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Ensaio sobre o chapéu: reflexões de Gilda de Mello e Souza a partir de um acessório da moda

Essay on hat: Gilda de Mello e Souza’s reflections from a fashion accessory

RESUMO

No presente artigo, por meio de uma análise textual, exploraremos a recorrente presença do chapéu nos ensaios da filósofa brasileira Gilda de Mello e Souza. Em O espírito das roupas, a autora defende que a moda é muito mais do que um artigo supérfluo. Recompondo-se a cada momento, jogando com o imprevisto, dependendo do gesto, a moda é a mais humana das artes. Um simples acessório como o chapéu pode materializar a alma humana, de forma que possamos ser interpretados por aquilo que usamos em nossa cabeça. O olhar pericial de nossa autora, atento aos detalhes, e que conseguiu ver numa peça do vestuário uma constelação de significados, será aqui também analisado ao confrontarmos seus ensaios e entrevistas.

PALAVRAS-CHAVE
Gilda de Mello e Souza; filosofia brasileira; chapéu.

ABSTRACT

In this article, through a textual analysis, we will explore the recurrent presence of the hat in in the essays of the Brazilian philosopher Gilda de Mello e Souza. In O espírito das roupas, the author demonstrates that clothes are much more than a superfluous article. Composing itself at every moment, playing with the unexpected, depending on the gesture, fashion is the most human of the arts. A simple accessory like a hat can materialize the human soul, so that we can be interpreted by what we wear. Our author’s expert look, attentive to details, and which managed to see a constellation of meanings in a piece of clothing, will also be analyzed here when we confront her essays and interviews.

KEYWORDS
Gilda de Mello e Souza; Brazilian philosophy; hat.

Géronte : Dans quel chapitre, s’il vous plaît ?

Sganarelle : Dans son chapitre des chapeaux.

(Molière, Le Médecin malgré lui, 2007MOLIÈRE. Le Médecin malgré lui. Paris: Éditions Larousse, 2007.).

Gilda de Mello e Souza (1919-2005), autora de O espírito das roupas: a moda no século dezenove (1987)2 2 Além de O espírito das roupas, nossa autora publicou: O tupi e o alaúde (1979), ensaio de fôlego dedicado ao Macunaíma, de Mário de Andrade; Exercícios de leitura (1980), coletânea de estudos de grande abrangência temática; A ideia e o figurado (2005), última obra publicada em vida, que congrega artigos escritos entre 1983 e 2005 sobre as mais variadas manifestações artísticas; e A palavra afiada (2014), obra póstuma organizada por Walnice Nogueira Galvão, que apresenta ao leitor um amplo material. e a primeira professora de Estética do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP)3 3 No seu percurso acadêmico na USP, Gilda de Mello e Souza, entre 1943 e 1954, foi assistente de Roger Bastide na cadeira de Sociologia I. Contudo, não o sucedeu e, em 1955, tornou-se a primeira docente mulher contratada pelo Departamento de Filosofia, fundando a cadeira de Estética, a convite de João Cruz Costa, diretor do Departamento à época. Em 1999, teve o título de professora emérita da USP outorgado. Seu discurso de emérita se encontra transcrito em A palavra afiada. , era apaixonada pelas formas das roupas. Essa expressão, empregada pela própria filósofa brasileira para descrever o cineasta italiano Luchino Visconti, veste-lhe muito bem. Em entrevista a Carlos Augusto Calil sobre o filme Violência e paixão (1974)4 4 A entrevista dada a Carlos Augusto Calil primeiramente foi transmitida no programa Belas Artes da TVA em 1992, posteriormente transcrita e publicada em outras fontes, como a coletânea A palavra afiada. , nossa autora comenta que o exterior das personagens dado pelo figurino é extremamente importante para a obra do cineasta italiano5 5 Além de abordar Visconti, Gilda redigiu um ensaio sobre outro filme do cineasta italiano, Os deuses malditos (1969). O ensaio, que leva o nome do filme, foi publicado originalmente na revista Discurso, n. 2, em 1971, e republicado em Exercícios de leitura. . Ela sente que, em todos os filmes de Visconti, o exterior das personagens “é tão importante quanto a narrativa” (SOUZA, 2014aSOUZA, Gilda de Mello e. Cartas a Mário de Andrade: 9. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014a, p. 245-247., p. 86). No decorrer das cenas, temos de nos atentar à vestimenta e, especialmente, ao comportamento das personagens dentro dela. Tomemos como exemplo a personagem interpretada por Silvana Mangano em Violência e paixão (1974): “Visconti marcou muito bem a personalidade dela, extremamente construída e de bom gosto na roupa, ao mesmo tempo vulgar e com uma certa baixeza no comportamento pessoal. Ela se torna uma espécie de monstro ambíguo, com uma aparência contraditória em relação ao comportamento” (SOUZA, 2014aSOUZA, Gilda de Mello e. Cartas a Mário de Andrade: 9. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014a, p. 245-247., p. 86).

Como vemos, há um jogo entre ser e parecer. A falta de alinhamento e concordância com a roupa pode indicar que estamos gesticulando dentro de uma máscara. O suporte da vestimenta está vivo, agindo por debaixo do pedaço de tecido e dos acessórios. A moda nos diz muito mais do que poderíamos supor. Ela vai além da intenção do modista.

Ainda no campo cinematográfico, ao ler a tese de doutorado de Paulo Emílio Salles Gomes, seu orientando e amigo6 6 Gilda e Paulo Emílio integraram a mesma geração de alunos da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL/USP), a chamada geração do grupo de Clima, revista publicada por nossa autora e colegas da mesma instituição, como Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Ruy Coelho, e Lourival Gomes Machado. Durante a graduação, Paulo Emílio transformou a casa de seus pais em uma espécie de “cineclube”, frequentado pelos uspianos e figuras de proa do Modernismo. Para uma apreciação aprofundada da afinidade entre a primeira geração de alunos da FFCL que fundou Clima, ver: Pontes (1998). , sobre o cineasta brasileiro Humberto Mauro7 7 A tese de doutorado, intitulada Cataguases e Cinearte na formação de Humberto Mauro, foi defendida por Paulo Emilio Salles Gomes em 1972 no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, sob orientação de Gilda de Mello e Souza. O trabalho foi publicado como livro posteriormente pela Perspectiva, em 1974, com o título Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. , um ponto lhe chama a atenção: o figurino. Humberto Mauro, assim como Luchino Visconti, teria se valido da vestimenta para materializar o maniqueísmo de suas personagens. Em Na primavera da vida (1926), o figurino que compõe dr. Passos nos faz ver desde o início que ele é o mocinho da história. Sua roupa é diferente da das demais personagens e dos figurantes. Mas é uma peça em específico do vestuário que distingue o vilão do mocinho, conforme acompanhamos em “Paulo Emílio: a crítica como perícia”, ensaio publicado em Exercícios de leitura (1980SOUZA, Gilda de Mello e. A Estética rica e a Estética pobre dos professores francês. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009c, p. 9-41.): “O ‘mundo tímido e arcaico, incapaz de fazer o bem ou o mal da cidade pequena’, é convulsionado no decorrer da ação pela energia positiva e negativa que vem de fora, e ambas são simbolizadas por uma peça precisa da indumentária, o chapéu” (SOUZA, 2009aSOUZA, Gilda de Mello e. (1980). Paulo Emílio: a crítica como perícia. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009a, p. 259-270., p. 266-267). Gilda de Mello e Souza sublinha do estudo de Paulo Emílio que o chapéu do mocinho, sempre presente com ele, é sóbrio, com a fita larga e a aba curta. O do vilão, por sua vez, é de palha e requintado, o que o torna suspeito. Quanto aos demais personagens, os delinquentes locais fazem uso de chapéus surrados, e o restante não veste o acessório.

A filósofa brasileira soube muito bem captar o espírito das roupas. O seu olhar pericial, atento aos detalhes, consegue ver numa peça do vestuário como o chapéu uma constelação de significados. Em O espírito das roupas, Gilda de Mello e Souza demonstra que a moda é muito mais do que um artigo supérfluo, definição que uma leitura rasa poderia oferecer. O chapéu seria merecedor de um capítulo todo para si. Neste artigo, exploraremos, por meio de uma análise textual, a presença do chapéu em vários ensaios redigidos por nossa autora, aglutinando em um único texto tudo aquilo que ela conjecturou sobre esse acessório da moda. Além disso, a fim de apresentar a especificidade de seu pensamento, esboçaremos uma leitura de seu olhar pericial ao confrontarmos seus ensaios e entrevistas.

ENSAIO SOBRE O CHAPéU

Gilda de Mello e Souza se dedicou a um profundo e inovador estudo sobre a moda. O espírito das roupas: a moda no século dezenove é a versão publicada em livro de sua tese de doutorado, A moda no século XIX: ensaio de sociologia estética, defendida em 1950 na Universidade de São Paulo sob a orientação de Roger Bastide8 8 Professor francês de Sociologia da antiga Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde lecionou de 1938 a 1954. A atuação do professor e orientador francês é resgatada em “A Estética rica e a Estética pobre dos professores francês”, ensaio fruto da aula inaugural de 1972 dos cursos do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo. O texto foi publicado originalmente na revista Discurso, n. 9, em 1978, e republicado em Exercícios de leitura. . Seu trabalho foi um dos primeiros estudos acadêmicos sobre moda no Brasil. Em virtude desse pioneirismo, os estudantes do curso de Têxtil e Moda da USP - criado em 2005 - nomearam seu centro acadêmico em homenagem à filósofa brasileira, fundando o Centro Acadêmico Gilda de Mello e Souza. Ela também foi homenageada pelo evento acadêmico Colóquio de Moda por meio da criação do Prêmio Excelência Acadêmica Gilda de Mello e Souza, atribuído ao melhor trabalho da área.

A filósofa brasileira inicia a sua obra com um estudo estético, no qual defende a moda como arte, ou, ainda, como a mais humana das artes. Em seguida, ela aponta a ligação das roupas com o antagonismo entre os gêneros, debruçando-se sobre a cultura feminina; passa pelo papel das vestimentas na divisão de classes; e conclui a sua argumentação com o mito da Borralheira, a grande fantasia manifestada pela moda na vida de exceção, ou seja, nas festas.

No primeiro capítulo de O espírito das roupas (2019), Gilda de Mello e Souza nos diz que a moda está sujeita a um princípio estético que falta às outras artes: a mobilidade. Quando queremos falar da beleza de um quadro, de uma estátua ou de um edifício, fazemos um julgamento estático. O quadro só pode ser visto de frente, e a estátua e o edifício se mantêm sólidos. A roupa, por sua vez, vive o esplendor do movimento, imune ao olhar petrificador da Medusa. Enquanto um quadro emoldurado na parede permanece pregado, um vestido, por exemplo, não possui nenhuma moldura que o possa conter. O modista, ao desenhar uma peça de roupa, deve levar em conta que ela pode ser modificada pelo gesto daquele que veste a sua obra, incorporando o movimento como elemento que dita o desenho do traje. É nosso corpo que a sustentará, completando com gestos e acessórios a obra inacabada que o costureiro nos confiou. Assim, o resultado não é uma forma inalterável definida pelo modista. O processo de criação do artista e o do usuário da peça são mútuos e concomitantes. A obra adquire vida na presença de seu suporte. Nesse sentido, roupa e corpo entram em comunhão. Partindo dessa relação é que a filósofa brasileira pode dizer que a moda é a mais humana das artes: “para que a vestimenta exista como arte é necessário que entre ela e a pessoa humana se estabeleça aquele elo de identidade e concordância que é a essência da elegância. Recompondo-se a cada momento, jogando com o imprevisto, dependendo do gesto, é a moda a mais viva, a mais humana das artes” (SOUZA, 2019SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2019., p. 41).

A elegância é a sintonia perfeita entre nós, a roupa e os acessórios. Ela é essencial para que possamos exibir e ajudar a compor efetivamente a obra que o artista nos legou. A roupa não deve se descolar completamente de seu suporte humano, caso contrário, o corpo terá de se ajustar a todo custo a ela, como se não tivesse sido feita para ser usada por nós. Sem o elo de identidade, cria-se uma imagem destoante, desarmoniosa, revelando claramente a falta de elegância.

Para confeccionar O espírito das roupas (2019), Gilda de Mello e Souza utilizou como fonte fotografias, gravuras, pinturas, pranchas coloridas de moda, crônicas do século XIX e, em especial, trechos de romances. A imagem estática, de certa forma, peca ao não revelar todos os detalhes do traje e toda a graça que o gesto produz ao romper com o repouso do tecido. A palavra permite a expressão da vestimenta por completo, incluindo elementos sensoriais que a imagem transmite mal ou é incapaz de transmitir, como maciez, leveza, aveludado.

Quarenta e cinco anos após a defesa de sua tese de doutorado, a filósofa brasileira volta ao tema das roupas, dedicando todo um ensaio à relação entre literatura e moda. Em “Macedo, Alencar, Machado e as roupas”9 9 Originalmente publicado na revista Novos Estudos Cebrap, n. 41, março de 1995. , ensaio que integra a coletânea A ideia e o figurado (2005), Gilda de Mello e Souza se debruça sobre a conexão entre as personagens dos três romancistas brasileiros, as suas roupas e o erotismo que se desvela.

Joaquim Manuel de Macedo adota um estilo de minuciosa descrição, limitando-se a descrever com fidelidade o que vê, sem muita imaginação e sem se deixar comover pela elegância. José de Alencar também se mostra bem descritivo, mas, diferentemente do autor de Rosa (1849) e dos comentários das revistas femininas da época, abre-se para a personalidade e para a “cálida sensualidade” que a moda comunica. Quanto a Machado de Assis, a relação entre a vestimenta e as personagens nesse autor não é nada latente. O escritor faz do “vínculo que une sujeito e vestimenta” parte constitutiva da trama de suas narrativas. No “Capítulo dos chapéus” ([1883] 1961), conto analisado pela filósofa brasileira, e cujo título já nos diz muito, o acessório é a personagem principal.

O chapéu do bacharel Conrado Seabra, personagem do conto machadiano, é simples, leve, baixo, mas que não deixa de ser elegante, sendo utilizado no dia a dia, no passeio público e no escritório. Porém, Mariana, a esposa de Conrado, deseja substituir o acessório por outro, mais refinado, alto, grave, com ar presidencial ou administrativo, em suma, um chapéu adequado a pessoas de ambições. De certa forma, Machado de Assis parece empregar o mesmo artifício que vimos na oposição do chapéu do mocinho ao do vilão estabelecida por Humberto Mauro, que Gilda de Mello e Souza sublinhou do estudo de Paulo Emílio Salles Gomes.

Contrariando sua esposa, Conrado defende que a escolha de um chapéu não é feita arbitrariamente, mas que se dá segundo um princípio metafísico. Nas palavras da personagem, dirigindo-se a Mariana: “o chapéu é a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento decretado ab aeterno, ninguém o pode trocar sem mutilação” (ASSIS, 1961ASSIS, Machado de. Capítulo dos chapéus. In: ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo: Cultrix, 1961, p. 115-137., p. 118). No seu conto, Machado de Assis estabelece uma metafísica do chapéu, na qual o acessório não é apenas uma simples peça do vestuário, mas a nossa própria extensão, e cuja escolha deve obedecer a um determinismo obscuro. É capaz de o chapéu nem ser de fato o complemento do homem, mas o homem ser o do chapéu. Assim sendo, a troca de um chapéu por outro não vem sem consequências. “Você é capaz de fazer-me um sacrifício?” - pede-lhe a esposa. Um embate se estabelece entre duas almas exteriores, que ditam quem nós somos, ou então, quem queremos ser. Conrado segue fiel à sua escolha, apesar de Mariana querer lhe atribuir um novo chapéu a todo custo, impelida por seu pai. Ao fim, após o atordoante rendez-vous com a amiga Sofia, Mariana percebe que seu marido esteve certo o tempo todo, e que o seu chapéu simples e baixo lhe era o mais adequado.

Segundo a filósofa brasileira, apoiada no conto de Machado de Assis, cada criatura humana contaria com duas almas: a interna, que olha de dentro para fora, e a externa, que olha de fora para dentro. “As duas almas, igualmente necessárias, completam o homem” (SOUZA, 2005aSOUZA, Gilda de Mello e. Macedo, Alencar, Machado e as roupas. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005a, p. 73-89., p. 79). O chapéu, como a materialização da alma exterior, “estabelece a relação do indivíduo com o mundo, os valores, a opinião e, de certo modo, institui a identidade” (SOUZA, 2005aSOUZA, Gilda de Mello e. Macedo, Alencar, Machado e as roupas. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005a, p. 73-89., p. 79). O elo de identidade e concordância entre Conrado e seu chapéu estava muito bem estabelecido. O chapéu acomodava-se perfeitamente à sua cabeça, poderíamos dizer. Mariana, por sua vez, acabara se irritando com esse acomodamento todo, esperando que seu marido o trocasse por um novo. Mas a troca de chapéu não seria apenas a troca de uma peça do vestuário, seria também a troca da personalidade do marido, o que atrairia olhares de mulheres como Sofia. Portanto, Mariana se contentaria com o bom e velho chapéu.

A metafísica machadiana dos chapéus seria relembrada por Gilda de Mello e Souza em um ensaio posterior. Em “O professor de música”10 10 Originalmente publicado em: Andrade (1995). , que também integra A ideia e o figurado (2005), ao explorar a carreira musical de Mário de Andrade, a filósofa brasileira contrapõe, a partir de duas fotografias, as vestes do escritor utilizadas em dois momentos distintos de sua vida, captando a dupla identidade revelada pelas roupas.

Figura 1
Professores do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 1922: Ribeiro de Andrada, Felipe di Lorenzi, Luís Pinheiro da Cunha, Guido Rocchi, Pedro Augusto Gomes Cardim, Mário de Andrade, João Gomes de Araújo, Samuel Archanjo dos Santos, Carlino de Crescenzo e José Wancolle. Fonte: Souza (2005b)SOUZA, Gilda de Mello e. O professor de música. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005b, p. 13-26.

A primeira foto analisada (Figura 1) registra os professores do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, incluindo o autor de Macunaíma (1928), que acabara de ser nomeado catedrático de História da Música, em 20 de janeiro de 1922. Os professores estão distribuídos segundo a idade e o merecimento. A princípio, todos estão vestidos de preto. Mas cada um vestirá a sua alma exterior à sua maneira. Ao centro, no lugar de chefe, encontra-se Gomes Cardim, o único de capa, portando também um chapéu na cabeça, provavelmente um mais refinado, alto e grave, tal qual Mariana teria desejado para o seu marido, Conrado. Sobre a vestimenta dos retratados, nossa autora pontua:

Uma certa fantasia dos chapéus talvez chamasse a atenção de Machado de Assis, que notaria, certamente, que os mais moços do grupo, Mário de Andrade e Samuel Archanjo dos Santos, estão sérios e empertigados, meio escondidos na fila dos fundos. As bengalas e guarda-chuvas, ao contrário do que ocorre em nosso romance romântico, não interrompem com a ameaça do gesto a hirta severidade da composição. Permanecem seguras em posição vertical à espera do momento de servir. A nota dissonante só se manifesta na imagem do maestro Rocchi, que tendo aportado no Brasil numa Companhia de Ópera, nunca abandonou uma certa postura boêmia, que se traduz na colocação displicente do chapéu, no colete branco de fustão e na gravata lavallière. (SOUZA, 2005bSOUZA, Gilda de Mello e. O professor de música. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005b, p. 13-26., p. 14-15).

A partir da leitura de “Capítulo dos chapéus” (ASSIS, 1961ASSIS, Machado de. Capítulo dos chapéus. In: ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo: Cultrix, 1961, p. 115-137.), Gilda de Mello e Souza tenta aplicar aos dez professores registrados na fotografia o ensinamento de Machado de Assis a respeito da identidade instituída pelo acessório da moda. Pronto para exercer o seu ofício, Mário de Andrade é aqui um professor em início de carreira, ainda acanhado e tímido, cujo chapéu deve ser simples e baixo. A foto retrata homens acadêmicos, com seus ternos pretos e chapéus, mas há peculiaridades individuais que a vestimenta acaba revelando a um leitor machadiano.

Figura 2
Almoço comemorativo da Semana de 22 com a presença de, entre outros, Couto de Barros, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Paulo Prado, René Thiollier, Graça Aranha, Gofredo Silva Telles, Candido Mota Filho, Rubens Borba de Moraes, Luís Aranha, Tácito de Almeida e Oswald de Andrade. Fonte: Souza (2005b)SOUZA, Gilda de Mello e. O professor de música. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005b, p. 13-26.

Contrapondo-se a toda aquela convencionalidade acadêmica, no segundo registro (Figura 2), temos um almoço em homenagem a Paulo Prado nos salões do antigo Hotel Terminus com alguns dos expoentes da Semana de Arte Moderna, dois anos após a primeira foto11 11 A foto que consta na Figura 2 foi, por muito tempo, tida como o registro de um almoço comemorativo imediatamente posterior à Semana de Arte Moderna. Gilda de Mello e Souza também atribui o ano de 1922 à fotografia. Contudo, segundo Carlos Augusto Calil (2019), a foto registra um almoço em homenagem a Paulo Prado, realizado em março de 1924. . Agora, os acadêmicos cedem lugar aos modernistas. A roupa e os gestos mudam, a cor retorna. Nada aqui é hirto, tudo é despretensioso. Sem chapéus. Esses são os homens de espírito irreverente que foram vaiados no Theatro Municipal de São Paulo, conforme a descrição feita por Gilda de Mello e Souza:

A fotografia dos modernistas mostra-os, ao contrário, muito à vontade. A composição se dispõe num triângulo isósceles de grande horizontalidade, tendo na ponta inferior Oswald de Andrade e mais ao alto e no centro a “autoridade intelectual e tradicional” de Paulo Prado - como Mário o designa em seu célebre escrito sobre o movimento modernista. A distribuição dos retratados é casual, não se sente nenhuma preocupação de pose na atitude dos corpos. Oswald, no primeiro plano, sentado no chão, segura com uma das mãos o pé esquerdo e com a outra empunha com naturalidade o charuto. Couto de Barros, na extrema-esquerda, compõe uma figura enérgica, as pernas afastadas, as mãos cruzadas nas costas. As mãos, em geral, tão sensíveis quando nos sentimos observados, não revelam constrangimento, estão no bolso, nas costas, sobre a guarda da cadeira, empunhando o cigarro à altura do peito, livres ao longo do corpo. Nem todos estão de escuro. Oswald, muito elegante, enverga um jaquetão e calças, eu creio, de veludo cinzento. Quatro dentre eles vestem ternos mesclados, de lã. E embora três pareçam mais conservadores que os demais em seus colarinhos duros de pontas quebradas, os restantes usam camisas comuns. As gravatas são na maioria longas, mas já pousam aqui e ali quatro gravatinhas borboleta, anunciando a voga que logo mais o Partido Democrático irá difundir. (SOUZA, 2005bSOUZA, Gilda de Mello e. O professor de música. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005b, p. 13-26., p. 16).

Com base na descrição das duas fotografias, poderíamos concordar com Machado de Assis quando, em Memórias póstumas de Brás Cubas, diz-nos que “o principal característico do homem não são as feições, mas o vestuário” (ASSIS, 1881ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1881., p. 290). Gilda de Mello e Souza, no ensaio sobre os romancistas e as roupas, concorda com Machado de Assis, mas sublinha o fator elegância - aquele elo de concordância exposto em O espírito das roupas (2019). Na obra machadiana em questão, a descrição fisionômica de Quincas Borba é breve, deixada para segundo plano, enquanto o seu perfil é captado pela adequação às suas vestes. Num primeiro encontro entre Brás Cubas e Quincas Borba, narrado no capítulo LIX, o infortúnio que caiu sobre o menino rico e o transformou em mendigo é revelado pela roupa maltrapilha. Em outro momento, no capítulo CIX, o antigo amigo surge, como uma fênix renascida das cinzas, completamente diferente, renovado pela herança deixada pelo tio de Barbacena, agora bem vestido, com roupas bem cortadas, limpas e de qualidade: “Notei-lhe a perfeição da sobrecasaca, a alvura da camisa, o asseio das botas. A mesma voz, roufenha outrora, parecia restituída à primitiva sonoridade. Quanto à gesticulação, sem que houvesse perdido a viveza de outro tempo, não tinha já a desordem, sujeitava-se a um certo método” (ASSIS, 1881ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1881., p. 290).

Quincas Borba não fora feito para os farrapos, seus gestos estavam em desalinho. Posteriormente, com a restituição da fortuna, seus gestos se alinharam, entrando em concordância com a roupa e estabelecendo a elegância que lhe fazia jus.

A elegância também exige um acordo com o tempo presente, para não nos tornarmos figuras ultrapassadas, “fora de moda”. No ensaio “Notas sobre Fred Astaire”, publicado em A ideia e o figurado (2005), Gilda de Mello e Souza nos mostra que no grande dançarino da vida moderna não há subserviência ao passado: “Há apenas o mundo presente, com a sua roupa de uso e os seus sentimentos reais” (SOUZA, 2005cSOUZA, Gilda de Mello e. Notas sobre Fred Astaire. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005c, p. 171-177., p. 176). Fred Astaire, considerado pela filósofa brasileira como o dançarino mais influente na história do cinema, não busca se destacar, como no balé tradicional, daquilo que o circunda. Sua vestimenta e seus gestos se articulam com os objetos cotidianos à sua volta, como a bengala, o chapéu e o mobiliário, assim, o dançarino insere-se no mundo, sabendo fazer uso de cada objeto, sem se opor a eles. Quanto à sua vestimenta, Fred Astaire assumiu o traje que mimetiza a industrialização: “a casaca preta, a cartola que repetia a chaminé das fábricas, num despojamento que o instala no grau zero da vestimenta, reduzida ao preto, o branco, o gesto - longe de Godot e perto dos quadros cubistas” (SOUZA, 2005cSOUZA, Gilda de Mello e. Notas sobre Fred Astaire. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005c, p. 171-177., p. 171-172).

O que se observa por meio da vestimenta, nesse caso especialmente pelo chapéu, é a tradução da arquitetura no tecido. Gilda de Mello e Souza, em O espírito das roupas (2019), destaca que no século XIX, o século da industrialização, há a exploração da forma cilíndrica. A iconografia da era industrial, com os seus túneis, reservatórios de gás e chaminés, imprimirá no homem a sua forma, tornando-os cilíndricos. Essa tradução de uma arte em outra não se restringiu ao século XIX. Em 1175, após o aparecimento do gótico, detalha a filósofa brasileira, observamos a ogiva e o sapato pontiagudo ditando a nova tendência. Com a passagem do gótico ao Tudor, arquitetura e moda adotam um estilo quadrado, “temos então o arco Tudor, o gorro e os sapatos de Henrique VII, o pelote de mangas tufadas de Henrique VIII” (SOUZA, 2019SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2019., p. 34).

Ainda sobre a cartola, o top hat de Fred Astaire, lemos na obra sobre a moda que o acessório deriva dos capacetes dos caçadores. Sua copa pode ser alta ou baixa, as abas podem ser achatadas ou arqueadas, e o material varia bastante, podendo ser tanto de pelo de castor como de seda. Sendo a cartola o chapéu característico do século XIX, assim como o tricórnio foi o do XVIII, é importante que todo homem decente possua ao menos uma, “pois que é o símbolo da respeitabilidade burguesa” (SOUZA, 2019SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2019., p. 64)12 12 Com o advento do esporte na virada do XIX ao XX, o guarda-roupa masculino é renovado: “Em 1890 a cartola começa a ser substituída, de dia, pelo chapéu de feltro” (SOUZA, 2019, p. 65). .

O figurino de Fred Astaire é o traje do herói moderno, que Baudelaire, ao discorrer sobre o Salão de 1846, acabou nomeando de uniforme de papa-defunto. Tal vestimenta é a anatomia da melancolia e do sofrimento eterno, de forma que esses homens de preto nada mais são do que coveiros (BAUDELAIRE, 1995BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BAUDELAIRE, Charles. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 671-731., p. 729). A princípio, com todos igualmente vestidos, de terno preto e de cartola, a roupa representaria uma suposta igualdade universal entre os homens, mas, para o poeta francês, o que essa moda do século XIX simboliza é a alma pública. Aqueles homens estavam sempre de luto, alguma coisa havia sido enterrada por aquela geração. Baudelaire leu as roupas de sua época assim como Machado de Assim leu os chapéus, como almas exteriores. Ou antes, o poeta francês foi além do romancista brasileiro, porque, conforme ressalta Gilda de Mello e Souza, ainda que Machado de Assis conceda que o vestuário valha mais que as feições para caracterizar o homem, ele não chega ao extremo, tal qual Baudelaire, de dizer que a moda seja revestida de uma “beleza política” e de uma “beleza poética” (SOUZA, 2005aSOUZA, Gilda de Mello e. Macedo, Alencar, Machado e as roupas. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A ideia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2005a, p. 73-89., p. 78).

O baile das artes sediado nos ensaios de Gilda de Mello e Souza não se completaria sem a pintura13 13 O alcance das observações de Gilda de Mello e Souza sobre a pintura é sumarizado nas primeiras linhas do estudo sobre nossa autora redigido por Otília Arantes e Paulo Arantes, “Moda caipira”: “Quem porventura quiser se arriscar a encarar em nova chave o problema da Formação da Pintura Brasileira [...] poderá pelo menos contar com o apoio decisivo de dois estudos pioneiros de Gilda de Mello e Souza, que por sua vez repercutem num sem-número de preciosas observações discretamente dispersas nos seus outros escritos” (ARANTES; ARANTES, 1996, p. 33). . Após visitar a exposição “Homenagem a Milton Dacosta”, realizada no Rio de Janeiro em 1973, a filósofa brasileira acrescenta mais um ensaio aos seus Exercícios de leitura, “A retrospectiva de Milton Dacosta”14 14 Publicado originalmente na revista Argumento, São Paulo, n. 2, 1973. , no qual observa no pintor carioca um apego ao chapéu, ainda que a sua trajetória aponte para um despojamento progressivo: “do interesse pela figura, pelo movimento e pela expressão, a um abandono gradativo de todos esses elementos, até atingir uma fase intermediária, de pesquisa estática e abstrata das figuras” (SOUZA, 2009bSOUZA, Gilda de Mello e. A retrospectiva de Milton Dacosta. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009b, p. 345-352., p. 345). Nesse processo, Milton Dacosta sacrifica o mundo em prol de um registro abreviado do real, privilegiando a essência do pictural. Ainda assim, mesmo com o desmonte do mundo em proveito apenas da pintura, o chapéu resistiu. É que ele não é um ornato qualquer. Gilda de Mello e Souza o observa atravessar a história da pintura, “desde as formas fantasiosas de Piero della Francesca, os mazzocchi orientais de Paolo Uccello, os toucados variados de Pisanello, os gorros de Holbein, os turbantes de Ingres, até o prosaico chapeuzinho de coco de Cézanne” (SOUZA, 2009bSOUZA, Gilda de Mello e. A retrospectiva de Milton Dacosta. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009b, p. 345-352., p. 347).

A filósofa brasileira ainda destaca que Henri Focillon, em seu A vida das formas (1934), já havia se atentado para o acessório ao comentar que o grande chapéu de Arnolfini, retratado por Jan van Eyck, possui uma função estrutural específica, auxiliando na composição do quadro. Segundo Gilda de Mello e Souza, observamos o mesmo nas telas da fase intermediária de Milton Dacosta: “é ele [o chapéu] que arremata sem ambiguidade a forma da cabeça, substituindo por uma decisão de fechamento o que poderia ser a abertura dispersa dos cabelos” (SOUZA, 2009bSOUZA, Gilda de Mello e. A retrospectiva de Milton Dacosta. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009b, p. 345-352., p. 347). Abdicada dos elementos acessórios, como o próprio cabelo, a figura humana carece de algo no seu topo. É o chapéu que completa a cabeça com dignidade, dando simetria ao rosto. Em fase posterior, na qual Milton Dacosta abandona a abstração e reconstrói o mundo, retornando ao figurativo por meio do nu, o chapéu continua a marcar presença, mesmo com a resgate dos cabelos: “Seu valor formal é tão impositivo que, indiferente à verossimilhança, o artista recorre a ele mesmo nos nus, ressaltando-lhe muitas vezes a forma com a nota rutilante do colorido, um alaranjado ou um carmesim” (SOUZA, 2009bSOUZA, Gilda de Mello e. A retrospectiva de Milton Dacosta. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009b, p. 345-352., p. 348).

CRÍTICA COMO PERÍCIA

Voltemos ao cinema e a Paulo Emílio Salles Gomes. Em “Paulo Emílio: a crítica como perícia”, Gilda de Mello e Souza destaca a “práxis consciente” do amigo que empresta o nome ao ensaio. Compartilhando de uma “paixão pelo concreto”, ele irá se debruçar sobre o filme na moviola, e não sobre o debate teórico. O seu debate é com a imagem: desta imagem, deste filme, feito nestas condições. “O que o preocupa é o real, o concreto, a obra, o que ela diz sobre o mundo, como o autor fala por seu intermédio” (SOUZA, 2009aSOUZA, Gilda de Mello e. (1980). Paulo Emílio: a crítica como perícia. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009a, p. 259-270., p. 262). O que vale para Paulo Emílio vale também para Gilda de Mello e Souza. Nossa autora salienta em suas entrevistas que também compartilha da “paixão pelo concreto”, e chega inclusive a dizer, em carta ao primo Mario de Andrade15 15 Mário de Andrade, muito mais do que um recorrente objeto de estudo, foi um mestre para nossa autora. Para dar prosseguimento aos seus estudos, Gilda de Mello e Souza trocou a casa de seus pais pela casa do modernista, primo de seu pai, localizada na capital paulista. A casa ficava na rua Lopes Chaves, 108 (atualmente 546), abrigando hoje o museu Casa Mário de Andrade. A filósofa brasileira recorda a importância de Mário de Andrade em sua formação em: Souza; Candido, 2014. , que a formação de seu conhecimento era empírica (SOUZA, 2014aSOUZA, Gilda de Mello e. Cartas a Mário de Andrade: 9. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014a, p. 245-247., p. 255). É orientando-se pelo concreto, e para o concreto, que a filósofa brasileira constrói o seu método crítico. Reflexo disso é a sua preferência pela análise direta das obras de arte em seus ensaios, deixando as discussões teóricas para segundo plano. O mesmo cenário é vislumbrado em sua atuação em sala de aula, onde os seus alunos de Filosofia eram impelidos a ter um contato direto com obras de arte, conforme lemos na entrevista concedida a Nelson Aguilar:

Impus aos meus alunos um contato direto com as obras - e não com as teorias estéticas -, exigindo deles um esforço analítico, modesto demais para a aspiração da maioria. Analisar um quadro, analisar um filme, comentar um recitativo de Schönberg, escolher como comentário à pintura um texto de Baudelaire, em vez de uma passagem de Hegel, deve ter parecido, a mais de um aluno de filosofia, uma provocação. (SOUZA, 2014dSOUZA, Gilda de Mello e. Entrevista a Nelson Aguilar. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014d, p. 75-85., p. 78).

O fato de Gilda de Mello e Souza recorrer a poucas referências teóricas deve-se à sua desconfiança de críticos que legitimam os seus comentários com base em alguma teoria. Bento Prado Júnior (2006PRADO JÚNIOR, Bento. Narciso e o colecionador ou o ponto cego do criador. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 43, setembro, 2006, p. 9-36. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i43p9-36.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
, p. 12), em texto dedicado à interpretação da escrita de sua professora de Estética, aponta que ela deixa o conteúdo teórico “discreta ou modestamente à sombra”. Apesar de nossa autora não se apoiar no argumento de autoridade dos teóricos, Ricardo Fabbrini (2016FABBRINI, Ricardo Nascimento. Pintura e nacionalidade segundo Gilda de Mello e Souza. Revista-Valise, Porto Alegre, v. 6, n. 12, ano 6, dezembro, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaValise/article/view/70186. Acesso em: 20 mar. 2023.
https://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaV...
, p. 108), também em um estudo sobre Gilda de Mello e Souza, chama-nos a atenção para o fato de que diversos autores são reconhecidos nas entrelinhas de seus ensaios, de forma que a erudição da filósofa brasileira se faz presente pela sua “escrita límpida”. Ainda sobre essa questão, Fabbrini discorre: “Essa desconfiança em relação à teoria decorreria, assim, de sua ‘paixão pelo concreto’, de sua necessidade em atender ao ‘apelo das coisas’, ao dito real, que a fazia - uma vez encerradas as tarefas universitárias - substituir o ‘pensamento abstrato’, para o qual ‘não teria sido talhada’, pela análise de obras artísticas” (FABBRINI, 2016FABBRINI, Ricardo Nascimento. Pintura e nacionalidade segundo Gilda de Mello e Souza. Revista-Valise, Porto Alegre, v. 6, n. 12, ano 6, dezembro, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaValise/article/view/70186. Acesso em: 20 mar. 2023.
https://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaV...
, p. 108-109).

Intimamente ligada à “paixão pelo concreto” de nossa autora está a sua percepção inicial de mundo, que se deu na isolada casa de fazenda de seus pais, em Araraquara, no interior paulista, na qual passou a infância. Longe da escola e da influência de livros e revistas, Gilda de Mello e Souza cresceu em contato direto com “as árvores, os bichos, o sol, a água, as estações” (SOUZA, 2014dSOUZA, Gilda de Mello e. Entrevista a Nelson Aguilar. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014d, p. 75-85., p. 76). Justamente por crescer distante dos livros, o conhecimento inicial do mundo não chegou a ela por meio da letra dos autores, mas por meio de seus próprios olhos. “Tudo era visível, como nas gravuras, o que guardávamos das datas era visível: a fogueira, os balões, o presépio” (SOUZA, 2014dSOUZA, Gilda de Mello e. Entrevista a Nelson Aguilar. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014d, p. 75-85., p. 76). Essa forma de ver o mundo apura o olhar de Gilda de Mello e Souza, garantindo-lhe uma confiança no pensamento imagético, fundado no visível, e oposto ao pensamento abstrato. Walnice Nogueira Galvão (2007GALVÃO, Walnice Nogueira. Um percurso intelectual. In: MICELI, Sergio; MATTOS, Franklin de (Org.). Gilda: a paixão pela forma. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Fapesp, 2007., p. 68) inclusive aponta que há no método da filósofa brasileira um “primado do visual. Foi esse contato direto com o mundo que levou Gilda de Mello e Souza a valorizar o detalhe sensível e insignificante entranhado16 16 Segundo Gilda de Mello e Souza, em entrevista a Nelson Aguilar, a função do crítico se define pelo verbo desentranhar: “Crítico é aquele que procura desentranhar o sentido que o artista encarnou na obra. Criticar é, em larga medida, des-cobrir: procurar os indícios, examiná-los, agrupá-los com método, levantar hipóteses, tirar conclusões. Mas sempre ao recado da obra” (SOUZA, 2014d, p. 77). na obra de arte, conforme podemos apreender de suas palavras:

Acho que foi esse aprendizado sensorial, carnal do mundo, que desenvolveu em mim a percepção venatória, de caçador - aquela percepção que, segundo Carlo Ginzburg, é responsável pelo diagnóstico médico, pela psicanálise e pelo romance policial. Percepção a meio caminho da ciência e da arte e que, a meu ver, deve orientar o crítico. (SOUZA, 2014dSOUZA, Gilda de Mello e. Entrevista a Nelson Aguilar. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014d, p. 75-85., p. 76-77).

Encarnando-se no mundo, apaixonando-se pelo concreto, o olhar de Gilda de Mello e Souza se torna crítico, pericial, caçador. Nossa autora vincula essas características ao paradigma indiciário desvendado pelo historiador italiano Carlo Ginzburg, de tendência conjectural e decifrativa, e ao espírito do connaisseur encarnado no perito italiano Giovanni Morelli, que o leva a reconhecer espontaneamente o autor de uma obra a partir dos detalhes insignificantes que escapariam até ao próprio artista17 17 Sobre o connoisseurship, Giovanni Morelli e a relação desses com a história da arte, ver: Bazin (1989). .

Na segunda metade do século XIX, Giovanni Morelli desenvolveu um método pericial capaz de reconhecer a autoria de obras antigas, muitas vezes deterioradas, repintadas ou não assinadas, distinguindo também uma cópia de um original. Para reconhecer a mão do artista, Morelli não se baseava na composição, no traço ou na cor comuns a um pintor ou a um estilo. Também não se prendia a detalhes evidentes - e, consequentemente, fáceis de imitar -, como os olhos ou o sorriso. A assinatura do artista estaria nos detalhes mais insignificantes, como o desenho das orelhas ou das unhas. “Dessa maneira, Morelli descobriu, e escrupulosamente catalogou, a forma de orelha própria de Botticelli, a de Cosmè Tura e assim por diante: traços presentes nos originais, mas não nas cópias” (GINZBURG, 1989GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-179., p. 144). A hermenêutica morelliana que contagiou Gilda de Mello e Souza também atingira a psicanálise de Sigmund Freud, como declarado em seu Moisés de Michelangelo (1914), e está na base do paradigma indiciário observado por Carlo Ginzburg na nossa história intelectual, que explica o conjunto de disciplinas que se fundam na decifração de signos, sejam eles sintomas ou escritas. Nesse sentido, segundo o historiador italiano, “O que caracteriza esse saber é a capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente” (GINZBURG, 1989GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-179., p. 152). Tendo em vista os dois autores italianos, a argúcia do olhar de nossa autora permite que ela veja o que aos outros passaria despercebido, construindo uma crítica como perícia, tal qual atribuída por ela a Paulo Emílio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gilda de Mello e Souza foi uma filósofa brasileira que por meio de uma prosa ensaística límpida e de qualidade pôs-se a pensar sobre as mais variadas artes. Dentre essas, foi a moda que recebeu um estudo de fôlego. Nossa autora se debruçou sobre a moda e desentranhou o que se esconde sob os tecidos. À época da defesa de sua tese de doutorado, 1950, seu estudo não recebeu o devido reconhecimento, uma vez que a moda era considerada um tema academicamente inferior, levando 37 anos para chegar ao grande público em forma de livro, graças à edição pela Companhia das Letras em 1987. Apesar disso, hoje vemos que a filósofa brasileira foi pioneira e que um estudo sobre as nossas roupas dá resultados significativos. Moda também é arte, mas, mais do que isso, ela é a mais humana das artes. Como vimos ao longo deste artigo, o tema não se restringiu a O espírito das roupas, ele é recorrente nos ensaios de caráter plural de nossa autora. Seja no cinema, na literatura, na fotografia, na dança ou na pintura, Gilda de Mello e Souza se atentou ao chapéu, sendo ora materialização da alma, ora acessório de performance, ora mimetização da arquitetura, ora elemento estrutural, ora de pelo de castor, ora de seda. Se nossa autora pôde ver tudo isso em um acessório aparentemente tão simples como o chapéu, isso se dá porque, por meio de um contato direto com as obras de arte, ela também desenvolveu uma crítica como perícia, o que lhe permite decifrar os motivos da presença de um objeto antes insignificante.

  • 2
    Além de O espírito das roupas, nossa autora publicou: O tupi e o alaúde (1979SOUZA, Gilda de Mello e. (1979). O tupi e o alaúde: uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2003. (Espírito Crítico).), ensaio de fôlego dedicado ao Macunaíma, de Mário de Andrade; Exercícios de leitura (1980SOUZA, Gilda de Mello e. A Estética rica e a Estética pobre dos professores francês. In: SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009c, p. 9-41.), coletânea de estudos de grande abrangência temática; A ideia e o figurado (2005), última obra publicada em vida, que congrega artigos escritos entre 1983 e 2005 sobre as mais variadas manifestações artísticas; e A palavra afiada (2014SOUZA, Gilda de Mello e. Entrevista a Augusto Massi. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014b, p. 89-112.), obra póstuma organizada por Walnice Nogueira Galvão, que apresenta ao leitor um amplo material.
  • 3
    No seu percurso acadêmico na USP, Gilda de Mello e Souza, entre 1943 e 1954, foi assistente de Roger Bastide na cadeira de Sociologia I. Contudo, não o sucedeu e, em 1955, tornou-se a primeira docente mulher contratada pelo Departamento de Filosofia, fundando a cadeira de Estética, a convite de João Cruz Costa, diretor do Departamento à época. Em 1999, teve o título de professora emérita da USP outorgado. Seu discurso de emérita se encontra transcrito em A palavra afiada.
  • 4
    A entrevista dada a Carlos Augusto Calil primeiramente foi transmitida no programa Belas Artes da TVA em 1992, posteriormente transcrita e publicada em outras fontes, como a coletânea A palavra afiada.
  • 5
    Além de abordar Visconti, Gilda redigiu um ensaio sobre outro filme do cineasta italiano, Os deuses malditos (1969). O ensaio, que leva o nome do filme, foi publicado originalmente na revista Discurso, n. 2, em 1971, e republicado em Exercícios de leitura.
  • 6
    Gilda e Paulo Emílio integraram a mesma geração de alunos da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL/USP), a chamada geração do grupo de Clima, revista publicada por nossa autora e colegas da mesma instituição, como Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Ruy Coelho, e Lourival Gomes Machado. Durante a graduação, Paulo Emílio transformou a casa de seus pais em uma espécie de “cineclube”, frequentado pelos uspianos e figuras de proa do Modernismo. Para uma apreciação aprofundada da afinidade entre a primeira geração de alunos da FFCL que fundou Clima, ver: Pontes (1998)PONTES, Heloisa. Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São Paulo: Companhia das Letras, 1998..
  • 7
    A tese de doutorado, intitulada Cataguases e Cinearte na formação de Humberto Mauro, foi defendida por Paulo Emilio Salles Gomes em 1972GOMES, Paulo Emilio Salles. Cataguases e Cinearte na formação de Humberto Mauro. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Universidade São Paulo, São Paulo, 1972. no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, sob orientação de Gilda de Mello e Souza. O trabalho foi publicado como livro posteriormente pela Perspectiva, em 1974, com o título Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte.
  • 8
    Professor francês de Sociologia da antiga Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde lecionou de 1938 a 1954. A atuação do professor e orientador francês é resgatada em “A Estética rica e a Estética pobre dos professores francês”, ensaio fruto da aula inaugural de 1972 dos cursos do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo. O texto foi publicado originalmente na revista Discurso, n. 9, em 1978, e republicado em Exercícios de leitura.
  • 9
    Originalmente publicado na revista Novos Estudos Cebrap, n. 41, março de 1995.
  • 10
    Originalmente publicado em: Andrade (1995)ANDRADE, Mário de. Introdução à estética musical. Estabelecimento do texto, introdução e notas de Flávia Camargo Toni. São Paulo: Hucitec, 1995..
  • 11
    A foto que consta na Figura 2 foi, por muito tempo, tida como o registro de um almoço comemorativo imediatamente posterior à Semana de Arte Moderna. Gilda de Mello e Souza também atribui o ano de 1922 à fotografia. Contudo, segundo Carlos Augusto Calil (2019)CALIL, Carlos Augusto. Foto tida como ícone da Semana de 1922 foi feita em 1924. Folha de S. Paulo, 13 de outubro de 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/10/foto-tida-como-icone-da-semana-de-1922-foi-feita-em-1924.shtml. Acesso em: 20 mar. 2023.
    https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissi...
    , a foto registra um almoço em homenagem a Paulo Prado, realizado em março de 1924.
  • 12
    Com o advento do esporte na virada do XIX ao XX, o guarda-roupa masculino é renovado: “Em 1890 a cartola começa a ser substituída, de dia, pelo chapéu de feltro” (SOUZA, 2019SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2019., p. 65).
  • 13
    O alcance das observações de Gilda de Mello e Souza sobre a pintura é sumarizado nas primeiras linhas do estudo sobre nossa autora redigido por Otília Arantes e Paulo Arantes, “Moda caipira”: “Quem porventura quiser se arriscar a encarar em nova chave o problema da Formação da Pintura Brasileira [...] poderá pelo menos contar com o apoio decisivo de dois estudos pioneiros de Gilda de Mello e Souza, que por sua vez repercutem num sem-número de preciosas observações discretamente dispersas nos seus outros escritos” (ARANTES; ARANTES, 1996ARANTES, Otília; ARANTES, Paulo. Moda caipira. Discurso, São Paulo, n. 26, 1996, p. 33-68. https://doi.org/10.11606/issn.2318-8863.discurso.1996.38003.
    https://doi.org/10.11606/issn.2318-8863....
    , p. 33).
  • 14
    Publicado originalmente na revista Argumento, São Paulo, n. 2, 1973.
  • 15
    Mário de Andrade, muito mais do que um recorrente objeto de estudo, foi um mestre para nossa autora. Para dar prosseguimento aos seus estudos, Gilda de Mello e Souza trocou a casa de seus pais pela casa do modernista, primo de seu pai, localizada na capital paulista. A casa ficava na rua Lopes Chaves, 108 (atualmente 546), abrigando hoje o museu Casa Mário de Andrade. A filósofa brasileira recorda a importância de Mário de Andrade em sua formação em: Souza; Candido, 2014SOUZA, Gilda de Mello e; CANDIDO, Antonio. Entrevista à Equipe do IEB. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014, p. 113-136..
  • 16
    Segundo Gilda de Mello e Souza, em entrevista a Nelson Aguilar, a função do crítico se define pelo verbo desentranhar: “Crítico é aquele que procura desentranhar o sentido que o artista encarnou na obra. Criticar é, em larga medida, des-cobrir: procurar os indícios, examiná-los, agrupá-los com método, levantar hipóteses, tirar conclusões. Mas sempre ao recado da obra” (SOUZA, 2014dSOUZA, Gilda de Mello e. Entrevista a Nelson Aguilar. In: SOUZA, Gilda de Mello e. A palavra afiada. Organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2014d, p. 75-85., p. 77).
  • 17
    Sobre o connoisseurship, Giovanni Morelli e a relação desses com a história da arte, ver: Bazin (1989)BAZIN, Germain. Connoisseurship. In: BAZIN, Germain. História da história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 191-210..

Referências

  • ANDRADE, Mário de. Introdução à estética musical Estabelecimento do texto, introdução e notas de Flávia Camargo Toni. São Paulo: Hucitec, 1995.
  • ARANTES, Otília; ARANTES, Paulo. Moda caipira. Discurso, São Paulo, n. 26, 1996, p. 33-68. https://doi.org/10.11606/issn.2318-8863.discurso.1996.38003
    » https://doi.org/10.11606/issn.2318-8863.discurso.1996.38003
  • ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1881.
  • ASSIS, Machado de. Capítulo dos chapéus. In: ASSIS, Machado de. Contos São Paulo: Cultrix, 1961, p. 115-137.
  • BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BAUDELAIRE, Charles. Poesia e prosa Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 671-731.
  • BAZIN, Germain. Connoisseurship. In: BAZIN, Germain. História da história da arte São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 191-210.
  • CALIL, Carlos Augusto. Foto tida como ícone da Semana de 1922 foi feita em 1924. Folha de S. Paulo, 13 de outubro de 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/10/foto-tida-como-icone-da-semana-de-1922-foi-feita-em-1924.shtml Acesso em: 20 mar. 2023.
    » https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/10/foto-tida-como-icone-da-semana-de-1922-foi-feita-em-1924.shtml
  • FABBRINI, Ricardo Nascimento. Pintura e nacionalidade segundo Gilda de Mello e Souza. Revista-Valise, Porto Alegre, v. 6, n. 12, ano 6, dezembro, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaValise/article/view/70186 Acesso em: 20 mar. 2023.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Abr 2023

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2022
  • Aceito
    07 Mar 2023
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