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O PROCESSO DE CONFESSIONALIZAÇÃO E DISCIPLINAMENTO EM GENEBRA À ÉPOCA DE JOÃO CALVINO: UMA ANÁLISE DAS ORDENANÇAS ECLESIÁSTICAS E DA AÇÃO CONSISTORIAL (1541-1564)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. Este trabalho é resultado da tese de doutorado defendida no ano de 2022.

THE PROCESS OF CONFESSIONALIZATION AND DISCIPLINING IN GENEVA AT THE TIME OF JOHN CALVIN: AN ANALYSIS OF ECCLESIASTICAL ORDINANCES AND CONSISTORIAL ACTION (1541-1564)

Resumo

Por intermédio de uma abordagem crítica da “teoria da confessionalização” e de sua importância para a compreensão das reformas religiosas do século XVI, o presente artigo analisa o processo de confessionalização e disciplinamento levado a cabo em Genebra à época em que João Calvino esteve à frente da cidade como pastor e reformador. Para tanto, o texto apresenta e discute a atuação de Calvino junto à cidade e ao seu conselho, apontando as tensões, as negociações e as fases vividas pelo reformador para levar a termo seu projeto reformista. Por fim, o artigo examina as Ordenanças Eclesiásticas e suas implicações, como a ação consistorial. Esse texto foi o responsável por normatizar a igreja de Genebra e implementar o consistório. Tanto as Ordenanças quanto a ação consistorial evidenciam o processo confessional disciplinar que marcou a primeira modernidade, bem como a reforma genebrina.

Palavras-chave
processos de confessionalização; João Calvino; consistório; Época Moderna; reformas religiosas

Abstract

Based on a critical approach to the “theory of confessionalization” and its importance for understanding the religious reforms of the 16th century, this article analyzes the process of confessionalization and disciplining carried out in Geneva at the time when John Calvin was at the head of the city as a pastor and reformer. To this end, the text presents and discusses Calvino’s work with the city and its council, pointing out the tensions, negotiations, and phases experienced by the reformer to carry out his reformist project. Finally, the article examines Ecclesiastical Ordinances and their implications as consistorial action. That text was responsible for regulating the church of Geneva and implementing the consistory. Both the Ordinances and the consistorial action evidence the disciplinary confessional process that marked the first modernity, as well as the Genevan reform.

Keywords
confessionalization processes; John Calvin; consistory; Modern Era; religious reforms

Entre as décadas de 1970 e 1980, uma importante teoria explicativa envolvendo as reformas religiosas no século XVI surgiu entre os historiadores alemães Wolfgang Reinhard e Heinz Schilling. Insatisfeitos com explicações que negligenciavam o papel da religião na formação da modernidade (em especial o Estado Moderno), esses historiadores (o primeiro de orientação protestante, e o segundo, católico) retornaram ao religioso, considerando sua centralidade nesse processo e, assim, propuseram a “teoria da confessionalização”3 3 Em razão dos inúmeros trabalhos de síntese que expuseram mais detalhadamente essa teoria, optamos por apresentá-la de modo mais sucinto e direto, tendo em vista seus usos e objetivos para este artigo. Esses trabalhos serviram de base para construção deste artigo, e suas respectivas referências estão presentes ao longo do texto. . Como bem resumiu Paolo Prodi (2005)PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência e direito. Tradução: Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2005., a confessionalização expressa, a partir do homem medieval, o surgimento do “fiel” moderno, isto é, uma pessoa ligada à Igreja não apenas pelo batismo e pelos sacramentos, mas por sua professio fidei, que se torna, nesse contexto, uma fidelidade jurada à própria instituição eclesiástica da qual essa pessoa faz parte.

Nesse sentido, as reformas, no século XVI, encetaram a formação de novas identidades e, por conseguinte, o estabelecimento de novas fronteiras. A confessionalização, portanto, teria se caracterizado pelo uso de elementos religiosos como identificadores entre os grupos sociais: a comunhão sob as duas espécies era o que diferenciava o alemão Luterano da Saxônia do alemão da Baviera Católico que comungava sob uma espécie e devotava-se à Virgem.

A especificação doutrinária das confissões responsável em aclarar a fé dos fiéis passava para segundo plano em face das normas e dos controles institucionais que se disseminavam com esse processo. Comprovar a fidelidade confessional de quadros institucionais, como teólogos, pastores, professores universitários etc., tornava-se elemento sine qua non nesse contexto confessional. Como salientou Rodrigues:

O processo confessional, pelo qual surgiram as diferentes confissões de fé e, ao redor delas, comunidades específicas, tornou-se, assim, o processo de confessionalização, no qual se criavam estruturas que diferenciavam cada grupo, com base na confissão, e mecanismos de controle que garantiam a adesão a essas estruturas (...). Os grupos confessionais rivais, por sua vez, aprendiam a reconhecer e a recusar essas estruturas, identificadas com o “inimigo”; mas, no limite, reproduziam processo idêntico, apenas revestido de seu próprio conteúdo confessional. Dessa forma, em territórios calvinistas não se dava nome de santo aos filhos (exceto se o nome fosse de origem bíblica); preferencialmente, davam-se às crianças nomes de figuras do Antigo Testamento. Já em territórios católicos, em fins do século XVI, atribuir o nome do santo do dia aos filhos tornara-se praticamente normativo. (...) No processo de estabelecimento e de difusão dessas normas de grande impacto sobre a vivência social, podemos notar, segundo esses autores, uma profunda imbricação entre o controle secular e o religioso, de modo que estruturas religiosas acabaram servindo para o controle do poder secular sobre os súditos, enquanto, em outros contextos, estruturas administrativas e burocráticas em surgimento se prestaram também a canalizar o controle religioso

(RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Rui Luis. O processo de confessionalização e sua importância para compreensão da história do Ocidente na primeira modernidade (1530-1650). Revista Tempo, v. 23, n. 1, p. 1-21, jan./abr. 2017. DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2017v230101.
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, p. 9-10).

Tudo isso mobilizou intensamente estratégias de educação e catequese (catecismos, sermões, música sacra, práticas de culto etc.), bem como estratégias contrárias, como censura, produção de material polêmico, entre outras.

Como aponta a citação anterior, a confessionalização mediante o disciplinamento social demarcava a autoridade secular e a mobilidade dos súditos. Assim, o Estado impunha sua autoridade, mesmo sem estrutura adequada, por causa da religião que se prestava a capitalizar a submissão ao poder central (RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Rui Luis. O processo de confessionalização e sua importância para compreensão da história do Ocidente na primeira modernidade (1530-1650). Revista Tempo, v. 23, n. 1, p. 1-21, jan./abr. 2017. DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2017v230101.
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, p. 11). Segundo Arcuri (2019, p. 123)ARCURI, Andrea. Confesionalización y disciplinamiento social: dos paradigmas para la historia moderna. Hispania Sacra, v. 71, n. 143, p. 113-129, jan./jun. 2019. DOI: https://doi.org/10.3989/hs.2019.008.
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, Schilling e Reinhard compreenderam que o papel das igrejas foi o de levar o disciplinamento para locais em que o Estado não conseguia chegar. Desse modo, o processo confessional aparece como a primeira fase do disciplinamento social. A fim de disciplinar os comportamentos, ambos os poderes, político/civil e eclesiástico, cooperaram entre si impulsionando a confessionalização. Em síntese, ao lado do poder temporal, as igrejas foram as instâncias disciplinadoras mais importantes da primeira modernidade.

De acordo com Frederico Palomo (2016, p. 71)PALOMO, Frederico. Confesionalización. In: BETRÁN, José Luis; HERNÁNDEZ, Bernat; MORENO, Doris (org.). Identidades y fronteras culturales en el mundo ibérico en la Edad Moderna. Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2016. p. 69-89., o mérito da “teoria da confessionalização”, portanto, estaria em situar os fenômenos de natureza religiosa para além de sua lógica eclesiástica, teológica e/ou espiritual, mas os interpelando em função dos contextos políticos, sociais e culturais, mesmo porque, na primeira modernidade, o religioso impregna quase todos os aspectos da vida. Para além de lançar luz nesse aspecto da religião, o paradigma confessional também procurou situar a confissão católica em igualdade com as confissões protestantes, ou seja, ambas como produtoras da modernidade. Essa argumentação contraria a perspectiva que aponta a confissão protestante como moderna e a católica como presa ao “obscurantismo” medieval.

A despeito disso, essa teoria, tal como formulada pelos historiadores alemães, recebeu críticas importantes desde sua proposição. Uma delas, talvez a principal, refere-se às abordagens macro-históricas influenciadas pela sociologia que negligenciam o específico e o particular. Segundo Rodrigues (2017, p. 14)RODRIGUES, Rui Luis. O processo de confessionalização e sua importância para compreensão da história do Ocidente na primeira modernidade (1530-1650). Revista Tempo, v. 23, n. 1, p. 1-21, jan./abr. 2017. DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2017v230101.
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, ainda que o historiador, eventualmente, precise lidar com conceitos mais amplos, é fundamental que o faça mediante rigoroso critério, preferindo, sempre que possível, trabalhar com elementos empíricos oferecidos pela época estudada, a fim de não incorrer em demasiada teorização e seduções da macro-história. Desse modo, o autor critica contundentemente a perspectiva globalizante de que tais confissões impuseram uma “homogeneização confessional”, visto que tais sociedades eram muito mais múltiplas e matizadas do que o modelo explicativo permite apreender4 4 Na contramão do que afirma Rodrigues (2017), Silvia Liebel defende que a teorização deve ser sempre o alicerce da prática historiográfica. Embora críticas à teoria da confessionalizacão possam ser realizadas, Liebel considera que esta permanece rica em debates se estendendo para além da Academia alemã em um esforço de conjugar análises particulares com um escopo maior. Assim, para a autora, é justamente nesse esforço em busca do macro que a tese transcende o caráter pontual dos estudos regionais e paroquial, conservando seu mérito. Cf. LIEBEL, 2020. .

Como Palomo (2016, p. 72)PALOMO, Frederico. Confesionalización. In: BETRÁN, José Luis; HERNÁNDEZ, Bernat; MORENO, Doris (org.). Identidades y fronteras culturales en el mundo ibérico en la Edad Moderna. Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2016. p. 69-89. demonstrou, Reinhard e Schilling atribuíram demasiada importância ao papel exercido pela autoridade do príncipe em implantar políticas confessionais. Embora os príncipes tivessem papel fundamental na formação do processo de confessionalização, a aplicação das confissões nem sempre ocorria em consenso com as comunidades locais. Casos como o da Irlanda, por exemplo, onde se desenvolveu uma “dupla confessionalização”, em que sua expressão anglicana obedeceu à decisão da Coroa inglesa, e sua expressão católica obedeceu às comunidades fiéis ao credo de Roma. Tal exemplo pretende chamar atenção para o protagonismo que as comunidades e os indivíduos exerceram diante das decisões dos soberanos e seus agentes.

Semelhante crítica pode ser encontrada nas proposições de Thomas Kaufmann (2002, p. 437-438 apud BÜTTGEN, 2010BÜTTGEN, Philippe. Qu’est-ce qu’une culture confessionnelle? Essaid’historiographie (1998-2008). In: DUHAMELLE, Christophe (dir.). Religion ou confession: un bilanfranco-allemand sur l’époque moderne (XVIe-XVIIIe siècles). Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme, 2010. p. 415-437. DOI: https://doi.org/10.4000/books.editionsmsh.14296.
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), o qual prefere pensar em uma “cultura confessional” a partir de uma “perspectiva interna”, isto é, como essas confissões se autointerpretavam impactando a vida cultural e social da época. Em linhas gerais, a proposta de Kaufmann parte do entendimento que um período histórico tem de si próprio. Como destaca Büttgen (2010)BÜTTGEN, Philippe. Qu’est-ce qu’une culture confessionnelle? Essaid’historiographie (1998-2008). In: DUHAMELLE, Christophe (dir.). Religion ou confession: un bilanfranco-allemand sur l’époque moderne (XVIe-XVIIIe siècles). Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme, 2010. p. 415-437. DOI: https://doi.org/10.4000/books.editionsmsh.14296.
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, “En d’autres termes, la dynamique de compréhension d’un objet historique ne s’enclenche que si l’on dispose de l’image que cet objet, dans son propre contexte, a su produire de lui-même, par réflexion sur lui-même”. Nesse sentido, os estudos de Kaufmann, a partir dessa “perspectiva interna”, reposicionam os marcadores confessionais e a relação “política-religião”. Tal abordagem contesta a imagem das confissões como blocos concorrentes e igualmente homogêneos, caracterizados pela exacerbação da conformidade doutrinal.

Indo além do problema de abordagem “macro-histórica”, outra crítica relevante à teoria da confessionalização diz respeito ao seu aspecto eurocêntrico, pois entende o fenômeno confessional como encaminhador da modernidade, pressupondo, por isso, que algumas nações europeias foram o corifeu desse processo, enquanto a outras é imposto um papel periférico que se mantém (RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Rui Luis. O processo de confessionalização e sua importância para compreensão da história do Ocidente na primeira modernidade (1530-1650). Revista Tempo, v. 23, n. 1, p. 1-21, jan./abr. 2017. DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2017v230101.
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).

A crítica que se faz à teoria da confessionalização, no entanto, não deve ser compreendida como um abandono ou até mesmo uma ruptura em relação à produção que nos precede. Trata-se, antes disso, de reposicionar os argumentos e as análises.

Incorporamos as contribuições de Adone Agnolin (2017)AGNOLIN, Adone. Do evangelho segundo Lutero à reforma religiosa: paradoxos e origens da modernidade. Fronteiras: Revista de História, Dourados, MS, v. 19, n. 34, p. 13-48, jul./dez. 2017., ao compreender a modernidade pela centralidade da religião como “força operativa”. As reformas religiosas do século XVI (protestantes e católicas) são um marco na modernidade, não por almejarem fundá-la, porém precisamente por tentarem restaurar uma ordem que lhes parecia perdida. As confissões religiosas, dessa maneira, aparecem como elemento de identidade e disciplina da sociedade, não por serem modernizadoras, mas sim por ingressarem, de forma paradoxal, na política fornecendo bases para sua transformação (AGNOLIN, 2017AGNOLIN, Adone. Do evangelho segundo Lutero à reforma religiosa: paradoxos e origens da modernidade. Fronteiras: Revista de História, Dourados, MS, v. 19, n. 34, p. 13-48, jul./dez. 2017., p. 18). Nesse sentido, é importante compreender que, ao falarmos em confessionalização, estamos tratando de processos plurais que almejam recriar dentro de reinos e territórios (isto é, no espaço “micro”) a estrutura sociorreligiosa milenarmente conhecida e vivenciada, a saber: a respublica Christiana.

A confessionalização foi, assim, a resposta defensiva de uma sociedade que se viu dividida no âmbito mais central de sua autocompreensão: a religiosidade. Que essa sociedade, nesse movimento defensivo, tenha se valido de recursos novos e ensejado novas formas de vivência social é algo que pertence à natureza mesma dos processos históricos, sempre abertos à imponderabilidade.

O aspecto distintivamente novo, presente nos processos de confessionalização, não reside em seus resultados pretensamente “modernizadores”, mas nas características intrínsecas a esses processos: sua abrangência, a meticulosidade do escrutínio a que submetiam as consciências, o uso de uma abordagem filológica no tratamento dos tópicos religiosos, a viabilização de uma atmosfera bastante favorável ao controle social estrito

(RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Rui Luis. O processo de confessionalização e sua importância para compreensão da história do Ocidente na primeira modernidade (1530-1650). Revista Tempo, v. 23, n. 1, p. 1-21, jan./abr. 2017. DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2017v230101.
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, p. 14, grifo nosso).

O uso do conceito de “processos de confessionalização” apresentado por Rodrigues, portanto, mantém sua pertinência neste artigo. Como fora dito, não se trata de romper com a teoria proposta desde a década de 1970 pela historiografia alemã, mas sim de repensá-la e reposicioná-la por intermédio das críticas elaboradas até o presente. Se, por um lado, pensar as reformas religiosas do século XVI, em especial as protestantes, vinculando a modernidade, incorreu em generalizações e homogeneizações de processos diversificados, é um fato que tais processos ocorreram alçando as doutrinas e confissões a um outro patamar, qual seja: a de definição de identidades, submissão de consciências, disciplinamento social e religioso, bem como uma revisão meticulosa de diversos temas religiosos. Tal é o caso de João Calvino, tanto em sua nascente teologia quanto na reforma capitaneada por ele em Genebra a partir de 1541, quando retorna à cidade e faz aprovar suas Ordenanças Eclesiásticas.

João Calvino e a reforma genebrina

Em 1533, Calvino foge de Paris, acusado de colaborar com o discurso inaugural, taxado de “propagando luterana”, de Nicolas Cop na Universidade de Sorbonne. Três anos depois, na Basileia, ele publica a primeira edição de sua obra magna, as Institutas, a qual receberá revisões e reedições pelo autor até 1559. A repercussão que essa publicação teve eleva a popularidade do seu autor, de modo que, no mesmo ano da primeira publicação, 1536, ao passar por Genebra no mês de julho, no intuito de chegar a Estrasburgo, Calvino foi convidado pelo pregador Guilherme Farel (1489-1565) a permanecer na cidade para auxiliá-lo na reforma do lugar, que, no ano anterior, havia decidido acabar com a missa e impor ao clero católico de Genebra a conversão ou o exílio. Já em maio de 1536, em uma assembleia geral de cidadãos, medidas de reforma são ratificadas na cidade, a qual afirma desejar “viver de acordo com o evangelho e a Palavra de Deus” (LINDBERG, 2017LINDBERG, Carter. História da Reforma. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017., p. 289).

O contexto em que ocorreram as reformas em Genebra era conturbado e, embora se entrelace à trajetória de Calvino, também a antecede. Dessa maneira, desde o início do século XVI, a cidade já lutava contra a Casa de Savoia em prol de sua independência e, por isso, se une às cidades de Friburgo e Berna em uma aliança que resulta na retomada de um modelo administrativo dos conselhos (TOURN, 2016TOURN, Giorgio. Juan Calvino, el reformador de Ginebra. Traducción: Luis Vásquez Buenfil. Barcelona: Editorial CLIE, 2016.). Desse modo, o primeiro deles foi o Grande Conselho ou Conselho dos 200, o qual exerceria funções legislativas e judiciárias anteriormente atribuídas ao duque de Savoia. Depois vinha o Conselho Menor exercendo as funções executivas com 25 membros, dos quais 16 eram eleitos pelo Grande Conselho e os demais pelo Conselho Geral de cidadãos (LINDBERG, 2017LINDBERG, Carter. História da Reforma. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017., p. 289). Em 1530, Savoia ataca Genebra, mas a intervenção de Berna e Friburgo expulsa o antigo inimigo. No entanto, a orientação confessional distinta entre as cidades aliadas – Berna, adepta dos protestantes, e Friburgo, da fé romana – implanta outro problema para Genebra, o qual só foi solucionado em 1536 com a adesão definitiva da cidade à Reforma Protestante.

A chegada de Calvino não ocorreu em um contexto tranquilo, portanto, seja no que diz respeito à adesão a uma confissão religiosa, seja no próprio ordenamento do poder e da organização da cidade, visto que Genebra não apenas lutava para definir sua fé, mas também sua autonomia diante de vizinhos como Berna, além de sua identidade como cidade. Em outras palavras, a chegada de Calvino ocorreu em uma cidade que se reformava em termos estritamente religiosos e em aspectos políticos, institucionais, sociais e culturais. Por isso, vivenciava uma série de disputas e correlações distintas de forças e interesses para a sua reestruturação. Assim, como ressaltou Giorgio Tourn (2016)TOURN, Giorgio. Juan Calvino, el reformador de Ginebra. Traducción: Luis Vásquez Buenfil. Barcelona: Editorial CLIE, 2016., não só Calvino ajudou a criar a Genebra reformada, mas esta última também contribuiu na criação do reformador.

A primeira passagem de Calvino por Genebra foi curta, não chegando a dois anos, pois as reformas propostas por ele e Farel soaram rígidas ou autoritárias para uma cidade (e um Conselho) heterogênea, tanto em razão de um legado de fé romana quanto pelo rechaço a mudanças tão abruptas vindas de dois exilados. Ademais, a disputa pela autoridade também estava posta, de modo que, em 1537, o Conselho Geral recusou a confissão de fé apresentada por Calvino a que toda a cidade deveria aderir.

O ponto central de discordância era a ceia, a qual deveria, para Calvino e Farel, ser realizada mensalmente, enquanto a oposição indicava o modelo de Berna de quatro vezes ao ano (MORAES, 2014MORAES, Gerson Leite de. Entre a Bíblia e a espada: uma análise da filosofia e da teologia política em João Calvino. São Paulo: Editora Mackenzie, 2014., p. 135). Além disso, a questão da ceia encetava o problema da excomunhão, pois para Farel e Calvino a não participação poderia implicar nessa punição, e isso conflitava com diferentes fatores, entre eles o da autoridade, presentes na cidade de Genebra. Então, ao decidirem pelo modelo de Berna, Genebra, sobretudo na figura do Conselho Menor, entrou em severo choque com Calvino, cujo resultado foi sua expulsão da cidade, de 1538 a 1541.

Após a expulsão, Calvino retomou seu plano original e seguiu para Estrasburgo, cuja reforma era liderada por Martin Bucer (1491-1551). No tempo em que lá esteve, Calvino expandiu largamente suas Institutas, além de se casar e, principalmente, amadurecer seu pensamento mediante aprendizado teórico e prático para integrar a vida religiosa e civil por intermédio dos ofícios eclesiásticos (LINDBERG, 2017LINDBERG, Carter. História da Reforma. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.). No ano seguinte à expulsão de Genebra, Calvino se envolveu em um famoso debate contra o humanista e cardeal Jacopo Sadoleto, o qual havia escrito à cidade de Genebra uma carta convidando-os a retornar à Igreja Romana.

Em sua carta de resposta5 5 Essa carta pode ser encontrada em português na obra CALVINO, 2017. Ou em francês na coletânea CALVIN, 2009. , Calvino coloca-se ao lado de Lutero, reafirmando a autoridade das Escrituras e a justificação pela fé em rechaço à carta de Sadoleto (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009.). Tal episódio refaz a imagem do reformador perante a cidade de Genebra que, em 1540, o convidou para retornar, a fim de seguir com seu trabalho de reforma. Após certa relutância, o pedido foi aceito e, em 1541, Calvino retornou a Genebra em seu antigo cargo, como pastor da igreja de São Pedro. Contudo, além de regressar em melhores condições de remuneração e moradia, em pouquíssimo tempo, dois meses após o retorno (KINGDON; BERGIER, 1964KINGDON, Robert; BERGIER, Jean-François (ed.). Registres de la Compagnie des Pasteurs de Genève au temps de Calvin. Genebra: Drooz, 1964. v. 1: 1546-1553., p. 1), Calvino conseguiu aprovar junto ao governo o que talvez tenha sido sua principal ação reformadora, a saber: as Ordenanças Eclesiásticas. Inspiradas, principalmente, em sua estada em Estrasburgo e no modo como o governo e a reforma por lá se desenvolviam, as Ordenanças, em Genebra, cumpriram um papel integrador entre a magistratura civil e a eclesiástica. Esse fato foi de fundamental importância para a formação do processo confessional e disciplinar instaurado na cidade após sua chegada.

As Ordenanças Eclesiásticas e a ação consistorial

Reunindo-se em nome de Deus, na presença dos Síndicos da cidade, do Pequeno e do Grande Conselho, o documento apresentado por Calvino em 1541, as Ordonnances Ecclésiastiques, instituíam quatro oficiais no governo da igreja. Eram eles, respectivamente: pastores, doutores, anciãos e diáconos (KINGDON; BERGIER, 1964KINGDON, Robert; BERGIER, Jean-François (ed.). Registres de la Compagnie des Pasteurs de Genève au temps de Calvin. Genebra: Drooz, 1964. v. 1: 1546-1553., p. 1).

O texto inicia com a apresentação dos “pastores”. Aqui, Calvino define: a) os “deveres”; b) o “exame” para ser pastor; c) a “eleição”; d) um dia da semana para reuniões, a fim de se manter, entre os ministros, a pureza e a concórdia quanto às doutrinas; e) as normas para lidar com os impasses doutrinários, incluindo uma lista de “crimes intoleráveis” e “vícios” capazes de serem corrigidos; f) o período de três em três meses para os pastores investigarem entre si se há alguma falta a corrigir, a fim de manter a disciplina; g) o nome, o local e o tempo das pregações; h) a quantidade de cinco pastores e três auxiliares (os quais também eram pastores).

Em comparação aos outros oficiais, os pastores conservam a maior quantidade de páginas e especificações acerca da sua ocupação no texto. Entre os deveres do pastor, está o de anunciar a palavra de Deus com o propósito de “endoctriner” (KINGDON; BERGIER, 1964KINGDON, Robert; BERGIER, Jean-François (ed.). Registres de la Compagnie des Pasteurs de Genève au temps de Calvin. Genebra: Drooz, 1964. v. 1: 1546-1553., p. 2), literalmente, “doutrinar” ou instruir. Além disso, cabe aos pastores (também chamados de ministros) admoestar, exortar e repreender tanto em público quanto de maneira privada; administrar os sacramentos e “fair les corrections fraternelles avec les anciens ou commis” (KINGDON; BERGIER, 1964KINGDON, Robert; BERGIER, Jean-François (ed.). Registres de la Compagnie des Pasteurs de Genève au temps de Calvin. Genebra: Drooz, 1964. v. 1: 1546-1553., p. 2, grifo nosso).

Já o exame dos pastores, Calvino divide em duas partes. A primeira aponta para a importância do conhecimento doutrinário por parte do ministro, bem como o conhecimento das Escrituras, a fim de apresentá-las de maneira idônea para edificação. A segunda parte versa sobre a necessidade de uma vida “sem reprovações”, ou seja, uma vida igualmente idônea (KINGDON; BERGIER, 1964KINGDON, Robert; BERGIER, Jean-François (ed.). Registres de la Compagnie des Pasteurs de Genève au temps de Calvin. Genebra: Drooz, 1964. v. 1: 1546-1553., p. 2). Sobre a eleição do ministro, ele será escolhido pelos pastores, depois apresentado aos anciãos, para, em seguida, dirigir-se ao Conselho. Caso constate-se que o ministro apresenta falha comprovada, uma nova escolha deveria ser realizada. Em caso de aprovação, uma declaração é feita por um dos ministros e, depois, uma oração.

Na edição crítica utilizada, Bergier (1964, p. 3) aponta que o trecho sobre a eleição do ministro conheceu uma versão anterior que afirmava a imposição de mãos como uma prática antiga, realizada desde a época dos apóstolos, mas que, em razão das “superstições” da época, havia sido retirada.

No que se refere aos “vícios” intoleráveis e toleráveis de um pastor, Calvino foi meticuloso listando cada um deles. Segundo ele, entre os vícios intoleráveis estavam:

Heresie; Scisme; Rebellion contre l’ordre ecclesiastique; Blasfeme manifeste et digne de peine civile; Simonie et toute corruption de presentz; Brigues pour occuper le lieu d’un aultre, (...) Usure; Jeux deffendus par les loix et scandaleux; Dances et telles dissolutions; Crime emportant infamie civile; Crime qui meriteroit en un aultre separation de l’esglise

(CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 4).

Já os vícios toleráveis contavam com questões referentes ao modo de tratar as Escrituras, curiosidade em pesquisar questões “irrelevantes”, negligência quanto ao estudo e à leitura das Escrituras, entre outras (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 4). Dependendo da falta cometida, o ministro seria julgado pelo tribunal civil, pelo Consistório ou pelos próprios ministros (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 5).

No que diz respeitos aos Doutores, a função estabelecida era a de “ensigner les fidelles en saine doctrine affin que la pureté de l’evangile ne soit corrompue ou par ignorance ou par maulvaise opinions” (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 6). O texto ainda estabelece um colégio para o ensino e subordina os doutores à mesma disciplina eclesiástica dos ministros. Nenhum doutor pode ser recebido sem ser aprovado pelos pastores (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 6).

O terceiro ofício é o dos anciãos, que conta com a menor quantidade de informações no texto. Contudo, são apresentados como parte integrante do Consistório e têm como obrigação o seguinte:

prendre garde sus la vie d’un chascun, d’admonester amiablement ceulx qui verront faillir et mener vie desordonnee, et là où ile n seroit mestier faire rapport à la Compaignie quis era deputee pour fair les corrections fraternelles et lors les faires communement avecq les aultres

(CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 6, grifo do autor).

O documento ainda estabelece a quantidade de anciãos em um total de 12, sendo dois do Pequeno Conselho, quatro do Conselho dos 60 e seis do Conselho dos 200. Tais homens deveriam ser de “bonne vie et honeste, sans reproche et hors de toute suspection, sur tout craingnan Dieu et ayantz bonne prudence spirituelle”, além disso, deveriam estar presentes em cada bairro da cidade, a fim de terem os “olhos em tudo” (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 7).

Por fim, o último ofício é o dos diáconos, os quais são, basicamente, encarregados do cuidado aos pobres, tanto no aspecto financeiro quanto no quesito alimentar (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 7). O documento ainda estabelece algumas normas acerca do batismo, da ceia, do casamento, da visita aos enfermos e aos prisioneiros, além das obrigações dos cidadãos quanto às crianças. Ao final, Calvino (2009, p. 10)CALVINO, João. A instituição da religião cristã. Tradução: Carlos Eduardo de Oliveria. São Paulo: Editora UNESP, 2008. t. I e II. retorna com o tema do Consistório estabelecendo as quintas-feiras para a reunião deste no intuito de não haver nenhuma desordem na igreja e apresentar soluções para os problemas que aparecessem. Ele define o modo para o Consistório agir, além das penas a serem aplicadas e os limites de atuação consistorial. No que se refere às penas, o texto esclarece:

Quant est des vices notoires et publicques que l’eglise ne peut pas dissimuler, si ce sont faultes qui meritent seullement admonition, l’office des anciens commis sera appeler ceulx qui en seront entachez, leur faire remonstrances amyables affin qu’ilz aient à s’en corriger, si on y voit amendement ne les plus molester. S’ilz perseverent à mal faire qu’on les admoneste de rechiefz. Et si à l alongue on ne profitoit rien, leu dénuncer comme à contempteurs de Dieu qu’ilz aient à s’abstenir de l’acene jusques à ce qu’on voye en eulx changement de vie.

Quant est des crimes qui ne meritent pas seullement remonstrances de paroles, mais corrections avec chastiment, si quelcon y est tombé, selon l’exigence du cas il luy fauldra denuncer qu’ilz s’abtienne quelque temps de l acene pour se humilier devant Dieu et myeulx cognoistre as faulte.

Si quelcun par contumace ou rebellion se voulloit ingerer contre la deffence, l’office du ministre sera de le renvoyer veu qui ne luy est licite de le recepvoir à la communion

(CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 12, grifo do autor em itálico, grifo nosso em negrito).

Por meio das Ordenanças, a disciplina de modo geral e a eclesiástica em específico foram profundamente acentuadas na cidade. Dessa maneira, o Consistório apareceu como uma espécie de corte eclesiástica formada por anciãos e pastores cuja função era impor a disciplina eclesiástica e a moral à cidade mediante supervisão sistemática. Entre os poderes dessa instituição, estava o da excomunhão daqueles cuja ofensa fosse considerada grave, e isso poderia incluir desde casamento ilícito até blasfêmia, comportamentos associados à antiga fé ou desrespeito à Igreja.

Ao arrogar para a instância eclesiástica a função da excomunhão, Calvino transpunha os limites da autoridade eclesiástica e tensionava seu papel com a esfera civil. Segundo Bergier (1964), no projeto original de Calvino, as Ordenanças encerravam com a atribuição do Consistório. Contudo, para a versão oficial, modificações foram feitas, de modo que uma longa inserção é colocada reforçando os limites da jurisdição do Consistório e dos ministros, os quais não atuariam no âmbito civil, mas apenas com a espada espiritual da Palavra de Deus (CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009., p. 13). Essa situação é resultado da tensão e da disputa que durou até 1555 entre Calvino e os Magistrados da Cidade de Genebra.

Segundo Jeffrey Watt (2020, p. 5)WATT, Jeffrey. The Consistory and social discipline in Calvin’s Geneva. Rochester, New York: University of Rochester Press, 2020., o tema da disciplina ocupou espaço importante nas Institutas. Por conta de uma preocupação com a manutenção da piedade e correta adoração, Calvino compreendia a disciplina como um meio para obter tais fins, isto é, levar as pessoas ao arrependimento. No entanto, entre os reformados, esse tema ocupou interpretações diferentes. Tomando como base para disciplina o texto bíblico de Mateus 18:15-17, a parte do texto que recomenda encaminhar à Igreja o irmão que não aceitou a correção privada foi objeto de divergência. Segundo Watt:

There was disagreement, however, as to what it meant to “tell it to the church.” The term for the church in the original Greek was ekklesia, which in Classical Athens referred to the assembly of all adult male citizens. Catholic thinkers generally agreed that in the Gospel, ekklesia meant to tell it to the bishops, and bishops accordingly established courts that had jurisdiction over matters such as marriage. Rejecting this interpretation, Ulrich Zwingli asserted that “the church” referred to the Christian magistrates, who had the exclusive authority to discipline the faithful, including the right to excommunicate. By contrast, Johannes Oecolampadius of Basel and Martin Bucer of Strasbourg maintained that ekklesia referred to the local Christian community and that Bucer insisted that discipline actually should be under the purview of the pastors who were to be assisted by elders. John Calvin, who became well acquainted with Bucer during his stay in Strasbourg, rejected the older reformer’s ideas on discipline

(WATT, 2020WATT, Jeffrey. The Consistory and social discipline in Calvin’s Geneva. Rochester, New York: University of Rochester Press, 2020., p. 5-6, grifos do autor).

Para Robert Kingdon, os trechos das Ordenanças que estabeleceram o Consistório são paráfrases de Mateus 18. Nesse sentido, “la nouvelle institution consistoriale qui était investie du pouvoir de juger les pécheurs obstines et, si nécessaire, de les excomunier. Ainsi, pour Calvin et ses partisans à Genève, les mots ‘dic ecclesiae’ avaient fini par signifier: ‘dis-le au Consistoire’” (KINGDON, 2001KINGDON, Robert. La discipline ecclésiastique vue de Zurich et Genève au temps de la réformation: l’usage de Matthieu 18:15-17 par les réformateurs, Revue de Théologie et de Philosophie, v. 133, n. 3, p. 343-355, 2001., p. 348). A grande singularidade do Consistório genebrino em relação aos das outras cidades suíças era precisamente o poder da excomunhão, o qual foi imposto por Calvino. Tal fato, no entanto, não foi recebido sem contestações e disputas por parte dos cidadãos e representantes do poder secular em Genebra.

Como demonstrou Nathalie Szczech (2016)SZCZECH, Nathalie. Réforme de la discipline ecclésiastique et affirmation pastorale dans la Genève de Calvin (années 1540-1550). In: LÉONARD, Julien (dir.). Prêtres et pasteur: les clergés à l’ère des divisions confessionnelles (XVIe-XVIIe siècles). Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2016. p. 295-307. DOI: https://doi.org/10.4000/books.pur.47303.
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, o rompimento com a Igreja Romana não significou o enraizamento imediato de práticas e valores pela reforma genebrina, o modelo de clero e a atuação pastoral a serem adotados, por exemplo, estavam em aberto. Assim, em 1536, a reforma genebrina adotou uma organização que sobrepunha a justiça episcopal à justiça comunal. Dessa maneira, o Pequeno Conselho da cidade arbitrava tanto questões de “ordem pública” quanto de “prescrições divinas”, como causas matrimoniais, as quais anteriormente estavam nas mãos dos oficiais eclesiásticos. Nesse cenário, o magistrado assumiu a responsabilidade da moral pública e a de garantir o respeito aos preceitos da nova fé. Os pastores, nesse quadro, só se envolviam nos casos disciplinares a título de consulta.

Essa organização foi inspirada em modelos elaborados pelos primeiros reformadores, como Zwinglio, o qual dotava os magistrados de um poder e uma responsabilidade de sanções, ao passo que os pastores não exerciam posição dominante. Em outras palavras, a instância civil resguardava os aspectos morais e doutrinários dos fiéis. Como sublinhou Szczech (2016, n.p.)SZCZECH, Nathalie. Réforme de la discipline ecclésiastique et affirmation pastorale dans la Genève de Calvin (années 1540-1550). In: LÉONARD, Julien (dir.). Prêtres et pasteur: les clergés à l’ère des divisions confessionnelles (XVIe-XVIIe siècles). Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2016. p. 295-307. DOI: https://doi.org/10.4000/books.pur.47303.
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: “Au cours des premières années de la Réforme, les pasteurs genevois ne sont donc considérés, au mieux, que comme des collaborateurs, dont la présence quotidienne auprès des fidèles peut éclairer les décisions des magistrats en matière de discipline”.

Tal quadro, no entanto, foi alterado com o retorno de Calvino e a implantação das Ordenanças. Como fora dito, o modelo disciplinar elaborado pelo reformador alçava a instância eclesiástica a outro patamar por meio das prerrogativas do Consistório, bem como as atribuições dos pastores. No limite, mediante o alargamento da prática disciplinar, Calvino refundava o corpo social de Genebra atribuindo maior protagonismo ao corpo eclesiástico. As contestações, por conseguinte, não demoraram. Inicialmente de maneira mais passiva, com o esvaziamento dos cultos, não demorou muito para o conflito entre Calvino, o Consistório e setores do poder civil escalar. Dessa forma,

De 1546 a 1555 elas ocorreram de forma violenta entre pastores e conselho, ou por famílias isoladas que se opunham ao consistório, por meio de conduta desviante das diretrizes de Genebra acerca da disciplina eclesiástica, promovendo até perturbações nas assembleias litúrgicas, tentando inclusive uma revolta armada, sem sucesso. (...) Somente quando em 1555, com a ajuda de emigrantes franceses que haviam conseguido a cidadania (...) e com isso podiam ter influência política, Calvino conseguiu a maioria nos grêmios da cidade

(MOELLER; SMOLINSKY, 2014MOELLER, Bernd; SMOLINSKY, Heribert. Seção VI: A Era da Reforma. In: KAUFMANN, Thomas; KOTTJE, Raymund; MOELLER, Bernd; WOLF, Hubert. História Ecumênica da Igreja: da alta Idade Média até o início da Idade Moderna. Tradução: Irineu Rabuske. São Paulo: Edições Loyola: Paulus; São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2014. v. 2., p. 337).

Paradoxalmente, as críticas e as oposições enfrentadas por Calvino e seus partidários não só dotaram os ministros de Genebra de uma identidade de grupo, como também possibilitaram maior atuação da esfera eclesiástica na questão do disciplinamento e controle social. Nas palavras de Szczech:

Les attaques expérimentées à Genève sont comprises comme des épreuves caractéristiques d’un temps d’avancement de l’Évangile et sont vécues comme une réactualisation des troubles de l’histoire sainte, qui nourrissent la foi du groupe en lui-même et en son projet. Loin de fuir le combat et en l’entretenant même par une entreprise toujours plus acharnée de purification, Calvin et ses collègues y trouvent la confirmation de leur vision du monde, la légitimation de leur action et y forgent une culture commune. Le processus de cléricalisation se nourrit ainsi paradoxalement à Genève de l’anticléricalisme des fidèles (...).

Creuset de renouvellements politiques et sociaux majeurs, les années 1545-1555 marquent donc aussi la naissance d’un véritable corps pastoral genevois, soudé par la prédication, l’administration des sacrements et le soin des fidèles, mais aussi par la pratique de la discipline ecclésiastique, comprise comme un combat nécessaire

(SZCZECH, 2016SZCZECH, Nathalie. Réforme de la discipline ecclésiastique et affirmation pastorale dans la Genève de Calvin (années 1540-1550). In: LÉONARD, Julien (dir.). Prêtres et pasteur: les clergés à l’ère des divisions confessionnelles (XVIe-XVIIe siècles). Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2016. p. 295-307. DOI: https://doi.org/10.4000/books.pur.47303.
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).

Segundo William Naphy (2020)NAPHY, William. Consistorios. In: PARKER, Charles; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 127-138., ao analisarmos a composição dos membros do Consistório em Genebra à época de Calvino, é possível dizer que existiram três momentos, ou nas palavras do autor, três consistórios. O primeiro é o que vai de 1541 até 1546 e se caracteriza por uma grande rotatividade de pessoas, além de corresponder a um período de transição na Companhia dos Pastores. Já o segundo ocorre dos anos de 1546 até 1555 e é marcado pela chegada de novos anciãos, bem como pela luta interna entre João Calvino e seus opositores, os quais são “derrotados” ao final de 1555. Assim, o terceiro momento é o que ocorre entre 1556 e 1558, quando, finalmente,

El consistorio obtuvo el derecho a interrogar a la gente bajo juramento, convirtiéndose así en un tribunal que podía juzgar por un delito de perjurio a quienes mintieran en sus declaraciones. Además, el consistorio obtuvo el derecho exclusivo a pronunciar la condena de excomunión. Por lo tanto, institucionalmente, había comenzado a ser un ‘tercer’ consistorio

(NAPHY, 2020NAPHY, William. Consistorios. In: PARKER, Charles; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 127-138., p. 132).

O aumento das prerrogativas e ações consistoriais, em Genebra, até meados da década de 1570, significou maior cooperação com os tribunais civis. Tanto o tribunal civil quanto o Consistório, conforme Sara Beam (2020, p. 89)BEAM, Sara. Consistorios y autoridades civiles. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 88-99., compartilhavam procedimentos de investigação, bem como os testemunhos e as confissões dos acusados, além de, frequentemente, terem um mesmo indivíduo ocupando uma cadeira no Consistório e outra em algum tribunal da cidade, como o Pequeno Conselho.

Desde sus inicios, el consistorio ginebrino fue muy activo: ya en la década de 1560, posiblemente uno de cada quince adultos residentes en la ciudad era citado ante los pastores y los ancianos cada año. La mayoría de los acusados confesaban sus pecados y eran corregidos y reprendidos, y después se arrepentían. A los que no lo hacían se les podía prohibir temporalmente tomar la comunión; una sanción que el consistorio impuso con frecuencia entre 1555 y mediados de la década de 1570. Además, en prácticamente cada reunión semanal, el consistorio también enviaba al Pequeño Consejo a los individuos pecadores, con el deseo explícito de que las sanciones espirituales de consistorio se complementaran con una sentencia penal. En la década de 1550, al menos el 43 por 100 de todos los casos penales supervisados por el Pequeño Consejo partieron de la iniciativa consistorial. El consistorio ginebrino no tenía autoridad para pronunciar una sentencia criminal contra un pecados; más bien, realizaba una advertencia y llamaba la atención del Pequeño Consejo acerca de la posibilidad de que hubiera cometido un delito

(BEAM, 2020BEAM, Sara. Consistorios y autoridades civiles. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 88-99., p. 89, grifo nosso).

Julgar a fé e castigar o pecado, segundo a autora, eram duas faces de uma mesma moeda no auge da reforma genebrina. Consistório e Pequeno Conselho mantinham uma estreita disciplina religiosa na cidade, de modo que, para Beam (2020, p. 90)BEAM, Sara. Consistorios y autoridades civiles. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 88-99., essa relação se tornou, até meados da década de 1570, simbiótica. Sendo assim, quando escolhia remeter casos ao Pequeno Conselho, mesmo aqueles em que o acusado reconhecia seu pecado e pedia perdão, o Consistório enviava os acusados à flagelação, a desterro e até mesmo à morte. Além de casos de fornicação, adultério, incesto etc., o Consistório e o Pequeno Conselho também trabalharam juntos para castigar os casos de blasfêmia.

Em 17 de dezembro de 1546, a Companhia dos Pastores de Genebra aprova um texto complementar às Ordenanças tornando algumas diretrizes mais precisas. Essa adição foi aprovada definitivamente pelo Conselho da cidade em 3 de fevereiro de 1547 e está dividida em duas partes (KINGDON; BERGIER, 1964KINGDON, Robert. La discipline ecclésiastique vue de Zurich et Genève au temps de la réformation: l’usage de Matthieu 18:15-17 par les réformateurs, Revue de Théologie et de Philosophie, v. 133, n. 3, p. 343-355, 2001., p. 14-18). A primeira trata de questões de caráter mais litúrgico-doutrinária, como ceia, sermões, catecismo, batismo etc. Já a segunda aborda apenas as faltas e suas medidas punitivas. Desse modo, casos de blasfêmia poderiam ser punidos com multas, beijo ao chão ou, em caso de reincidência, envio aos magistrados para punição corporal.

Outra forma de o Consistório exercer a disciplina sobre a cidade era mediante o controle do sistema de caridade e assistência aos pobres. De acordo com Naphy (2020, p. 137)NAPHY, William. Consistorios. In: PARKER, Charles; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 127-138., embora estivesse previsto nas Ordenanças, na prática Genebra não contava com diáconos na administração da caridade. Então, o sistema de assistência social era controlado pela magistratura e funcionava por intervenção do Hospital Geral cuja direção pertencia aos hospitaller e a assistência aos procurures. De 1543 até 1559, três dos cinco hospitaller eram anciãos, isto é, membros do Consistório, assim como 50% dos assistentes. Nesse sentido,

para mediados de la década de 1540 empezó a formarse un grupo cohesionado de ancianos, e cual no solo serviría durante muchos años, sino que, (...), conformaría el cuerpo regular de ancianos que asistían al consistorio semana tras semana. Los ancianos surgían de diferentes categorías profesionales, y aunque había ciertos grupos familiares que claramente mantenían una implicación constante con el consistorio, ningún grupo en especial predominaba sobre los demás. De hecho, la única característica sorprendente de todos los hombres como grupo era que muchos de ellos también estaban implicados en el sistema de asistencia social de la ciudad. (...) Por lo tanto, quizá sí sea bueno recordar que cuando se convocaba a un ginebrino medio o a un refugiado religioso pobre ante el consistorio, los ancianos no solo encarnaban un jurado de poderosos políticos representantes de los tres consejos de la ciudad, sino que el individuo convocado también se presentaba ante un considerable número de hombres que tenían en su poder el control del sistema de ayuda a los pobres de la ciudad. Difícilmente puede sorprendernos que el consistorio, como expresión de la voluntad colectiva de estos políticos-ancianos, fuera capaz de asumir tal autoridad

(NAPHY, 2020NAPHY, William. Consistorios. In: PARKER, Charles; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 127-138., p. 138).

O controle dos meios de assistência social, portanto, potencializava o alcance disciplinador do Consistório. Contudo, algo que precisa ser destacado é que toda a “simbiose” desse tribunal eclesiástico com as instâncias civis só foi possível por causa da figura do ancião, uma personagem laica proveniente da magistratura civil que ocupava cadeira efetiva dentro do Consistório. Nesse contexto, na Genebra à época de Calvino, alcançada a resolução dos conflitos, o que se observa é a cooperação orgânica entre a magistratura civil e a eclesiástica.

No bojo do processo de confessionalização em Genebra à época de Calvino, Paolo Prodi (2005, p. 278)CALVINO, João. A instituição da religião cristã. Tradução: Carlos Eduardo de Oliveria. São Paulo: Editora UNESP, 2008. t. I e II. aponta que a transformação no status da confissão entre os reformados, não sendo mais esta um sacramento, permitiu que sua prática pudesse ser exercida de maneira privada ou como ato coletivo. Com isso, a penitência passava a fazer parte do culto público e renascia o rito penitencial da exomologese (a confissão pública de pecados). Concordar com essa prática significava gozar dos plenos direitos de fazer parte da comunidade. Assim, segundo Prodi (2005, p. 278), no caso das igrejas reformadas, sobretudo na Genebra de Calvino, a origem do processo penal eclesiástico não se encontrava no ato penitencial em si, mas na fiscalização externa sob a penitência imposta por aqueles que exigiam o respeito à disciplina. Nesse sentido, o que se observa é esse amálgama das magistraturas – das instâncias eclesiástica e civil por meio da figura do ancião. Dessa forma, de acordo com Prodi (2005, p. 266-267)PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência e direito. Tradução: Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2005., as Ordenanças Eclesiásticas aparecem como expressão dessa norma positiva que atuava no disciplinamento da sociedade genebrina tanto no nível civil quanto no nível eclesiástico, delimitando quem poderia pertencer ou não àquela confissão de fé: à própria comunidade. Como ele destacou:

A excomunhão como arma fundamental da disciplina tem suas raízes no poder das chaves dada por Cristo à Igreja, e esse poder não pode ser cedido ao magistrado civil, mas deve ser administrado pelos pastores apenas por motivos espirituais, de modo gradual e pacífico, mas com a firmeza necessária para excluir os indignos da comunidade cristã (...). Quando a Igreja persegue todos os delinquentes ou aqueles que, mesmo não estando maculados por crimes enormes, não querem emendar-se e submeter-se, não faz outra coisa a não ser realizar a tarefa de jurisdição que Deus lhe conferira. Desse modo, os Anciãos em Genebra é que assumem a responsabilidade judiciária e de polícia espiritual: acompanhados por um esbirro, também podem entrar e inspecionar todas as casas. (...) é o consistório que forma o tribunal espiritual encarregado de cominar ou suspender a excomunhão. (...) Mas, em Genebra, Calvino é também legislador civil, e o problema da penitência eclesiástica une-se à criação do novo direito positivo: numa concepção orgânica do Estado-Igreja e num contexto teocrático, os dez mandamentos constituem o ponto de referência em que se fundem e se conjugam entre si o direito romano e os direitos consuetudinários. A heresia como crimen laesae maiestatis divinae equipara-se por completo com o atentado contra a soberania civil (...)

(PRODI, 2005PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência e direito. Tradução: Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 286, grifo do autor).

Um ponto importante levantado por Raymond Mentzer (2020, p. 35-36)MENTZER, Raymond. Consistorios. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 35-47., no entanto, refere-se à atuação consistorial para além do controle moral e do disciplinamento social. Segundo esse autor, embora tais aspectos estivessem presentes, as ações do Consistório genebrino abarcavam a administração eclesiástica, a gestão de assuntos econômicos e a já mencionada assistência aos pobres. Além disso, os consistórios assumiram funções pastorais na mediação e na resolução dos mais diferentes tipos de conflitos, em especial os de cunho familiar. Assim, embora tivesse, sem dúvida alguma, um papel repressor, o Consistório também exercia papel conciliador diante dos mais diversos tipos de conflito que aparecessem. Nesse sentido, o Consistório funcionava tanto como um tribunal para “corrigir” pecadores quanto para solucionar as disputas entre familiares, vizinhos etc. (MENTZER, 2020MENTZER, Raymond. Consistorios. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 35-47., p. 39).

Essa “dupla ação” consistorial pode ser explicada pelo fato de que o intento da reforma genebrina ultrapassava o controle, a vigilância e, no limite, a transformação moral-individual para algo muito mais abrangente: a própria comunidade e o espaço genebrino. Conforme demonstrou Philippe Chareyre (2020, p. 178)CHAREYRE, Philippe. Consistorios. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 177-188., a princípio, o objetivo do Consistório era persuadir a comunidade a abandonar Roma e aderir à “nova religião”. Todavia, após o Concílio de Trento até o século XVII, uma nova fase se iniciou por meio de um processo de exclusão religiosa e forte identificação confessional cuja radicalidade pode ser exemplificada com a proibição de casamentos interconfessionais. Então, a fim de levar a cabo esse processo radical de separação, fez-se necessário, segundo o autor, desenhar um plano espacial e físico para o Consistório controlar e vigiar os fiéis. Como apontamos anteriormente, as Ordenanças de 1541 fixaram em 12 o número de distritos ou bairros pela cidade. Dessa forma:

La división del espacio urbano realizada por los consistorios reflejaba la demanda de la nueva Iglesia de establecer el poder sobre este espacio e imponer sus propios estándares morales. Este proyecto supuso la eliminación de la cultura religiosa católica que estaba localizada en lugares sagrados específicos (iglesias y capillas), con la intención de santificar a la comunidad en su conjunto y a sus creyentes individualmente

(CHAREYRE, 2020CHAREYRE, Philippe. Consistorios. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 177-188., p. 178).

Em outras palavras, a transformação espacial foi fundamental para o processo de disciplinamento engendrado pelo Consistório. Finalmente, eram nesses locais que a vida cotidiana se desenvolvia e podia ser constantemente observada por fiéis que denunciavam tudo o que lhes parecesse anômalo; ou então vigiados pelos anciãos, que, caso fosse necessário, poderiam adentrar até mesmo o espaço privado. Como salienta Chareyre (2020, p. 179)CHAREYRE, Philippe. Consistorios. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 177-188., o modo de controlar o espaço público almejava sacralizar a vida cotidiana e santificar a população.

Por outro lado, é fundamental mencionar que esse processo confessional-disciplinar realizado em Genebra após a segunda chegada de Calvino não se deu somente “de cima para baixo”, isto é, mediante a imposição das autoridades e instituições, antes disso, tratou-se de algo compósito, ou seja, um processo que contava tanto com a participação de cidadãos comuns, denunciando desafetos ou submetendo ao Consistório suas demandas a fim de serem resolvidas, quanto com o próprio exercício do poder pelos seus detentores. Como sinalizou Watt:

More broadly, it is fair to say that in overseeing morality, the Consistory of Geneva functioned in both a top-down and a bottom-up manner. On the one hand, the pastors and elders definitely could be heavy-handed in trying to enforce Reformed mores, and in the early a minority of Genevans clearly resented the growing power of Calvin and his supporters. Many people obviously thought that there was nothing wrong with, say, dancing, and the aggressive efforts to forbid giving the names of saints to babies needlessly alienated a good number of locals. On the other hand, the sheer volume of cases that came before the Consistory provides prima facie evidence that Genevans in general shared the ideals promoted by Calvin and his associates. Though it was very intrusive, the Consistory itself did not have the personnel to surveil closely the daily lives of residents. It depended upon the cooperation of the rank and file to identify people who were suspected of fornicating, gambling, praying to saints, and other activities deemed sinful. We have seen examples of Genevans who took it upon themselves to rebuke blasphemers, ordering them to immediately get on their knees and beg forgiveness from God. Residents of Calvin’s Geneva were in effect practicing a form of neighborhood watch. Some of those who denounced others no doubt might have been trying to settle scores with their enemies rather bringing them back to the straight and narrow path, a danger that was not lost on the Consistory. It is evident, however, that for the most part Calvin and his colleagues espoused a brand of morality that the large majority of Genevans embraced

(WATT, 2020WATT, Jeffrey. The Consistory and social discipline in Calvin’s Geneva. Rochester, New York: University of Rochester Press, 2020., p. 223).

De toda maneira, o principal a se destacar é a ênfase na transformação do comportamento implementada pelo Consistório. Muito além das consciências e dos pensamentos heterodoxos, a atuação consistorial em Genebra, à época de Calvino, concentrava-se na erradicação do pecado no seio da sociedade. O que mais pesava na pedagogia do Consistório não era tanto o castigo, mas sim oferecer bons exemplos na intenção de se forjar uma comunidade unificada e pura a ser apresentada ao criador (CHAREYRE, 2020CHAREYRE, Philippe. Consistorios. In: PARKER, Charles H.; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 177-188., p. 184); finalmente, como afirmava o Catecismo de Calvino (1549), a razão para se conhecer a Deus encontrava-se no fato de ele ter nos criado para, em nós, ser glorificado6 6 Para este artigo, consultamos a versão on-line. Cf. CALUIN, 1549. Disponível em: https://books.google.fr/books?id=qTc8AAAAcAAJ&printsec=frontcover . Nesse caso, embora estivessem empenhados em combater a idolatria, as superstições e devoções “romanas”, a principal atividade disciplinar do Consistório centrava-se no controle moral da sociedade, isto é, no controle dos gestos e das práticas de cada cidadão a fim de instituir uma comunidade fraternal livre do pecado.

A reforma da vida, em seu sentido comportamental, foi uma grande diferença entre reformados e luteranos. Segundo Watt (2020, p. 225)WATT, Jeffrey. The Consistory and social discipline in Calvin’s Geneva. Rochester, New York: University of Rochester Press, 2020., “For the Reformed, the importance of glorifying God in one’s life, of putting piety into action dovetailed nicely with discipline, which, in Geneva was not just imposed by magistrates but also supported by the community at large”. Ao retornar para Genebra em 1541, Calvino não procurou, apenas, reformar a igreja, mas sim a sociedade, e, para isso, a transformação do comportamento era fundamental. Segundo o próprio Calvino (2008, p. 651)CALVINO, João. A instituição da religião cristã. Tradução: Carlos Eduardo de Oliveria. São Paulo: Editora UNESP, 2008. t. I e II., a disciplina servia à Igreja como nervos que conectam os membros, mantendo-os no lugar, ou seja, cumpria papel essencial na organização e manutenção da igreja e da sociedade. A presença frequente de Calvino nas reuniões do Consistório revela a importância e seriedade com que o reformador tratava este tema7 7 Segundo os registros consistoriais, Calvino foi a personagem que mais esteve presente nas reuniões, num total de 76% entre os anos de 1542 e 1552 (NAPHY, 2020, p. 133). . Finalmente, como ele mesmo apontava, negligenciar a disciplina era o “princípio certo da mais horrenda devastação da Igreja” (CALVINO, 2008CALVINO, João. A instituição da religião cristã. Tradução: Carlos Eduardo de Oliveria. São Paulo: Editora UNESP, 2008. t. I e II., p. 652).

A ação consistorial genebrina, portanto, sedimentou, definitivamente, o projeto de reforma de Calvino expresso em suas Ordenanças de 1541. Tal quadro corrobora o cenário mais amplo dos processos confessionais e disciplinares mencionados no início do texto que marcaram a primeira modernidade. Como fora dito, a figura do ancião como alguém que transitava entre a magistratura civil e o poder eclesiástico unia essas instâncias, de modo a operacionalizar a institucionalidade confessional genebrina a serviço do poder civil. Todavia, como apontamos, é fundamental perceber as nuances que a confessionalização e o disciplinamento conheceram na reforma da cidade, na medida em que esta não só envolveu a sociedade como um todo, como também contou com resistências, negociações, imposições e ações, tanto por parte dos poderes constituídos quanto pelos próprios cidadãos que não apenas replicaram a disciplina, mas também ajudaram a criá-la.

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    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. Este trabalho é resultado da tese de doutorado defendida no ano de 2022.
  • 2
    Doutor pelo Programa de Pós-graduação em História do Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, membro do Laboratório de Estudo dos Protestantismos (LABEP-UFRRJ) e do Núcleo de Estudos sobre Narrativas e Medievalismos (LINHAS – UFRRJ). Professor do ensino básico de Maricá e Rio de Janeiro.
  • 3
    Em razão dos inúmeros trabalhos de síntese que expuseram mais detalhadamente essa teoria, optamos por apresentá-la de modo mais sucinto e direto, tendo em vista seus usos e objetivos para este artigo. Esses trabalhos serviram de base para construção deste artigo, e suas respectivas referências estão presentes ao longo do texto.
  • 4
    Na contramão do que afirma Rodrigues (2017)RODRIGUES, Rui Luis. O processo de confessionalização e sua importância para compreensão da história do Ocidente na primeira modernidade (1530-1650). Revista Tempo, v. 23, n. 1, p. 1-21, jan./abr. 2017. DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2017v230101.
    https://doi.org/10.1590/TEM-1980-542X201...
    , Silvia Liebel defende que a teorização deve ser sempre o alicerce da prática historiográfica. Embora críticas à teoria da confessionalizacão possam ser realizadas, Liebel considera que esta permanece rica em debates se estendendo para além da Academia alemã em um esforço de conjugar análises particulares com um escopo maior. Assim, para a autora, é justamente nesse esforço em busca do macro que a tese transcende o caráter pontual dos estudos regionais e paroquial, conservando seu mérito. Cf. LIEBEL, 2020LIEBEL, Silvia. Abrir janelas nas almas dos homens: notas historiográficas nos 500 anos da Reforma Protestante. Revista História Unisinos, v. 24, n. 3, p. 418-431, set./dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.4013/hist.2020.243.07.
    https://doi.org/10.4013/hist.2020.243.07...
    .
  • 5
    Essa carta pode ser encontrada em português na obra CALVINO, 2017CALVINO, João. Uma coletânea de escritos. São Paulo: Vida Nova, 2017.. Ou em francês na coletânea CALVIN, 2009CALVIN, Jean. Oeuvres. Éditions établie par Francis Higman et Bernard Rouseel. Paris: Éditions Gallimard, 2009..
  • 6
    Para este artigo, consultamos a versão on-line. Cf. CALUIN, 1549CALUIN, Iean. Le Catechisme, 1549. Disponível em: https://books.google.fr/books?id=qTc8AAAAcAAJ&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false. Acesso: 25 jul. 2023.
    https://books.google.fr/books?id=qTc8AAA...
    . Disponível em: https://books.google.fr/books?id=qTc8AAAAcAAJ&printsec=frontcover
  • 7
    Segundo os registros consistoriais, Calvino foi a personagem que mais esteve presente nas reuniões, num total de 76% entre os anos de 1542 e 1552 (NAPHY, 2020NAPHY, William. Consistorios. In: PARKER, Charles; STARR-LEBEAU, Gretchen (ed.). Fe y castigo: inquisiciones y consistorios calvinistas en el mundo moderno. Traducción: Noa Alarcón. Madrid: Cátedra, 2020. p. 127-138., p. 133).

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Editado por

Editores responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2023
  • Aceito
    05 Dez 2023
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