Open-access O SUICÍDIO DE JEAN AMÉRY (1968-1978)1

THE SUICIDE OF JEAN AMÉRY (1968-1978)

Resumo

Enfoca-se a história da reflexão de Jean Améry (1912-1978) sobre o envelhecimento e a morte voluntária. Prisioneiro e sobrevivente de campos de concentração e extermínio da segunda guerra, Améry teve uma relação cotidiana com a violência e a morte. Na década de 1960, produziu de modo mais organizado uma série de ensaios que se tornaram referência na literatura de teor testemunhal. A hipótese é que as reflexões de Améry sobre o suicídio, e a decisão por ser o algoz de si mesmo em 1978, passam a tomar parte mais enfática do seu trabalho intelectual em 1968, com a publicação do ensaio Über das Altern. Revolte und Resignation. O artigo procura não perder de vista a dialética sujeito/coletivo, indivíduo/sociedade, e considera a dimensão histórica das experiências de Améry, constituintes da contemporaneidade de suas ideias.

Palavras-chave Jean Améry; morte voluntária; envelhecimento; testemunho; violência e catástrofe

Abstract

It focuses on the history of Jean Améry’s (1912-1978) reflection on aging and voluntary death. A prisoner and survivor of WWII concentration and extermination camps, Améry had a daily relationship with violence and death. In the 1960s, produced a more organized series of essays that have become a reference in testimonial literature. The hypothesis is that Améry’s reflections on suicide and his decision to be his own executioner in 1978 became a more emphatic part of his intellectual work in 1968, with the publication of the essay Über das Altern. Revolte und Resignation. The article tries not to lose sight of the dialectic subject/collective, individual/society, and considers the historical dimension of Améry’s experiences, which constitute the contemporaneity of his ideas.

Keywords Jean Améry; voluntary death; aging; testimony; violence and catastrophe

Introdução: o suicídio – olhares

Este artigo aborda a história da reflexão de Jean Améry sobre o envelhecimento e o suicídio, e toma como referência primária ou mais imediata dois de seus ensaios: Über das Altern. Revolte und Resignation, de 1968, e Hand an sich legen: Diskurs über den Freitod, de 1976.3 Inscrevo esta análise no campo da história intelectual e considero pensar suas interdisciplinaridades com a sociologia, a antropologia e a ética.

O termo “história intelectual”, de longa tradição nas ciências sociais, responde a uma questão sobre o potencial de mobilidade das ideias de um autor ou de autores, e da eficácia social dessas ideias em novos e outros contextos culturais, quando acontecem sucessivos deslocamentos reflexivos, eventualmente, apropriados e traduzidos. Os segmentos que recepcionam esses repertórios de linguagens interagem com tais possibilidades, produzindo compreensões a partir de uma operação sistemática de leitura de textos. Observo como importantes as contribuições de LaCapra (2012, p. 237-293) sobre o significado das complexas relações entre contextos e textos, e a necessidade de um constante ir e vir temporal que impulsiona o pesquisador a se colocar diante dos problemas de interpretação formulados pela interdisciplinaridade.

Ao contrário de países como Alemanha, França e Espanha, no Brasil, a biografia e a trajetória intelectual de Jean Améry (1912-1978) passaram a ser objetos de maior interesse somente a partir de 2012/2013.4 O período coincide com a tradução do testemunho Jenseits der Schuld und der Sühne. Bewältigungsversuche eines Überwältigten,5 uma reunião de ensaios autobiográficos publicada pela primeira vez em 1966.

Surpreende a constatação de que na cultura acadêmica anglófona tenha sido tardio o ingresso do pensamento de Jean Améry. Zolkos (2011, p. IX), ao organizar uma coletânea de ensaios sobre Améry ressaltou que o meio acadêmico de língua inglesa até aquele momento não dedicava muita atenção ao trabalho desse intelectual. Essa lacuna passaria a ser preenchida desde então com as várias publicações que cruzam os “domínios disciplinares da filosofia, da literatura pós-holocausto, dos estudos judaicos e alemães e que reconhecem a importância das ideias de Améry” (ZOLKOS, 2011, p. XI). Uma exceção notável à ausência de investigações sobre Améry no horizonte acadêmico de idioma inglês é Radical Humanism – Selected Essays, organizado e publicado em 1984 por Sidney Rosenfeld e Stella P. Rosenfeld, sob os auspícios da Editora da Universidade de Indiana, Estados Unidos. Nesse volume, já se anteviam muitas questões que somente passaram a ocupar os problemas de pesquisas sobre Jean Améry no início da década de 2010, tais como a teoria do ressentimento, a atração de Améry ao pensamento de tradição revolucionária e anticolonialista de Frantz Fanon, e discussões que vieram à tona nos últimos anos de vida de Améry, como o ressurgimento do antissemitismo.

Améry nasceu, como Hans Maier, em Viena no ano de 1912, em uma família de pai judeu-austríaco e mãe católica, na qual era o único filho. Foi porteiro, mensageiro, pianista de bar, ajudante em livrarias e filósofo autodidata com fortes vínculos aos métodos e ao pensamento neopositivista da Escola de Viena.

A partir da anexação da Áustria pela Alemanha nazista em 1938, Améry, identificado como judeu, foi convertido em apátrida e perseguido, exilando-se na Bélgica em 1939 e unindo-se à resistência antifascista. A tortura da qual foi vítima em 1943 na fortaleza de Breendonk, localizada cerca de vinte quilômetros ao sul de Antuérpia, e a passagem por quatro campos de concentração e extermínio durante a segunda guerra, ficaram indelevelmente marcadas na existência de Améry. Esse processo configura a sua filosofia do ressentimento e a construção de uma intransigente recusa a qualquer possibilidade de perdão em face da dimensão escandalosa dos crimes perpetrados pelo nazismo. As experiências sobre o exílio, as perseguições e a violência sofrida somente foram verbalizadas no ano de 1966, no contexto dos processos que ocorreram na cidade de Frankfurt, entre 1963/1965, contra ex-membros da SS nazista. Desse momento histórico em diante, é sensato concordar com Magdalena Zolkos (2011, p. IX-XXIV), quando qualifica Améry como o “filósofo da catástrofe”. Qual seria o sentido aproximado dessa expressão? Joseph Rosen (2011, p. 289) menciona que muito da identidade intelectual de Améry é baseada, em certo modo, na perspectiva de que a catástrofe é uma repetição de coisas ou uma possibilidade de repetição permanente da violência histórica.6

Dentro de uma visão particular esquemática e parcial, compreendo os termos de Zolkos e Rosen em razão de que o pensamento de Améry tem como vetor desencobrir um debate em que estão envolvidas categorias inalienáveis da filosofia e da história: genocídios, perdão, ressentimento, catástrofe, lógica da vida versus ilógica da morte. Essas questões começam a aparecer na medida em que a profunda subjetividade contida nas reflexões de Améry pode também indicar um rumo pelo qual ficará explícita sua necessidade de traduzir processos existenciais na forma de um grande e trágico dilema do ser humano diante da magnitude das violências, dos extermínios sistemáticos e injustiças cometidos durante o século XX. Améry suicidou-se em 1978.

A breve descrição sobre a trajetória de Jean Améry não pretende expressar as complexidades dos episódios biográficos do intelectual, que são descritos frequentemente nos textos em que ele é o próprio autor. Tais elementos constituem passagem para que o artigo venha a refletir de modo não exaustivo sobre a morte voluntária, sobretudo, a partir de alguns lampejos de autores que trataram do tema ainda no século XIX. Realizada essa operação, oportuna do ponto de vista metodológico, verticalizo para o interesse específico da investigação que é tratar sobre o modo como Jean Améry descreve, analisa e pensa as condições para o indivíduo “escolher” a morte voluntária.

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Em 1846, Karl Marx publicou, na revista alemã Gessellschaftsspiegel, uma longa resenha crítica sobre o fenômeno do suicídio na sociedade do século XIX. Essa resenha foi inspirada em estatísticas de um funcionário da monarquia francesa, a partir dos serviços que executou nos arquivos da polícia de Paris. O nome desse funcionário era Jacques Peuchet (1758-1830), e o título que acabou recebendo a resenha de Marx foi Peuchet: vom Selbstmord. As conclusões de Marx sobre o tema tinham a ver com as causas que explicavam a frequência de suicídios e quanto a indicar a classe social que recebeu atenção de suas análises. O olhar de Marx dirigia-se às classes abastadas do período, buscando, em posse dos registros herdados de Peuchet, um conjunto de fatores que levavam, sistematicamente, pessoas a adotarem uma atitude extrema, como era o fato de darem cabo de suas existências. A indagação central de Marx resumia-se a: “Como se explica que, apesar de tantos anátemas, o homem se mate?” (MARX, 2006 [1846], p. 26). Ou, de outra forma, como o suicídio, devido ao considerável incremento de seus números anuais, podia explicar determinados sintomas da organização deficiente da sociedade capitalista?

É verdade que Marx não foi o primeiro a discutir em bases científicas o problema da morte voluntária no século XIX. Antes dele, ao menos, médicos como Jean-Étienne Esquirol (1772-1840) e o eminente professor Claude-Étienne Bourdin (1815-1886) acabaram por discutir o suicídio a partir do ponto de vista das alienações e das doenças mentais. Bourdin, por exemplo, reunindo considerações de natureza médica e jurídica, esclareceu em seu tratado de 1845, Du Suicide Considéré Comme Maladie, que o suicida era um sujeito inimputável e, por isso mesmo, alguém destituído de liberdade (REIS; BEZERRA; REIS, 2020, p. 388-389).

No final do século XIX, foi publicado o célebre estudo sociológico de Durkheim. Uma interpretação sobre o suicídio que inspirou, a partir dos anos 1950, os estudos que, derivados direta ou indiretamente da leitura de Durkheim, tentaram explicar as motivações ou os fatores clínico-patológicos, psicopáticos, sociais ou extrassociais que conduzem pessoas à morte voluntária. Durkheim, como fizera Jacques Peuchet décadas antes, estudou o fenômeno à luz das estatísticas oficiais, analisando-o “como resultado de causas coletivas, sociais ou institucionais, e não somente psicológicas e individuais” (JANÍN, 2008, p. 131). Tornou-se clássica na literatura, o que o sociólogo francês designou como a “definição objetiva de suicídio”, determinando-o como uma espécie particular de morte que resulta da ação da própria vítima. Partindo dessa menção preliminar que eu denominaria de trivial, Durkheim desdobra o objeto em sucessivas indagações que adensam a um limite extremo de reflexão a complexidade de sua investigação:

Diremos que só há suicídio quando o ato de que a morte resulta é realizado pela vítima tendo em vista esse resultado? Que só se mata verdadeiramente quem quer se matar e que o suicídio é um homicídio intencional de si mesmo? (...) Como saber qual o móbil que determinou o agente e se, quando tomou sua resolução, era a própria morte que ele queria ou se tinha algum outro objetivo? (...) Quantas vezes nos enganamos a respeito das verdadeiras razões que nos fazem agir! Constantemente, explicamos por paixões generosas ou considerações elevadas procedimentos que nos foram inspirados por sentimentos mesquinhos ou por cega irreflexão

(DURKHEIM, 2000 [1897], p. 12).

Recentemente, um olhar crítico sobre o fenômeno do suicídio apareceu ao Brasil e reafirmou a implosão das teses de Durkheim pela desconstrução das noções de integração e regulamentação social, duas das bases categoriais que alicerçavam e davam substância teórica ao estudo do sociólogo francês. Marzio Barbagli, em O suicídio no Ocidente e no Oriente (2019), com uma descrição minuciosa da história do suicídio desde a poeira dos tempos, ou desde a apresentação de testemunhos sobre o suicídio que datam do século XIV ocidental, argumenta que a tese de Durkheim remete a variações na frequência das mortes voluntárias a apenas duas grandes causas: 1) a integração; 2) a regulamentação social. A primeira causa consiste na quantidade e na força dos vínculos que unem um indivíduo a vários grupos. Baixa é a taxa de suicídio quando a integração é equilibrada; ao passo que aumenta quando ela é escassa ou quando é excessiva. A segunda causa diz respeito aos desejos ilimitados e insaciáveis dos indivíduos. As normas (a regulamentação social) colocariam freios em nossos apetites, definindo direitos e deveres dos ocupantes das diversas posições sociais (BARBAGLI, 2019, p. 8). Quando uma sociedade regula de maneira demasiado insuficiente, tem-se o suicídio anômico. Esse evento seria típico da sociedade moderna, quando ela, em um processo de instabilidade, ingressa em fortes crises sociais e/ou expansões econômicas que geram o enfraquecimento das normas sociais. Quando uma sociedade regula em demasia, tem-se o suicídio que Durkheim designa como fatalista, projetado em uma atmosfera social cujas características mais gerais seriam a opressão, a falta de perspectivas e as paixões violentas reprimidas.

Outro núcleo da crítica de Barbagli à interpretação durkheimiana se concentra em dois encaminhamentos de natureza teórico-metodológica. Para Barbagli, os conceitos empregados por Durkheim são pouco claros, não oferecendo uma distinção entre, por exemplo, “tipos” de morte. A segunda crítica é quanto às fontes. As estatísticas oficiais, segundo Barbagli, subestimam o número total real dos suicídios (crítica equivalente que podemos fazer ao trabalho de Marx sobre Peuchet), e essa subestimação é seletiva, a “depender da eficiência dos mecanismos de registro e da atitude da população” (BARBAGLI, 2019, p. 9-11). Não obstante, é nesse livro que reside um capítulo de fundamental importância para minhas reflexões seguintes, tendo em vista que o autor ingressa com citações a Améry. Barbagli dedica parte dele a discutir os devastadores efeitos do universo concentracionário na subjetividade daqueles que conseguiam sobreviver um dia a mais no lager, e como se apresentava ao prisioneiro a possibilidade de adotar como postura extrema a morte voluntária. Há relatos de sobreviventes como Viktor Frankl ou de comentaristas como Hannah Arendt, afirmando que o número de suicídios era bastante escasso: “A regra geral, segundo todos os sobreviventes, era que os internos não tiravam a própria vida” (BARBAGLI, 2019, p. 196). E é justamente a partir desse insight que começa a corporificar uma incipiente reflexão de Jean Améry enquanto teórico do suicídio.

Barbagli coloca-se como escuta quando Améry argumenta que, se as pessoas nos lager raramente se suicidavam, era principalmente porque a diferença entre a morte voluntária e a involuntária deixava de existir na sua ordem moral e, portanto, o suicídio acabava por perder qualquer significado (BARBAGLI, 2019, p. 199).7 Améry viveu e percebeu no lager a indistinção entre morte voluntária e involuntária. Ao suicídio não era conferido um sentido marcante do ponto de vista moral, nem qualquer representação vinculada a uma atitude altruísta, a não ser que o ato pudesse significar o fracasso do carrasco em submeter e controlar absolutamente a vida, o corpo, a mente e a morte do prisioneiro. Como lembrou Jean-Marie (2018, p. 25), “Left with neither hope nor solace, Améry strips the concetration camp of all meaning other than its destructive power of annihilation”.8

Agora, é possível discutir como Améry alicerça o seu pensamento sobre o único fenômeno preciso, previsível e irreversível da existência humana: a morte. A questão seguinte a ser descrita e analisada reverbera os modos pelos quais essa sensação de finitude e de projeção da morte voluntária estão verbalizados nos ensaios de Améry que tomam, historicamente, o espaço datado entre 1968 a 1976. Alguns autores, tal como sua principal biógrafa, ao resumirem a trajetória de Améry que o conduz ao ato suicida, afirmam que é relativamente simples constatar que, em seu “discurso sobre a morte voluntária” de 1976, Améry, ao falar do suicídio, pretendia antecipar o ato cometido contra si mesmo (HEILDELBERGER-LEONARD, 2010, p. 295-321). Essa afirmação é procedente e razoável. Porém, devemos levar em conta o fato de que, antes de escrever o ensaio sobre a morte voluntária, Améry já havia atentado contra a vida, fracassando nessa primeira tentativa. O destaque de Heidelberger-Leonard abre um caminho ao aparecimento de outras possibilidades quanto a investigar o potencial heurístico das teses de Améry, não somente sobre a morte voluntária, senão em referência às reflexões que tece sobre o envelhecimento, o declínio físico e psíquico, o abandono, a solidão e as subjetividades que estão latentes nessa disputa do indivíduo com si mesmo e com a sociedade que erige um tabu a respeito do suicídio em nome de uma “lógica da vida”. De acordo com o lúcido argumento de Campbell (2019, p. 237-238):

Améry wrote On Suicide after an unsuccessful suicide attempt and before his successful suicide in 1978. In the essays, he eschews attempts to examine the phenomenon through psychological or quantitative sociological methods and instead attempts to elucidate the lived phenomenon of suicide. This in turn positions suicide as both an assertion of individual freedom and as an act brings freedom. As such, discussions of suicide cannot be fully contained within the discourses of psychology and sociology or more generally within what he referred to as the domain of the “logic of life”. The “logic of life” refers to a collection of often unexamined sociological, psychological, and biological pressures and inertias that encourage and coerce continued living and well-being.9

No suicídio, portanto, reside uma premissa de rejeição ao status de uma existência normalizada, natural ou positiva que sintetiza a consigna “todos têm direito à vida”. No âmbito de sua filosofia reconhecidamente pessimista, talvez Améry complementasse essa afirmação da seguinte maneira: “todos têm direito à vida e... à morte”. É importante intuir razões de natureza histórica para o ato suicida em Améry, por meio de uma indagação: como é possível identificar na história dessa reflexão o quanto a história de sujeito e coletivo são interdependentes, e como essa relação complexa e dialética entre indivíduo e sociedade pode repercutir na agência e no preparo meticuloso de um ato dessa extrema gravidade?

Envelhecer, declinar

Em 1968, Jean Améry publicou o ensaio Über das Altern. Revolte und Resignation,10 versando sobre a relação entre a irreversibilidade física e mental significada pelo envelhecimento, e a irremediável finitude da vida. A reconquista da dignidade desse sobrevivente de Auschwitz parecia relativamente consolidada. Essa reconquista passou a ser perseguida desde o momento em que Améry tomou consciência, na Viena de 1935, ainda sob o nome de Hans Maier, que era um homem condenado à morte pelo fascismo por ter-se “descoberto” judeu através das leis raciais de Nuremberg. A reconquista da dignidade tomou a forma de obsessão para o apátrida e resistente antifascista Améry desde a sua libertação do universo concentracionário em 1945. Até que ponto o intelectual cujo valor das reflexões filosóficas e históricas sobre as catástrofes do século XX obteve reconhecimento tardio por parte da intelligentsia europeia parecia produzir uma visão antecipatória, no ensaio referido, do seu futuro salto para a morte em 1978?

Em princípio, auxilia a responder essa questão a existência como pária, ou raté, como ele mesmo adjetiva sua condição nos anos seguintes ao fim da segunda guerra mundial (AMÉRY, 2006 [1971], p. 132). Améry encontra na paixão pelo existencialismo sartreano mais uma espécie de evasão do ser do que propriamente um sistema organizado de ideias por onde alicerçar um projeto de ser no mundo. O existencialismo, segundo Améry, se converte em “filosofía personal del hambre de vida que me invadió, socavándome, después de tantas muertes, de tantas resurreciones provisionales”11 (AMÉRY, 2006 [1971] p. 121). É o mesmo existencialismo que confere a Améry um sentido profundo da solidão na qual se abandona, e o situa, em uma espécie de abismo que ao final encontra a percepção de uma liberdade plena, sem ainda identificar um real significado nessa liberdade:

Dependiendo sólo de mí mismo, sin patria, excluido de toda tradición, estaba “echado al mundo”: de forma literal, no metafórica, experimentando hora tras hora el abandono y con él la autoproyección como nueva realidad, inventor de mí mismo, aunque inventor miserable, que tomaba sobre sí el riesgo de la libertad pero que no sabía saltar chispas de semejante libertad12

(AMÉRY, 2006 [1971], p. 130).

Ao repensar as décadas de 1930 e 1940, sabedor de que estava lutando contra um poder destrutivo de dimensões incalculáveis, diz Améry ter acolhido a sentença do mundo, “mas tomei a decisão de vencê-la por meio da revolta” (AMÉRY, 2013 [1966], p. 143). Dos grotões mais sombrios e obscenos dos campos de Gurs, Auschwitz, Büchenwald e Bergen-Belsen, reemergido do escárnio, da imundície e da humilhação, há uma passagem da reflexão de Améry que diz respeito àquela espécie de reconquista da dignidade somente possível porque ali parece nascer a certeza de que a resistência moral consiste em devolver os golpes do carrasco não se dobrando à violência. Seria esse um exemplum que servirá de experiência para os anos de envelhecimento? Talvez. Penso que a resistência moral demonstrada diante do carrasco será reinventada em forma negativa quando Améry descreve a impotência do indivíduo em uma disputa desproporcional do corpo e da mente contra o envelhecimento e a doença. A citação é longa, porém, indispensável, para compreendermos um átimo de revolta possível diante de uma realidade cujo único dado concreto, palpável, era a morte:

Vejo diante de mim o capataz Juszek, um criminoso polonês terrivelmente forte. Certa vez, por uma bobagem qualquer, deu-me um tapa, pois estava acostumado a tratar assim os judeus que tinha sob seu comando. Nessa hora, percebi com uma lucidez aguda que dependia de mim dar um passo à frente em meu longo processo de apelação contra a sociedade. Em um ato de revolta aberta, revidei o tapa do capataz: minha dignidade estampou-se na forma de um tapa em seu maxilar e depois não teve importância o fato de que, muito mais fraco, eu fosse impiedosamente moído de pancadas. Apesar de machucado, estava satisfeito. Não pela minha coragem ou minha honra, mas porque percebi claramente que na vida há situações em que nosso corpo é todo nosso Eu e o nosso destino. Eu era o meu corpo e nada mais: na fome, no golpe que recebi e no golpe que devolvi

(AMÉRY, 2013 [1966], p. 143-144).

Améry fala em revolta. Mas junto a ela se encontra a resignação. No final da década de 1960, a série de doenças que o acomete e o irremediável processo de envelhecimento tornam sua vida cada vez mais dependente do passado. O envelhecer não levaria um sujeito que foi desterrado e torturado a nenhum tipo particular de conhecimento, mas a uma experiência difusa e contraditória que carece reconstruir. A reconstrução do tempo passado é uma atividade que somente cabe nos campos da narratividade, do pensar histórico e das reinterpretações. Tendo sido confiscados passado e futuro, a reconstrução no presente, em si e por si, possibilitaria o ressurgimento de reservatórios de esperanças, expectativas e identificações positivas que revertessem o desprezo e o ódio contra o eu perdido. Porém, na reflexão que Améry desencadeia sobre o envelhecimento, já estão pautados os problemas de a memória do passado devorar o presente, e o problema da morte é visualizado como um espaço sem gravidade, um nada.

Améry trata nos ensaios publicados em RR da pessoa que envelhece na relação com o tempo, com o próprio corpo, com a sociedade, com a civilização e, finalmente, com a morte (RR, 2001 [1968], p. 7). Suas inspirações teóricas derivam da leitura de um filósofo em particular: Vladimir Jankélévitch. É nesse diálogo que emergem o conceito-ação envelhecer como “trágico infortúnio” e a tentativa de registrar os processos nos quais está implicada a pessoa que envelhece, ainda que Améry abdique de um discurso cujo fulcro seja auxiliar a organizar a vida de quem envelhece:

El pasado está y permanece. El presente y el futuro, en cambio, pierden su carácter temporal. El presente es continuamente devorado por el pasado, y el futuro no alcanza mejor destino. Pero todo esto sólo es descubierto y comprendido por el individuo que envejece, porque ya, razonablemente, no espera, no puede esperar mucho y cuando a un amigo le dice, «nos veremos el año que viene» afloran en él las primeras reservas13

(RR, 2001 [1968], p. 36).

Améry aprofunda essa visão desalentadora em face da impossibilidade de impedir a passagem do tempo. O gesto simbólico (e singelo) de trocarmos diariamente as folhas do calendário ganha materialidade, utilidade efetiva. Quanto mais o tempo avança, mais a subjetividade de nossa memória nos empurra para o passado, e mais a temporalidade física se acelera em direção à nossa morte: “Aquel que considera que tiene delante de sí eso que habitualmente se denomina ‘tiempo’, sabe que está en realidad destinado a salir al espacio, a salir de sí mismo”, e, por consequência: “Lo que va a su encuentro es la muerte, y la muerte lo quitará absolutamente del espacio, le ‘desespacializará’ a él mismo y a cuanto quede de su cuerpo, le ha de sustraer el mundo y la vida y sustraerá a él mismo y a su espacio del mundo”14 (RR, 2001 [1968], p. 48).

Somente a pessoa que envelhece pode experimentar plenamente a irreversibilidade do tempo. Assim, parece-me que devemos considerar a seguinte interdependência: as notórias convicções ateístas de Améry o conduzem gradativamente ao longo dessa dolorosa (e sóbria) análise sobre o envelhecimento, a deslocar o foco da narrativa para o que designa “total negatividade”. A expressão confere significado à morte, se é que, afirma Améry, o “nada” da morte pode significar algo. Nesse âmbito, é célebre uma passagem na qual Améry faz alusão ao simbólico que reside nas figurações sobre a atmosfera cemiterial com seu acúmulo de escombros e passados. Permito-me afirmar que a imagem produzida por Améry é como estivesse a reverberar, ainda que por uma metodologia oblíqua, as aflições do anjo da história benjaminiano:

En el cementerio parisino del Père Lachaise se ven mausoleos abandonados y desastrados, habitados por las ratas. La inscripción en oro, ya sin brillo, informa: Concession à perpétuité, suelo adquirido para siempre: como si el bienestar burgués pudiese alcanzar al menos en el espacio la pseudoeternidad. Casa, tierras, libros, cuadros y monumentos funerarios, un día todo seguirá el destino de las noches de amor y sufrimiento del difunto: será como si no hubiesen existido jamás15

(RR, 2001 [1968] p. 52-53).

Tempo, espaço, morte. Meus argumentos tendem a coincidir, em certos aspectos, com a reflexão encetada por Zolkos. Atenta observadora dos imprecisos rumos traçados pela escrita de Améry, Zolkos assinala que a ideia de vulnerabilidade temporal do sujeito é um dos temas centrais nas teses de Améry sobre o envelhecimento. A ênfase reside no seguinte paradoxo: a objetiva irreversibilidade física do tempo parece exigir de Améry pensar em termos de memória e passado, embora memória, necessariamente, não coincida com passado. Segundo Zolkos, Améry define irreversibilidade em termos “trágico-existenciais como um desejo ardente e igualmente desesperado daqueles que estão envelhecendo de reverter o tempo” [reversal of time] (ZOLKOS, 2010, p. 85).

Por ser vulnerável ao tempo, o sujeito também é suscetível a revoltar-se contra as irremediáveis vicissitudes temporais deslocando ou reforçando sutilmente pontos de vista mais ou menos estabelecidos sobre a passagem do tempo. Em 1971, três anos depois da publicação de Revuelta y resignación, Améry lança o ensaio autobiográfico Unmeisterliche Wanderjahre,16 em que retomará em um dos capítulos o complexo problema do binômio história e tempo, agora, integrando uma variação ou um componente nucleado entre a rebelião e o inconformismo:

La dignidad humana es la rebelión contra lo que está dado de tal y tal forma, pero también es la revuelta contra un pasado que ya ha penetrado en el ser. La resistencia es legítima no sólo contra aquello que sucede: no se debe aceptar tampoco lo que sucedió. (...) La resistencia contra la irreversibilidad del tiempo es um derecho humano inalienable17

(AMÉRY, 2006 [1971], p. 161).

Améry assegura que o desejo do ancião é inverter o tempo, convertendo em não acontecido o acontecido e transformar em acontecimento o que não aconteceu. O arrependimento gerado pela sensação do “nunca mais” marca, para Améry, a origem mais profunda da angústia diante da morte: ela não somente nos exclui do espaço, mas destrói o tempo sedimentado em memória dentro de nós. A relação entre tempo e espaço tantas vezes apropriada por Améry é uma relação hostil ou, dito de modo mais sensato, talvez inconciliável, porque, à medida que o tempo de vida avança, o espaço em que se localiza e se movimenta essa própria vida vai extinguindo. Quanto mais definitivamente o indivíduo que envelhece se reconhece nessa condição, com tanta maior precisão experimenta o tempo em sua irreversibilidade; “com tanto maior desespero luta contra ele, e menos renunciará àquilo que lhe pertence” (RR, 2001 [1968], p. 56-57). Aqui e acolá repercutem intuições trazidas pela leitura de um dos interlocutores antes citado, e que Améry admirava: o filósofo francês Vladimir Jankélévitch (1903-1985), pensador que o teria inspirado, segundo suas próprias palavras, a criar as imagens narrativas situadas entre o envelhecimento e a morte. A obra de referência de Jankélévitch na qual Améry alicerça seu pensamento é La mort, originalmente publicada em 1966.

Em uma série de quatro entrevistas concedidas entre 1967 e 1975, Jankélévitch debate problemas filosóficos e históricos em cujo núcleo se localiza o pensar sobre a morte.18 Considero haver algum parentesco entre as ideias de Améry e Jankélévitch sobre temporalidade e espaço. Para o filósofo francês a vida é, sobretudo, tempo que não pode ser desdobrado em espaço. O mesmo contraste é verificado quando se produz o nascimento, quando a morte é um futuro longínquo ainda inexistente. Em consequência, morte e nascimento são assimétricos: “porque en el nacimiento la nada está antes, mientras que en la muerte está después” (JANKÉLÉVITCH, 2004, p. 16).19

Como posso defender esse meu tênue e impreciso argumento sobre o parentesco entre o pensamento de Améry e Jankélévitch? Améry afirma:

El espacio, incluso mi espacio, del que entro en posesión mediante la intuición espacial, es al mismo tiempo el espacio de los demás: es un fenómeno comprensible intersubjetivamente. No tiene en sí mismo nada de inmediato y no existe inconmensurabilidad entre el espacio vivido y el espacio mesurable de la ciencia. Con mi tiempo, no obstante, estoy solo, por mucho que pueda desear comunicarlo. El sentido del tiempo posee por ello una dramaticidad absolutamente incomparable con la del sentido del espacio20

(RR, 2001 [1968], p. 62).

De toda forma, somente quando, pensa Améry, a reflexão sobre a existência e o transcurso do tempo nos conduza à loucura ou ao suicídio, serão finalmente resolvidas todas as contradições. Mas quais seriam os pontos de partida dessas contradições irresolutas? Quais as contingências históricas que podem interferir diretamente nesse processo de pensar o declínio irreversível do indivíduo? Améry escreve em 1968 o ensaio sobre o envelhecer ainda sob o impacto pessoal (e histórico) de três situações indissociáveis: o processo Eichmann de 1961/1962, os julgamentos dos membros da SS de Auschwitz nos processos de Frankfurt que iniciam em 1963, que culminam na publicação do seu testemunho em 1966. A sua narrativa testemunhal foi diretamente impulsionada pelo malogro dos resultados de Frankfurt quanto àquilo que Améry avaliava sobre os princípios de justiça, moralidade e punição.21

As feridas psíquicas e físicas abertas nas décadas de 1930 e 1940, com o exílio e as violências sofridas nos campos de concentração e extermínio, alargam-se na década de 1960 sob a constatação de que alguns dos carrascos de ontem passeiam livres ao sol e indiferentes a qualquer senso de arrependimento e penitência, podendo se converter nos carrascos do presente e do futuro; nos carrascos da memória e produtores do apagamento histórico; o que representaria a própria negação. É digno de nota que, em um artigo publicado em 2023, Norbert Frei comentou sobre a apatia da historiografia alemã nas décadas de 1950 e 1960 quanto a tratar o holocausto em bases analíticas sólidas e conscienciosas:

Instead of extending their task, German historians during this period seemed to hide behind the documents. They wrote in general terms about Hitler, Himmler, and Heydrich as the main perpetrators. […] In general, the 1950s became a period of discrete reasoning about the allegedly totally secret Nazi ‘death factories in the East.’ It was the time when the ‘Final Solution’ was perceived as a crime almost without perpetrators. Even the victims stayed anonymous: Apart from Das Tagebuch der Anne Frank, which had an enormous impact on the German public, especially on young people, there was hardly any talk about the concrete fate of individual victims22

(FREI, 2023, p. 75).

Ora, o argumento de Frei vem ao encontro da atitude de Améry em persistir até o fim da vida irredutível a qualquer possibilidade de perdão aos criminosos, e esse ponto de vista o acompanhou no debate que se desenvolveu na Alemanha da década de 1960 em diante. Como lembrou Philipa Rothfield, os escritos de Améry estão em desacordo com o otimismo gerado sob o ímpeto da reconciliação alemã com o passado recente da segunda guerra: “Améry resolutely refuse the option of forgiveness”23 (ROTHFIELD, 2011, p. 217). Essa consciência repercutirá nas suas intervenções públicas desde então.

Para W. G. Sebald (2021, p. 126-142), a presença e a intervenção de Améry na cena intelectual germânica a partir de meados da década de 1960 propenderam a reduzir o déficit moral que caracterizou a produção literária da Alemanha Ocidental dessa época. Améry, segundo Sebald, intervém no debate sobre um conjunto de temas-tabus que envolviam discutir exílio, resistência, tortura, genocídio, culpa. E, mesmo assim, Sebald destaca as “barreiras que Améry foi obrigado a superar antes de sua decisão em interferir no debate que se desenvolvia” (SEBALD, 2021, p. 126). Assinalo a aproximação de Grace Campbell a essa perspectiva de W. G. Sebald. Campbell (2019, p. 246), menciona que Améry escrevia em 1966 no contexto em que havia “uma presença política real de uma subestimação sobre a importância do genocídio”, e de envolvimento no processo político que remetia a um debate sobre o perdão. E o perdão era inadmissível para Améry.

Complementar é o fato de que Améry irá desenvolver a partir desse contexto uma teoria do ressentimento emergida de um processo subjetivo que lhe fere diretamente na forma do trauma que o perseguirá até a morte, e repercute na obsessão quase insondável pelo passado demonstrada no ensaio sobre o envelhecimento.

Assim, qual foi a postura de Améry diante dos resultados do processo de Frankfurt? Ora, há uma associação perfeitamente reconhecível entre a origem de sua teoria do ressentimento no livro-testemunho de 1966 e o que postulou diante do processo:

Argumentaríamos que o ressentimento continuaria vivo nas vítimas porque no espaço público da Alemanha Ocidental continuam a atuar personalidades que estiveram muito próximas dos carrascos e porque, mesmo com a prorrogação dos prazos para a prescrição dos crimes de guerra mais graves, os criminosos têm grande chance de envelhecer dignamente e viver mais do que nós –, como lhes garante a atividade que desenvolveram naqueles bons tempos

(AMÉRY, 2013, [1966], p. 109).

Outra aproximação seria possível para concluir esse quadro. No texto em que estuda detidamente cada ensaio do livro testemunhal de Améry, Vivaldi Jean-Marie sugere que o intelectual apátrida imaginou que poderíamos voltar a uma época anterior ao Holocausto e consertar as coisas, refazer a história: “A virtude da punição, no contexto da memória, é que ela obriga o torturador a desejar, como a pessoa torturada, que o que foi feito no passado nunca tenha acontecido”24 (JEAN-MARIE, 2018, p. 76). A punição exemplar para um crime dessa natureza que agora somente se realiza pelo esquecimento e pela decrepitude de quem o sofreu passa pela imaginação simbólica de que o passado seja revolvido para “tornar a experiência das vítimas e dos perpetradores isomórfica” (JEAN-MARIE, 2018, p. 76-77).25 Mas Améry está cansado, envelheceu, declinou, adoeceu. Nele, a condição fundamental do envelhecimento é a percepção aterradora de que o passado tem um valor especial que não se pode apagar, não se retratando em relação a qualquer experiência ou risco assumidos: “No nos retractamos de nada: el verbo morir sólo puede ser usado lógicamente en las formas del pasado, puesto que no se legitima sino cuando la muerte ya ha llegado”26 (RR, 2001 [1968], p. 256).

Améry: o analecto do suicídio

Mas todo suicídio tem de ter um culpado, um bode expiatório.

Claude Lanzmann27

Os especialistas por certo devem conhecer os comentários críticos de Primo Levi sobre Jean Améry. No capítulo VI do testemunho Os afogados e os sobreviventes (2004, p. 109-126), intitulado “O intelectual em Auschwitz”, Levi aponta os detalhes que o desagradam quanto à compreensão que Améry confere ao papel do intelectual em um campo da morte e, sobretudo, se insurge contra o conceito de intelectual elaborado por Améry. Mais importante que a controvérsia com um morto em torno do papel do intelectual e, quiçá, pela ótica de Améry, na inutilidade em se produzir “pensamento” em condições extremas de crueldade, ressalta no texto de Primo Levi o silêncio quanto a emitir um juízo de valor sobre as motivações que levaram Améry ao suicídio. Levi limita-se a afirmar, logo no início do capítulo, que Améry levou “sua vida sem paz e sem busca de paz” (LEVI, 2004, p. 109). Todavia, no dia 7 de dezembro de 1978, em um breve artigo publicado no jornal italiano La Stampa e reproduzido no volume A assimetria e a vida (2016), Levi afirmará que não surpreende o fim de Jean Améry, entendendo-o como um acúmulo de sofrimentos que emergem desde sua irremediável perda de lugar no mundo. Levi define o suicídio de Améry como uma “conclusão estoica”, um “naufrágio adiado por décadas” (LEVI, 2016, p. 84).

Em seu Diccionario del suicidio, Carlos Janín (2009, p. 10-11) observou que a morte voluntária obedece às mais variadas motivações, além de recorrer aos métodos mais impensados. A morte voluntária, conclui Janín, é tão polimorfa e imaginativa que sempre “deixará sem argumentos a quem queira combatê-la ou exaltá-la” (JANÍN, 2009, p. 11). Entretanto, no verbete “Améry, Jean” do Diccionario, há uma afirmação de Janín que tende a invalidar seu argumento inicial sobre as formas plurais de motivação para o suicídio. Penso que a hipótese sugerida não possa ser partilhada, ao menos, em parte, ou então deve ser vista com muitos acautelamentos. Janín vincula diretamente, ou determina, a atração que Améry nutre pelo suicídio à experiência concentracionária vivida por esse intelectual (JANÍN, 2009, p. 26-27).28

Embora tal hipótese possa se constituir palatável ao gosto intelectual, o gesto extremo de Améry quanto à opção pela morte voluntária é mais problemático. Existem decorrências. Decorre da perda de lugar no mundo desde que a pátria austríaca o rejeitou, expulsou e perseguiu.29 Decorre de dilemas existenciais meticulosamente verbalizados nos ensaios que passa a publicar em meados da década de 1960. Decorre de problemas de saúde empilhados no tempo e de crises depressivas frequentes. Decorre do peso que acarreta carregar um corpo em acelerada degeneração física e da decadência das energias intelectuais por ele mesmo constatada. Tais fatores combinados potencializam e conformam uma impossibilidade total de reaver o mundo porque é impossível retornar ao passado, senão por um trabalho mnemônico, e que, mesmo assim, em nada irá alterá-lo.

Se Primo Levi (2004, p. 109) o proclama como “teórico do suicídio”, é porque os sofrimentos e as feridas provocados desde a década de 1930 e intensificados nos anos de guerra revelam-se como o material primário que exige de Améry e o conduz a produzir a longa série de reflexões sobre a catástrofe, e é ela que parece circunscrever a experiência humana no “século dos genocídios”.30 Em termos análogos, é oportuno lembrar a seguinte situação: ela advém do que afirma Ian Thomson no Epílogo da biografia de Primo Levi. O autor enfrenta a questão das versões sobre o suicídio de Levi e é bastante cético quanto a aceitar facilmente de que a “A explicação romântica para o suicídio de Levi, que ainda é a mais duradoura, é que Auschwitz o reivindicou” (THOMSON, 2014, p. 523).31

Dito de modo mais claro e retomando o caso específico de Améry: Auschwitz de 1943 a 1945 não projeta ou antecipa a Salzburg de 1978. Há interações, ressonâncias, lampejos; mas não há uma associação imediata, linear, mecânica e necessária entre os episódios que engolfaram a vida de Améry durante a primeira metade do século XX e o seu suicídio trinta e três anos depois do fim da guerra. No último capítulo da biografia de Améry, a autora Heidelberger-Leonard não faz qualquer menção a Auschwitz, e as poucas cartas deixadas por Améry anunciando seu suicídio também não se deixam interpretar por esse senso comum.

A “catástrofe” refletida por ele durante parte da vida invoca um termo-paradigma que não reduz a experiência de Améry a um contexto histórico específico. O que significa essa afirmação? A meu ver, desde seu testemunho de 1966, Améry nutriu certa aversão em descrever detalhes materiais precisos e aspectos factuais sobre o lager. Assinala algo importante para o que desenvolvo, e talvez confirme uma das hipóteses que encabeça este artigo: em Años de andanzas nada magistrales afirmará que o livro complementa dois outros volumes já publicados: Mas allá de la culpa y la expiación e Revuelta y Resignación: “Y del mismo modo en que estos lo hacen, renuncia a la objetividad”32 (AMÉRY, 2006 [1971], p. 27).

Tratando-se de objetividade em Améry, a palavra “Auschwitz” não é pronunciada com frequência em seus ensaios por carecer desse senso material de explicação, e seus textos parecem gerar pouco interesse em “tentar entender”.33 No início de 1978, é notável a irritação de Jean Améry quanto a servir como presa de aclamações e homenagens: “Lo que peor soporta es hacer el papel de ‘Auschwitz-Clown’”34 (HEIDELBERGER-LEONARD, 2010, p. 315). O que se percebe com mais clareza em seus ensaios e, paradoxalmente, pode vir a ser o fator que atribui potência e densidade reflexiva ímpar às suas narrativas, é haver uma aparente sensação de incompletude, de vertigem e abandono, porquanto Améry conclui que não há qualquer explicação plausível para que a humanidade tenha despencado na profundeza mais abjeta e sórdida de sua condição. A demonstrar, ele cita casos mais contemporâneos como as torturas cometidas pela ditadura brasileira e outras. Tanto os episódios intelectuais quanto os políticos são assim atualizados por Améry em 1971:

Marx refletido no espelho de 1930 não era o mesmo Marx que em 1970 se projeta sobre a cena intelectual. Benjamin ainda não era Benjamin. Inclusive o fascismo – e quando naquele tempo soava esta palavra pensava-se em uma manifestação política especificamente italiana, nem profunda nem completamente ignominiosa, tampouco digna de especial interesse –, não era o que agora, depois de Hitler e Franco, de torturadores gregos ou brasileiros, estamos obrigados a reconhecer

(AMÉRY, 2006, [1971], p. 34).

Isso não significaria recusar um “porquê” ou um “como” do acontecimento? Do ponto de vista da filosofia de Améry, penso não encontrar nenhuma resposta razoável, senão pelo fato de que ele pretende recompor (ou inventar) o imaginário de um tipo de justiça, uma lógica moral em que se inscreve a distopia cujo alvo seria extirpar, sumariamente, o mal. Ian Thomson, na biografia de Primo Levi, ressalta que sempre há dois suicídios – o verdadeiro e aquele que as pessoas acham que conhecem. Em Améry consigo identificar, além do ato concretizado em 1978 e da tentativa anteriormente frustrada, um analecto do suicídio desencadeado pela sua leitura em Levantar la mano sobre uno mismo/On suicide: a discourse on voluntary death. Esboço uma tese a ser evidenciada: quando Améry se autodefine como um raté (em francês, no original) (AMÉRY, 2006 [1971], p. 132) ou como um Elend (em alemão, no original) (AMÉRY, 2013 [1966], p. 80), expressões que, respectivamente, evocam no contexto do texto o sentido de perda/perdido, ou apontam a condição da miséria do banimento ou do exílio, ele está mais próximo da experiência de Auschwitz e da formulação de uma teoria do ressentimento. Quando se julga envelhecido e doente, e materializa essa condição no ensaio RR, destituído de energias intelectuais, psíquicas e físicas, ele está mais próximo da formulação de uma teoria do suicídio.

No dia 17 de outubro de 1978, duas semanas antes de completar sessenta e seis anos, Jean Améry suicidou-se em um hotel na cidade de Salzburg, Áustria, com uma overdose de barbitúricos. Pensar sobre a morte voluntária será, para Améry, um trabalho mais bem argumentado e alicerçado, em uma sociologia bastante peculiar no ensaio publicado em 1976. Sem qualquer espécie de autocomiseração e contrário a uma visão sociológica clássica, mas prescrita, que observava o suicídio pela dualidade integração/regulamentação social, e, ainda, como destacou Traverso (2011, p. 183), “persuadido de que um deus não pode existir em um mundo que inventou Auschwitz”, Améry justificará o suicídio nesse texto seminal de 1976.

Toda a experiência acumulada de tempos passados rememorando uma vida bastante longa de trato íntimo com a morte, “en particular, con la muerte voluntaria y con una serie de conversaciones con amigos ricos en conocimiento, y ciertas experiencias individuales decisivas” (AMÉRY, 2017 [1976], p. 10) outorgou a ele a legitimação que era requisito indispensável sobre o tema do suicídio. Quem bem soube traduzir o gesto extremo de Améry foi Fernández López (2022, p. 3), que sublinhou a relação de Améry com o irremediável: um sobrevivente que selará uma impossível abertura ao dar conta ensaisticamente de uma existência que envelhece, “de una vida cuya única afirmación es la determinación, brutal y consciente, de un ultimo gesto de auténtica libertad y dignidad”.

O que surpreende o leitor de Améry ao enfrentar a árdua leitura do ensaio de 1976 é o fato de que ele, nas mais de cento e sessenta páginas de texto, pronunciará o nome de Émile Durkheim por apenas duas oportunidades. Talvez isso seja explicado no Prefácio da edição em espanhol, por onde Améry alerta sobre o caráter não científico do seu ensaio e, principalmente, confirma uma das hipóteses deste artigo:

El lector que ya conozca los libros del autor, y concretamente su estudio Sobre el envejecer, del que las consideraciones sobre el problema de la muerte voluntaria que siguen son, en cierto modo, una continuación directa, no necesita ser orientado; ya sabe que el presente volumen no puede contener nada que recuerde ni remotamente a un trabajo científico35

(AMÉRY, 2017 [1976], p. 7).

Améry deixa claro que sua pretensão não é realizar uma pesquisa científica, nem informar acerca de em que país e por que se suicidam mais pessoas do que em outro. As estatísticas também são um dado escuso para Améry porque não teve como propósito esboçar em qualquer momento uma tipologia ou um modelo que pudesse servir de fonte para a compreensão do suicídio:

He intentado ver la muerte voluntaria desde el interior de aquellos a los que yo llamo “suicidarios” o “suicidantes”, y no desde fuera, desde la óptica del mundo de los vivos o de los supervivientes. ¿Se trata, pues, de una “fenomenología de la muerte voluntaria”? La formulación resulta grandilocuente. Me he despojado de todos los conceptos derivados de la palabra logos y de los términos especializados; lo he hecho por humildad frente a la investigación positiva36

(AMÉRY, 2017 [1976], p. 8-9).

Para Améry, os indicadores estatísticos são insuficientes para aquilatar a lógica inexpugnável da morte e o mistério iminente que a corresponde. Simplesmente, não podemos rechaçar ou adiar seu momento. Mas está em nossas mãos antecipá-lo. Esse é o sombrio domínio que temos sobre a morte. É nossa vitória e redenção sobre o nada. E é por esse domínio que, na perspectiva de Améry, o suicídio se converte em uma figura histórica tão exemplar que atesta o heroísmo daqueles que o cometem. É por isso que Améry não visualiza o suicídio como desonra ou delito de espíritos ofuscados; mas “una respuesta a los angustiosos desafíos de la existencia y particularmente del paso del tiempo” (AMÉRY, 2017 [1976], p. 59). O sujeito decide para si mesmo com plena soberania e enraíza no corpo a negação quanto ao direito de existir, o que não significa decidir contra a sociedade: “El sujeto individual tiene derecho a destrozar una propiedad que nunca fue realmente suya en beneficio de la autenticidad que reclama” (AMÉRY, 2017 [1976], p. 61). Essa visão irredutível, radical e avassaladora da liberdade humana, que não considera a preexistência possível de um agravante psíquico envolvido nas motivações que levam à morte voluntária, está, em certa medida, em correspondência com o esgotamento de nossas energias quanto a resistirmos às injustiças, rejeitando o papel de sobreviventes. Étienne Balibar definiu alguns critérios para situações nas quais os seres humanos acham-se privados de resistir, atuar e manejar sua própria vida individual e coletivamente. Uma delas é quando “se invierten los instintos de autoconservación, los que hacen posible encontrar la vida, aunque sea muy difícil o dolorosa, preferible a la muerte”37 (BALIBAR, 2021, p. 35).

Na afirmação de Balibar, reside uma espécie de autonomia do indivíduo, quando uma situação implacável ou irreversível de resolução sobre a vida pode conduzir a uma atitude em que a liberdade de escolher a morte voluntária sobrepõe-se à ânsia de continuar vivendo. Não está em jogo, seja no argumento de Balibar, seja na teoria do suicídio de Améry, a possibilidade de considerá-lo no âmbito do senso comum patológico. Améry afirma em uma passagem de difícil decifração:

Dementia and society could only enter into this discussion because society clearly considers potential suicides grosso modo to be fools or half demented, because it isn’t able to enter into their closed world. But that’s just what is being tried here-as far as is possible with the medium of language. We are speaking of two phenomena: échec and disgust with the world, the latter including within itself the disgust of death. Both are phenomena that have been robbed of their dignity by the sciences of psychology and psychiatry. They make them out to be sicknesses, knowing full well and consenting to the fact that sickness is a disgrace38

(AMÉRY, 1999 [1976], p. 54).

Imagino que Améry alicerça sua crítica visando as generalizações que as ciências comportamentais tendem a apresentar sobre o fenômeno da morte voluntária, quando atribuem a esse fenômeno, tal como compete às generalizações, determinações essenciais radicadas da natureza patológica do ato. Anomalias genéticas, distúrbios psíquicos ou perturbações mentais sistemáticas seriam as explicações mais convencionais para a causa fundamental dos suicídios. A importância dessas generalizações estava, ou está, justamente no fato de que essa cultura científica é amplamente partilhada, legitimando-se no vocabulário do senso comum da sociedade. É este dado subliminar que pode ser intuído da manifestação de Améry: a universalidade do discurso científico uniformiza uma visão de mundo sobre um tema tabu. Para Améry, haverá sempre um “entretanto” a ser especulado e que circula entre o discurso social e a capacidade de julgamento do sujeito. Adiante, reforça sua crítica em defesa da autonomia individual, ainda que não se desfaça das possibilidades da ciência:

Not everything suggested to us in psychological theories can be false. But they always miss the mark of the fundamental fact that each human being essentially belongs to himself or herself – outside of the network of social entanglements, outside of the network of a biological destiny and prejudgment that condemns one to life. To the unbiased glance of an observer who is not devoted to orthodoxy. The “classical” psychoanalytic theory seems more like a desperate attempt to rescue an entire thought structure that excludes suicide in its basic premises than to be a serious method of dealing with a person who is suicidal39

(AMÉRY, 1999 [1976], p. 99-100).

É digno de nota que eminentes cientistas tenham se aproximado dessa perspectiva de Améry. Em Fatal freedom – the ethical and politics of suicide (1999), Thomas Szasz, psiquiatra húngaro radicado nos Estados Unidos, foi defensor da psiquiatria não coercitiva. A despeito de as abordagens de Szasz serem consideradas liberais – o que não é um pecado, e sim algo que não se pode atribuir a Améry –, ele via com reservas a ideia de que o suicídio é uma manifestação específica de doença mental; ideia esta apresentada como se fosse não apenas verdadeira, mas também “benéfica tanto para o paciente quanto para o público” (SZASZ, 1999, p. 19). Szasz argumenta:

Defining suicide as a problem – a disease to be prevented and treated – radically limits our understanding of it and our options for responding to it soberly. The rule that every problem in life is also a solution, and vice versa, applies to suicide as well. Clearly, killing oneself is, inter alia, a protection from a fate considered worse than death. Furthermore, it is simply fallacious to attribute suicide to the subject’s present condition, whether depression or any other illness or suffering. Killing oneself is a future-directed, anticipatory act, an existential safety-net. People save money not because they are indigent, but to prevent be coming indigent. People kill themselves not because they are suffering, but to prevent future suffering. Suicide is the emergency cord we want to be able to pull when we do not want to wait until the train stops at the station40

(SZASZ, 1999, p. 22).

Evitar mais sofrimento futuro talvez tenha sido a ilógica da morte pensada por Améry diante da lógica da vida na última década de sua existência. Em uma breve mensagem de despedida deixada para Maria, sua segunda esposa, e publicada por Heidelberger-Leonard (2011, p. 320), Améry pede compreensão, e não compaixão: “Mira, mi amada de mí corazón, me hallo al final de mis fuerzas y no soy capaz de contemplar mi propia decadencia intelectual, física, psíquica”41. Na parte derradeira do seu discurso sobre a morte voluntária, Améry ainda enfatizará, no âmbito de uma defesa de radical liberdade – e, digo eu, como se a imposição da vida proibisse pensar na morte – que não estávamos mais lidando com o problema lógico de saber se a liberdade de algo (o fardo de ser) ainda é liberdade se não nos libertar imediatamente para fazer algo: “Para ser mais claro, estamos diante do ponto de interrogação que ainda está por trás do conceito de liberdade da vontade”42 (AMÉRY, 1999 [1976], p. 136).

Fim

O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde do Brasil, em sua edição de setembro de 2021, qualificou o suicídio como um importante problema de saúde pública. Amparado em estatísticas da OMS – Organização Mundial da Saúde, que estimava, à época, a ocorrência de mais de 700 mil mortes por suicídio/ano, o Boletim sugeria o conhecimento e estudo do fenômeno para enfrentamento do problema e de sua prevenção. No mês de junho de 2021, em Suicide world wide in 2019, a mesma OMS publicava extensos e significativos dados sobre a morte voluntária em todas as regiões do mundo, destacando na Introdução:

Suicide is a serious global public health issue. Globally, 703.000 people die by suicide every year. Suicide is among the leading causes of death worldwide, with more deaths due to suicide than to malaria, HIV/AIDS, breast cancer, or war and homicide. More than one in every 100 deaths (1.3%) in 2019 were the result of suicide43

(WHO, 2021, p. 1).

Em uma visão pretérita, sabemos, graças aos estudos de Campbell (2019, p. 238) e ao que foi demonstrado ao longo deste artigo, que Améry defendia uma concepção humanista do sujeito autônomo, ao mesmo tempo em que rejeitava as noções de que esse sujeito devia promover e prolongar sua vida e seu bem-estar. Em um exercício de pouca plausibilidade temporal, uma vez que estamos distanciados há quase cinco décadas do ensaio sobre a morte voluntária, como Améry se posicionaria em face das avançadas tecnologias farmacêuticas do presente que prometem minimizar as feridas psíquicas ou retardar os efeitos do tempo sobre nossas mentes e corpos, mas não conseguem apresentar resultados efetivos e neutralizadores sobre a questão concreta do suicídio? Mesmo que possa demonstrar uma insuficiente cautela em lidar com prognósticos, nenhuma ciência me impede de especular sobre a possiblidade “futura” de que Améry manifestaria suspeição, hostilidade ou, no mínimo, ceticismo diante de uma ciência médica ou de uma antropologia contemporânea do envelhecimento. Ela mesma, empanturrada da aura digitalizada em torno do consumo burguês da saúde, de um bem-estar compulsório e opressivo, do prolongamento da vida e da melhora da performance cognitiva do idoso. Ou seja: da tentativa, pensaria Améry, no mais das vezes quase sempre infrutífera, de fazer predominar a senescência sobre a senilidade, assim como deter o tempo de um corpo em contínua e impiedosa degeneração física. Ao contrário, Améry talvez opusesse ao discurso científico dessa antropologia positiva uma antropologia outra: a antropologia da morte. É uma possiblidade conclusiva a partir dos estudos de Louis-Vincent Thomas.

Um dos adágios antropológicos de Thomas, e que pode ser plausível nos sentimentos de Améry, é o fato de que no fenômeno do envelhecimento o indivíduo, “antes de morrer para a vida, morre para a sociedade” (THOMAS, 2015, p. 433). Em uma visão realista, Thomas destacou que mais do que qualquer outro, os velhos, iguais aos condenados que esperam a execução, “são defuntos em potência, socialmente inúteis, porque deixam de ser produtivos e consumidores” (THOMAS, 2015, p. 57). Fundamentalmente, essa afirmação de Thomas remete a um contexto social vivido no ocidente em que as ideologias produtivistas se combinavam às ideologias da opulência. Améry talvez assistisse impotente a essa evolução, acontecida frente à demolição de valores pelos quais sacrificou sua vida ou frente à constatação de que essas mesmas sociedades ocidentais da prosperidade passaram a propor uma autêntica negação da morte para suas classes ou setores sociais mais privilegiados ou incluídos. Ainda que, nos anos posteriores à publicação do testemunho de 1966, Améry tenha conseguido angariar algum prestígio intelectual no âmbito de um determinado horizonte cultural, passou a encarar oficialmente a possibilidade de refletir sobre a morte, enquanto se investia de “fiador” de sua própria morte. Tal como nos ensina Thomas (2015, p. 466): “las actitudes frente a la muerte, al muriente, al anciano que va a morir, al cadáver, al difunto, se nos muestran prodigiosamente complejas, y en la mayoría de los casos parecen pasibles de un análisis individual”.

Uma pergunta nos inquieta e persegue: como alguém com cinquenta e cinco anos pode se considerar um velho e refletir tão densamente sobre a velhice, vislumbrando, como em um estranho jogo de cartas ciganas, o “horizonte de expectativa” da morte? A questão é que, para Améry, o envelhecer e o envelhecimento não se apresentaram com uma data marcada para ter início. O eu de Améry refugia-se no outro da velhice e se faz seu desprovido de uma datação controlada. O código que decifra esse enigma é que uma “idade subjetiva ou psicológica”, transformada em um mundo de memórias que não oferece salvação, passa a habitar e afetar o estado de ânimo de Améry, afetando, igualmente, a disposição física e a produção intelectual. É Norberto Bobbio a conferir clareza mais plena a esse argumento. No seu livro de memórias, escrito passado dos seus oitenta anos, Bobbio assinalou: “Biologicamente, considero que minha velhice começou no limiar dos oitenta anos. No entanto, psicologicamente, sempre me considerei um velho, mesmo quando jovem” (BOBBIO, 1997, p. 18). Chegamos justamente nesse limiar em que o silêncio é a atitude mais recomendável para continuar alhures a captar os testemunhos de Améry sobre si, sobre a história, sobre o tempo.

Um dos últimos parágrafos de On Suicide é elucidativo de uma cultura confessional. É nele que Améry conclui que não há mais nada a ser dito: “Ou eu teria que começar novamente com a situação ‘antes do salto’. E tudo se repetiria sem fim, como um cânone, uma canção que ninguém canta completamente até o fim”44 (AMÉRY, 1999 [1976], p. 152).

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são citadas. Este texto é resultado da apresentação de pesquisas sobre Jean Améry comunicadas entre setembro de 2022 e abril de 2023 em Congressos realizados, respectivamente, nas cidades de Foz Iguaçu, Curitiba e Lisboa.
  • 3
    Para o primeiro ensaio mencionado, emprego a versão em espanhol: Revuelta y Resignación. Acerca del envejecer, publicado pela Editorial Pre-Textos de Valencia em 2001. Quanto ao segundo ensaio, utilizo duas traduções: a versão em inglês On suicide: discourse on voluntary death (1999), da Indiana University Press, e a tradução espanhola Levantar la mano sobre uno mismo: discurso sobre la muerte voluntaria (2017), sob os auspícios da Editorial Pre-Textos, Valencia. Quando citada, Revuelta y Resignación será grafada com as iniciais RR.
  • 4
    Ver Galle (2017), Grin (2012; 2022), Penhavel (2022). Tais estudos são indicadores de que a tradução ao português do relato testemunhal de Jean Améry, conforme destacado na próxima nota, é de imensa valia para que a sua vida e pensamento passem a ser mais conhecidos e investigados.
  • 5
    Traduzido no Brasil como Além do crime e castigo: tentativas de superação. A tradutora Marijane Lisboa (2013, p. 7) explica na apresentação da edição brasileira que há, no título do original em alemão, uma referência a Crime e castigo, de Dostoiévsky, “para indicar que o autor pretendia ir além de uma discussão jurídica ou política, mas também há um subtítulo que recorre ao termo usado na Alemanha do após-guerra – Bewältigung – para indicar que já se considerava encerrada a necessidade de lidar com o passado nazista”.
  • 6
    Permito-me discernir, ainda, duas esferas nocionais da “catástrofe”: em seus aspectos gerais, o termo indica temporalidades nas quais se observam “conturbações materiais, físicas e psicológicas causadas por um conflito de natureza inédita”, e quando estes processos históricos resultam em uma “amplitude inaudita de perdas humanas” (ROUSSO, 2016, p. 99-100). Existe uma esfera conceitual complexa que circunscreve a catástrofe social quanto a entendê-la como uma estabilidade da dissociação entre fatos e sentidos. A catástrofe social seria uma espécie de culminância dos graus distribuídos hierarquicamente de tal dissociação. Gatti (2010, p. 58) considera os seguintes graus: o trauma, o acontecimento, a catástrofe.
  • 7
    Barbagli emprega a versão em italiano do livro-testemunho de Améry de 1966: Intelletuale a Auschwitz, publicado em 1987 pela Boringhieri de Turim.
  • 8
    “Sem esperança nem consolo, Améry despoja o campo de concentração de qualquer significado que não seja o seu poder destrutivo de aniquilação” (tradução nossa).
  • 9
    “Améry escreveu On Suicide após uma tentativa malsucedida de suicídio e antes de seu suicídio bem-sucedido em 1978. Nos ensaios, ele evita tentativas de examinar o fenômeno por meio de métodos psicológicos ou sociológicos quantitativos e, em vez disso, tenta elucidar o fenômeno vivido do suicídio. Isso, por sua vez, posiciona o suicídio como uma afirmação da liberdade individual e como um ato que traz liberdade. Dessa forma, as discussões sobre suicídio não podem ser totalmente contidas nos discursos da psicologia e da sociologia ou, de forma mais geral, no que ele chamou de domínio da “lógica da vida”. A “lógica da vida” se refere a um conjunto de pressões e inércias sociológicas, psicológicas e biológicas, muitas vezes não examinadas, que incentivam e coagem a continuidade da vida e do bem-estar” (tradução nossa).
  • 10
    O ensaio é aqui entendido de acordo com as percepções de Galle (2017, p. 640). Um gênero literário que apresenta “uma forma aberta que surge na modernidade para atingir uma posição modelar na comunicação escrita sobre o mundo e suas características formais, que são tão indefinidas quanto seus temas: o gênero ensaístico parece quase um sinônimo de ausência de forma e estrutura”.
  • 11
    “filosofía pessoal da fome de vida que me invadiu, minando-me, depois de tantas mortes, de tantas ressurreições provisórias” (tradução nossa).
  • 12
    “Dependendo apenas de mim mesmo, sem pátria, excluído de qualquer tradição, estava “jogado no mundo”: de forma literal, não metafórica, experimentando hora após hora o abandono e, com ele, a autoprojeção como nova realidade, inventor de mim mesmo, embora um inventor miserável, que assumiu o risco da liberdade, mas que não sabia como lançar faíscas dessa liberdade” (tradução nossa).
  • 13
    “O passado está e permanece. O presente e o futuro, ao contrário, perdem seu caráter temporal. O presente é continuamente devorado pelo passado, e o futuro não alcança melhor destino. No entanto tudo isso é descoberto e compreendido pelo indivíduo que envelhece, porque já, razoavelmente, não espera, não pode esperar muito, e quando um amigo lhe diz “nos veremos no ano que vem”, afloram nele as primeiras reservas” (tradução nossa).
  • 14
    “Aquele que considera que tem diante de si isso que habitualmente se denomina ‘tempo’, sabe que na realidade está destinado a sair do espaço, a sair de si mesmo” (...) “O que vai ao seu encontro é a morte, e a morte o removerá totalmente do espaço, o ‘desespacializará’ e o que restar do seu corpo lhe há de subtrair do mundo e da vida e subtrairá a si mesmo e seu espaço do mundo” (tradução nossa).
  • 15
    “No cemitério parisiense de Père Lachaise vemos mausoléus abandonados e destruídos, habitados por ratos. A inscrição em ouro, já sem brilho, informa: Concession à perpétuité, solo adquirido para sempre: como se o bem estar burguês pudesse alcançar ao menos no espaço a pseudoeternidade. Casa, terras, livros, quadros e monumentos funerários, um dia tudo seguirá o destino das noites de amor e sofrimento do defunto: será como se jamais houvessem existido” (tradução nossa).
  • 16
    Emprego neste artigo a tradução espanhola: Años de andanzas nada magistrales, publicada em 2006 pela Editorial Pre-Textos, de Valencia.
  • 17
    “A dignidade humana é a rebelião contra o que está dado de tal ou tal maneira, mas também é a revolta contra um passado que penetrou no ser. A resistência é legítima não somente contra aquilo que acontece: tampouco não se deve aceitar o que aconteceu. (...) A resistência contra a irreversibilidade do tempo é um direito humano inalienável” (tradução nossa).
  • 18
    Emprego neste artigo a tradução espanhola de 2004, sob o título Pensar la muerte, publicada pelo Fondo de Cultura Económica, Buenos Aires.
  • 19
    “porque no nascimento o nada está antes, enquanto na morte está depois” (tradução nossa).
  • 20
    “O espaço, o meu espaço, do qual tomo posse por meio da intuição espacial, é ao mesmo tempo o espaço dos outros: é um fenômeno intersubjetivamente compreensível. Não tem nada de imediato em si mesmo e não existe incomensurabilidade entre o espaço vivido e o espaço mensurável da ciência. Com meu tempo, não obstante, estou sozinho, por mais que eu deseje comunicá-lo. O sentido do tempo, possui uma dramaticidade absolutamente incomparável com a do sentido do espaço” (tradução nossa).
  • 21
    Dentre as 17 sentenças proferidas, houve três absolvições que provocaram indignação na Alemanha, sobretudo, entre os grupos ou segmentos da sociedade civil que pleiteavam por punições mais severas.
  • 22
    “Em vez de ampliar sua tarefa, os historiadores alemães durante esse período pareciam se esconder atrás dos documentos. Eles escreveram em termos gerais sobre Hitler, Himmler e Heydrich como os principais perpetradores. (...) Em geral, a década de 1950 tornou-se um período de raciocínio discreto sobre as supostamente totalmente secretas “fábricas de morte no Leste” nazistas. Foi a época em que a “Solução Final” foi concebida como um crime quase sem autores. Até mesmo as vítimas permaneceram anônimas: com exceção do Das Tagebuch der Anne Frank, que teve um enorme impacto sobre o público alemão, especialmente sobre os jovens, quase não se falava sobre o destino concreto de vítimas individuais” (tradução nossa).
  • 23
    “Améry recusou resolutamente a opção de perdão” (tradução nossa).
  • 24
    No original: “The virtue of punishment, in the context of memory, is that it compels the torturer to wish, like the tortured person, that what was done in the past had never happened”.
  • 25
    No original: “to render the experience of victims and perpetrators isomorphic”.
  • 26
    “Não nos retratamos de nada: o verbo morrer só pode ser usado logicamente nas formas do passado, visto que não se legitima senão quando a morte chegou” (tradução nossa).
  • 27
    A citação é retirada do capítulo 9 das memórias de Claude Lanzmann (2011, p. 136-157). Nele, Lanzmann conta a história do suicídio de sua irmã, Evelyne, em novembro do ano de 1966.
  • 28
    Originalmente: “La experiencia concentracionaria que vive este escritor y filósofo judío austriaco determina su atracción por el suicidio”.
  • 29
    “(...) entendi, verdadeiramente e para sempre que a terra natal era a terra inimiga: o bom camarada fora enviado para me varrer deste mundo” (AMÉRY, 2013 [1966], p. 91).
  • 30
    Em alusão ao título do livro de Bernard Bruneteau (2004).
  • 31
    No original: “The romantic explanation for Levi’s suicide, which is still the most enduring, is that Auschwitz claimed him”. Thomson ainda afirma que Levi [e, digo eu, outros sobreviventes que cometeram suicídio] seria visto como “vítima póstuma de Hitler”. A ideia de Thomson desenvolvida nessa passagem é uma crítica àqueles que reivindicavam unicamente como causa do suicídio de Primo Levi, as lembranças amargas sobre Auschwitz. É como se os fantasmas do passado viessem “buscar” Primo Levi para a morte.
  • 32
    “E do mesmo modo que os outros fazem, renuncia à objetividade” (tradução nossa).
  • 33
    Imagino que o próprio Levi poderia corroborar essa afirmação. Em Os afogados e os sobreviventes, Levi destacará sobre Améry: “Neste aspecto, minha visão de mundo foi diferente, e complementar, daquela do meu companheiro e antagonista Améry. (...) Com efeito, seu ponto de vista está voltado para o alto, detendo-se raramente na multidão do Lager e em seu personagem típico, o ‘muçulmano’, o homem depauperado, cujo intelecto está moribundo ou morto” (LEVI, 2006, p. 121).
  • 34
    “A pior parte é desempenhar o papel de ‘palhaço de Auschwitz’” (tradução nossa).
  • 35
    “O leitor que já conheça os livros do autor, e concretamente seu estudo Sobre o envelhecimento, de qual as considerações sobre o problema da morte voluntária que seguem são, de certo modo, uma continuação direta, não necessita ser orientado; já sabe que o presente volume não pode conter nada que recorde nem remotamente um trabalho científico” (tradução nossa).
  • 36
    “Tentei ver a morte voluntária de dentro daqueles que chamo de ‘suicidas’ ou ‘suicidados’, e não de fora, do ponto de vista do mundo dos vivos ou dos sobreviventes. Trata-se, então, de uma ‘fenomenologia da morte voluntária’? A formulação é grandiloquente. Eu me despojei de todos os conceitos derivados da palavra logos e de termos especializados; fiz isso por humildade diante de uma pesquisa positiva” (tradução nossa).
  • 37
    “se invertem os instintos de autoconservação, os que fazem possível encontrar a vida, ainda que seja muito difícil ou dolorosa, preferível à morte” (tradução nossa).
  • 38
    “A demência e a sociedade só poderiam entrar nessa discussão porque a sociedade claramente considera os suicidas em potencial grosso modo como tolos ou meio dementes, porque não é capaz de entrar em seu mundo fechado. Mas é exatamente isso que está sendo tentado aqui – tanto quanto é possível com o meio da linguagem. Estamos falando de dois fenômenos: o échec e o desgosto com o mundo, este último incluindo em si o desgosto da morte. Ambos são fenômenos que tiveram sua dignidade roubada pelas ciências da psicologia e da psiquiatria. Elas os transformam em doenças, sabendo muito bem e consentindo com o fato de que a doença é uma desgraça” (tradução nossa). Améry emprega a palavra francesa “échec” no sentido de fracasso diante de algo. Optei por deixá-la no idioma original.
  • 39
    “Nem tudo o que nos é sugerido nas teorias psicológicas pode ser falso. Mas elas sempre erram o alvo do fato fundamental de que cada ser humano pertence essencialmente a si mesmo – fora da rede de envolvimentos sociais, fora da rede de um destino biológico e do preconceito que o condena à vida. Para o olhar imparcial de um observador que não é devotado à ortodoxia, a teoria psicanalítica “clássica” parece mais uma tentativa desesperada de resgatar toda uma estrutura de pensamento que exclui o suicídio em suas premissas básicas do que um método sério de lidar com uma pessoa suicida” (tradução nossa).
  • 40
    “Definir o suicídio como um problema – uma doença a ser prevenida e tratada – limita radicalmente nosso entendimento sobre ele e nossas opções para reagir a ele com sobriedade. A regra de que todo problema na vida também é uma solução, e vice-versa, também se aplica ao suicídio. Claramente, matar a si mesmo é, entre outras coisas, uma proteção contra um destino considerado pior do que a morte. Além disso, é simplesmente falacioso atribuir o suicídio à condição atual do sujeito, seja depressão ou qualquer outra doença ou sofrimento. Matar a si mesmo é um ato antecipatório e voltado para o futuro, uma rede de segurança existencial. As pessoas economizam dinheiro não porque são indigentes, mas para evitar que venham a ser indigentes. As pessoas se matam não porque estão sofrendo, mas para evitar o sofrimento futuro. O suicídio é a corda de emergência que queremos poder puxar quando não queremos esperar até que o trem pare na estação” (tradução nossa).
  • 41
    “Veja, amada do meu coração, me acho no final de minhas forças e não sou capaz de contemplar minha própria decadência, moral, física, psíquica” (tradução nossa).
  • 42
    No original: “To put it plainly, we are standing before the question mark that is still behind the concept of the freedom of the will”.
  • 43
    “O suicídio é um grave problema de saúde pública global. Globalmente, 703.000 pessoas morrem por suicídio todos os anos. O suicídio está entre as principais causas de morte em todo o mundo, com mais mortes por suicídio do que por malária, HIV/AIDS, câncer de mama ou guerra e homicídios. Mais de uma em cada 100 mortes (1,3%) em 2019 foi resultado de suicídio” (tradução nossa).
  • 44
    No original: “And everything would repeat, without an end, like a canon, a song that no one completely sings to the end”.

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Editado por

  • Editores Responsáveis
    Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2023
  • Aceito
    20 Set 2023
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