Resumo
O artigo examina as estruturas da posse de escravos dos principais espaços de economia agrícola do Maranhão e agroextrativista do Grão-Pará, entre os anos de 1785 e 1850. A partir da análise serial de inventários post-mortem, reconstroem-se os padrões de distribuição e os graus de concentração da propriedade escrava, assim como as características dos cativos desses espaços segundo a origem africana ou crioula, o sexo e a idade.
Palavras-chave Estrutura da posse de escravos; economia e demografia da escravidão; Grão-Pará e Maranhão
Abstract
In this article, we analyze the slaveholding patterns in the leading economic agricultural regions of Maranhão and Grão-Pará, between 1785 and 1850. Through a serial analysis of probate inventories, we examine slaveholding concentration levels and patterns as well as the characteristics of the enslaved population in Maranhão and Pará according to their origin - Africa or Brazil -, gender and age.
Keywords Slaveholding patterns; economics and demography of slavery; Grão-Pará and Maranhão
Introdução
Nos últimos anos, não foram poucos os estudos que se dedicaram a analisar diferentes facetas da escravidão no Maranhão e no Grão-Pará sete-oitocentistas. Da introdução de um contingente mais expressivo de cativos em tais regiões na segunda metade do século XVIII ao abolicionismo da segunda metade do século XIX, passando pelas práticas culturais e pelos mecanismos de resistência empreendidos por suas populações afrodescendentes, muito se avançou no conhecimento acerca dos meandros da escravidão no Maranhão e no Grão-Pará.1 Não obstante, tal historiografia permanece marcada por uma série de lacunas. Duas das suas principais lacunas dizem respeito à ainda escassa produção em torno das características mais gerais da escravidão nos perímetros rurais no caso específico do Grão-Pará - em que a maior parte das pesquisas enfoca a escravidão urbana2 -, e em torno das características econômicas e demográficas da escravidão tanto nos perímetros rurais como nos perímetros urbanos no caso do Maranhão e do Grão-Pará.3
No esforço de fornecer novos elementos para a compreensão sobre a economia e a demografia da escravidão nessas regiões, este artigo tem como objetivo analisar, comparativamente, as estruturas da posse de cativos nos três principais espaços de economia agrícola do Maranhão - a Ribeira do Itapecuru, dedicada à produção de algodão e de arroz - e agroextrativista do Grão-Pará - o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina, voltados à produção de açúcar, cacau, outras drogas-do-sertão e gêneros de subsistência diversos -, entre 1785 e 1850. A partir de uma amostra documental de 83 inventários ,4 interessa-nos examinar as características e o grau de concentração da posse de escravos, assim como o perfil dos cativos desses espaços (Ribeira do Itapecuru, Baixo Tocantins e Zona Guajarina), em conformidade com a origem (africana ou crioula), o sexo e a idade.
O texto encontra-se estruturado em três seções. Na primeira delas, procedemos a uma caracterização da economia e da demografia das regiões investigadas, apresentando também informações gerais acerca do volume e das especificidades do tráfico de cativos para o Maranhão e o Pará no contexto em tela. Na segunda parte, debruçamo-nos sobre as características e o grau de concentração da posse de escravos, evidenciando a sua distribuição segundo as diferentes atividades econômicas e as diferentes faixas de tamanho de plantel, e o quão concentrada ou bem distribuída era a propriedade cativa. Na terceira e última seção do texto, centramos a nossa atenção nas características dos cativos em si. Cumpre-nos observar, de antemão, que todas as análises propostas estão assentadas numa perspectiva comparativa, sem com isto secundarmos particularidades de cada região.
Ribeira do Itapecuru, Baixo Tocantins e Zona Guajarina: aspectos demográficos e econômicos
A Ribeira do Itapecuru, o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina eram, do ponto de vista econômico e demográfico, os mais sobressaídos redutos escravistas do Maranhão e do Grão-Pará respectivamente. Além de esses espaços concentrarem, como observaremos mais adiante, partes por certo expressivas das populações cativas do Maranhão e do Grão-Pará, os gêneros agroextrativistas produzidos nesses espaços representavam partes de igual modo expressivas das pautas de exportação maranhense e paraense. Enquanto a Ribeira do Itapecuru era responsável por cerca de dois terços do algodão e do arroz produzidos no Maranhão5 em pleno período do chamado “renascimento agrícola”,6 o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina produziam praticamente todo o açúcar e fração importante do cacau exportados pelo Grão-Pará ao longo de toda a primeira metade do Oitocentos.7
Ainda que não possamos creditar o estabelecimento de sistemas agrários no Maranhão e de sistemas agroextrativistas no Pará única e exclusivamente às políticas pombalinas, uma vez que isto implicaria desconsiderar esforços anteriores de estabelecimento de uma economia de base agrícola/agroextrativista em tais regiões,8 não há como dissociarmos o reordenamento econômico e demográfico promovido no Maranhão e no Pará, a partir dos meados do século XVIII, da criação do Diretório dos Índios e, sobretudo, da altamente capitalizada Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Políticas que, se por um lado, estavam atreladas ao iluminismo “paradoxal” do marquês de Pombal, no contexto do vasto Império português,9 por outro lado, visavam atender também demandas regionais do Maranhão e do Grão-Pará por incremento de mão de obra - intensificadas nos anos de 1750, quando uma epidemia de sarampo vitimou parte da sua população indígena, até então de essencial importância à estrutura produtiva da região.10
Como podemos observar a partir dos dados de Walter Hawthorne compilados na tabela 1, entre 1751 e 1787 - período que abrange o monopólio da Companhia Geral de Comércio (1755-1778), além de anos anteriores e posteriores -, 41.602 cativos de diferentes regiões da África e 3.293 cativos de outras partes do Brasil ingressaram no Maranhão e no Pará. Do total de 44.895 escravos que aportaram em tais regiões entre 1751 e 1787, 22.414 (49,9%) foram destinados ao Maranhão e 22.481 (50,1%) ao Grão-Pará. Tais números revelam que, nas primeiras décadas de introdução de um contingente mais expressivo de escravos (período que em grande medida coincide com os anos de monopólio da Companhia de Comércio), o Maranhão e o Grão-Pará receberam praticamente o mesmo número de cativos - comportamento que viria a se infletir nas décadas seguintes à dissolução desse monopólio. Entre 1788 e 1842, o Maranhão recebeu 77.083 escravos, mais que o triplo do número de cativos ingressados no Pará (21.382), entre 1788 e 1841.11
Além de uma diferença no volume de escravos importados, os dados estampados na tabela 1 evidenciam outra diferença marcante entre os tráficos de cativos destinados para o Maranhão e o Pará no contexto posterior à Companhia de Comércio. Se atentarmos para as regiões de proveniência dos cativos na África, entreveremos que a maioria absoluta dos escravos importados para o Maranhão, até 1815, era procedente da Alta Guiné e de Cabo Verde. O peso relativo dos cativos importados dessas regiões só veio a diminuir após 1816, quando o tráfico de escravos oriundos de regiões acima do Equador já havia sido definitivamente proibido pelo Congresso de Viena (1815). Diferentemente do Maranhão, no Pará, o peso relativo dos escravos procedentes da Alta Guiné e de Cabo Verde alcançou maioria absoluta apenas no primeiro período de observação.13 Também é digno de nota o fato de o Maranhão e o Pará terem adquirido quantidade razoável de cativos de outras partes do Brasil até o fim do século XVIII e o início do século XIX.
Este fluxo de cativos contribuiu de modo inconteste para a consolidação de sistemas agrários (Maranhão) e agroextrativistas (Grão-Pará) embasados no uso de mão de obra escrava de origem africana. Embora parte da primeira metade do século XIX tenha sido marcada pela desestruturação das estatísticas brasileiras,14 as obras de caráter corográfico elaboradas por Antônio Bernardino Pereira do Lago e Antônio Ladislau Monteiro Baena podem servir como parâmetro para a efetividade demográfica da escravidão no Maranhão e no Grão-Pará nos anos de 1820. Não obstante as limitações técnicas e os juízos de valor inerentes às narrativas corográficas daquela época, trata-se talvez das melhores informações de que dispomos acerca das características mais gerais da população do Maranhão e do Grão-Pará no limiar do Oitocentos.
Em Estatística histórico-geográfica da província do Maranhão, Pereira do Lago indicou que a população do Maranhão era composta, em 1821, por 152.893 habitantes -68.359 (44,7%) livres e 84.534 (55,3%) cativos. Posto que o autor não mencione especificamente o espaço da Ribeira do Itapecuru, Pereira do Lago sugere que 29,2% da população livre (19.960 indivíduos) e 82,6% da população cativa (69.534) da província estavam empregados na lavoura. Sendo a Ribeira, como já argumentamos, a principal região produtora de gêneros agrícolas (algodão e arroz, especialmente) do Maranhão, não seria de todo irreal supormos que parte expressiva desses 69.534 cativos estivesse alocada na Ribeira do Itapecuru. Os demais escravos da província integravam o cenário de escravidão urbana da capital São Luís ou estavam espraiados por outras regiões do Maranhão.15
Ao compararmos os dados de Pereira do Lago com os dados coligidos por Antônio Baena, em seu Estudo corográfico sobre a província do Pará (tabela 2), notaremos que só a população cativa empregada na lavoura maranhense (69.534) representava mais que o dobro de toda a população cativa do Grão-Pará (29.977). Naturalmente, a diferença expressiva entre os contingentes escravos de cada região examinada estava diretamente relacionada aos diferentes fluxos de escravos destinados ao Maranhão e ao Pará a partir do final da década de 1780, como destacamos anteriormente. Conquanto estudos anteriores já tenham sugerido a elevada capacidade de reprodução endógena da escravaria paraense no século XIX,16 à qual nos remeteremos mais adiante, o fator determinante que concebeu a grande diferença indicada entre as populações cativas do Maranhão e do Pará foi a maior expressividade do tráfico destinado àquela província em relação a essa.
Como também podemos observar através das informações da tabela 2, 40,0% da população cativa do Grão-Pará estava situada no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, perfazendo 11.979 cativos. No limiar da década de 1820, 55,0% dos escravos dessas regiões encontravam-se reunidos em quatro localidades: Cametá, Abaeté e Igarapé-Miri e Moju. Tratava-se das localidades com o maior grau de dinamismo econômico do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina. Cametá, além de constituir o principal núcleo urbano das microrregiões tocantina e guajarina, era um dos principais núcleos produtores de cacau do Pará. Já Abaeté, Igarapé-Miri e Moju eram três dos principais núcleos da tradicional lavoura canavieira dessas regiões17 e onde estavam estabelecidas algumas das mais proeminentes famílias detentoras de engenhos de açúcar do Grão-Pará sete-oitocentista, a exemplo das famílias Corrêa de Miranda e Oliveira Pantoja - cujas trajetórias já foram oportunamente examinadas.18
Por mais que a efetividade demográfica dos escravos da Ribeira do Itapecuru, do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina reflita a sua importância econômica nessas regiões em virtude do mútuo condicionamento existente entre a demografia e a economia da escravidão,19 algumas questões ainda continuam em aberto: em quais termos se estruturava a posse de escravos em tais espaços? Seria a posse concentrada ou relativamente bem distribuída entre os escravistas? Quais atividades econômicas reuniam o maior número de escravos: a tradicional lavoura canavieira, a produção de cacau ou uma agricultura de subsistência e abastecimento no Grão-Pará, ou a produção de algodão e arroz no caso do Maranhão? Essas são parte das questões que procuraremos responder na seção seguinte, consagrada à análise comparativa da estrutura da posse de cativos nestas regiões.
Ribeira do Itapecuru, Baixo Tocantins e Zona Guajarina: padrões da posse de cativos
Com vistas à análise da estrutura da posse de cativos na Ribeira do Itapecuru, no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, lançamos mão de uma série documental constituída por 83 inventários post-mortem provenientes dos acervos do Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (ATJ-MA), do Centro de Memória da Amazônia (CMA) e do Arquivo Público do Estado do Pará (Apep). Compulsamos, ao todo, 33 inventários concernentes à Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824, e 50 inventários concernentes ao Baixo Tocantins e à Zona Guajarina entre 1810 e 1850 (ver nota 4). A nossa amostra referente ao Maranhão é formada por 33 escravistas e 2.958 cativos, e a referente ao Pará é formada por 50 escravistas e 1.172 cativos. Tal quantitativo, tratado adequadamente, enseja-nos a traçar o panorama da posse e as características dos escravos dessas regiões.20
De modo a melhor caracterizarmos as propriedades escravas investigadas, classificamo-las de início em cinco faixas de tamanho de plantel: pequenos (de um a nove cativos); médios (de 10 a 19); grandes (de 20 a 49), muito grandes (de 50 a 99) e megaplantéis (com 100 ou mais cativos). A adoção dessas cinco faixas de tamanho de plantel considera tanto as especificidades da documentação coligida, quanto os parâmetros existentes na vasta historiografia voltada à estrutura da posse de cativos no Brasil - notadamente nos estudos produzidos no contexto dessa historiografia específica que utilizam os inventários post-mortem como fonte privilegiada.21 Na tabela 3, apresentamos a distribuição dos escravistas e dos cativos que compõem a nossa amostra para o Maranhão e o Grão-Pará, segundo as diferentes faixas de tamanho de plantel consideradas:
No que diz respeito ao Maranhão, os dados de nossa amostra indicam uma grande concentração de escravistas e de cativos nas maiores faixas de tamanho de plantel - a maioria dos proprietários de cativos era detentora de escravarias grandes, muito grandes ou de megaplantéis, que também concentravam a quase totalidade dos cativos examinados, perfazendo a elevada média de 89,6 escravos por plantel. Ainda que tal distribuição possa sugerir que a documentação consultada tenha porventura superestimado a participação relativa dos maiores proprietários e dos seus escravos - subestimando, por conseguinte, o peso relativo dos menores proprietários e de seus cativos -, os dados possibilitam-nos não somente dimensionar a efetividade do tráfico de escravos destinado ao Maranhão, como, igualmente, evidenciar parte do contexto produtivo no qual se realizavam os importantes cultivos em larga escala de algodão e arroz na região, à época do já citado “renascimento agrícola”. Retomaremos essa questão mais adiante, ainda nesta seção.
Guardadas as devidas especificidades, e apesar do caráter provavelmente enviesado, nos termos indicados, de nossa amostra de 33 inventários post-mortem para o Maranhão, essa concentração da maioria dos escravos da Ribeira nos plantéis grandes, muito grandes e nos megaplantéis não deixou de mostrar certa similaridade com os padrões de distribuição da propriedade de cativos em outras localidades de distintas regiões brasileiras, marcadas por elevados graus de dinamismo econômico e onde também preponderaram as plantations escravistas. A título de exemplo, foi o caso das localidades valeparaibanas de Vassouras no Rio de Janeiro e de Bananal em São Paulo que, quando do contexto de expansão da economia cafeeira na primeira metade do século XIX, apresentaram, outrossim, um padrão de propriedade escrava caracterizado pela concentração da maioria de suas escravarias nos plantéis de maior porte, sendo reduzido, no caso de ambas essas localidades valeparaibanas, o peso relativo dos cativos dos menores plantéis.22
Acerca do Pará, os dados disponíveis na tabela 3 apontam que, ao passo que a grande maioria dos proprietários examinados era detentora de pequenos ou médios plantéis, a maior parte dos cativos integrava os plantéis grandes, muito grandes ou os megaplantéis - conformando um padrão de propriedade cativa que, aparentemente, se moldava assim desde pelo menos o final do século XVIII. Arlene Kelly-Normand, ao proceder a uma exploração inicial do Recenseamento Geral do Grão-Pará de 1778, constatou que, enquanto 69,3% dos escravistas do Baixo Tocantins detinham plantéis com menos de 10 cativos (36,0% dos escravistas em nossa amostra), 71,2% dos cativos pertenciam a plantéis com mais de 10 cativos (92,5% dos escravos no caso de nossa amostra).23 A despeito das diferenças de representatividade entre os segmentos antes comparados, é possível observarmos a reprodução de um padrão semelhante de distribuição da posse de cativos, nada obstante a diminuição já mencionada na intensidade do tráfico de escravos dirigido ao Pará a partir do início do século XIX (ver tabela 1 e os comentários posteriores).
Sem deixarmos de atentar para o caráter potencialmente enviesado dos dados coletados acerca do Maranhão, ao compararmo-los com os dados de que dispomos sobre o Pará, considerando apenas os plantéis com 20 ou mais cativos, concluímos que as grandes, as muito grandes e as megapropriedades do Maranhão eram, em média, maiores que suas correlatas paraenses; ao passo que os maiores plantéis da Ribeira do Itapecuru possuíam, em média, 90,7 cativos (para uma média geral de 89,6 cativos por plantel), os maiores plantéis do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina possuíam, em média, 49,4 cativos (para uma média geral de 21,7 cativos por plantel).24 Em outras palavras, de acordo com os dados dos inventários post-mortem, as maiores escravarias maranhenses detinham em média 41,3 cativos a mais que suas correlatas paraenses, nos dois períodos analisados.25
Em que pesem estas diferenças - decorrentes, em grande medida, do maior fluxo de escravos direcionado para o Maranhão e do maior dinamismo econômico experimentado pela Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824, vis-à-vis o Grão-Pará e suas duas microrregiões examinadas (Baixo Tocantins e Zona Guajarina) entre 1810 e 1850 -, a posse de cativos no Maranhão (Gini=0,38) era menos concentrada (leia-se: desigual) do que no Pará (Gini=0,58) - atingindo os patamares “regular” na Ribeira do Itapecuru, e “moderadamente forte” no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, conforme a nossa amostra.26 Os distintos graus de concentração da propriedade escrava nas microrregiões maranhense e paraense analisadas podem ser mais bem vislumbrados ao observarmos a disposição do gráfico 1.
Curvas de Lorenz para a distribuição da posse de escravos (Maranhão, 1785-1824 x Grão-Pará, 1810-1850)
Os distintos graus de concentração da propriedade escrava existentes entre a Ribeira do Itapecuru, o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina tornam-se ainda mais patentes quando examinamos as curvas de Lorenz correspondentes à posse de cativos em tais espaços (gráfico 1). Além de não vislumbrarmos quaisquer entrecruzamentos de ambas as curvas - o que, caso houvesse, nos desautorizaria a afiançar a existência de diferentes graus de concentração da propriedade escrava entre as três microrregiões apreciadas -, é possível constatarmos que a curva atinente ao Maranhão dominou, ou seja, manteve-se acima da curva relativa ao Pará no decorrer de todas as suas respectivas extensões. Este comportamento das curvas de Lorenz corrobora as nossas conclusões sobre a existência de distintos graus de concentração da propriedade de cativos no Maranhão e no Pará. Tal diferença deriva, dentre outras condições possíveis, do fato de nossa amostra para o Maranhão não ter sido tão sensível aos pequenos e médios proprietários como a do Pará.
Por meio da análise de uma série de mapas e relações de cativos datados de 1848 e relativos a 10 localidades do Maranhão (algumas das quais situadas na Ribeira do Itapecuru), Renato Marcondes encontrou um índice de Gini de 0,601. Das localidades analisadas pelo autor, a que apresentou o maior grau de concentração da propriedade escrava (Gini= 0,657) foi Itapecuru-Mirim, localizada na Ribeira.27 Por trás do maior grau de concentração da posse de cativos calculado por Marcondes, havia uma participação relativa maior de pequenos e médios proprietários pela classificação aqui adotada. Enquanto não encontramos para o Maranhão proprietários com menos de 10 cativos e encontramos somente um escravista na faixa de 10 a 19 escravos, o peso relativo desses segmentos na amostra do autor foi de 78,9%. Por outro lado, na amostra de Marcondes, os cativos dos plantéis com 20 ou mais escravos também foram a maioria (66,1%) - uma maioria menos efetiva, contudo, da que encontramos nos inventários consultados (99,4%).28
A comparação entre os dados coligidos em nossa amostra (derivados de inventários post-mortem) e os dados levantados por Renato Marcondes (derivados, por sua vez, de fontes censitárias) não pode perder de vista duas questões a nosso ver fundamentais. Em primeiro lugar, em virtude da própria natureza e também das características diferenciadas das documentações compulsadas (os recenseamentos antigos, via de regra, possuíam abrangência mais universalizada que os inventários post-mortem, os quais por vezes circunscreviam-se a extratos sociais mais elevados), é possível que as fontes consultadas por Marcondes tenham sido mais sensíveis aos pequenos e aos médios proprietários que as nossas.29 Em segundo lugar, entre o recorte analisado em nosso estudo e o ano observado por Marcondes, tiveram vez uma crise generalizada na cotonicultura maranhense e a Balaiada (revolta ocorrida entre 1838 e 1841) que - assim como a Cabanagem (1835-1840) no caso do Pará30 - podem ter causado alterações nos padrões da posse de cativos.31
A despeito de tais observações, a tirarmos pela distribuição dos escravistas pelas diferentes faixas de tamanho de plantel e também pelos índices de Gini calculados, notamos que o padrão de distribuição da propriedade escrava encontrado para o Maranhão em 1848 é mais semelhante ao que encontramos para o Grão-Pará entre 1810 e 1850, e ao padrão encontrado por Arlene Kelly-Normand, igualmente para o Pará em 1778,32 do que ao padrão que encontramos para a Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824. De maneira a situarmos não os padrões de distribuição da posse de escravos na Ribeira do Itapecuru, no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, mas os seus graus de concentração em um contexto mais amplo, apresentamos na tabela 4 os índices de Gini relacionados à posse de cativos em diferentes localidades brasileiras na primeira metade do Oitocentos.
A partir dos dados da tabela 4, podemos observar que o grau de concentração da posse de escravos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina era não apenas semelhante ao grau encontrado para diversas localidades do Maranhão em 1848, mas também aos graus de concentração da posse de cativos do Recôncavo Baiano entre 1816 e 1817, e de Campinas em 1804 - ambas as regiões dedicadas à lavoura canavieira. O índice que aferimos para as duas microrregiões paraenses demonstrou ser inferior ao encontrado para o oeste paulista (incluindo a localidade de Campinas) em 1829, quando a região ainda se voltava em grande medida à produção de açúcar; e superior aos índices encontrados para as localidades de São Simão, Castro e Ponta Grossa que se voltavam economicamente à pecuária, e para a localidade mineira de Vila Rica em 1804, no ocaso da mineração. Por sua vez, o índice de Gini que computamos para a Ribeira do Itapecuru, entre os anos de 1785 e 1824, mostrou-se inferior a todos os demais índices elencados na tabela 4.
Isso posto, não obstante o caráter provavelmente enviesado dos inventários post-mortem concernentes à Ribeira do Itapecuru e o fato de a maior parte dos estudos acima referidos ter lançado mão dos recenseamentos antigos e não de inventários post-mortem - o que teoricamente coloca-nos diante da mesma ordem de problema apontada anteriormente, na altura da comparação entre os dados de nossa amostra para o Maranhão e os de Marcondes -, os dados disponíveis na tabela 4 sinalizam que o grau de concentração da posse de escravos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina entre os anos de 1810 e 1850 era equivalente aos graus de concentração da propriedade escrava em outros importantes centros produtores (e exportadores) de gêneros agrícolas no Brasil da primeira metade do século XIX - a exemplo de Campinas (São Paulo) e de São Francisco e Santo Amaro (Recôncavo Baiano). Cabe-nos advertir que aqui estamos nos reportando unicamente aos termos de (des)igualdade da posse de escravos e não às suas características.
Não podemos perder de vista que o Maranhão e o Grão-Pará ocupavam um lugar de destaque no conjunto de exportações do Brasil nas primeiras décadas do Oitocentos. Com uma pauta de exportações bastante diversificada, em que se sobressaíam as produções de algodão e arroz no Maranhão e de cacau no Pará, ambas as regiões foram responsáveis por aproximadamente um quinto do conjunto de exportações do Brasil entre 1804 e 1807, sendo que apenas a exportação do algodão maranhense foi responsável por 11,7% do total exportado pela colônia entre 1796 e 1807.33 Tal constatação nos leva a questionar: em que medida a produção dessas regiões estava associada ao uso de mão de obra escrava? Quais atividades econômicas arregimentavam um maior número de escravos: a produção de cacau no Pará e as produções de algodão e de arroz no caso do Maranhão?
Comungando com uma orientação presente nos estudos sobre a estrutura da posse de cativos no Brasil, dividimos as propriedades escravas arroladas conforme as atividades econômicas características principais dos inventários post-mortem, o que não implica, vale frisar, a desconsideração da existência de todo um conjunto de atividades cotidianas por parte dos cativos que visavam ao atendimento de suas necessidades básicas e eram de suma importância no contexto produtivo dessas propriedades. A princípio, tal procedimento desvelou uma característica fundamental do sistema agroextrativista estabelecido no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, que o diferenciava do sistema agrícola estabelecido na Ribeira do Itapecuru: a presença marcante da policultura. Parte considerável das propriedades paraenses analisadas, independentemente da quantidade de cativos que possuíam, voltava-se à produção de mais de um gênero, simultaneamente, não se encaixando na clássica definição de plantation, no que toca a seu caráter monocultor.
Em relação ao Maranhão, todas as 33 propriedades analisadas se votavam à produção do algodão, sendo que a grande maioria delas (27) conjugava as produções de algodão e arroz. Tratava-se, em geral, de megapropriedades divididas em diferentes sortes de terra que se estendiam ao longo do vale do rio Itapecuru. Nessas diferentes sortes de terra produzia-se principalmente algodão e arroz, mas também se criava gado e se produziam gêneros alimentícios diversos, assim como derivados da cana-de-açúcar, com a finalidade primordial de abastecer as unidades produtivas de caráter monocultor que formavam o complexo econômico cotonicultor e rizicultor estabelecido no Maranhão. Posto que os inventários expusessem essas propriedades e os seus plantéis como organismos aparentemente autônomos, tratava-se, a rigor, de referências a distintas frações de megapropriedades agrárias, como argumentou Antonia da Silva Mota em seu estudo sobre as famílias de elite da região.34
Um caso certamente sintomático da característica acima mencionada é o de Pedro Miguel Lamagnère, o maior proprietário de nossa amostra, detentor de 273 escravos, ao falecer em 1816. Lamagnère possuía uma megapropriedade na Ribeira do Itapecuru, dividida em oito porções de terra, onde plantava preferencialmente algodão e arroz, mas onde também plantava cana-de-açúcar e criava gado - em proporção bastante menor, cumpre dizer, do que algodão e arroz.35 Casos como o de Lamagnère, não incomuns em nossa amostra para o Maranhão, não se apresentaram de igual forma em nossa amostra para o Grão-Pará. O desembargador Joaquim Clemente da Silva Pombo, o segundo maior proprietário que encontramos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, era detentor de 197 escravos e de quatro propriedades espalhadas em diferentes espaços do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina. Não se tratava, pois, de propriedades rurais situadas em um espaço mais bem delimitado como as propriedades de Lamagnère.36
No que diz respeito ao Grão-Pará, observamos uma maior diversidade nos gêneros produzidos. No Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, a cultura de um ou mais gêneros agroextrativistas ocorria no contexto de uma mesma propriedade ou, nos raros casos de proprietários com mais de uma sorte de terra, ocorria igualmente no contexto de cada uma dessas frações de terra. Ademais, a lavoura das microrregiões paraenses analisadas, muito embora não deixasse de produzir determinada quantidade de algodão e arroz, assentava-se, acima de tudo, na produção de derivados da cana-de-açúcar, de cacau e de gêneros alimentícios diversos - estes destinados em grande medida ao abastecimento da capital da província do Pará, Belém, e das próprias microrregiões tocantina e guajarina.
Como podemos notar, a partir dos dados da tabela 5, apesar de o cacau ter representado o principal produto de exportação paraense durante a primeira metade do Oitocentos, a mão de obra escrava do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina encontrava-se fortemente concentrada na lavoura canavieira. As propriedades dedicadas à produção de derivados da cana, que por vezes associavam tal atividade à produção de cacau ou arroz, acumulavam 68,8% dos cativos. A segunda atividade que mais concentrava escravos era a produção de subsistência ou de abastecimento responsável por 20,5% deles. A terceira atividade que mais reunia cativos era a produção do cacau que, quando realizada em separado dos derivados da cana, era responsável por 4,4% dos cativos que compõem nossa amostra. Encontramos o uso da mão de obra escrava também na produção do algodão e em outras produções não especificadas - incluímos nessa categoria os cativos relacionados nos inventários sem unidades produtoras (sítios ou fazendas) listadas.
Tais observações, além de comprovarem a ampla disseminação da lavoura canavieira no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina - produção esta realizada das pequenas às maiores propriedades escravistas dessas microrregiões -, não podem servir de pretexto para a conclusão de que a produção de cacau na Amazônia não lançava mão do trabalho escravo, mesmo que em coexistência com outras formas de trabalho - indígena e livre.37 Ocorre que, no período examinado (1810-1850), não obstante a ênfase econômica do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina na produção de derivados da cana-de-açúcar, a maior parte do cacau produzido no Pará procedia de outras regiões da província, especialmente do Baixo Amazonas, onde o uso da mão de obra escrava na produção de cacau era largamente difundido.38
A despeito de as formações econômicas do Maranhão e do Grão-Pará terem caminhado lado a lado nos séculos iniciais da colonização, observamos diferenças entre as estruturas da posse de cativos existentes na Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824, e no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina entre 1810 e 1850. Tais diferenças repousam tanto nos distintos graus de concentração da propriedade cativa entre tais microrregiões quanto na distribuição dos escravistas e dos escravos segundo as distintas faixas de tamanho de plantel, assim como nas atividades econômicas que concentravam o maior número de cativos em cada microrregião investigada. Diferenças de igual sorte teriam se efetivado em relação às características dos escravos? O perfil da escravaria da Ribeira do Itapecuru seria diferente do perfil dos cativos do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina segundo a origem (africana ou crioula), o sexo e a idade? São estas as questões que procuramos responder na próxima seção deste artigo, consagrada à análise das características dos escravos.
Ribeira do Itapecuru, Baixo Tocantins e Zona Guajarina: características dos cativos
Os informes apresentados na tabela 6 permitem-nos demarcar a primeira diferença entre as caraterísticas dos escravos da Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824 e as dos escravos do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina entre 1810 e 1850: o peso relativo dos africanos na população escrava dessas microrregiões. Ao passo que em nossa amostra para o Maranhão os africanos perfizeram 52,7% de todos os cativos arrolados - peso relativo tal que não oscilou significativamente entre as diferentes faixas de tamanho de plantel -, em nossa amostra para o Pará, os africanos perfizeram apenas 27,4% dos cativos inventariados - peso relativo este que apresentou algumas oscilações entre as diferentes faixas de tamanho de plantel. Esses dados refletem, a rigor, os distintos fluxos de escravos encaminhados ao Maranhão e ao Pará. Como é possível notarmos, nem mesmo as megapropriedades paraenses que, por suposto, possuíam maior possibilidade de obter escravos, chegaram a apresentar razões de africanidade próximas àquelas do Maranhão.
No caso das propriedades analisadas da Ribeira do Itapecuru, como sublinhamos no último parágrafo, o peso relativo dos escravos africanos não apresentou grandes oscilações segundo as quatro diferentes faixas de tamanho de plantel observadas. Exceto em relação às grandes propriedades (de 20 a 49 cativos), cujo percentual de africanos foi de 47,8%, em todas as demais faixas de tamanho de plantel, tal segmento representou maioria entre os cativos. Além de não podermos deixar de considerar o fato de nossa amostra ter privilegiado as propriedades de maior envergadura daquela microrregião, também não podemos deixar de considerar que o contexto examinado (1785-1824) coincide com o período áureo do chamado “renascimento agrícola”. Em outras palavras, estamos analisando uma parcela dos grandes, muito grandes e megaproprietários dessa microrregião que, por certo, estiveram entre os maiores beneficiários de um contexto marcado por um alto nível de dinamismo econômico impulsionado pelas exportações de algodão e arroz.
No caso das propriedades compulsadas do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina, é possível notarmos que o peso relativo dos africanos variou de acordo com as faixas de tamanho de plantel. As propriedades grandes, muito grandes e os megaplantéis apresentaram uma maior presença de africanos em sua composição, se comparados às pequenas e médias escravarias, por mais que os dados evidenciem alguma capacidade destas últimas em adquirir novos cativos a partir do tráfico. Por trás dessas oscilações havia questões de ordem econômica. Como já observamos, enquanto as maiores propriedades dessas regiões dedicavam-se à produção de derivados da cana-de-açúcar e de cacau, a maior parte das menores propriedades era voltada à produção de gêneros alimentícios diversos - atividade que era menos lucrativa que a produção de derivados da cana e de cacau, oferecendo menores possibilidades para que esses pequenos e médios produtores se lançassem ao mercado com vistas à aquisição de novos escravos, justificando tal diferença.
Entretanto, não era apenas a respeito do contingente e da distribuição dos africanos consoante às diferentes faixas de tamanho de plantel que a escravaria da Ribeira do Itapecuru se diferenciava da escravaria do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina. Ao cotejarmos a origem africana ou crioula dos cativos dessas microrregiões com as variáveis sexo e idade vieram à tona outras três diferenças. Em primeiro lugar, no que concerne às suas regiões de proveniência no continente africano - se da África ocidental ou da África central-atlântica e de Moçambique; em segundo lugar, ao peso relativo dos escravos jovens (de 0 a 14 anos) dentre o segmento africano; e em terceiro lugar, ao peso relativo de homens e mulheres, em meio a tal segmento. Vejamos, agora, em quais termos se deram estas diferenças, a princípio pelas regiões de proveniência desses cativos na África.
Além de evidenciar os diferentes volumes de escravos destinados ao Maranhão e ao Grão-Pará, os dados referentes às regiões de procedência dos africanos que compõem a nossa amostra reforçam, igualmente, as estimativas elaboradas por Walter Hawthorne, que compilamos na tabela 1. Dos cativos computados para a Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824, 67,9% eram originários da África ocidental e 32,1% da África central-atlântica ou de Moçambique. Dos escravos computados para o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina entre 1810 e 1850, 27,5% eram provenientes da África ocidental e 72,5% da África central-atlântica ou de Moçambique. Nesse sentido, se confrontarmos os dados de nossa amostra com os dados de Hawthorne acerca do tráfico de cativos, observaremos que havia grande proporcionalidade entre o estoque de africanos existente no Maranhão e no Pará, nos contextos examinados, e o conjunto de escravos levados da África para lá, de acordo com as diferentes regiões africanas das quais eles eram procedentes.39
Outra diferença entre as características dos cativos africanos da Ribeira do Itapecuru e os do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina é atinente ao peso relativo dos jovens (de 0 a 14 anos) dentre eles. Os jovens perfizeram, respectivamente, 2,9% e 0,7% do total de cativos africanos da Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824 e do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina entre 1810 e 1850. Esses números, a despeito de reforçarem a ideia de pouca representatividade de crianças cativas no tráfico de escravos destinado ao Maranhão e ao Grão-Pará, defendida por Horacio Gutiérrez em seu pioneiro estudo sobre o tráfico de crianças cativas para o Brasil no século XVIII,40 devem ser lidos com bastante cuidado, na medida em que o contexto em tela, no caso das microrregiões paraenses, era marcado pelo declínio do tráfico destinado ao Grão-Pará - o que contribuiu para que sua população escrava de origem africana fosse relativamente mais envelhecida que a população escrava africana da Ribeira do Itapecuru, como poderemos constatar mais adiante.
A terceira diferença, entre as características dos escravos africanos da Ribeira do Itapecuru e os do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina, respeita à sua distribuição conforme o sexo. Enquanto as mulheres perfaziam 39,1% de todos os escravos africanos da Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824, o peso relativo das mulheres entre os cativos de origem africana do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina entre 1810 e 1850 era de tão-somente 18,1%. Embora não tenhamos parâmetros da participação relativa das mulheres no tráfico de escravos para o Pará, sabemos que 38% do total de cativos destinados para o Maranhão entre 1751 e 1787 eram do sexo feminino41 - percentual bastante próximo àquele que encontramos (39,1%) em nossa amostra de 33 inventários post-mortem para a Ribeira do Itapecuru. Haja vista a efetividade do tráfico destinado ao Maranhão, a expressiva participação relativa das mulheres entre o segmento africano parece ter sido determinante para enformar uma população relativamente equilibrada, em relação ao sexo.
Como é possível observarmos pelos dados apresentados na tabela 7, as razões de sexo das populações escravas da Ribeira do Itapecuru e do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina eram de, respectivamente, 126,8 e 121,1, evidenciando um relativo equilíbrio na representatividade de homens e mulheres nas populações cativas de tais microrregiões - até mesmo na Ribeira do Itapecuru, onde mais da metade de sua escravaria era composta por escravos africanos (52,7%). Comparativamente ao panorama demográfico da escravidão em outras localidades brasileiras, as razões de sexo que encontramos para ambas as regiões podem ser consideradas baixas. A título de exemplo, José Flávio Motta, examinando as listas nominativas de habitantes referentes à localidade valeparaibana de Bananal no contexto de introdução da lavoura cafeeira na região, encontrou razões de sexo da população cativa desta localidade de, respectivamente, 138,7, 179,8 e 218,6, para os anos de 1801, 1817 e 1829.42
Apesar de as populações cativas das microrregiões analisadas terem apresentado razões de masculinidade relativamente semelhantes, existiam diferenças mais acentuadas entre as razões de sexo dos segmentos crioulo e africano de cada uma delas, particularmente no que respeita ao segmento africano. Enquanto na Ribeira do Itapecuru, as razões de masculinidade dos segmentos crioulo e africano eram de 101,3 e 155,8, no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, as razões de masculinidade de tais segmentos eram de respectivamente 94,2 e 238,7. Se, por um lado, a distribuição entre os sexos do segmento crioulo tendeu ao equilíbrio no Maranhão e a uma leve prevalência feminina no Pará, por outro lado, a distribuição entre os sexos do segmento africano tendeu a uma predominância masculina tanto no caso do Maranhão quanto no caso do Grão-Pará, sendo tal prevalência ainda mais efetiva no caso da escravaria do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina - onde alcançou a proporção de 238,7 africanos para cada grupo de 100 africanas.
Ademais, os dados da tabela 7 sugerem também que a proporção de homens e mulheres oscilava de acordo com as diferentes faixas de tamanho de plantel. No caso de nossa amostra para a Ribeira do Itapecuru, não verificamos haver interdependência estatisticamente significativa entre a dimensão das escravarias e a proporção de cativos homens e mulheres em seus plantéis.43 No caso de nossa amostra para o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina, verificamos haver, sim, interdependência nesses termos.44 Em comparação às demais faixas de tamanho de plantel, as grandes propriedades escravas (de 20 a 49 escravos) do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina tenderam a apresentar um equilíbrio maior na distribuição dos seus cativos de acordo com o sexo, apesar de o peso relativo dos africanos nessa faixa ter sido semelhante aos das muito grandes e megapropriedades e superior ao peso relativo desse segmento em meio às pequenas e médias propriedades analisadas, como já pudemos observar nos comentários posteriores à tabela 6.
Na tabela 8, é proporcionada a distribuição dos cativos que compõem a nossa amostra segundo três diferentes grupos etários: jovens (de 0 a 14 anos), adultos (de 15 a 49 anos) e velhos (de 50 ou mais anos de idade). Apresentamos, também, as idades médias dos escravos (e seus respectivos desvios-padrão) de acordo com as diferentes faixas de tamanho de plantel, assim como as razões crianças-mulheres - uma variável proxy da fecundidade, à qual nos ateremos mais adiante - aferidas em relação a essas faixas. Interessa-nos aqui, não somente examinar a composição das populações escravas da Ribeira do Itapecuru, do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina perante diferentes grupos etários, mas principalmente os distintos indicativos de reprodução endógena dessas escravarias, aos quais já nos reportamos na análise sobre a população cativa do Maranhão e do Pará.
Os dados apresentados indicam que enquanto a população escrava da Ribeira do Itapecuru, entre os anos de 1785 e 1824, era conformada por 22,8% de jovens, 64,7% de adultos e 12,5% de velhos, seus percentuais correlativos para o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina, entre 1810 e 1850, eram de 31,3%, 55,5% e 13,2% respectivamente. Tais populações eram majoritariamente constituídas por escravos adultos, sendo também expressivo o peso relativo de cativos jovens e pouco representativo o peso de escravos velhos em sua composição. Comparando as populações cativas de ambas as microrregiões, notamos que as mesmas possuíam um percentual semelhante de escravos velhos (12,5% no Maranhão frente a 13,2% no Pará), que o percentual de escravos adultos foi mais representativo no Maranhão (64,7% frente a 55,5% no Pará), e que o percentual de cativos jovens foi mais expressivo no Grão-Pará (31,3% frente a 22,8% no Maranhão). Os cativos do Maranhão se mostraram, em média, 1,6 ano mais velhos que os do Grão-Pará.45
As idades médias dos escravos foram de 27,9 anos na Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824, e de 26,3 anos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina entre 1810 e 1850. Em que pese o fato de os cativos do Maranhão terem se mostrado mais velhos do que os do Pará, as idades médias dos cativos não oscilaram significativamente segundo as diferentes faixas de tamanho de plantel, nem no caso da Ribeira do Itapecuru,46 nem no caso do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina.47 Mas as idades médias dos escravos apresentaram acentuadas variações conforme sua origem africana ou crioula. Na Ribeira do Itapecuru, a idade média dos escravos africanos (35 anos) se mostrou superior à idade média dos crioulos (19,5 anos) em 15,5 anos.48 No Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, a idade média dos cativos africanos (39,8 anos) se mostrou igualmente superior à dos crioulos (21,1 anos) com uma diferença ainda maior, de 18,7 anos.49 Ademais, a idade média dos africanos do Grão-Pará foi superior à dos africanos do Maranhão em 4,8 anos.50
Muito possivelmente, a diferença existente entre as idades médias dos cativos de origem africana da Ribeira do Itapecuru, do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina se associavam às distintas intensidades do tráfico de cativos em cada contexto em tela (1785-1824 no Maranhão, 1810-1850 no Grão-Pará). Entretanto, uma análise em conjunto do que vem sendo exposto nesta seção leva-nos a crer que o impacto destas distintas intensidades não se limitou somente à maior efetividade ou às características dos escravos de origem africana das microrregiões maranhense e paraense examinadas. Mais do que isso, conjecturamos que a maior presença de cativos jovens no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina em relação à Ribeira do Itapecuru também pode ter sido condicionada, em alguma medida, pelos distintos fluxos de cativos destinados ao Maranhão e ao Grão-Pará.
Os dados sobre as razões crianças-mulheres51 apresentados na tabela 8 sinalizam algumas variações nestes indicadores entre o Maranhão e o Pará. Em todas as diferentes faixas de tamanho de plantel consideradas, os dados relativos ao Baixo Tocantins e à Zona Guajarina superaram os dados relativos à Ribeira do Itapecuru. Em geral, a razão que encontramos para as microrregiões paraenses foi de 869 - frente a uma razão de 535 encontrada para a microrregião maranhense analisada. Caso consideremos estas microrregiões separadamente, notaremos que as variações nas razões crianças-mulheres do Maranhão pelas diferentes faixas de tamanho de plantel observadas eram menos expressivas que as variações em tais razões no Pará - onde as menores propriedades apresentaram razões bem mais elevadas que as maiores escravarias; inclusive, nos parâmetros de nossa amostra, as razões crianças-mulheres, tais como os pesos relativos dos cativos jovens, se mostraram inversamente proporcionais à dimensão dos plantéis no caso do Pará.
O fato de a razão crianças-mulheres encontrada para o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina ter sido mais elevada que a razão crianças-mulheres encontrada para a Ribeira do Itapecuru, e de as pequenas e médias propriedades terem apresentado, no caso específico das microrregiões paraenses em tela, razões crianças-mulheres mais elevadas que as das propriedades grandes, muito grandes e das megapropriedades destas microrregiões é significativo. Sem desconsiderarmos a possível existência de outros fatores intervenientes, nem mesmo os limites da documentação utilizada, não seria de todo irreal supormos que, como resposta à menor efetividade do tráfico de cativos para o Pará em comparação ao Maranhão, e à menor possibilidade já comentada das pequenas e médias propriedades do Pará em adquirir cativos em comparação com as maiores propriedades da região, tenha ocorrido um incentivo maior para que os escravos do Pará, em geral, e os escravos das menores propriedades paraenses, em particular, se reproduzissem endogenamente.
Não dispomos de outros elementos para avançarmos sobre tal questão, apesar de os dados apresentados na presente seção do texto serem sugestivos nesse sentido. Ademais, dois exemplos na historiografia levam-nos a crer que, com o avançar do Oitocentos, o incentivo à reprodução endógena dos escravos pode ter, inclusive, aumentado. No seu já referido artigo acerca da posse de cativos para o Maranhão em 1848, Renato Marcondes encontrou uma razão crianças-mulheres de 967 para as 10 localidades maranhenses analisadas.52 Em artigo também já mencionado, Daniel Barroso encontrou a razão crianças-mulheres de 1.187,5 para o Engenho Bom Intento, situado em Bujaru, na Zona Guajarina, no início da década de 1860.53 A capacidade de reprodução endógena dos cativos do Maranhão e do Grão-Pará constitui, contudo, uma questão que merece ser mais bem explorada em estudos posteriores que tenham na família escrava o seu objeto principal de análise.
Considerações finais
Neste artigo, examinamos comparativamente as estruturas da posse de cativos da principal microrregião agrícola do Maranhão (Ribeira do Itapecuru) e das principais microrregiões agroextrativistas do Grão-Pará (Baixo Tocantins e Zona Guajarina), entre os anos de 1785 e 1850. A partir da análise serial de todos os inventários post-mortem disponíveis para a Ribeira do Itapecuru entre 1785 e 1824, e de todos os disponíveis para o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina entre 1810 e 1850, procuramos delinear os padrões de distribuição da propriedade escrava, o grau de concentração de sua posse, as atividades econômicas que concentravam maior número de cativos e as suas características segundo a origem africana ou crioula, o sexo e a idade. Não sem antes, é claro, delimitarmos anteriormente os caracteres mais gerais da demografia e da economia da escravidão nesses espaços apresentando as particularidades do tráfico de escravos destinado ao Maranhão e ao Pará e os contingentes escravos existentes na Ribeira do Itapecuru, no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina nos períodos avaliados em cada uma dessas microrregiões.
Nada obstante ao fato de as formações econômicas articuladas do Maranhão e do Grão-Pará terem certamente criado condições favoráveis para a existência de características comuns nestas regiões, como as que explicitamos no decorrer do texto, os distintos graus de dinamismo econômico alcançados por essas regiões e os distintos fluxos de escravos a elas direcionados, sobretudo no período posterior ao monopólio da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão - com o Maranhão se sobressaindo, em ambos os casos, em relação ao Pará -, foram determinantes no sentido de conceber diferenças o mais das vezes bem demarcadas entre os padrões de distribuição da propriedade escrava, o grau de concentração da posse e, outrossim, as características dos escravos nessas regiões.
No que é atinente aos termos da propriedade escrava e ao seu grau de concentração, verificamos que o grau de concentração da posse de cativos na Ribeira do Itapecuru (regular) era inferior ao do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina (moderadamente forte). Embora a nossa amostra de inventários post-mortem para o Maranhão tenha se mostrado menos sensível aos pequenos (de 0 a 9 cativos) e médios (de 10 a 19 cativos) proprietários que nossa amostra de inventários post-mortem para o Pará, foi possível observarmos que a maioria dos cativos estava concentrada nos plantéis grandes (de 20 a 49 escravos), muito grandes (de 50 a 99 cativos) e nos megaplantéis (de 100 ou mais cativos) tanto na Ribeira do Itapecuru, como no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina - neste caso, replicando um padrão existente nessas microrregiões desde o final do século XVIII.
No que diz respeito às características dos escravos, constatamos que a população cativa da Ribeira do Itapecuru, entre os anos de 1785 e 1824, apresentava maiores pesos relativos de africanos homens e adultos do que a população escrava do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina entre 1810 e 1850. Tais diferenças derivaram, como demonstramos, dos diferentes fluxos de cativos remetidos para o Maranhão e o Pará. A despeito disso, e inclusive como maneira de contornar a menor intensidade do tráfico destinado à região, as escravarias do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina apresentaram indicativos de maior grau de reprodução endógena que as propriedades da Ribeira do Itapecuru; notadamente no caso das menores escravarias das microrregiões tocantina e guajarina, justamente as que possuíam menores possibilidades de adquirir novos escravos via tráfico.
As análises desenvolvidas no decurso do texto, ora sintetizadas nestas considerações finais, desvelam traços importantes da economia e da demografia da escravidão no Maranhão e no Pará até então pouco explorados ou mesmo desconhecidos nas historiografias maranhense e paraense. Na mesma medida, as análises realizadas ajudam a matizar o quadro geral sobre a historiografia da posse de escravos no Brasil - cujas pesquisas se ativeram, em grande parte, ao Sudeste e, em menor parte, ao Sul e ao Nordeste do Brasil - ao elencar características básicas da posse de cativos em duas regiões que receberam pouca atenção dessa mesma historiografia. Ao fornecermos novos elementos sobre a demografia e a economia da escravidão no Maranhão e no Grão-Pará, acreditamos ter contribuído para suprir parte dessas lacunas que necessitam, ainda, de novos estudos.
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- SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos. Família, trajetória e poder no Grão-Pará setecentista: os Oliveira Pantoja. Dissertação de mestrado, História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2015.
- SCHWARTZ, Stuart B. Padrões de propriedade de escravos nas Américas: nova evidência para o Brasil. Estudos Econômicos, vol. 13, n. 01. São Paulo: IPE/USP, jan.-abr./1983, p. 259-287.
- SOUZA JÚNIOR, José Alves de. Negros da terra e/ou negros da Guiné: trabalho, resistência e repressão no Grão-Pará no período do Diretório. Afro-Ásia, n. 48. Salvador: Ceao/UFBA, jul.-dez./2013, p. 173-211.
- TEIXEIRA, Heloísa Maria. Família escrava, sua estabilidade e reprodução em Mariana (1850-1888). Afro-Ásia, n. 28. Salvador: Ceao/UFBA, jul.-dez./2002, p. 179-220.
- VIEIRA JUNIOR, Antônio Otaviano & MARTINS, Roberta Sauaia. Epidemia de sarampo e trabalho escravo no Grão-Pará (1748-1778). Revista Brasileira de Estudos de População, vol. 32, n. 02. São Paulo: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, mai.-ago./2015, p. 293-311.
- VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão, 1612-1895. São Luís: Associação Comercial do Maranhão, 1954.
- WALKER, Timothy. Slave labor and chocolate in Brazil: the culture of cacao plantations in Amazonia and Bahia. (17th-19th centuries). Food and Foodways, vol. 01, n. 15. Londres: Routledge, 2007, p. 75-106.
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Agradecemos a Carlos Eduardo Valencia Villa, Maísa Faleiros da Cunha e aos colegas do GP Ruma (UFPA) e do NEÁfrica (UFMA); aos pareceristas da Revista de História, pelas críticas tecidas em relação ao texto; à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo 2012/21188-5); ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Edital 25/2015) e à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Edital Universal 2015) pelos financiamentos concedidos às pesquisas que resultaram neste artigo.
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3
Ibidem, p. 09-10; BARROSO, Daniel Souza. Por uma história da família e da população na Amazônia brasileira: percursos historiográficos. In: CICERCHIA, Ricardo et al. (ed.). Estruturas, conjunturas e representações: perspectivas de estudos das formas familiares. Múrcia, Espanha: Edit. Um, 2014, p. 62.
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4
Dos 83 inventários post-mortem coligidos, 33 são atinentes à Ribeira do Itapecuru e 50 ao Baixo Tocantins e à Zona Guajarina (conjuntamente). Foram arrolados todos os inventários disponíveis no Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão entre 1785 e 1824, que indicavam a posse de terras e de cativos na Ribeira do Itapecuru; igualmente, todos os inventários post-mortem disponíveis no Centro de Memória da Amazônia entre 1810 e 1850, que indicavam a posse de terras e cativos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina; e mais quatro inventários provenientes do acervo do Arquivo Público do Estado do Pará, gentilmente cedidos por Marília Imbiriba – a quem agradecemos –, que também indicavam a posse de terras e de cativos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina. Não encontramos inventários post-mortem referentes ao Baixo Tocantins e à Zona Guajarina anteriores a 1810, tampouco conseguimos avançar nos inventários referentes à Ribeira do Itapecuru posteriores a 1824 – baliza final de um dos projetos que deu origem ao presente texto.
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6
Sobre a efetividade do “renascimento agrícola” no Maranhão, ver especialmente ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Editora Ática, 1980; ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província brasileira: o caso do Maranhão, 1800-1860. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 14. Rio de Janeiro: UFRRJ, abril/2000, p. 32-71.
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7
Cf. ALDEN, Dauril. The significance of cacao production in the Amazon region during the late colonial period: An essay in comparative economic history. Proceedings of the American Philosophical Society, vol. 120, n. 02. Philadelphia: American Philological Society, 1976, p. 103-135; ANDERSON, Robin. Colonization as exploitation in the Amazon rain forest. Gainesville: University Press of Florida, 1999, p. 40-64.
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Sobre a relação entre essa epidemia de sarampo e a introdução de escravos africanos na Amazônia, ver VIEIRA JUNIOR, Antônio Otaviano & MARTINS, Roberta Sauaia. Epidemia de sarampo e trabalho escravo no Grão-Pará (1748-1778). Revista Brasileira de Estudos de População, vol. 32, n. 02. São Paulo: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, mai.-ago./2015, p. 293-311. Sobre os problemas relacionados à mão de obra indígena e a introdução de cativos africanos nessa região, ver também SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2005 [1971]; BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra no Grão-Pará, séculos XVII-XIX. Belém: Paka-Tatu, 2001; CUEVA, Oscar de la Torre. Freedom in Amazonia: The black peasantry of Pará, Brazil, 1850-1950. PhD. dissertation, History, School of Arts and Sciences, University of Pittsburgh, 2011; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia. Manaus: Edua, 2011; SOUZA JÚNIOR, José Alves de. Negros da terra e/ou negros da Guiné: trabalho, resistência e repressão no Grão-Pará no período do Diretório. Afro-Ásia, n. 48. Salvador: Ceao/UFBA, jul.-dez./2013, p. 173-211.
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11
Para um balanço sobre a historiografia dedicada ao tráfico de escravos destinado ao Maranhão e ao Pará, ver especialmente: SANTOS, Diego Pereira. Entre costas brasílicas: o tráfico interno de escravos em direitura à Amazônia, c. 1778-c. 1830. Dissertação de mestrado, História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2013.
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12
Os dados compilados na tabela 1 foram extraídos da obra referenciada de Walter Hawthorne, com duas adaptações: as regiões de procedência foram traduzidas literalmente do original em inglês e os percentuais foram recalculados levando em conta a participação relativa dos escravos oriundos de cada região de procedência, em função dos quatro períodos de observação considerados pelo autor. Cumpre-nos informar, no que é atinente ao último período de observação, que a baliza final adotada por Hawthorne para o Maranhão é 1842, enquanto para o Pará é 1841 – ou seja, tal diferença não advém de eventual erro de tabulação de nossa parte.
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13
Nos anos de 1750, quando foi estabelecida a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, a grande maioria dos cativos trazidos para o Brasil já era proveniente da África central-atlântica. Segundo as estimativas Philip D. Curtin, foi na década de 1730 que tal região africana superou a Costa da Mina como a principal fornecedora de escravos para o Brasil. CURTIN, Philip. The Atlantic slave trade: A Census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, p. 27. Esse movimento foi decorrente, porém, da consolidação do Rio de Janeiro como o mais importante porto receptor de africanos no Brasil, em substituição a Salvador que, a exemplo do Maranhão, continuou tendo a África ocidental como a principal fonte de cativos. Entre 1776 e 1810, 70,6% dos navios negreiros desembarcados em Salvador eram oriundos da África ocidental. FLORENTINO, Manolo Garcia et al. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, n. 31. Salvador: Ceao/UFBA, jan.-jun./2004, p. 92-96.
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18
Cf. ÂNGELO, Helder Bruno Palheta. O longo caminho dos Corrêa de Miranda no século XIX: um estudo sobre família, poder e economia. Dissertação de mestrado, História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2012; SANTOS, Marília C. Imbiriba dos. Família, trajetória e poder no Grão-Pará setecentista: os Oliveira Pantoja. Dissertação de mestrado, História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2015.
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21
Para um balanço crítico da já extensa historiografia dedicada à estrutura da posse de escravos no Brasil, ver MOTTA, José Flávio et al. Às vésperas da Abolição: um estudo sobre a estrutura da posse de escravos em São Cristóvão, 1870. Estudos Econômicos, vol. 34, n. 01. São Paulo: IPE/USP, p. 157-213; MARCONDES, Renato Leite. Diverso e desigual: o Brasil escravista na década de 1870. Ribeirão Preto: Funpec, 2009; LUNA, Francisco Vidal & KLEIN, Herbert. Escravismo no Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010 [2009]. Acerca da estrutura da posse de cativos em São Paulo especificamente, cf. LUNA, Francisco Vidal & KLEIN, Herbert. Evolução da sociedade e economia escravista em São Paulo, de 1750 a 1850. São Paulo: Edusp, 2005; LUNA, Francisco Vidal et al. (org.). Escravismo em São Paulo e Minas Gerais. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.
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22
Sobre as características da propriedade cativa em Vassouras (Rio de Janeiro) e Bananal (São Paulo) no período de expansão da economia cafeeira, ver respectivamente SALLES, Ricardo Henrique. E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008; MORENO, Breno Aparecido Servidore. Demografia e trabalho escravo nas propriedades rurais cafeeiras de Bananal, 1830-1860. Dissertação de mestrado, História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2013.
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23
Cf: KELLY-NORMAND, Arlene. Africanos na Amazônia: cem anos antes da abolição. Cadernos do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, n. 18. Belém: UFPA, out.-dez./1988, p. 01-21. Por mais que a autora faça alusão ao ano de 1788, os dados analisados em seu artigo são provenientes do Recenseamento Geral do Grão-Pará de 1778 (Arquivo Histórico Ultramarino, Avulsos do Pará, cx. 94, doc. 7509).
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24
No caso de nossa amostra para o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina, computamos 54 propriedades para 50 escravistas, pois uma escravista possuía duas e outro escravista detinha quatro propriedades em localidades relativamente distantes em tais microrregiões. O mesmo não ocorreu no caso de nossa amostra para a Ribeira do Itapecuru onde, como poderemos notar mais adiante, as várias frações de terra se situavam em um espaço mais bem delimitado (o vale do Itapecuru), promovendo a existência de megapropriedades.
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26
Segundo a classificação dos graus de concentração do Índice de Gini referentes à posse de cativos, proposta por Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa, os valores dispostos entre 0,251-0,400 são considerados de fracos a regulares e, entre 0,501 a 0,625, de medianos a moderadamente fortes. LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci del Nero da. Sobre a estrutura da posse de escravos em São Paulo e Minas Gerais nos albores do século XIX. Estudios Históricos, n. 05. Rivera: CDHRP, Noviembre/2010, s/n.
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29
Acerca dos problemas em comparar os dados procedentes dos inventários post-mortem e de outros tipos de fontes censitárias, no que se refere à estrutura da posse de cativos, ver sobretudo MARCONDES, Renato Leite. Fontes censitárias brasileiras e posse de cativos na década de 1870. Revista de Indias, v. LXXI, n. 251. Madri: CSIC, p. 231-258.
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32
Não há estudos com amplo lastro documental dedicados a examinar especificamente o impacto da Cabanagem na população escrava do Grão-Pará. O intelectual oitocentista Domingos Antônio Raiol estimou que 30.000 pessoas de diferentes segmentos sociais (livres, indígenas e cativos) foram vitimadas na revolta, causando grande impacto na estrutura produtiva da província do Pará. RAIOL, Domingos Antônio. Motins políticos. Belém: EDUFPA, 1970 [1865-1890, 5 vol.], p. 806. O número de vítimas e, notadamente, o seu impacto na organização econômica da Amazônia têm sido sistematicamente reproduzidos em estudos voltados não apenas à Cabanagem, mas também a diversos outros objetos de pesquisa no contexto do Pará oitocentista. O número inferido por Raiol, como oportunamente salienta Eliana Ramos Ferreira, constitui um “exercício de aproximação quantitativa” que, já há algum tempo, carece de revisão. FERREIRA, Eliana Ramos. Guerra sem fim: mulheres na trilha do direito à terra e ao destino dos filhos (Pará, 1835-1860). Tese de doutorado, História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010, p. 39-40. Se, por um lado, nada nos leva a pôr em xeque a existência de certo impacto populacional e econômico associado à Cabanagem, por outro lado, entendemos que a leitura de Raiol não pode ser naturalizada ao ponto de prescindir do acompanhamento de uma apreciação mais acurada dessas questões. O mapa populacional de 1848, por exemplo, indica a existência de 29.706 escravos no Grão-Pará, número um pouco menor que o assinalado por Antônio Baena em 1823 (29.977), mas que já não considerava mais o território da antiga Comarca do Rio Negro (desmembrada na província do Amazonas em 1850), tampouco a região situada entre os rios Gurupi e Turiaçu, que passou a integrar o Maranhão em 1854. Os dados do mapa populacional de 1848 encontram-se em PARÁ. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa da Província do Pará na primeira sessão da XIII Legislatura pelo exmo. sr. presidente da província, dr. Francisco Carlos de Araújo Brusque em 1º de setembro de 1862. Pará: Typ. de Frederico Carlos Rhossard, 1862, p. 96.
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39
Referimo-nos às estimativas de Walter Hawthorne apresentadas na tabela 1 para o tráfico de escravos destinado ao Maranhão entre 1751 e 1815, e para o Pará entre 1788 e 1841. Excluem-se dessa noção de proporcionalidade os escravos destinados ao Maranhão após 1815 e para o Grão-Pará antes de 1788.
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A razão crianças-mulheres é uma variável proxy da fecundidade das mulheres escravas bastante utilizada em estudos sobre a escravidão, que têm como fonte as listas nominativas e os inventários post-mortem. A razão refere-se ao número de mulheres em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos) existente para o número de crianças (de 0 a 9 anos) vezes 1.000. As faixas etárias adotadas para as mulheres em idade reprodutiva e para as crianças variam de pesquisa para pesquisa. Acerca da utilização de tal indicador, gostaríamos de reproduzir a crítica de Heloísa Teixeira: “considerando a fonte utilizada [inventários post-mortem], é preciso ressaltar que os índices aferidos podem ser considerados uma proxy grosseira da fecundidade escrava já que os inventários post-mortem não nos permitem conhecer as porcentagens de crianças e mulheres férteis que morreram ou migraram antes de sua abertura”. TEIXEIRA, Heloísa Maria. Família escrava, sua estabilidade e reprodução em Mariana (1850-1888). Afro-Ásia, n. 28. Salvador: Ceao/UFBA, jul.-dez./2002, p. 181.
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52
MARCONDES, Renato Leite. Posse de cativos no interior do Maranhão (1848), op. cit., p. 179. Cabe-nos advertir que, para o cálculo da razão crianças-mulheres, Marcondes considerou as crianças de 0 a 14 anos e as mulheres de 15 a 49 anos, o que pode ter subestimado os valores que encontramos perante o do autor.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2017
Histórico
-
Recebido
16 Out 2015 -
Aceito
11 Ago 2016