldades e nos assuntos de emigração (SEADLE, 1978SEADLE, Michael. Quakers in Nazi Germany. (Studies in Quakerism). Progressive Pub., 1978. ). Com a entrada de seus países na guerra, respectivamente, em 1939 e 1941, eles tiveram que deixar o país. Os Quakers alemães mantiveram, então, o trabalho de assistência aos perseguidos e, como instituição, não foi atingida pelo regime, ao contrário das demais congregações protestante e da Igreja católica. Acredita-se que tal fato se deve, além da pouca quantidade de integrantes, cerca de 300, à lembrança do papel que haviam desempenhado no pós-Grande Guerra. Nesta ocasião, integrantes, na Inglaterra e nos EUA, se mobilizaram para o fornecimento de alimentos aos alemães, sobretudo, às crianças, nos anos de grave crise que sucedeu o conflito.
Desde 1933 e 1934, a Sociedade St. Raphael e a Caritas preparam-se para ajudar católicos descendentes de judeus. Embora os protestantes de mesma origem fossem muito mais numerosos, a "Organização de Ajuda a protestantes 'não-arianos'" desenvolveu-se mais lentamente e as iniciativas mantiveram-se por muito tempo isoladas, como as do pastor Hermann Mass, em Heidelberg, Baden-Württemberg. Chama a atenção o uso do termo racial "não-ariano", essencial à lógica do regime, no nome da associação formada para apoiar pessoas atingidas por ela.
Somente no final de 1938, portanto, na sequência da Noite de cristais, foi criada uma associação de ajuda a protestantes com ascendência judaica da Igreja de Berlim, com vinte e duas filiais regionais, sob a direção do pastor Heinrich Grüber. Em dezembro de 1940, entretanto, a organização foi fechada, após a prisão do pastor. Também em 1938, surgiu a Organização de Ajuda da Diocese de Berlim, por iniciativa de Margarete Sommer, para cuidar das necessidades de católicos de ascendência judaica, que funcionou até o fim da guerra.
Os clérigos que, em pessoa, se manifestaram "corajosa e abertamente contra a política racial" e as políticas eugênicas para o suposto aprimoramento racial, e sem se limitarem à defesa de integrantes de suas Igrejas, são destacados no Memorial como exceções. Assim, é lembrado o reitor da Catedral de Berlim, Bernhard Lichtenberg, preso, em 1941, por rezar em público pelos judeus perseguidos, ou seja, sem qualquer delimitação. Também contrariando a política racial do nacional-socialismo, mas não relacionada aos judeus, o Memorial lembra o bispo de Münster, na Renânia do Norte-Vestfália, Clemens August Graf von Galen, que, em 3 de agosto de 1941, condenou a eliminação de doentes, deficientes físicos e mentais, em seu sermão da missa de domingo. Embora estas manifestações não expressassem posições oficiais, foram assumidas por religiosos em funções importantes nas respectivas Igrejas.
Entretanto, ultrapassando os limites das Igrejas, das suas associações e dos próprios indivíduos, surgem, no Memorial, histórias de salvação de judeus da deportação nas quais prevaleceu o valor do caritas, da caridade, da compaixão, do amor ao próximo, à humanidade, base do cristianismo difundida com a religião cristã.
Em suma, a partir de atos individuais e/ou coletivos, o Memorial volta-se para as iniciativas de fiéis católicos e protestantes, que procuraram salvar membros de suas Igrejas; de quakers, que não fizeram quaisquer restrições; e dos que se arriscaram - sendo religiosos ou não - porque sensibilizados com o drama de amigos, conhecidos ou mesmo desconhecidos, independentemente de serem convertidos ou não.
Assim fez a professora Elisabeth Schmitz, que escreveu memorandos em 1935 e 1936 para a Igreja Confessante, apelando à solidariedade em relação a todos os judeus perseguidos e não apenas aos cristãos de ascendência judaica. Margarete Sommer, citada acima, em 1942, começou a enviar relatórios para o presidente da Conferência de Bispos Alemães sobre os objetivos das deportações e as primeiras notícias de assassinato em massa. Os dois apelos não surtiram qualquer efeito. Conhecemos também Gertrud Lucker, representante do arcebispado de Freiburg, que usou sua posição para proteger pessoas perseguidas. Por ajudar judeus a se esconder, foi internada no campo de concentração de Ravensbrück entre 1943 e 1945. Também lemos sobre a quaker Margarethe Lachmund, que enviava cartas e pacotes para campos e guetos em territórios ocupados.
Partindo dessas premissas - a adesão maciça da população alemã ao nazismo, os limites das posições das Igrejas cristãs (salvo a dos Quakers), não obstante a possibilidade de ultrapassá-los individualmente -, o Memorial dos Heróis Silenciosos constrói sua narrativa. Para demonstrá-las, entre as várias histórias que estão acessíveis nos terminais de computadores, verticaliza dez exemplos de pessoas que se dispuseram a ajudar, entrelaçando-as, por sua vez, com as histórias dos que tentavam escapar da deportação. Em todos os casos, a narrativa transita da escala macro, a das grandes questões que sacudiam a Europa, na época, para a escala micro, da vida de homens, mulheres e crianças diretamente envolvidos na sanha persecutória, fossem os judeus fossem os que se arriscaram para salvá-los.
Na primeira exposição, quando o museu estava instalado na Rosenthaler Strasse, essas histórias estavam dispersas. Na versão atual, é a partir delas que o Memorial se estrutura, em um evidente movimento para colocar os dramas pessoais no centro da narrativa. Algumas trajetórias da primeira exposição estão na segunda, outras não, embora possam ser recuperadas através dos terminais de computadores.
Por vocação, é o Memorial das pequenas histórias que nos colocam no cotidiano de um país sob o regime totalitário. Entramos nas casas das pessoas, seguimos de perto as tensões, as angústias, os sobressaltos, o medo, a coragem, as esperanças, as frustrações. Conhecemos as famílias, vemos os rostos nas fotos que compõem a narrativa, junto a papéis oficiais, cartas, livros de memórias, objetos etc., enfim, uma documentação que nos envolve nas tramas e dramas de cada um, de todos. Torcemos para tudo dar certo, mesmo sabendo de antemão que essa não foi a realidade para a maioria. Entretanto, se nos aproximamos do dia a dia envolto pelo terror do Estado policial, também acompanhamos o terror das delações de vizinhos, de qualquer um, das suspeitas constantes. Enxergamos a viabilidade do genocídio na colaboração da maioria. Em muitas das histórias, não fossem as denúncias espontâneas, perseguidos e apoiadores não teriam sido descobertos, presos, deportados, mortos. As histórias de solidariedade, de resistência são, ao mesmo tempo, histórias de delações, de colaboração. Histórias de vida e de morte.
Independentes entre si, os personagens de certas narrativas por vezes surgem em outras. Ora como protagonistas ora desempenhando papéis secundários. São histórias paralelas que se cruzam em meio a redes de apoio e indivíduos dispostos a ajudar. Como um livro de contos sobre um mundo de ponta-cabeça, onde cidadãos tornaram-se estrangeiros indesejáveis (porque judeus ou de origem judaica), onde cidadãos podiam se tornar criminosos (porque os socorreram).
Cada história tem suas particularidades, mas todas estão marcadas por caminhos tortuosos, idas e vindas, peripécias para salvarem e serem salvos. Representam o essencial das situações judeus e descendentes de judeus que permaneceram na Alemanha depois da chegada do nazismo ao poder (1933), das Leis de Nuremberg (1935), da Noite de Cristal (1938), do início da guerra (1939), da imposição ao trabalho forçado (1940-1941), da proibição da emigração (1941), da Solução final (1942), até o fim da guerra (1945).
Outras diversas histórias estão disponíveis nos terminais de computador, como disse. De certa forma, todas elas estão representadas nas dez histórias selecionadas, inclusive aquelas que permaneceram e permanecerão desconhecidas. São histórias vocacionadas ao anonimato, como o Justo, na tradição talmúdica.18 18 Os limites desse artigo não comportam a apresentação, mesmo que resumida, das dez histórias. Vale observar que, apesar dos marcos temporais das perseguições indicados no Memorial (1933, 1935 e 1938), tais histórias se concentram no período iniciado com a proibição da emigração, em outubro de 1941, situação agravada a partir do ano seguinte, com a Solução final. Na Conferência de Wannsee (20/1/1942), lideranças do governo e da SS decidiram-se pela deportação e extermínio dos judeus, nos campos da Polônia ocupada.
Epígrafes e epílogo
É difícil ser judeu, mas é mais difícil ainda tentar não sê-lo.
Shlomo Perel.19 19 Shlomo Perel, judeu que serviu na Wehrmacht, com o nome falso de Josef Perjell, citado por Rigg, 2003, p. 32. Na tradução brasileira, está: “É difícil ser judeu, mas é mais ainda tentar não ser [quando se nasceu judeu].” Cf ainda sua biografia: Solomon Perel, 1997.
Em 1996, foi publicado nos EUA o livro Hitler's willing executioners: ordinary Germans and the Holocaust, de Daniel Goldhagen, lançado no Brasil como Os carrascos voluntários de Hitler: o povo alemão e o Holocausto, no ano seguinte (GOLDHAGEN, 1996 e 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.). A obra logo ganhou extraordinária projeção internacional. Além de premiações, foi traduzida para diferentes idiomas, tornando-se um fenômeno editorial na década de 1990. Goldhagen participou de inúmeros debates acadêmicos e de maior amplitude, tornando-se presença constante nos meios de comunicação. Nascido em 1959, nos EUA, filho de um judeu polonês sobrevivente da Shoah20 20 Erich Goldhagen, também professor de Harvard. , o então professor da Universidade de Harvard21 21 Departamento de Estudos Governamentais e Sociais. , afirmava que toda a bibliografia sobre as razões que viabilizaram o genocídio judeu estava equivocada: "Explicar as causas do Holocausto exige uma revisão radical de tudo o que até agora foi escrito sobre o tema. Este livro [o seu] é essa revisão", sentenciou. Para o autor,
não foram as dificuldades econômicas, os meios coercitivos de um Estado totalitário, a pressão social psicológica, ou as invariáveis propensões psicológicas, mas as ideias sobre os judeus difundidas na Alemanha durante décadas que induziram alemães comuns a sistematicamente matar judeus desarmados e indefesos - homens, mulheres e crianças -, aos milhares e sem compaixão.
Quando Hitler chegou ao poder, "crenças e valores comuns da cultura alemã" (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 31) em relação aos judeus - essenciais para explicar por que o Holocausto foi exequível - já faziam parte da "cultura política germânica antissemítica eliminacionista", que "foi a força motriz tanto da liderança nazista quanto dos alemães comuns para a perseguição e extermínio dos judeus, e, portanto, a principal causa do Holocausto." (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 485).
Goldhagen definiu os perpetradores do Holocausto como "qualquer pessoa que conscientemente tenha contribuído de alguma forma íntima para o assassinato de judeus, em geral qualquer um a serviço de uma instituição de matança genocida." (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 178). Eram "alemães comuns", cujo ideário nacional socialista segundo o qual os "judeus deviam morrer", eles compartilharam (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 22). Não cometeram os crimes porque temiam sanções, cumpriam ordens, seduziram-se pela propaganda, mas porque compartilhavam os valores do regime acerca dos judeus e o imperativo de eliminá-los. Tratava-se de uma "visão de mundo compartilhada pela vasta maioria do povo alemão" (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 16).
Então, "a natureza essencial das ações dos perpetradores" devia ser procurada na "estrutura de cognição e valores" difusa entre os "alemães comuns", "localizada e integrada na cultura alemã" (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., pp. 29 e 33). A "revolução nazista" foi essencialmente, defende, uma "revolução moral cognitiva" que "reverteu o processo que durante séculos vinha moldando a Europa" (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 486). Consensual, esta "revolução de sensibilidade e prática" foi a "antítese da moralidade cristã e do humanismo iluminista":
Tanto sua teoria quanto sua prática zombavam da admonição cristã de amor ao próximo, de piedade para com os injustiçados e oprimidos e de solidariedade. Ao contrário, o etos do campo pregava o ódio aos outros e por esse ódio era movido, bania a piedade de seu discurso e práticas e não inculcava uma empatia emocional pelo sofrimento alheio, mas um rígido desdém, se não um alegre deleite por tal sofrimento (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 487).
Todo o esforço de Goldhagen foi, então, o de identificar quem eram os perpetradores do genocídio. O uso da voz passiva em sentenças tais como "judeus foram mortos", tão frequentes nos estudos, acabara for escamotear os agentes do Holocausto.22 22 Goldhagen retomava a questão presente em Broszat e Friedländer, 1988. "Quase sumiram de vista as pessoas que trabalharam na vasta rede de campos, afora os campos da morte, que eram aparelhados para o extermínio, e, mais ainda, nas instituições de matança menos notórias" (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 179). Sua pesquisa tinha como objetivo, portanto, restaurar "a ligação entre o sujeito e suas realizações." (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 14). Mas não aquele identificado a lideranças do NSDAP e da SS. Interessava estabelecer esta relação com o "alemão comum", que caracterizou o conjunto dos perpetradores23 23 Tal tese se assemelha a de Hannah Arendt, em Eichmann em Jerusalém, com a diferença substancial de que ela não patologiza o comportamento dos alemães. Além disso, a pensadora alemã atribui a muitos judeus, sobretudo os membros dos Conselhos de notáveis dos guetos, certa cumplicidade como o extermínio. Cf. Arendt,1999. . Para o cientista político, suas ações estavam em sintonia com a decisão do regime de que era necessário e aceitável eliminar judeus.
"Os carrascos voluntários de Hitler" foram todos os alemães. Ou, seguindo ainda suas palavras: "O termo mais apropriado para se denominar os perpetradores do Holocausto, aliás o único termo genérico apropriado, é 'alemães'" (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 14).
Goldhagen chegou a essa conclusão a partir da análise dos Batalhões Policiais de Reserva, integrantes da Polícia da Ordem (Ordnungspolizei)24 24 Juntamente com a Polícia Uniformizada (Schutzpolizei) e a Gendarmerie (Polícia Rural). , que estiveram diretamente envolvidos no massacre das populações dos territórios ocupados, mormente, no genocídio de judeu.25 25 O Batalhão 101 já havia sido objeto de estudo em. Browning, 1992. Seus integrantes não tinham aptidões militares ou ideológicas, em particular. Pelo contrário, eram inábeis para o enfrentamento de guerra, com idade acima do usual para o serviço militar, muitos reprovados nos testes físicos para o serviço policial. Além disso, não se caracterizavam por qualquer "fidelidade ao nazismo" maior "do que qualquer grupo de alemães escolhidos ao acaso" (GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., 197). Tampouco, eram, especialmente, antissemitas. Com esse perfil, esses homens encarnavam os "alemães comuns", na perspectiva do cientista político. Os Batalhões tinham como função guardar os territórios ocupados e a própria Alemanha, combatendo ativistas e operando na expulsão das populações das regiões a serem germanizadas. Na prática, atuaram, ao lado dos Einsatzgruppen da SS26 26 “As Einisatzgruppen eram unidades móveis de extermínio, esquadrões compostos principalmente pela polícia alemã e pelas SS. Sob o comando do Serviço de Segurança (Sicherheitsdienst; SD) e das autoridades da Polícia de Segurança alemã (Sicherheitspolizei; Sipo), as unidades móveis de extermínio tinha, entre suas atividades a tarefa de assassinar pessoas suspeitas de serem inimigas raciais ou políticas do nazismo que se encontravam atrás das linhas de combate alemães, dentro do território soviético ocupado.” Holocaust Encyclopedia. https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/einsatzgruppen (acesso em 9 set 2018). , nos massacres de civis, sobretudo, judeus, atrás das linhas de batalha da Wehrmacht. Estiveram presentes nas campanhas na Polônia (1939), no front Ocidental (1940) e na URSS (1941). O Batalhão Policial 101, objeto central da pesquisa de Goldhagen, notabilizou-se "pela enorme dimensão de suas atividades de extermínio" na Polônia, principalmente, a partir de maio de 1941(GOLDHAGEN, 1997GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. O povo alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 218). De forma naturalizada, esses "alemães comuns" praticaram humilhações e assassinatos em massa de civis, entre os quais idosos, mulheres e crianças judeus.
As críticas acadêmicas e não acadêmicas à ideia central de Goldhagen foram proporcionais à divulgação da obra. Não é objetivo deste artigo retomar o debate, por demais documentado na bibliografia e na imprensa, em geral. O que importa aqui é a polêmica de repercussão internacional.
Em fins de 1996, o Daniel Goldhagen esteve em Berlim para conferências e participações na mídia. Neste contexto, o professor Wolfgang Benz iniciou sua pesquisa, "Resgatando judeus na Alemanha nazista de 1933 a 1945"27 27 Projeto desenvolvido entre 1997 e 2002. , e, com base nos seus resultados, começaram as mobilizações para a criação do Memorial dos Heróis Silenciosos.28 28 Iniciadas, em 1999, e concluídas, em 2008, com a inauguração do Memorial. Lembro, ainda, o lançamento do filme de Steven Spielberg, em 1993, grande sucesso de bilheteria internacional. Ele, o Memorial, nasceu em meio a essa controvérsia, tentando demonstrar, através de histórias também de "alemães comuns", que muitos dentre eles não eram nazistas nem perpetradores de crimes nem indiferentes ao genocídio. Vários, silenciosamente, teriam até mesmo resistido ao arbítrio do regime, em especial, ao genocídio. Apesar de minoritários, reconhece a narrativa, arriscaram a própria vida e a segurança da família para salvar judeus. Os heróis anônimos do Memorial são o contraponto aos carrascos anônimos de Goldhagen.
Empregados no Memorial para denominar aqueles que socorreram perseguidos judeus, aqui traduzidos como apoiadores, para diferenciar do termo colaboradores. Isto porque os termos "Helfer" e "Helferinnen" também haviam sido usados na tipificação penal do Tribunal de Nuremberg (1945-1946) e, depois, dos tribunais da República Federal da Alemanha, que pretenderam julgar os crimes nazistas. Neste contexto, referiam-se aos auxiliares na perpetração da barbárie.29 29 Agradeço ao Professor Estevão de Rezende Martins, que me chamou a atenção para o uso dos termos “Helfer” e “Helferinnen”, no Tribunal de Nuremberg. O uso destas palavras para falar dos que ajudaram os judeus ganha um sentido particular, portanto. O "Helfer" do Memorial é a imagem invertida do "Helfer" dos tribunais, que colaborava com o regime, senão o indivíduo que ajudava os perseguidos arriscando a própria vida.
Ao considerar resistentes os judeus que tentaram fugir da deportação, o Heróis Silenciosos também pode ser visto como uma resposta à tese de que os judeus, "passivamente", embarcaram aos milhões nos trens para os campos. Tal perspectiva está presente nas interpretações de autores como Raul Hilberg (2003)HILBERG, Raul. The destruction of the European Jews. Yale University Press, 2003. e Bruno Bettelheim (s/d).30 30 Cf. Hilberg, 2003 (edição original de 1961); prefácio de Bruno Bettelheim, para o livro de Miklos Nyiszli, médico húngaro e judeu que, prisioneiro em Auschwitz, trabalhou com Mengele nas pesquisas supostamente científicas, usando como cobaias presos do campo de extermínio na Polônia ocupada. Bettelheim, s/d. Primo Levi, em suas inúmeras conferências sobre sua experiência de sobrevivente de Auschwitz, notou a frequência com que os jovens escolares lhe perguntavam por que os judeus se submeteram à deportação, por que não se recusaram, em massa, a partir (LEVI, 1990LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. , capítulo VII: Estereótipos). Hannah Arendt, por sua vez, chamou a atenção para o fato de que todo o processo de confinamento em guetos, bem como de organização das deportações, foi executado na base pelas elites governativas das comunidades, em todas as cidades do Leste europeu, nos territórios ocupados (ARENDT 1989ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.). Sendo assim, os conselhos judaicos, do seu ponto de vista, teriam se submetido às imposições nazistas e até mesmo, com isso, contribuído para o genocídio.
Se esta foi a intenção implícita na narrativa - opor-se à tese da "passividade" com que os judeus se dirigiam para os guetos ou embarcavam nos trens - atitude, por sua vez, sugerida na própria foto descrita acima, ponto de partida da exposição é preciso certa atenção. Como desenvolvo adiante, no Memorial, estão representados, sobretudo, os alemães de origem judaica e não, exatamente, os judeus dos territórios ocupados do Leste, estes bem mais identificados com a imagem das multidões "passivas", apesar desta foto retratar um embarque, em 1942, em Kitzingen, cidade na Baviera. O tratamento do regime nacional socialista dispensado aos alemães de origem judaica não foi o mesmo daquele destinado aos judeus nas áreas ocupadas, incluindo em países ocidentais, como foi na Holanda. Para os primeiros, a política persecutória foi gradualista: cassação de direitos em vários graus, incitação à migração, cota de trabalho forçado, confisco de bens... Entrementes, o regime deportou judeus estrangeiros na Alemanha, tanto judeus do Leste refugiados ou recentemente migrados, como também judeus assimilados, porém naturais de outros países. Tal realidade, contudo, não impediu deportações em massa em trens diretamente para campos a Leste, como foi o caso exemplicado acima ou a que partiu de Berlim, em 1943. Ainda assim, no Leste, o fenômeno ocorreu segundo outra ordem de grandeza, limitando a comparação com o que se verificou na Alemanha.
Concordando ou não com essas interpretações, somente em um contexto de disputa de memória se pode entender a atribuição de "resistente" ao judeu que fugia da deportação. Não foram resistentes nem heróis, embora chamar de heróis esses homens e mulheres "desconhecidos" e "sem glórias", em sua grande maioria, seja também uma desmistificação da própria ideia de herói. Tratava-se, antes, da luta pela sobrevivência, sobretudo, a partir de 1941 e 1942, quando as deportações se intensificaram. O ambiente do "salve-se quem puder" se ampliou, exponencialmente, em face da realidade dos campos de concentração e extermínio, testemunhada por Levi, onde a humilhação e a dor eram (ou podiam ser) perpetradas não exclusivamente pelos nazistas, mas também pelo prisioneiro do lado, fosse ele preso político, judeu, "associal" ou qualquer outra classificação do sistema concentracionário (LEVI, 2013LEVI, Primo. É isso um homem? Rio de Janeiro, Rocco, 2013., 1997LEVI, Primo. A trégua. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. , 1990LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. ; WACHSMANN, 2015WACHSMANN, Nikolaus. Kl. A história dos campos de concentração nazis. Alfragide, Portugal, Publicações Dom Quixote, 2015. . Capítulo 10: "Escolhas impossíveis").
Embora a perspectiva do Memorial seja altamente meritória, porque aposta no livre-arbítrio, na solidariedade, na compaixão, na rejeição ao Mal, na difusão desses valores junto às novas gerações que visitam o lugar, é também idealizadora, encobrindo uma realidade mais complexa. Apesar de econh-los como resistentes, a palavra para se referir aos judeus clandestinos, na narrativa do Memorial, é mais frequentemente "vítimas" e não "resistentes", assim como o termo apoiadores o é para referir aos que ajudaram os perseguidos. As ações e os comportamentos cotidianos e anônimos tratados por Martin Broszat, por meio do conceito Resistenz, acabaram incorporados ao de Widerstand. Tanto no Memorial dos Heróis Silenciosos, onde prevalecem tais situações, assim como no Memorial da Resistência Alemã, também em Berlim, onde predominam as práticas e as posições mais visíveis (movimento operário, Igrejas cristãs, intelectuais e artistas, oficiais militares etc.), o conceito usado é sempre Widerstand.
Esse viés idealizador está, por exemplo, no fato de que a narrativa do Heróis Silenciosos não se refere ao possível envolvimento de dinheiro nas histórias de salvação. Sabemos, entretanto, que houve muitas situações de pessoas que se dispuseram a esconder, sobretudo crianças, em troca de algum ganho material.31 31 Estes casos não disseram respeito às redes de apoio, mas a ações individuais. A ausência de qualquer tipo de recompensa também é critério, vimos, para a concessão da Medalha dos Justos entre as Nações. Além dessas situações mais definidas, houve muitas outras mais nuançadas, contraditórias e ambivalentes. Esta foi a experiência da a Comissão dos Justos, instituída por Israel para atribuir a homenagem, ao analisar os processos. O recorte do objeto do Memorial dos Heróis Silenciosos, certamente, descartou as situações envolvendo vantagens de qualquer natureza, em favor da mensagem antes de tudo humanista. Sendo, contudo, uma realidade inegável, precisa ser abordada como o foram, aliás, as delações, as omissões, as colaborações, enfim, comportamentos reais em face das perseguições, mesmo que o objetivo do Memorial seja celebrar os que não esperaram retribuição. Homenagear estes, silenciando sobre aqueles é fazer a história refém da memória. Um memorial como lugar de celebração não deveria precisar excluir fatos semelhantes. Memória e história têm naturezas próprias e opostas (LE GOFF, 1982LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. Romano, Ruggiero. Enciclopédia Einaudi. 1. Memória/História. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1982.; NORA, 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, nº 10, p. 7-28, dez. 1993.; ROUSSO, 1998ROUSSO, Henry. La hantise du passé. Entretien avec Philippe Petit. Paris, Les Éditions Textuel, 1998.; TODOROV, 2004TODOROV, Tzvetan. Les abus de la Mémoire. Paris: Arléa, 2004.), sabemos, constituem-se nessa tensão. Contudo, o boom verificado nas últimas décadas de estudos, que tiveram a memória por objeto, pode contribuir para o rompimento deste limite ainda presente em memoriais. Refiro-me à suposta incompatibilidade entre homenagem e narrativa de eventos menos nobres da realidade.
Em seu livro sobre o tema dos judeus que serviram à Wehrmacht, o historiador Bryan Mark Rigg citou como epígrafe Ian Kershaw, um dos especialistas do nacional socialismo mais reconhecido atualmente: "O saber é melhor que a ignorância; a história melhor que o mito" (KERSHAW, 1985KERSHAW, Ian. The Nazi Dictatorship. Problems and perspectives of interpretation. Londres: Edward Arnold, 1985. apud RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. ). Os valores que tais palavras contêm também devem ser cultivados entre as novas, entre todas as gerações que frequentam os museus e memoriais da Resistência ao nazismo.
Qual foi, então, o perfil dos apoiadores do Memorial? Alemães (suecos, em uma história), cristãos sensibilizados com a perseguição de membros de ascendência judaica das suas comunidades religiosas. Sem fazer qualquer restrição, estiveram os Quakers (neste caso, além de alemães, ingleses e norte-americanos, respectivamente, até 1939 e 1941). Também entre eles estavam indivíduos movidos pela compaixão, independentemente de qualquer religião, que por ventura praticassem tanto os apoiadores e como os perseguidos. A afinidade pessoal com o perseguido podia suscitar a disponibilidade para ajudá-lo. Além de redes articuladas por convicções religiosas, vemos, no Memorial, redes organizadas em função de perspectivas políticas e ideológicas. Umas e outras se contactavam para atender às necessidades que se impunham.
Em suma, as razões para tentar salvar os classificados pela política racial de judeus envolvem princípios e valores (políticos, ideológicos, religiosos, compaixão). Nem sempre as fronteiras entre as motivações foram rígidas, mas se combinaram. Afinidades pessoais e laços de sociabilidade também aparecem nas histórias narradas como motivação para prestar socorro. Assim, solidariedades horizontais na sociedade, fruto de sociabilidades cotidianas de longa data, mostraram-se capazes, por vezes, de superar a verticalidade absoluta das relações sociais exigidas pelo nazismo: a lealdade do Volk ao Fürher. No entanto, não faltam exemplos de pessoas conhecidas e mesmo amigas que viraram as costas quando procuradas por pessoas em risco iminente de deportação.
No que diz respeito a posições sociais dos apoiadores eram, na maior parte, também provenientes da classe média ou alta, religiosos e sacerdotes, profissionais liberais, urbanos. Agindo à margem das redes de apoio, estiveram apoiadores de origem modesta, embora pudessem ser ou não cristãos, com ou sem identidades políticas e ideológicas definidas. Neste caso, entre as dez histórias selecionadas no Memorial, em três delas encontramos ex-empregados protegendo ex-patrões.
Mais difícil, porém, é definir quem eram os judeus que tentaram escapar da deportação. A própria definição de judeu está longe de ser simples e remonta épocas ancestrais, em um debate que chega aos dias de atuais (Cf. RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. ).32 32 As informações a seguir foram extraídas dos dois primeiros capítulos de Rigg, 2003 (“Quem é judeu?” e “Quem é Mischling?”). Observo, contudo, que as definições são muito mais complexas do que as sínteses aqui apresentadas, fazendo com que o autor conclua até mesmo pela impossibilidade de uma definição. Para o assunto, ver também Arendt, 1989, “O antissemitismo.”
Bryan Mark Rigg lembra que antes da aliança com Deus, quando Moisés recebeu a Torá, no Monte Sinai, o judaísmo se dava por linhagem, crenças e costumes, sem a necessidade de uma conversão formal, bastando a adoção da cultura judaica. Após o Sinai, o judaísmo passou a ser transmitido pelo pai e a conversão tornou-se um processo formal. "Hoje, o judeu praticante recorre ao Tanach (a Bíblia judaica) e ao Talmude (a Torá oral) para definir a judeidade. Segundo a lei rabínica (Halachá), hoje, judeu é a pessoa nascida de mãe judia ou que se converte devidamente ao judaísmo" (RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. , p. 32). Nascido judeu, tal condição permanece para sempre, mesmo que venha a ser batizado. No entanto, ser judeu não passa necessariamente pela religião. Pode-se até mesmo ser judeu e não religioso, até mesmo ateu. Como observou Bryan Mark Rigg,
Para muitos judeus, (...) a religião desempenha pouco ou nenhum papel na definição de sua judeidade. Acreditam que judeidade significa, primeiro e acima de tudo, uma aliança étnica (isto é, pertencer ao povo judeu). Também têm muito apego a alguns ideais, como educação, valores de família e caridade. As crenças religiosas são secundárias. Muitos no mundo que se consideram judeus em todos os aspectos negam que tenham alguma religião (RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. , p. 33).
No que diz respeito aos movimentos ortodoxo, conservador e reformista dentro do judaísmo, vale notar, há divergências sobre quem é judeu e o que é ser judeu. Os dois primeiros seguem a Halachá e, portanto, a ascendência materna como critério para ser judeu, além da conversão formal. O reformista inclui também a paterna.
Para o regime nazista, sabemos, a judeidade era uma questão exclusivamente racial, derivada de um racialismo biologizante, tido por científico. Por essa razão, o judeu convertido ao cristianismo e seus descendentes permaneciam judeus, independentemente se a transmissão viesse da mãe ou do pai. Oficialmente, as Leis de Nuremberg (1935) definiram o judeu como alguém com mais de 50% de ascendência judaica. Tal definição colocou de imediato a questão dos chamados Mischlinge, indivíduos misturados, sobretudo, em um país como a Alemanha onde, desde o final do século XIX, houve incremento significativo de matrimônios mistos. Muitos judeus e judias alemães abandonaram as restrições das famílias para se unir a cristãos alemães, indiferentes às diferenças de origem cultural ou religiosa. Um processo generalizado em uma Europa Ocidental cada vez mais secularizada, de que a Alemanha deu, talvez o principal exemplo. A expressiva presença de judeus na administração pública, profissões liberais, universidades, academias de artes etc., comprova o elevado grau da integração dos judeus na Alemanha, contra o que, por isso mesmo, os nazistas se indignavam.
A definição de judeu se ancorava em um saber que os nazistas julgavam científico, remetendo a caracteres genéricos de uma raça distinta e oposta à ariana e e às raízes do povo alemão - Völkisch. Exatamente porque sabiam que os judeus alemães estavam mesclados com arianos, contaminando a germanidade do Volk, os fenótipos de judeus veiculados na propaganda oficial não passavam de estereótipos. Como veremos adiante, o fenótipo só era considerado pelo regime nas situações excepcionais de alemães de origem judaica que, por sua "aparência germânica", postulavam reconhecimento oficial como arianos (RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. ).
O termo Mischling (Mischlinge, para o plural), de conotação pejorativa, significa "mestiço, vira-lata e híbrido", usado para descrever animais de raças misturadas. Teria sido usado pela primeira vez para denominar pessoas, nas colônias alemães na África, referindo-se, então, àquele com um dos pais negro e outro branco (RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. , p. 36). De acordo com as leis raciais de 1935, seriam duas as categorias de Mischlinge: o meio judeu (Mischling em primeiro grau, com dois avós judeus) e o 1/4 judeu (Mischling, em segundo grau, com uma avó ou um avô judeu). Ambos foram rebaixados a cidadãos de segunda classe. Quem tivesse menos de 25% de ascendência judaica, seria "ariano." Diante da impossibilidade de comprovação racial cientificamente precisa, como é óbvio, muitos alemães, decerto apavorados, foram pesquisar sua possível origem judaica nos registros sinagogais e igrejas cristãs dos avós (nascimento, batismo, casamento).
Muitos alemães, portanto, sequer tinham ideia da ascendência judaica, só a descobrindo quando precisavam comprovar ser "arianos" mediante a apresentação dos documentos dos avós. Outros tinham conhecimento de suas origens, mas rejeitavam o judaísmo, ou haviam sido criados e formados longe de qualquer orientação judaica. Sentindo-se alemães, completamente integrados, sentiram-se horrorizados com a descoberta de alguma filiação a judeus, do que decorreria a exclusão da sociedade (de cargos, profissões, funções, de acordo com a legislação), relegados a um status de alemães de segunda categoria.
Foram ainda numerosos, como indica Rigg, os que que desconsolados por descobrirem a então maldita origem judaica, postularam atestados de arianização, montando dossiês com fartura de documentos e fotos de frente e de perfil. O regime ofereceu esta oportunidade aos alemães com remota e mínima filiação judaica, e aprovou muitas petições. Desde que o indivíduo, com índice mínimo de ascendência racial judaica, possuísse um fenótipo ariano - o que excluía, in limine, narizes grandes e/ou aduncos - , era possível arianizar-se. Nem por isso, se tornavam "arianos puros", pois eram proibidos de exercer certas profissões ou progredir em certas carreiras, como a militar. A germanização era tal que, em numerosos casos, judeus casados com judeus, que mantinham algum apego às tradições ancestrais ou familiares, sentiam-se alemães, viviam como alemães, reservando espaço e tempo mínimos para os compromissos judaicos, se tanto.
Vale lembrar que a presença de judeus nos territórios que foram, em 1871, unificados como Estado nacional alemão, é tão remota quanto o século IV a.C, predominando entre eles o ramo ashkenazi, palavra hebraica que significa, exatamente, alemão. Muitos antes de existir o Estado alemão (1871), havia judeus em terras germânicas. Ao longo dos séculos, por razões que não cabe aqui especificar, esta população judaica se adensou, embora vivesse confinada em bairros e fosse endogâmica. Nos diversos principados ou cidades, receberam privilégios ou concessões maiores ou menores, embora tratados sempre como minoria. A emancipação deu seus primeiros passos no início do século XIX, uma herança do Aufklärung (o Iluminismo alemão do século XVIII) combinada com medidas assimilacionistas do período napoleônico. Mas foi um processo tortuoso. Os artigos da Confederação Germânica, criada em 1815, suspenderam certos direitos. Na Prússia, os judeus tinham que pagar um "imposto de residência" e foram, novamente, proibidos de possuir terras, além de exercer cargos públicos e outros ofícios. O grande salto, em toda a Europa ocidental, e não só na Alemanha, veio com as revoluções liberais de 1848. Na Prússia, a aprovação dos "Direitos Fundamentais do Povo Alemão" estabeleceu, nesse mesmo ano, direitos civis que não distinguiam judeus e não judeus. Em Hamburgo, a emancipação dos judeus foi decretada em 1849, o que se estendeu à Confederação Germânica, em 1869. Na monarquia austríaca dos Habsburgo, a emancipação foi reconhecida em 1867. Em 1871, a Alemanha unificada fez o mesmo (Cf. JOHNSON, 1995JOHNSON, Paul. Emancipação. In: JOHNSON, Paul. História dos judeus. Rio de janeiro: Imago, 1995., pp. 324-325; 345-365).
A germanização dos judeus na Alemanha chegou a tal ponto que, nas primeiras décadas do século XX, os judeus alemães assimilados desprezavam os judeus do Leste europeu que migravam para o país. Pobres, recentemente migrados, os Ostjuden eram vistos pelos assimilados como inferiores, culturalmente atrasados, seguidores de uma "religião irracional e supersticiosa dos místicos judeus", isolados em guetos, "sujos" (RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. , p. 36; cf também ARENDT, 1989ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989., "O antissemitismo"). Foram eles, aliás, os primeiros atingidos pelos decretos do regime nazista, ainda em 1933, exclusão bem recebida pelos judeus assimilados que os viam como uma ameaça à nação alemã e a eles próprios. A presença dos Ostjuden, supunham os judeus alemães, poderia levar ao crescimento do antissemitismo (Cf. também Hannah Arendt, 1989ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989., "O antissemitismo). Em 1938, 1.800 Ostjuden foram obrigados a deixar a Alemanha (RIGG, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. , p. 37).
Bryan Mark Rigg chama de "judeus-alemães" os judeus assimilados, que se mantiveram seguidores do judaísmo, religiosos ou não, casados com judeus. Hannah Arendt se refere a eles como "judeus alemães", "judeus assimilados" ou simplesmente "judeus." Para os objetivos deste artigo, preferi chamá-los de "alemães judeus", uma vez que se viam antes como nacionais alemães e assim se colocavam publicamente. E usei "alemães de ascendência judaica" para designar os alemães descendentes de casamentos mistos, bem como os conversos ao cristianismo.33 33 Muitas vezes, a conversão ao cristianismo era apenas um recurso para tentar escapar do antissemitismo, e o convertido permanecia fiel a princípios do judaísmo, fossem eles religiosos ou não, inclusive observando ritos, costumes, efemérides etc., no espaço privado. Conforme a legislação racial do regime, todos eles eram judeus (salvo os que tinham menos de 50% de "sangue judeu"). Na lei judaica, segundo certa interpretação, eram judeus apenas os que tinham mãe judia; segundo outra, sem tal restrição, todos eram judeus.
Seja como for, o que importa destacar aqui é que os judeus do Memorial dos Heróis Silenciosos eram cidadãos alemães judeus ou alemães de ascendência judaica. Todos pertencentes e integrados à cultura germânica. Mesmo entre os alemães judeus que professavam a religião judaica, se auto definiam antes de tudo como alemães, consideradas as famílias fixadas no país havia tempos. No processo de afirmação do nacionalismo no século XIX, a identidade nacional tendeu a se sobrepor à religiosa, como afirma Hannah Arendt, para quem os judeus estabelecidos na Europa ocidental e central laicizaram-se (ARENDT, 1989ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989., "O antissemitismo"). Trata-se, porém de uma generalização que não considera as tensões vividas no seio de várias famílias judaicas, quase sempre quando algum filho ou filho desejava esposar um cônjuge não judeu, ou quando membros da família optavam por converter-se ao cristianismo para melhor se integrar à sociedade inclusiva.
Além disso, se até o final do século XIX, os judeus alemães, em sua maioria, eram de classe média ou alta, urbanos, instruídos, profissionais liberais, industriais, comerciantes, nas primeiras décadas do XX, havia muitas famílias de judeus pobres oriundos da Europa Oriental, fixados justamente no Mitte e, neste caso, não só não se assimilaram, vivendo como minoria auto segregada, inclusive discriminada pelos judeus alemães que viviam no país de longa data (Cf. RAHDEN, 2005RAHDEN, Till van. Jews and the Ambivalences of Civil Society in Germany, 1800-1933: Assessment and Reassessment. The Journal of Modern History 77, n. 4 (December 2005): 1024-1047.). Mas deles o memorial não trata.
Na maior parte das histórias narradas no Memorial, prevalecem judeus alemães de classe média, condenados a viver clandestinos quando não havia mais qualquer saída. Os empregos, profissões liberais, escolas, universidades, instituições artísticas e culturas tornaram-se inacessíveis. Os negócios, lojas, bens foram confiscados. Os casamentos mistos criminalizados. As sinagogas destruídas. Já não podiam emigrar e estavam submetidos ao trabalho forçado. As humilhações, prisões e deportações haviam se intensificado, tornando-se massivas.
Estão ausentes, no Memorial, os judeus migrados do Leste, originários de aldeias rurais, onde viviam e casavam-se no interior da comunidade; muito religiosos, pobres, formados em escolas próprias com professores da comunidade, moradores de bairros populares das cidades alemães, falantes do idioma iídiche, imersos no judaísmo, para os quais a cultura germânica era estranha, embora o iídiche seja um idioma germânico, com ortografia derivada do hebraico, sem ser idêntica. Muito provavelmente, para os não assimilados, a vida clandestina seria praticamente impossível. Além de facilmente identificáveis, porque estrangeiros, à medida que a perseguição aumentou, o acesso aos imprescindíveis contatos com instituições, associações e indivíduos disponíveis para ajudar tornou-se ainda mais difícil.
Também não são vistos no Memorial os alemães que desconheciam a própria ascendência judaica, só a descobrindo, como vimos, quando não puderam emitir o certificado de "arianos."
O Memorial dos Heróis Silenciosos celebra os judeus perseguidos pelo nazismo e, ao mesmo tempo, os apoiadores alemães solidários que tentaram ajudá-los. Mas, oscila entre a identificação do judeu enquanto judeu e a identificação dele como um judeu de origem alemã ou um alemão de origem judaica. Deixa, quiçá subentendido que, neste caso, a perseguição era intolerável e merecedora de uma reação. Não se trata de estabelecer uma dosimetria da judeidade e da germanidade - quer entre perseguidos e/ou apoiadores, quer na mensagem construída pelo Memorial - senão de exprimir um dilema identitário que existia na época e foi adotado, um tanto anodinamente, pelo próprio Memorial.
Isto se torna visível em expressões como a de "protestantes 'não-arianos'", como constava no nome desta ou daquela associação cristã para designar convertidos de origem judaica, quem sabe para evitar desafios frontais à ideologia do regime, além de prejudicar o objetivo de proteger ou salvar as pessoas em risco iminente. Ou pode ter sido uma forma de sublinhar o protestantismo, a questão da fé desses membros, sem sequer mencionar o judaísmo, uma recusa do paradigma racial em favor do religioso, embora a confissão religiosa de um judeu não fosse relevante para o regime. Tal denominação também pode sinalizar que a comunidade alemã de confissão protestante assim considerava seus membros convertidos ao protestantismo, independentemente de sua ancestralidade racial ou religiosa. Contudo, sete décadas da derrota do nacional socialismo, chamar o Memorial de Memorial dos Heróis Silenciosos: Resistência contra a perseguição dos judeus, 1933-1945 sem reconhecê-los como alemães nem como judeus pode sugerir uma negação subliminar da cidadania alemã dos judeus, bem como de suas tradições ancestrais, mesmo que, paradoxalmente, o objetivo seja celebrá-los.
Aliás, o tratamento do Heróis Silenciosos da relação entre os que ajudavam e os ajudados centra-se na questão religiosa e na compaixão. Afinal, foram estas as razões para a mobilização dos que tentavam salvar, conquanto não fosse a religião a causa para a perseguição dos judeus, senão a racial. Como as histórias encontradas no Memorial não explicitam a posição dos apoiadores a esse respeito, não a conhecemos por meio de sua narrativa. Mesmo o sentimento de compaixão não descarta, necessariamente, a convicção negativa em relação a judeus. Vale lembrar os exemplos de cartas de cidadãos alemães "arianos", citadas por Joaquim Fest, endereçadas à Gestapo a favor deste ou daquele judeu conhecido. Junto à solicitação, o postulante afirmava sua aversão aos judeus "em geral", com exceção de um vizinho, um médico da família, um amigo (Cf. FEST, 1991FEST, Joachim. Hitler. 5a ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1991.). Mas esta fórmula das petições pró judeus, em particular, poderia, quem sabe, embutir uma oposição in pectori à política discriminatória do Terceiro Reich. Os peticionários, de todo modo, desejavam salvar judeus próximos, sem expor opiniões perigosas, caso as tivessem. Compartilhar o antissemitismo para salvar judeus. Paradoxo interessante. Impossível precisar a motivação de cada um nessas petições individuais.
O Memorial dos Heróis Silenciosos é, em todo caso, uma ode ao livre arbítrio e aos valores civilizacionais no contexto da revolução nacional socialista que pretendeu extingui-los (Cf. SCHOENBAUM, 1966SCHOENBAUM, David. Hitler's Social Revolution. Class and status in Nazi Germany, 1933-1939. Garden City, NY Doubleday, 1966.; CHAPOUTOT, 2017CHAPOUTOT, Joahann. La révolution culturelle nazie. Paris, Gallimard, 2017.; ROLLEMBERG, 2017ROLLEMBERG, Denise. Revoluções de direita na Europa do entre-guerras: o fascismo e o nazismo. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 30, n. 61, p. 355-378, maio-agosto 2017.). Resgata a sobrevivência da civilização entre muitos alemães. "Eu fiz isso simplesmente porque tinha que fazer, por razões puramente humanitárias... e uma aversão ao nazismo. Teria feito isso de novo hoje, sem hesitação". As palavras de Otto Jogmin, Justo entre as nações, uma das citações destacadas como epígrafes na exposição.34 34 Extrato do documentário de TV, 1964, produção alemã, “...und tue desgleichen” [“Faria do mesmo jeito”]. Ou as de Heinrich List, quando interrogado na polícia sobre por que havia acolhido um judeu em casa, outra das epígrafes: "Apenas porque nós nos conhecíamos muito bem... eu me simpatizei e o acolhi". O livre arbítrio conclamado no panfleto escrito por Werner Scharff, distribuído clandestinamente aparece em mais uma epígrafe: "Não pedimos a vocês nada além do que pensam. Não repitam de maneira absurda o que o governo lhes diz". Scharff, judeu, havia escapado do gueto de Theresienstadt, integrando-se a um grupo de apoio a perseguidos, em Berlim.
O Memorial dos Heróis Silenciosos é uma ode àqueles que transformaram seus princípios em ações cotidianas. "Nós literalmente nos afogávamos nos oceanos de sofrimento e dificuldades que engolfavam nossos amigos judeus sem sermos capazes de salvá-los", testemunhou de Eva Hermann.35 35 Eva Hermann, testemunho em 1948. "Agir humanitariamente foi imperativo maior deles [os apoiadores]. Eu os considero heróis", avaliou Inge Deutschkron, alemã de origem judaica, salva da deportação.36 36 Em Stille Helden, 2002. Esse é o comportamento resistente celebrado e heroicizado no Memorial.
Ao fazê-lo, o Heróis Silenciosos mostra também a atitude contrária de muitos, a colaboração voluntária e o compromisso com o regime nacional socialista, o apoio da maioria. Na escala macro, as multidões em praça pública saudando o nazismo. Na escala micro, o cotidiano das delações, das rejeições e do abandono. "Encontrei alojamentos com pessoas que nunca teria esperado que tivessem disposição para ajudar. Também tive experiência de rejeição de pessoas que, nos melhores tempos, eu as teria considerado meus melhores amigos", depoimento de Alice Löwenthal, em 1955, transformado também em epígrafe. O Memorial não silencia sobre a adesão maciça ao regime, ao contrário. Por outro lado, quer mostrar que houve muitos que resistiram.
O Memorial é também uma ode aos que tentaram escapar da deportação. Seriam, como vimos, a contraprova da tese da passividade atribuída às massas transportadas aos milhões através da Europa em direção aos campos, com as ressalvas acima apontadas. Paradoxalmente, ao celebrá-los como resistentes e heróis, seria a maioria dos judeus que embarcou nos trens, então, a confirmação desta tese?
Neste movimento ambivalente, por vezes ambíguo, o Memorial silencia sobre certos assuntos e deforma algumas realidades históricas. Por vezes, assume a idealização característica dos lugares de memória, contornando, na medida do necessário, a miséria humana que o conhecimento histórico não pode ocultar.
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Esse artigo é uma versão resumida do 3º capítulo (“Resistências silenciosas”) da tese de Professor Titular, defendida no Instituto de História da UFF, em outubro de 2019 (Valquírias: memórias da Resistência ao nazismo, que será publicada, com o mesmo título, pela Ed.UFF, em 2021. Integra pesquisa sobre as narrativas de memória do nazismo e da ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial veiculadas nos museus e memoriais da Resistência, na França, na Itália, nos Países Baixos, na Polônia e na Alemanha. Agradeço o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Bolsa de produtividade, nível 2) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ (Cientista do Nosso Estado) para a realização do trabalho. Sou grata também ao Professor Estevão de Rezende Martins, supervisor do meu estágio de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (2018), onde desenvolvi a parte da pesquisa relativa à Alemanha. Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia encontram-se referidas no artigo.
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Gedenkstätte Stille Helden. Widerstand gegen die Judenverfolgung 1933 bis 1945.
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Termo utilizado pelo regime nazista para prostitutas, alcoólatras, moradores sem domicílio fixo etc.
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Sobre a discussão em torno dessa atualização do papel dos “lugares de memória” na França do pós-Segunda Guerra Mundial, ver ROLLEMBERG, 2016ROLLEMBERG, Denise. Resistência. Memória da ocupação nazista na França e na Itália. São Paulo, Alameda, 2016. .
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O título original do livro de Assmann, Erinnerungsräume, foi traduzido no Brasil, como Espaços da memória. Erinnerungsort, cuja tradução é “lugares de memória”, por sua vez, é a palavra usada na tradução de “lieux de mémoire” (Nora), no texto de introdução do vol. 1 da coleção Les lieux de mémoire, traduzido para o alemão: Zwischen Geschichte und Gedächtnis [Entre história e memória]. Fischer, Frankfurt am Main, 1998. Outras obras publicadas na Alemanha, que recorrem ao conceito do historiador francês, também usam a palavra Erinnerungsort, como: Étienne Francois e Hagen Schulze (orgs.). Deutsche Erinnerungsorte - Gesamtwerk / In drei Leinenbänden: Deutsche Erinnerungsorte [Lugares de memória alemães]. 3 vols, 2001 (tradução francesa: Étienne Francois e Hagen Schulze (dir.). Mémoires allemands. Paris, Gallimard, 2007); e Cornelia Siebeck. Erinnerungsorte, Lieux de Mémoire. In: Docupedia-Zeitgeschichte. http://docupedia.de/zg/Siebeck_erinnerungsorte_v1_de_2017 (consulta em 19/12/18).
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Para essa distinção entre a memória na França e a lembrança, na Alemanha, Peter Reichel recorre às reflexões do historiador francês Étienne François, Lieux de mémoire - Erinnerungsorte. D’un modèle français à un projet allemande. Berlin, 1996. Cf. REICHEL, 1998REICHEL, Peter. L'Allemagne et sa mémoire. Paris, Éditions Odile Jacob, 1998. , p. 15. Cf. também FRANÇOIS e SERRIER, 2012FRANÇOIS, Étienne; SERRIER, Thomas. Lieux de mémoire européens. Dossier. Avant-propos [Prefácio] de Pierre Nora. Documentation Photographique. Paris, La Documentation Française, 2012..
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O Memorial dos Heróis Silenciosos funciona como um museu com uma exposição permanente.
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Salvo indicação, as citações referem-se à narrativa do Memorial dos Heróis Silenciosos presente nos painéis da exposição, no site e nas suas publicações. Ver a lista das publicações do Memorial dos Heróis Silenciosos, nas Referência bibliográficas.
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A primeira exposição do Memorial da Resistência Alemã, em Berlim, inaugurada em 1968, dedicou-se exclusivamente à Resistência dos oficiais da Wehrmacht. A exposição atual, de 1989, trouxe as ações dos movimentos de trabalhadores, das Igrejas protestantes e católica, de artistas, intelectuais e cientistas, dos aristocratas do Círculo de Kreisau, estudantes etc.
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Peter Steinbach, professor da Universidade de Mannheim, diretor acadêmico do Memorial da Resistência Alemã. Johannes Tuchel, diretor do Memorial da Resistência Alemã e diretor executivo da Fundação Memorial da Resistência Alemã. Pessoal do Memorial dos Heróis Silenciosos, na Fundação Memorial da Resistência Alemã (em outubro de 2017): Barbara Schieb, Claudia Schoppmann, Karoline Georg, Andrea Heubach, Marta Ansilewska-Lehnstaedt, Uta Fröhlich. Cf site do Memorial dos Heróis Silenciosos.
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Para o debate historiográfico acerca do conceito de Resistência ao nacional socialismo, comparando os casos da França, da Itália, ambos países ocupados durante a Segunda Guerra Mundial, e da Alemanha, ver Rollemberg, 2016, Capítulo 1- Resistência: o desafio conceitual.
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Gedenkstätte Stille Helden. Widerstand gegen die Judenverfolgung 1933 bis 1945.
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Para a homenagem aos Justos entre as Nações, concedida pelo Estado de Israel, ver Nissim, 2007; e Rollemberg, 2007.
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Johannes Rau foi presidente da Alemanha entre julho de 1999 e junho de 2004.
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Otto Weidt (1883-1947) era o proprietário de uma pequena fábrica de escovas que empregou vários judeus ameaçados de deportação. Alegando que precisava de mão de obra para a crescente produção em face das necessidades de guerra, salvou vários deles. O Museu permanece aberto no pátio da Rua Rosenthaler, preservando a memória desse “herói silencioso”.
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Os limites desse artigo não comportam a apresentação, mesmo que resumida, das dez histórias. Vale observar que, apesar dos marcos temporais das perseguições indicados no Memorial (1933, 1935 e 1938), tais histórias se concentram no período iniciado com a proibição da emigração, em outubro de 1941, situação agravada a partir do ano seguinte, com a Solução final. Na Conferência de Wannsee (20/1/1942), lideranças do governo e da SS decidiram-se pela deportação e extermínio dos judeus, nos campos da Polônia ocupada.
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Shlomo Perel, judeu que serviu na Wehrmacht, com o nome falso de Josef Perjell, citado por Rigg, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. , p. 32. Na tradução brasileira, está: “É difícil ser judeu, mas é mais ainda tentar não ser [quando se nasceu judeu].” Cf ainda sua biografia: Solomon Perel, 1997PEREL, Solomon. Europa Europa. A memoir of World War II. New Jersey, John Wiley & Sons Inc., 1997..
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Erich Goldhagen, também professor de Harvard.
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Departamento de Estudos Governamentais e Sociais.
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Goldhagen retomava a questão presente em Broszat e Friedländer, 1988.
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Tal tese se assemelha a de Hannah Arendt, em Eichmann em Jerusalém, com a diferença substancial de que ela não patologiza o comportamento dos alemães. Além disso, a pensadora alemã atribui a muitos judeus, sobretudo os membros dos Conselhos de notáveis dos guetos, certa cumplicidade como o extermínio. Cf. Arendt,1999ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relatório sobre a banalidade do mal. São Paulo, Companhia das Letras, 1999. .
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Juntamente com a Polícia Uniformizada (Schutzpolizei) e a Gendarmerie (Polícia Rural).
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25
O Batalhão 101 já havia sido objeto de estudo em. Browning, 1992BROWNING, Christopher Robert. Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland. New York, Harper Collins, 1992..
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“As Einisatzgruppen eram unidades móveis de extermínio, esquadrões compostos principalmente pela polícia alemã e pelas SS. Sob o comando do Serviço de Segurança (Sicherheitsdienst; SD) e das autoridades da Polícia de Segurança alemã (Sicherheitspolizei; Sipo), as unidades móveis de extermínio tinha, entre suas atividades a tarefa de assassinar pessoas suspeitas de serem inimigas raciais ou políticas do nazismo que se encontravam atrás das linhas de combate alemães, dentro do território soviético ocupado.” Holocaust Encyclopedia. https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/einsatzgruppen (acesso em 9 set 2018).
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Projeto desenvolvido entre 1997 e 2002.
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Iniciadas, em 1999, e concluídas, em 2008, com a inauguração do Memorial. Lembro, ainda, o lançamento do filme de Steven Spielberg, em 1993, grande sucesso de bilheteria internacional.
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Agradeço ao Professor Estevão de Rezende Martins, que me chamou a atenção para o uso dos termos “Helfer” e “Helferinnen”, no Tribunal de Nuremberg.
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30
Cf. Hilberg, 2003HILBERG, Raul. The destruction of the European Jews. Yale University Press, 2003. (edição original de 1961); prefácio de Bruno Bettelheim, para o livro de Miklos Nyiszli, médico húngaro e judeu que, prisioneiro em Auschwitz, trabalhou com Mengele nas pesquisas supostamente científicas, usando como cobaias presos do campo de extermínio na Polônia ocupada. Bettelheim, s/d.
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Estes casos não disseram respeito às redes de apoio, mas a ações individuais.
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32
As informações a seguir foram extraídas dos dois primeiros capítulos de Rigg, 2003RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler. Rio de Janeiro, Imago, 2003. (“Quem é judeu?” e “Quem é Mischling?”). Observo, contudo, que as definições são muito mais complexas do que as sínteses aqui apresentadas, fazendo com que o autor conclua até mesmo pela impossibilidade de uma definição. Para o assunto, ver também Arendt, 1989ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989., “O antissemitismo.”
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Muitas vezes, a conversão ao cristianismo era apenas um recurso para tentar escapar do antissemitismo, e o convertido permanecia fiel a princípios do judaísmo, fossem eles religiosos ou não, inclusive observando ritos, costumes, efemérides etc., no espaço privado.
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Extrato do documentário de TV, 1964, produção alemã, “...und tue desgleichen” [“Faria do mesmo jeito”].
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Eva Hermann, testemunho em 1948.
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Em Stille Helden, 2002.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Mar 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
23 Dez 2019 -
Aceito
20 Jul 2020