RESUMO
Este ensaio propõe pensar o bolsonarismo enquanto fenômeno sociotécnico, definido menos por um conteúdo ou base social fixa do que por uma dinâmica circular de mobilização performativa de demandas latentes, orientada por métricas em tempo real. Sob essa perspectiva, agência e processo decisório não pertencem a atores específicos, mas são propriedades emergentes do sistema sociotécnico global por eles formado. Sugiro que os múltiplos segmentos que entram em ressonância para formar o bolsonarismo compartilham uma dinâmica cibernética comum, que se caracteriza por introduzir, na esfera pública, bifurcações de viés antiestrutural.
PALAVRAS-CHAVE Bolsonarismo; mídias digitais; antiestrutura
ABSTRACT
This essay approaches Bolsonarism as a socio-technical phenomenon, characterized by circular performative mobilization of latent demands guided by realtime metrics. From this perspective, agency and decision-making do not belong to specific actors, but are emergent properties of the global socio-technical system. I suggest that the multiple segments that resonate together to form Bolsonarism share a common cybernetic dynamic, characterized by antistructural incisions in the Brazilian public sphere.
KEYWORDS Bolsonarism; digital media; antistructure
Nos últimos anos, as múltiplas dimensões do bolsonarismo foram esmiuçadas por ricas análises dentro e fora do campo acadêmico, a partir de pontos de vista os mais variados: sócio-políticos, históricos, linguísticos, etnográficos, psicanalíticos, jornalísticos, subjetivos2. Hoje, quando o primeiro mandato do presidente caminha para seu termo, encontramo-nos bem melhor posicionados para compreender o fenômeno. E não obstante, seus reais contornos e grau de resiliência parecem ainda estar em suspenso, aguardando confirmação ou não pelo pleito de 2022. Existe bolsonarismo sem Bolsonaro? Existia antes dele? Continuará existindo depois? Quais suas diferenças com relação ao restante da chamada “nova direita” no Brasil? Com outros movimentos semelhantes pelo mundo? Que critérios definem o que conta ou não como bolsonarismo?
Esse tipo de dilema taxonômico é bem conhecido na antropologia. Ele advém do fato de que as categorias que produzimos socialmente para conhecer o mundo – inclusive o mundo natural (KUHN, 2020) – jamais são capazes de esgotá-lo. Gregory Bateson (1972) o trabalhou através da cibernética e da teoria dos tipos lógicos, e Lévi-Strauss (2018) avançou, em O Totemismo Hoje, uma proposição estruturalista bem conhecida. Em ambos os casos, a saída envolveu não buscar uma forma definitiva de juntar “mapa” e “território” (BATESON, 1972), mas mudar a escala de compreensão do problema: do conteúdo substantivo para a estruturação sistêmica, ou para a matriz de relações que o informa – ou seja, que lhe dá forma. Nos meus escritos sobre o bolsonarismo, tenho buscado experimentar com uma torção analítica semelhante, olhando para o fenômeno a partir da sua dimensão técnica3. Essa dimensão é comunicacional, porém não abstrata. É possível rastreá-la na materialidade das chamadas novas mídias, cuja infraestrutura emergente participa da constituição do bolsonarismo ao propiciar o que Ian Hacking (1995) chamou de looping effects, ou causalidades circulares pelas quais as categorias que criamos para organizar o mundo passam a produzi-lo, e vice-versa.
As novas mídias potencializariam esses efeitos de forma inédita por serem tecnologias propriamente cibernéticas, ou seja, desenhadas para operarem looping cognitivos recursivos entre agentes humanos (usuários) e maquínicos (sistemas algorítmicos) (CHUN, 2016). Quando visto por este ângulo, o bolsonarismo se define menos por um conteúdo ou base social fixa do que por uma dinâmica sociotécnica de mobilização contínua e performativa de demandas latentes, num fluxo de causalidade circular entre influenciadores e influenciados orientado por métricas em tempo real. Aqui, detalharei essa dinâmica a partir de uma perspectiva neobatesoniana (CESARINO, 2021a) que olha para agência e processo decisório não como pertencendo a atores específicos, mas como propriedades emergentes do sistema sociotécnico global por eles formado. No caso dos múltiplos segmentos que entram em ressonância (CONNOLLY, 2021) para formar o que chamamos de bolsonarismo, sugiro que essa dinâmica compartilhada toma a forma do que chamarei aqui de públicos antiestruturais.
A primeira seção introduz a noção de públicos antiestruturais a partir do cruzamento entre os conceitos de contrapúblico (WARNER, 2002; ROCHA; SOLANO; MEDEIROS, 2021) e público refratado (ABIDIN, 2021), contextualizando-a em discussões contemporâneas sobre a crise da democracia liberal e sua ancoragem na atual infraestrutura de mídia. Sugiro que a dinâmica sistêmica do bolsonarismo enquanto público antiestrutural se desdobra em três escalas principais: ambiente (sistemas algorítmicos), ação tática de influenciadores e grupos organizados, e usuários comuns. As seções seguintes enfocam cada uma dessas escalas. Primeiro, sugiro como os públicos bolsonaristas se formaram a partir de demandas latentes dos usuários, mobilizando afetos de ressentimento e exaltação do senso comum. Em seguida, discuto o modo como, nas novas mídias, os indivíduos são interpelados pelos sistemas algorítmicos em camadas cognitivas próximas ao que Bateson (1972) chamou de processos primários, e especulo sobre possíveis processos de algoritmização dos enquadres cognitivos (framing) dos usuários imersos nos públicos bolsonaristas. A última seção se volta para a ação tática camuflada que desempenha um papel crucial na formação dos públicos antiestruturais bolsonaristas. Sugiro que esses agentes logram inserir, na relação entre ambiente e usuário, um viés que lhes seja favorável: uma temporalidade rítmica e uma espacialidade bifurcada entre públicos invertidos que corroem, gradualmente, as bases da legitimidade e da confiança social nos públicos dominantes que sustentam a democracia liberal e o tipo de esfera pública a ela associada.
Bolsonarismo como público antiestrutural e a crise da democracia liberal
O argumento a ser elaborado aqui parte de algumas conclusões a que o presente esforço de pesquisa chegou até o momento: (i) que a dimensão técnica do bolsonarismo pode ser melhor aduzida a partir de uma comparação entre suas diferentes versões – em especial, aquelas que se desdobram fora de um registro estritamente político, como ecossistemas conspiratórios e pseudociências (CESARINO, 2021b,c; CESARINO; SILVA, no prelo); (ii) que a atual infraestrutura de mídia propicia um meio (medium) apropriado à ressonância entre elas (CONNOLLY, 2021); e (iii) que essas ressonâncias se dão num sentido que venho chamando, inspirada em Victor Turner (2013), de antiestrutural. A partir desse ponto de vista – que não é o único possível, e nem muito menos “explica” o fenômeno num sentido causal convencional –, o que chamamos de bolsonarismo manifesta uma tendência mais geral de desestabilização dos pilares daquilo que Mazzarella (2019) chamou do liberal settlement, ou “compromisso liberal”. Por razões que ainda vêm sendo discutidas, mas que já são possíveis de vislumbrar, a atual infraestrutura cibernética das novas mídias introduz um viés técnico favorável a essa desestabilização e, consequentemente, ao tipo de política avançada pela atual convergência neoliberal-conservadora e suas formas associadas de pós-verdade4.
Parte da literatura tem trabalhado o modo como as novas mídias produzem uma configuração espaço-temporal propícia a estados de crise (RUSHKOFF, 2014; CHUN, 2011, 2016; FIELITZ; MARCKS, 2019) – ou, nos termos de Turner (2013), liminaridade. Por esta via, elas acirrariam a corrosão da confiança social e legitimidade do que chamei, em outro momento, de sistema de peritos: a democracia liberal, a ciência, o jornalismo, a educação escolar, o sistema jurídico-legal, entre outros (CESARNO, 2021a). Essa crise generalizada não seria portanto apenas ideológica, mas conta com um forte componente material, na medida em que se encontra disponível, hoje, toda uma infraestrutura técnica que permite substituir, por procedimentos algorítmicos, funções outrora desempenhada por esses mediadores (BUCHER, 2018). Isso significa que as novas mídias não se limitam a desintermediar estruturas vigentes no mundo pré-digital, fazendo colapsar os modos como os contextos sociais se organizavam (BOYD, 2010)5. Suas causalidades circulares vão, simultaneamente, fazendo emergir novas formas de reintermediação: das subjetividades, da política, da ciência, do jornalismo, da educação, do empreendedorismo, das religiões e espiritualidades, etc.
Em outras ocasiões, apontei algumas dessas possíveis reintermediações emergentes em termos das ressonâncias entre o bolsonarismo político e fenômenos variavelmente rotulados de populismos, conspiracionismos, pseudociências, negacionismos, neoliberalismos (CESARINO, 2020a, 2021a; SZWAKO; RATTON, 2022). É até mesmo possível que, em alguns casos, estejamos aplicando rótulos antigos a processos que, hoje, caminham bem mais juntos do que esperaríamos num contexto pré-digital. Minha intenção não é, todavia, afirmar que as novas mídias explicam sua convergência num sentido linear ou determinístico, mas sugerir que elas constituem um ambiente técnico e mediacional – um medium (ABREU, 2019) – apropriado à sua ressonância (CONNOLLY, 2021) cada vez mais estreita. É neste sentido que venho explorando, de forma comparativa, as convergências entre o bolsonarismo político, os conspiracionismos que proliferaram durante a pandemia e a alt-science do tratamento precoce: enquanto movimentos que co-emergem a partir de certas affordances da web plataformizada6. É a partir das transversalidades entre eles que poderíamos aduzir sua dimensão propriamente técnica.
Os atuais ambientes cibernéticos operam de forma não linear, convidando à (re)incorporação, à teoria social, de perspectivas alternativas a boa parte da sua “ciência normal” (KUHN, 2020; CESARINO, 2021a). Neles, as relações entre agente e ambiente não são unidirecionais mas recursivas e co-emergentes, confundindo noções dominantes de agência, causalidade e responsabilização. Como veremos, é exatamente nessas novas zonas cinzentas que atuam e vicejam os públicos antiestruturais do bolsonarismo. Nesse sentido, as atuais infraestruturas de mídia têm, de fato, uma “política”, porém menos no sentido convencional do termo do que no modo como elas introduzem vieses favoráveis a certos tipos de subjetividades, socialidades e afetos (WINNER, 2017).
Durante algum tempo se polemizou sobre se as plataformas de fato teriam o controle que alegam ter sobre o fluxo de influência subliminar a que seu modelo de negócios submete os usuários – que, como se sabe, não são seus clientes, mas matéria-prima para a extração de “mais valia comportamental” (ZUBOFF, 2021). Hoje, parece estar mais bem estabelecido que o problema com a plataformização não é que ela oferece um meio de comando e controle sobre os indivíduos num sentido linear, mas que ela introduz novas camadas de mediações cibernéticas que produzem efeitos de influência fora do controle das plataformas – e que, não obstante, podem adquirir um caráter sistêmico e eficaz nos seus próprios termos. O que chamamos de desinformação seria um desses efeitos sistêmicos: não pretendidos por quem desenhou essas arquiteturas de mídia, porém hoje parte constitutiva da sua ecologia informacional. Não uma anomalia, mas parte estruturante, ainda que de forma contraditória, dessa infraestrutura.
Com base em etnografia entre influenciadores de Instagram em Cingapura, Crystal Abidin (2021) cunhou o termo públicos refratados para designar as camadas semiopacas que se formam entre a internet de superfície e estratos mais subterrâneos e ocultos da web. Diferente dos públicos-em-rede (networked publics) de boyd (2010), que produzem o usuário padrão das mídias sociais na internet do mainstream (o que sobrou, poderíamos dizer, de uma esfera pública), os públicos refratados emergem na interação circular entre a arquitetura das plataformas e a agência tática concertada de usuários humanos que aprenderam a utilizar as dinâmicas algorítmicas a seu favor. Gray, Bounegru e Venturini (2020) propuseram uma noção que julgo complementar à de Abidin: o infrastructural uncanny7. Eles cunharam o termo para circunscrever o modo como os públicos ligados à desinformação emergem numa relação contraditória, porém codependente com os públicos do mainstream: em paralelo e em oposição a eles, mas ao mesmo tempo mimetizando sua estética e formas de legitimação de um modo “estranho-familiar”.
Inspirada nessas e em outras discussões sobre tendências recentes no campo de novas mídias, sugiro que o bolsonarismo político e demais ecossistemas digitais que com ele ressoam são públicos refratados de um tipo específico, que chamarei aqui, com base em Victor Turner, de públicos antiestruturais. Em sua obra seminal sobre análise de rituais, o antropólogo britânico utilizou o termo antiestrutura para designar o movimento reflexivo pelo qual uma sociedade se “dobra sobre si mesma”, trazendo à tona elementos que contestam os “modelos políticos e legais que controlam o centro da vida de uma sociedade” (TURNER, 2013, p. vii; grifo meu). Em outras palavras, a antiestrutura tematiza aquelas dimensões do real marginalizadas ou diminuídas pela constituição de uma ortodoxia ou normatividade dominante, abrindo nesta última fendas que apontam para outras possibilidades e, assim, para a mudança estrutural.
Na interpretação estrutural-funcionalista típica, o aparato ritual das sociedades não modernas permite a expressão periódica dessas tensões antiestruturais e dos tabus a elas relacionados, propiciando, assim, um modo controlado de gerir as contradições dialéticas que são inevitáveis a todo processo social. Esse seria o sentido das inversões temporárias de hierarquias políticas, de idade, gênero e outras tão comuns em rituais de iniciação e investidura de chefes em sociedades africanas (TURNER, 2013), nas performances cismogênicas8 durante a cerimônia do naven melanésio (BATESON, 2008) e nos ritos que Max Gluckman (2011) chamou de inversão ou rebelião. As inversões antiestruturais também aparecem de modo central na enigmática fórmula canônica (ou dupla-torção) de Lévi-Strauss (ALMEIDA, 2008). Mas neste caso, ao invés de gerirem contradições com vistas à manutenção da ordem social, elas aparecem operando o cruzamento de limiares verdadeiramente transformacionais entre conjuntos de mitos amazônicos (GOW, 2014).
No caso das sociedades modernas, as contradições antiestruturais próprias da dialética da vida social seriam geridas por uma série de instituições, notadamente aquelas ligadas ao Estado democrático de direito gradualmente construído após a Paz de Vestefália no século XVII. Quando estas se fragilizam, pressões antiestruturais podem vir à tona com maior rapidez e força. Como indica o vínculo histórico entre a prensa mecânica de Gutenberg, a Reforma Protestante e o longo período de guerras de religião que se seguiu na Europa, infraestruturas de mídia são variáveis centrais à “viscosidade” (GLEICK, 2006) de um sistema social, ou seja, sua capacidade e ritmo de absorção de tensões antiestruturais (FERGUSON, 2019). A hipótese que compartilhamos é que, hoje, mudanças rápidas e em profundidade da infraestrutura de mídia estejam propiciando (affording) o afloramento de tensões antiestruturais na forma de públicos que reconhecemos como estando em dissonância com o modelo normativo da democracia e da esfera pública liberais: os populismos no campo da política, os conspiracionismos, negacionismos e desinformação no campo epistêmico. Olhando de um ponto de vista sistêmico (CESARINO, 2021a), contudo, esses movimentos não pertencem a campos diferentes, mas convergem transversalmente enquanto públicos antiestruturais.
Em seus estudos sobre a nova direita no Brasil, Camila Rocha e colegas (ROCHA; SOLANO; MEDEIROS, 2021) têm trabalhado com a noção de contrapúblico de Michael Warner (2002), que introduz importantes problematizações ao conceito habermasiano da esfera pública. Contrapúblicos como movimentos feministas ou queer emergem para se contrapor ao que Warner chamou de públicos dominantes. Eles o fazem não apenas em termos de demandas substantivas, mas pela via de uma poética e regime de afetos e sensibilidades que perturba, performativamente, os pressupostos de impessoalidade e dialogia polida da esfera pública. É no sentido dessa intenção disruptiva que Rocha e colegas entendem não apenas o bolsonarismo, mas segmentos da nova direita como os olavistas e “liberais”, enquanto formas contemporâneas de contrapúblicos.
Os públicos refratados bolsonaristas abordados aqui de fato convergem com a proposta de Warner e Rocha. Porém, são contrapúblicos que ganham tração numa configuração diferente da esfera pública pré-digital na qual Warner baseou seu conceito. Recentemente, Chun (2021) caracterizou a dinâmica que rege a formação dos públicos digitais da desinformação e da direita radical como uma “hegemonia invertida”:
se a hegemonia implicava criar uma maioria pela aceitação – e identificação – de diversas minorias com uma visão de mundo dominante, maiorias hoje emergem pela consolidação de minorias raivosas – cada uma ligada a um estigma específico – em oposição a uma cultura do “mainstream” (CHUN, 2021, p. 104).
No caso da aliança neoliberal-conservadora expressa, no Brasil, pelo bolsonarismo, o inimigo comum contra o qual se unem esses segmentos seria um público dominante “socialista” na economia e “progressista” nos costumes (CESARINO, 2019). Do seu ponto de vista autodesignad conservador, eles se veem como um tipo de contra-contrapúblico, que reage à ocupação do mainstream por contrapúblicos ligados ao que eles chamam de “marxismo cultural”. Ao entenderem que o centro da vida social já foi irreversivelmente corrompido pelo inimigo, não preveem outra solução senão a messiânica: ocupação e regeneração completa do sistema pela via da inversão.
A convergência neoliberal-conservadora toma corpo não apenas pela sua posição na atual inflexão histórica, mas também por ganhar tração enquanto públicos refratados, no sentido de Abidin (2021). Muitos de seus protagonistas – nos campos político, religioso, de mídia, empreendedorismo – jogam de forma consciente e tática com as agências algorítmicas que dão forma à topologia da esfera pública contemporânea, e com as suas formas específicas de eficácia (MELLO, 2020; LEIRNER, 2020; CESARINO 2020a; ROCHA, 2021). Neste sentido, o bolsonarismo pode ser entendido como um foco de ressonância entre contrapúblicos refratados, que se diferenciam de outros contrapúblicos de direita pelo seu caráter propriamente antiestrutural.
Os contrapúblicos refratados bolsonaristas são antiestruturais pois não apenas não se ancoram na mesma lógica política da esfera pública liberal e do Estado democrático de direito, como pressionam suas instituições e pressupostos na direção de um limiar verdadeiramente transformacional: não de algo totalmente novo, mas da sua própria antiestrutura. Ao ocupar e tensionar a normatividade sociopolítica a partir das suas margens, esses públicos buscam virá-la, por assim dizer, “do avesso”9. Esse movimento de inversão antiestrutural toma a forma do que Louis Dumont (2000) identificou, em seu argumento sobre a emergência do totalitarismo a partir do individualismo, como um tipo englobamento do contrário. Neste caso, o polo populista, soberanista e moralizante buscaria não anular o seu oposto (qual seja, o polo liberal, institucional e tecnocrático)10, mas ocupá-lo e englobá-lo. Os feedback loops das novas mídias cibernéticas seriam ferramentas centrais nesse englobamento, ao propiciarem a revelação direta e em tempo real da “vontade do povo” – um tipo de “procedimentalismo” (GERBAUDO, 2018) que tornaria obsoleto o aparato político-representativo prevalente no mundo pré-digital.
Esse movimento antiestrutural não toma a forma, contudo, de um híbrido simétrico entre populismo e tecnocracia, como recentemente proposto em noções como a de tecnopopulismo (BICKERTON; ACETTI, 2021). Ele seria assimétrico, pois tendendo a um limiar transformacional: uma dupla-torção11 que lançaria um dos termos da configuração vigente ao status de função em uma nova camada do real estruturada em torno do seu oposto. Assim, por exemplo, a diferença entre direita e esquerda dentro da democracia representativa, ao ser “dupla-torcida”, introduz uma bifurcação (GLEICK, 2006) em que a direita passa a estruturar uma realidade política paralela, que emerge como um espelho invertido da primeira. Nela, o que o bolsonarismo entende por esquerda é não um adversário numa esfera política pluralista compartilhada, mas um inimigo que, ao co-emergir enquanto sua mimese inversa12, opera como ameaça existencial que deve ser simbolicamente ou fisicamente eliminada.
Algo similar ocorre com o que vem sendo chamado de pós-verdade. Verdade e falsidade deixam de ser termos cuja diferença é codificada pela matriz da epistemologia científica (função) para cruzar um limiar transformacional onde a verdade passa a pano de fundo estruturante de uma outra camada do real (precisamente, os públicos antiestruturais) através da qual a sociedade envolvente – que também aparece como ameaça existencial – é excluída como o domínio da mentira, da manipulação, da hipocrisia. A versão mais bem acabada dessa bifurcação seriam os ecossistemas conspiratórios mais radicalizados, cuja estruturação converge fortemente com dinâmicas de seita (GOLUMBIA, 2018). Aqui, a dupla-torção se expressa na metáfora da pílula vermelha (red pill) do filme Matrix: o que era fato se torna ficção, o que era realidade se torna engano. Ou, no slogan bíblico do neoconservadorismo bolsonarista: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
Argumentei em outras ocasiões (CESARINO, 2021c; CESARINO; SILVA, no prelo) que os ecossistemas do tratamento precoce também ensaiam uma inversão semelhante da pirâmide da medicina baseada em evidências: seu “topo”, os ensaios randomizados controlados, passariam a ser englobados pelos procedimentos da “base”, como estudos observacionais e a experiência clínica de médicos individuais. Essa inversão anunciaria o advento de uma prática médica “livre” das imposições e censuras do mainstream: a grande indústria farmacêutica, as revistas e associações científicas de elite, as regulações e controles estatais, a perseguição da grande mídia. Levada a um ponto de bifurcação, esse movimento antiestrutural também pode se transmutar em conspiracionismo tout court, como é o caso de grupos pró-tratamento precoce que se tornaram verdadeiras seitas antivacina.
Neste ponto, é comum a objeção de que conspiracionismos, negacionismos e radicalismos políticos de caráter iliberal sempre existiram. Mas essa é uma objeção mal colocada, afinal, nenhuma tecnologia jamais teve o poder de criar realidades ex nihilo. Processos como a convergência neoliberal-conservadora, as pseudociências, as conspiritualidades e a polarização afetiva na política de fato já vinham crescendo há tempos, notadamente nos EUA (CONNOLLY, 2021; GUYER, 2007)13. O que a atual infraestrutura de mídia faz é propiciar (afford) com que esses públicos se expandam e assumam não qualquer forma oposicional aos públicos dominantes, mas uma forma propriamente antiestrutural.
Uma hipótese nesse sentido é que a tendência à proliferação de inversões antiestruturais nos “extremos” (DUMONT, 1997) do sistema sociotécnico vigente possa se relacionar à hipervelocidade dessas mídias, que o estaria forçando na direção dos seus limites globais. Colocado em outros termos, o sistema seria acelerado a ponto de não haver tempo para a produção de diversidade adaptativa na relação com o entorno – ao invés disso, nos restaria, nos termos de Chun (2016), “nos atualizar apenas para continuar os mesmos”. Sem essa base linear, o horizonte de futuro se perde e o sistema se dobra sobre si mesmo, assumindo um comportamento repetitivo de replicação interna de padrões similar ao que Geertz (1969) chamou, com base no antropólogo boasiano Alexander Goldenweiser, de involutivo14. A única saída vislumbrada desse ciclo involutivo seria refundar o sistema inteiro em outras bases. E é precisamente isso que propõem as inversões antiestruturais protagonizadas pelos messianismos religiosos e seculares da máquina de ressonância do bolsonarismo.
Este é um dos sentidos em que podemos sugerir que a configuração cronotópica característica das novas mídias introduz affordances favoráveis a – o que é totalmente diferente de dizer que ela causa – o tipo de dinâmica política e epistêmica iliberal avançada pelo bolsonarismo. Mas ainda que tenham vieses, sistemas algorítmicos são códigos à espera de engajamento prático com usuários (humanos ou robôs) para funcionar – e aprender, no caso do machine learning (BUCHER, 2018). Mas na medida em que são acionados, essas infraestruturas técnicas ajudam a dar forma aos processos sociais, propiciando que estes aflorem com um certo viés, e não outro. Assim, para que produzam os públicos antiestruturais que nos concernem aqui, elas precisam ser acionadas em certas direções – e o mais importante, de forma contínua e concertada.
É aqui que entram as duas outras camadas de agência e decisão dos públicos antiestruturais bolsonaristas: usuários comuns, e influenciadores e grupos organizados. Na última seção, exploraremos como esses últimos agem taticamente para, de forma proativa e camuflada, construir e manter seus públicos refratados. No caso do bolsonarismo, essa ação tática visa introduzir, nos ambientes digitais, um viés conducente à transformação topológica da democracia e da esfera pública liberal em seu oposto antiestrutural: um território de guerra, espacialmente bifurcado pelo código schmittiano amigo-inimigo e cadenciado por uma temporalidade de ameaça existencial permanente (CESARINO; NARDELLI, 2021).
Essa ação tática só logra ganhar a tração que ganha hoje, contudo, por operar num ambiente que propicia a esses grupos atuarem diretamente no “terreno humano” (LEIRNER, 2020), ou seja, intervindo no processo perceptivo e decisório dos usuários15. O bolsonarismo, enquanto força política e ação tática, se valeria assim de um ambiente de mídia preexistente que não apenas facilita a formação de públicos antiestruturais, como disponibiliza públicos-em-rede de usuários cujo fluxo de consciência já foi externalizado por e para aparatos cibernéticos originalmente desenhados para produzir efeitos de influenciabilidade (CHUN, 2016; ZUBOFF, 2021). Os públicos bolsonaristas contam, assim, com uma terceira camada de agência e decisão, formada por pessoas comuns: ou mais precisamente, pela interface na qual sistemas algorítmicos interpelam os sujeitos em suas vidas off-line. A próxima seção se volta para a relação de coemergência entre agentes humanos e algorítmicos, especulando sobre o que, nessa interface, pode ter ajudado a atrair muitos usuários para os diagnósticos e promessas dos públicos antiestruturais bolsonaristas.
Afetos antiestruturais: ressentimento e senso comum
Estas seção busca explorar como, nos públicos bolsonaristas, a coemergência entre usuários comuns e sistemas algorítmicos vem se dando em direções que podemos entender como sendo antiestruturais. Este não é um argumento fixo, válido para todo e qualquer eleitor ou apoiador do presidente. Ele diz respeito a uma dinâmica persistente que pode enredar alguns usuários e não outros, ou o mesmo usuário em determinados momentos e não em outros, com intensidades e efeitos diferenciais num espectro de possibilidades que, como se observou em 2018, pode ser bastante amplo (KALIL et al., 2018).
Essa dinâmica parece ser mais visível e consistente no caso daqueles usuários que se encontram quotidianamente imersos nos ecossistemas bolsonaristas. Como já indicamos, esses ecossistemas são públicos refratados que já contam com um viés antiestrutural que é continuamente cultivado pela ação concertada de grupos organizados. Especulo que, nesses ambientes, a interpelação pelos sistemas algorítmicos extrairia16, da experiência off-line dos sujeitos, estruturas de afetos (CONNOLLY, 2021) também de ordem antiestrutural – ou, dito de outro modo, as privilegiaria em detrimento de outras possibilidades, mais próximas à normatividade do público dominante de caráter liberal (WARNER, 2002). Como argumentaram Chun (2016), Zuboff (2021) e outros, esses processos já estão prefigurados nas arquiteturas cibernéticas das plataformas, desenhadas para interpelar os usuários humanos em camadas cognitivas responsáveis pela produção de hábitos, afetos e memória corporificada (embodied).
Mas em que sentido podemos dizer que a máquina de ressonância do bolsonarismo privilegia afetos antiestruturais? Num primeiro momento, o ódio foi sacramentado como principal afeto mobilizado e cultivado pelo bolsonarismo (SOLANO, 2018). Embora correto, esse diagnóstico me parece incompleto, pois reflete um viés do ponto de vista de pessoas – intelectuais, jornalistas, ativistas – que se sentiram diretamente atingidas pela “máquina do ódio” bolsonarista (MELLO, 2020). Por outro lado, quando observados a partir de dentro, os públicos bolsonaristas são mais complexos. Trabalham, por exemplo, com afetos positivos: de esperança, justiça, amor à pátria ou a Deus (KALIL et al., 2018; JUNGE, 2019). Como argumentei em outra ocasião (CESARINO, 2020a), afetos negativos e positivos coemergem numa mesma matriz de equivalência e diferença, característica do modo de composição de públicos em massa que convencionou-se chamar de populismo (LACLAU, 2013). Mas é possível perguntar, ainda, sobre o tipo de estrutura de afetos que preside o modo de articulação entre esses dois polos. É neste ponto que, penso, a dimensão antiestrutural torna-se importante, ao se articular, principalmente, em torno do afeto do ressentimento.
A psicanalista Maria Rita Kehl (2020) elaborou um argumento sobre o bolsonarismo enquanto movido, em parte, pelo ressentimento enquanto “paixão triste” que leva a projetar num outro a culpa pelos próprios fracassos ou mediocridade diante do destino esperado. Parte da literatura sobre o trumpismo e seus predecessores na direita neoliberal-conservadora aponta numa direção semelhante (CONNOLLY, 2021; HOCHSCHILD, 2016; BROWN, 2019). Ressentimento é um afeto relativo: não apenas seu objeto pode variar, como ele é relativo à trajetória da própria pessoa, num momento anterior ou com base numa certa expectativa de futuro. Por meio do ressentimento, o bolsonarismo, como o trumpismo, é capaz de crescer transversalmente atravessando múltiplos segmentos sociais, cada qual com seu ressentimento particular quanto a frustrações relativas: as classes médias altas com relação às classes médias ascendentes (KEHL, 2020); essas últimas com relação à sua própria perda de status a partir do governo Rousseff (PINHEIRO-MACHADO; SCALCO, 2020). Além disso, o ressentimento prolifera em contextos de crise, permitindo expressar percepções de injustiça diante do fracasso e tornando seu sujeito presa fácil para retóricas que atribuem a “incongruência entre destino e mérito” (ANDRADE; CASARÕES, 2020) a elites corruptas, forças ocultas e inimigos que tomam a forma de uma ameaça existencial presente ou iminente. O ódio e indignação que emergem a partir daí ganham assim um alvo específico: um bode expiatório que, se eliminado, restituiria à ordem a existência coletiva (ROCHA, 2021).
Na estrutura de afetos mobilizada pelo ressentimento, convergem também os dois eixos da máquina de ressonância bolsonarista: o neoliberal e o conservador (CESARINO, 2019; ANDRADE; CASARÕES, 2020; NUNES, 2022). “Eu trabalhei duro mas não recebo o que mereço, então é porque alguém está ficando com o que seria meu por direito” – na época neoliberal, também o ressentimento toma a forma de uma gramática de mercado. Nela, os impostos pagos ao Estado são vistos como principal canal de destituição, seja pelo parasitismo daqueles que dele “dependem” (os funcionários públicos, os sujeitos de direitos), seja pelo roubo via corrupção. No discurso bolsonarista, essa lacuna (que é, também, uma lacuna cognitiva e libidinal) é preenchida com significantes flutuantes de bodes expiatórios prontamente apropriáveis pelo senso comum e suas moralidades quotidianas: o bandido, o vagabundo, o parasita, o corrupto, o hipócrita, o detentor de privilégios não merecidos. Quem não conhece um? Quem nunca nutriu um desejo, consciente ou inconsciente, de estar no lugar de um outro que, aos seus olhos, não mereceria estar lá?
Se há algo em comum entre todos os bolsonaristas, portanto, não é um conteúdo particular – seus significantes, como em todo discurso populista, são extremamente vagos (LACLAU, 2013). O que há em comum é um movimento, uma dinâmica que, sugiro aqui, se articula na e pela possibilidade de inversão antiestrutural prometida pelo discurso messiânico do líder. Esse discurso é expresso não apenas pelo indivíduo Jair Bolsonaro, mas por todo o seu corpo fractal, distribuído pelos públicos refratados bolsonaristas e seus diferentes segmentos e agentes (CESARINO, 2019). Além do inimigo comum, comumente tematizado pela via conservadora das “guerras culturais”, o que os une esses segmentos é uma defesa intransigente da liberdade, entendida nos termos da genealogia spenceriana da luta pela existência (DARDOT; LAVAL, 2016). O “gigante que acordou” incluía pessoas e grupos que se sentiam diminuídos, constrangidos, explorados por outros que eles passam a entender, a partir da gramática populista do bolsonarismo (CESARINO, 2020a, b), como elites ilegítimas das quais poderiam finalmente se desvencilhar e, com isso, prosperar e refazer a congruência entre destino e mérito.
Este seria o principal sentido da figura do “povo” herdada pelo bolsonarismo a partir dos movimentos anticorrupção de 2015-16: uma “maioria silenciosa” que teria encontrado nas novas mídias uma plataforma para falar “livremente”; o “gigante” que finalmente “acordou” para uma “verdade sufocada” por elites corruptas e manipuladoras. Enquanto operador central da gramática bolsonarista, “povo” denota com precisão o movimento de inversão antiestrutural que quero ressaltar aqui, onde hierarquias (alto/baixo, positivo/negativo) são diametralmente invertidas. Com base em Mary Douglas (2010), Tania Luhrmann (2016) fez um argumento similar sobre a inversão antiestrutural que promoveu Trump de tabu a sagrado. Assim como o pangolim, animal tabu entre os Lele, o líder carismático populista emerge como agência antiestrutural única capaz de regenerar, com seus poderes excepcionais, um sistema visto como irreversivelmente corrompido. Por ser entendido como vindo de fora do sistema dominante, ele seria capaz de forçar seus limites a ponto de realizar uma inversão. É num sentido similar, por exemplo, que Olavo de Carvalho e seus seguidores justificam o uso de palavrões e xingamentos nos contrapúblicos da nova direita: expressões diretas de autenticidade que visariam desmascarar a hipocrisia e autoritarismo da fala politicamente correta (ROCHA, SOLANO; MEDEIROS, 2021).
Embora encontre sua forma mais bem acabada no caso do bolsonarismo político e de narrativas conspiratórias, esse tipo de dinâmica antiestrutural também fundamenta a eficácia social de públicos adjacentes como o do tratamento precoce. Muitos médicos nesses ecossistemas deixam transparecer ressentimento com relação às elites do seu campo, a quem chamam ironicamente de “professores” ou “cientistas”. Seu discurso propõe um movimento de inversão análogo ao do populismo político, em que os médicos e pacientes na “linha de frente” da pandemia são entendidos enquanto real fonte da verdade e da vida. Os influenciadores nesses ecossistemas geram engajamento alegando trazer, para o público leigo, “verdades que a mídia [ou a indústria farmacêutica, ou a esquerda] não querem que você saiba”.
Em todos os casos, as novas mídias já se colocam como um terreno estruturalmente propenso a esse movimento: têm embutidas, no seu design, affordances que privilegiam performances de autenticidade e expressão de verdades não mediadas, “em tempo real” (CHUN, 2011). Novamente, não se trata de um processo puramente simbólico: as novas mídias tornam real, materialmente falando, a possibilidade – ou, no mínimo, a expectativa – de concretização dessas inversões antiestruturais. Este é o sentido, por exemplo, das múltiplas formas de empreendedorismo que abriram os caminhos do tratamento precoce no Brasil (CESARINO; SILVA, no prelo). Afinal, para que se submeter ao duro processo de peer review de revistas científicas de excelência, se há plataformas de pre-prints onde, ao modo das mídias sociais, se pode postar livremente resultados de suas pesquisas? Para que depender do funil da grande mídia, se há canais digitais onde se pode falar o que se quer, sem constrangimentos?
A constituição desses públicos antiestruturais não implica, portanto, apenas desintermediação com relação aos públicos dominantes. Envolve também formas emergentes de reintermediação pelas quais, como colocou Chun (2021, p. 140), “queixas sobre o mainstream se tornam mainstream” – ou, ao menos, almejam fazê-lo. Assim, por um lado, o bolsonarismo político e demais públicos que com ele ressoam vicejam na fragilização das infraestruturas que produziam as elites do conhecimento no mundo pré-digital (CESARINO, 2021b). Ao mesmo tempo, vão substituindo essas elites por novos mediadores: influencers, redes e coletivos, além dos próprios usuários comuns, que empreendem a produção de um “novo jornalismo”, uma “nova história”, uma “nova medicina” via YouTube, Instagram, Telegram e outras plataformas onde o custo de entrada é irrisório ou nulo (CESARINO, 2021c).
As affordances da internet contemporânea introduzem, portanto, vieses favoráveis ao afloramento do que seria uma antiestrutura das elites políticas, científicas, midiáticas e outras. “Elite” aqui não deve ser entendida através da forte conotação moral com que o bolsonarismo aciona o termo, mas no seu sentido original de um corpo selecionado daquilo que haveria de “melhor” numa sociedade ou campo social. Essa antiestrutura não toma a forma, contudo, dos subalternos no sentido gramsciano do ativismo de esquerda – estes remetem a categorias de reconhecimento já codificadas no sistema sociopolítico vigente, inclusive na sua inflexão neoliberal (HAIDER, 2019). O que os públicos antiestruturais ancorados nas novas mídias fazem emergir são latências pouco ou (ainda) não codificadas, que talvez possam ser melhor expressas da ideia de senso comum.
O bolsonarismo político é bastante explícito na sua intenção de representar o senso comum do brasileiro “médio”, e é neste sentido que ele se contrapõe às políticas da diferença do campo progressista: enquanto uma força equalizadora. Ele o faz também na relação com a antiga direita, ao diferenciar os conservadorismos “gourmet” (na figura, por exemplo, de lordes ingleses vitorianos) do conservadorismo “raiz” (o tiozão do churrasco brasileiro, hipostasiado na figura do próprio Jair Bolsonaro). Nesse sentido, como apontei anteriormente (CESARINO, 2019), o presidente Bolsonaro não é um personagem com um conteúdo fixo, mas uma figura caleidoscópica (KALIL et al., 2018) que constantemente se (re)ajusta em resposta a métricas recebidas não apenas a partir das mídias sociais – o que Varis (2020) chamou de populismo métrico – mas de predecessores como o mercado financeiro ou as pesquisas de opinião. Seus públicos refratados vão sendo, assim, ajustados a partir desse feedback em tempo real, que orienta a coemergência de Bolsonaro com seus seguidores por meio de loops cibernéticos dos quais participam usuários comuns, influenciadores e algoritmos. Nessa espécie de crowdsourcing contínuo, Bolsonaro vai se tornando a expressão mais próxima do que seria um senso comum compartilhado por muitos segmentos da população brasileira. Retiradas as antigas elites do seu lugar de modelo normativo para o povo, a antiestrutura traz, nos termos de Turner (2013), um reflexo da sociedade sobre si mesma.
Esse processo é, no entanto, profundamente paradoxal. Por um lado, a inversão elite-povo proposta pelo bolsonarismo aparenta gerar o reconhecimento esperado pela massa da população: finalmente, tenho no governo do país alguém que reconheço como sendo igual a mim. Por outro, faz com que o horizonte de progresso de uma sociedade plural rumo a um futuro comum se perca. Afinal, se o representante é um espelho do que a sociedade já é, onde está o horizonte de mudança progressiva? Embora o bolsonarismo se baseie na promessa de mudança, ele o faz num sentido messiânico: suas lideranças não se propõem a atuar como uma vanguarda do progresso, mas tão somente a “libertar” a sociedade de ameaças ou amarras imaginárias para que ela prospere de forma supostamente espontânea17.
Assim, os loops digitais pelos quais Bolsonaro vem coemergindo com seus seguidores fazem aflorar um substrato histórico antiestrutural de abandono e frustração (CESARINO, 2021d), porém sem canalizá-los construtivamente, como teria feito um populismo rotinizado típico (como o getulismo ou mesmo o lulismo). Ao manter a temporalidade de crise permanente e indecidibilidade (ABREU, 2019) ancoradas nas novas mídias, o bolsonarismo tranca o país num ciclo infernal de resignação e ressentimento em que a única saída vislumbrada é do tipo messiânico: #EuAutorizo. Esse momento de libertação do “povo”, no entanto, nunca chega – como veremos na última seção, ele é permanentemente adiado.
WWWEste processo parece paradoxal porque é, no seu âmago, profundamente enganador. Não obstante sua ancoragem numa ideologia de mídia baseada na autenticidade não mediada (CHUN, 2021), a relação entre as posições de “líder” e “povo” é tão mediada quanto no mundo pré-digital. As mediações cibernéticas contemporâneas são, além de altamente ativas, “caixas pretas” cujos modos de ação e tomada de decisão são quase totalmente opacos aos usuários comuns. Por detrás das telas, somos menos agentes do que ambiente para a ação extrativista de sistemas algorítmicos cuja arquitetura é desenhada para produzir efeitos pré-conscientes de retenção da atenção e influenciabilidade (CHUN, 2016; ZUBOFF, 2021)18. E diferente da coerção, o controle via influência opera de modo eficaz justamente lá onde os agentes se sentem mais livres nas suas escolhas, e mais convictos de que a experiência pessoal e a certeza dos sentidos – o que Zoonen (2012) chamou de eu-pistemologia (i-pistemology) – são as bases mais seguras para acessar o real.
Esse modelo de mídia, baseado na extração de “mais valia comportamental” (ZUBOFF, 2021) dos usuários, encoraja, ainda, uma personalização de mundos onde os próprios dados sensíveis do real, e não apenas sua interpretação, são microdirecionados por meios algorítmicos. Chega-se assim a uma configuração paradoxal onde cada usuário segue convicto que o seu mundo é o único mundo real que existe. A ênfase algorítmica na homofilia (conexão entre iguais) e no feedback positivo (reforço do comportamento já adotado) completa o quadro, conduzindo os ecossistemas digitalmente mediados a limiares de bifurcação como aqueles observados em públicos conspiratórios, sectários ou na chamada polarização afetiva na política (CHUN, 2021). Nos públicos antiestruturais bolsonaristas, essas bifurcações tomam a forma de uma dupla-torção que “tranca” o sistema sociotécnico numa topologia de guerra permanente, ou seja, formada por dois lados que são ao mesmo tempo incomensuráveis e codependentes.
Sistemas antiestruturais: algoritmização e bifurcação
Embora o bolsonarismo sem dúvida viceje a partir de substratos socioculturais e subjetivos preexistentes, creio ser seguro afirmar que ele não existiria, enquanto tal, sem a infraestrutura propiciada pelas novas mídias. Seria portanto um erro afirmar que ele simplesmente abre espaço para a expressão de afetos e demandas espontâneas por parte do “povo”. Se, como argumentou Warner (2002), públicos só existem na medida em que são interpelados, o modo de interpelação é central para lhe dar forma. Esta seção busca delinear qual o modo de interpelação dos usuários comuns nos públicos refratados bolsonaristas, cujo ambiente, como ilustraremos na seção seguinte, é influenciado pela ação tática de grupos organizados. Aqui, sugiro que usuários que externalizam, para esses ecossistemas, seu fluxo de consciência de forma significativa podem deutero-aprender (BATESON, 1972) a operar cognitivamente de forma algorítmica, ou seja, com base em funções elementares do tipo “Se... então” (BUCHER, 2018). Em casos mais extremos de imersão, o processo de algoritmização levaria a uma inversão no nível topológico: uma bifurcação onde os públicos dominantes creem seguir operando no modelo da esfera pública liberal, enquanto os públicos antiestruturais passam a operar numa topologia de guerra que busca englobar este último.
Tenho plena consciência de que, para a sensibilidade individualista do senso comum ocidental, argumentar que usuários humanos podem ser algoritmicamente “treinados” pode parecer determinístico, improvável ou mesmo ofensivo. Porém, é plenamente condizente não apenas com a epistemologia cibernética (BATESON, 1972), mas com os saberes que orientam a construção da arquitetura das plataformas: behaviorismo skinneriano, economia comportamental, nudge theory, captologia, teorias de swarming (enxame) entre outros, já bastante discutidos no campo de estudos de novas mídias (SEAVER, 2019; CHUN, 2016; ZUBOFF, 2021). Essa mesma premissa cibernética da possibilidade de alinhamento cognitivo entre humanos e máquinas fundamenta, ainda, as teorias contemporâneas da guerra no “terreno humano” – que, diga-se de passagem, coincidem com muitos dos padrões táticos observados nos públicos refratados bolsonaristas (LEIRNER, 2020; ROCHA, 2021). Finalmente, e não obstante a eterna suspeita de determinismo biológico ou tecnológico dentro das ciências humanas, a premissa é condizente com a vocação holística original da antropologia nos four fields (CESARINO, 2021c).
Abordar essa questão pela via da ecologia da mente aponta para o modo como o0 colapso de contextos generalizado levado a cabo pelas novas mídias (BOYD, 2010) incide sobre os processos de framing (enquadre) não apenas no sentido goffmaniano, comum no campo de novas mídias, mas no sentido original do conceito, proposto por Bateson. Em “A Theory of Play and Fantasy”, Bateson (1972) notou como, nos processos cognitivos primários que compartilhamos com outros mamíferos (precisamente, aqueles nos quais buscam nos interpelar a arquitetura das plataformas), há pouca reflexividade sobre a diferença entre “mapa” e “território” – grosso modo, entre conceito e seu objeto. Técnicas retóricas bolsonaristas como a negabilidade plausível, o hedging narrativo e a mimese inversa jogam justamente com essa não discriminação19. Ao manter alta a equiprobabilidade (entropia) do ambiente comunicativo, impedem a fixação de atributos, causalidades e responsabilização.
Além disso, já está bem estabelecido, na literatura sobre novas mídias, que o colapso de contextos desestabiliza as referências pelas quais os usuários realizam seus enquadres de realidade (framing), e transfere para os algoritmos parte dessa tarefa cognitiva primária (CHUN, 2016; BUCHER, 2018). Nesse sentido, a hipótese proposta aqui é que usuários intensivamente imersos nos públicos bolsonaristas teriam sua cognição “treinada” para enquadrar o mundo algoritmicamente, segundo os códigos subliminarmente propostos no conjunto massivo, porém bastante consistente, de conteúdos ali distribuídos20.
Essa possibilidade me veio ainda em 2018, quando ficou claro que, embora o disparo de conteúdos bolsonaristas no WhatsApp pudesse ser feito por scripts automatizados (MELLO, 2020), seu microdirecionamento (microtargeting) e perfilamento (profiling) na “ponta” da rede (grupos privados, comunicação interpessoal) não eram feitos por algoritmos de distribuição e recomendação não humanos (inexistentes no aplicativo), mas pela ação dos usuários humanos. Embora, no nível local, cada usuário fosse “livre” para agir como quisesse, no nível global, ou do sistema formado pela agregação desses comportamentos, a gramática bolsonarista mostrava uma padronização notável (CESARINO, 2020a). Desenhava-se, assim, a possibilidade de um alinhamento entre cognição e comportamento maquínico e humano em algum lugar no “meio” do caminho das redes bolsonaristas, entre o disparo semicentralizado de conteúdos e a chegada destes nos celulares dos eleitores individuais.
Posteriormente, com a extensão da pesquisa para outras camadas de ressonância dos públicos bolsonaristas, identifiquei a recorrência de um padrão de aplicação, pelos usuários comuns, de proposições do tipo “Se... então” (BUCHER, 2018). Em alguns casos isso era bastante literal, se manifestando inclusive na forma de palavras de ordem comuns desde 2018, como “se [o inimigo] é contra, [então] eu sou a favor”. Outras não parecem ter uma forma algorítmica imediatamente aparente, porém podem ser facilmente traduzidas nesses termos. Assim, “acuse-os daquilo que você faz” pode ser traduzido algoritmicamente por “se o inimigo acusa o líder de algo, então é o que ele mesmo faz”. “Olavo (ou Bolsonaro) tem razão” pode ser traduzido algoritmicamente por “se o Olavo disse, então é verdade”. E os exemplos poderiam se multiplicar.
Em todos os casos, para a função algorítmica operar de forma eficaz é preciso partir de premissas compartilhadas que, no mais das vezes, permanecem implícitas, porém podem ser ocasionalmente explicitadas de forma (para)didática como em: “O discurso de ódio do Bolsonaro é direcionado aos bandidos. Se você se sente incomodado, é porque é um deles.” Para que o procedimento funcione adequadamente, é preciso que o usuário aceite sem questionamento a premissa (“O discurso de ódio do Bolsonaro é direcionado aos bandidos”). A aceitação das premissas básicas da gramática bolsonarista é garantida por um “trabalho de base”, descrito em outra ocasião (CESARINO, 2019, 2020a), que inculca nos usuários um meta-código de inclusão/exclusão do tipo amigo-inimigo (BARROS, 2021) e os “treina” nas suas respectivas cadeia de equivalência: comunismo, Globo, PT, globalismo, etc.
A seguinte postagem de uma seguidora de influencers do tratamento precoce no Instagram ilustra dois requisitos para o funcionamento adequado da influência via algoritmização dos processos cognitivos: “Vejo como a grande mídia é contra o tratamento precoce. Se ela é contra, [então] é porque funciona. É o que salva vidas!”. Por um lado, é preciso que o meta-código de inclusão/exclusão tenha sido encorporado enquanto enquadre: no caso, a premissa da grande mídia como inimiga. Por outro, a eficácia desse modo de influência depende fundamentalmente da eu-pistemologia: é a própria usuária que deve aplicar as funções algorítmicas, resultando numa experiência subjetiva de que é ela mesma quem está chegando, de maneira autônoma e livre, àquela conclusão. Em outras palavras, é preciso que os usuários carreguem consigo, na sua atuação no plano local, a dupla-torção observada no plano global da estrutura de rede pela qual coemergem público antiestrutural e público dominante21. Assim, uma vez que o usuário realiza a dupla-torção – ou, nos termos da cultura da internet, toma a pílula vermelha –, ele está livre para “fazer sua própria pesquisa” pela internet22.
O efeito, que é ao mesmo tempo causa, desse processo, é o usuário abandonar a confiança e participação no público dominante. Daí a insistência, observada desde ao menos a campanha de 2018, para que os seguidores do presidente “desliguem a tevê e vão assistir as lives do mito” (CESARINO, 2020a). Circunscritos aos públicos bolsonaristas, o influenciado acabará, em suas “pesquisas” pela internet, sempre se deparando com um resultado alinhado com a gramática do influenciador, uma vez que este, como veremos, controla indiretamente o viés do ambiente. Isso ocorre não apenas porque os algoritmos lhe entregarão um espelho de si mesmo: a já conhecida retroalimentação entre o “viés de confirmação” psicológico e o feedback positivo dos algoritmos de base homofílica (CHUN, 2021). Esse alinhamento se mantém porque, mesmo quando estiver no campo do inimigo, o usuário olhará para a mesma coisa, mas a verá através de uma inversão figura-fundo: aquilo que realmente existe por trás de um suposto véu de engano. É o aparato da plataformização que possibilita a consistência dessas inversões, do ponto de vista do usuário individual: a confiança inabalável numa “mídia alternativa” que traz as “verdades” que o “establishment” esconde.
Essa percepção diferencial da “mesma” realidade a partir da encorporação de enquadres opostos se manifesta de forma exemplar no termo dogwhistling, utilizado para caracterizar a comunicação de Trump com seus seguidores (McINTOSH; MENDOZA-DENTON, 2020). Assim como cães ouvem faixas sonoras que os humanos não somos capazes de perceber no “mesmo” som (ou abelhas são capazes de ver cores que humanos não somos capazes de ver na “mesma” flor), usuários imersos em públicos antiestruturais decodificarão, na “mesma” fala ou evento, mensagens que os públicos dominantes são incapazes de perceber. Essas mensagens são frequentemente invertidas: onde esses últimos veem o presidente fraco, eles o veem forte; onde uns veem recuo, outros veem avanço. Enquanto os públicos dominantes entendem por democracia o modelo liberal pluralista, os públicos bolsonaristas entenderão a livre expressão da soberania popular manifesta na voz do líder. Enquanto uns veem nas limitações impostas pelo STF às ações inconstitucionais do presidente uma garantia da democracia, os outros veem um ataque autoritário a ela (daí o apelo a um “Poder Moderador” – Forças Armadas, Deus – que possa intervir de fora do sistema para restituir à vontade popular sua soberania).
Como o infrastructural uncanny trabalhado por Gray, Bounegru e Venturini (2020) a propósito da desinformação, os públicos antiestruturais não são portanto separados dos públicos dominantes, mas mantêm com eles uma estranha – ou poderíamos dizer, uma “estranha-familiar” – relação de codependência. Esta advém não apenas dos vieses técnicos e epistêmicos de algoritmos e usuários comuns. O caso do bolsonarismo é especialmente revelador de como intervém, na formação desses públicos, uma terceira escala de agência e tomada de decisão: influenciadores e grupos organizados que mediam a relação humano-máquina ao assumir, por meio da ação tática concertada, um controle indireto do ambiente. A última seção ilustra esse ponto por meio de um evento que se mostrou especialmente expressivo dessa dinâmica, as manifestações de 7 de setembro de 2021, para mostrar como as bifurcações espaciais que produzem os públicos antiestruturais são conformadas por um ritmo cíclico e recursivo operado por atores-chave. O objetivo desses ciclos seria não um rompimento linear com o público dominante – como num golpe de Estado tout court – mas, pouco a pouco, forçar os limites globais do possível e do pensável na direção de um modelo iliberal de política e esfera pública.
Ação tática antiestrutural: os ciclos bolsonaristas
Muito já foi dito sobre as ações táticas de marketing e guerrilha digital que ficaram conhecidas como “gabinete do ódio” nas eleições de 2018 (MELLO, 2020; LEIRNER, 2020; CESARINO; NARDELLI, 2021; ROCHA, 2021). Minha intenção aqui não é rastrear quem pensa e orquestra essas ações, mas, como apontei acima, observá-las como uma propriedade emergente do sistema como um todo, formado também por agentes algorítmicos e usuários comuns. Após a posse de Bolsonaro, mantiveram-se os códigos básicos da gramática bolsonarista. Porém, houve mudanças importantes na topologia e modus operandi desses públicos, que passaram a se difundir por diferentes plataformas tanto acima quanto abaixo da internet de superfície. Desde a posse do novo governo em 2019, esses públicos refratados parecem caminhar em sintonia e complementaridade com as falas e ações do presidente e daqueles no seu entorno – continuam, portanto, fazendo parte do seu “corpo digital” (CESARINO, 2019; 2021c). Entender o que se passa nesse ecossistema em camadas múltiplas – que hoje inclui desde grandes plataformas do mainstream como YouTube e Facebook até aplicativos de mensagens fechados como Telegram e WhatsApp – é portanto relevante para compreender o próprio modus operandi do governo federal.
Desde que tomou posse, o presidente parece atuar modo paradoxal: um chefe de Estado que governa por delegação; um soberano que não decide (ABREU, 2019); um populista antiestablishment que opera parasitando o próprio sistema contra o qual ele alega se opor (NOBRE, 2020); um líder messiânico que continuamente recua em suas promessas de ruptura e regeneração. Esse padrão contraditório começa a fazer sentido quando se reconhece que o objetivo do bolsonarismo político é menos governar pela normatividade da democracia liberal do que criar condições para sua corrosão gradual e, talvez, uma ruptura com ela. É aí que a existência dos públicos antiestruturais assume um papel central, como buscou-se sintetizar no diagrama abaixo (Figura 1), construído em torno dos eventos do 7 de setembro de 2021:
O primeiro circuito (à esquerda) foi publicado pelo cientista político Christian Lynch em 10 de setembro23, e ilustra o ciclo de aumento e alívio da tensão cismogênica em torno das manifestações de rua pró-Bolsonaro ocorridas três dias antes. Ele mostra como, no caminho para o Dia da Independência, essa tensão foi crescendo e chegou ao ápice com as declarações golpistas do presidente no dia 7, em São Paulo e Brasília. Após um breve hiato, em que caminhoneiros bloquearam estradas e apoiadores do presidente divulgaram vídeos comemorando a declaração de um estado de sítio inexistente, seguiu-se um “recuo”, com a Declaração à Nação publicada dois dias depois e supostamente redigida pelo marqueteiro do ex-presidente Michel Temer.
Para completar o quadro, elaborei um segundo ciclo (à direita) ilustrando a mesma dinâmica do primeiro, porém do ponto de vista invertido dos públicos antiestruturais bolsonaristas. Pedro Nardelli completou o esquema com as setas embaixo, sugerindo um efeito de longo prazo: qual seja, o de forçar os limites do pensável e do possível numa direção antiestrutural. Assim, a recorrência desses ciclos iria, aos poucos, fragilizando a normalidade do processo eleitoral e aumentando a probabilidade de algum tipo de ruptura com ele. Essa ruptura não necessariamente assumiria um caráter linear de golpe de Estado de facto, mas avançaria uma corrosão interna do próprio processo democrático: insuflando a perda de confiança nas instituições (como na pauta do voto impresso), ou forçando subterfúgios legais e procedimentais para impedir ou perturbar a transferência de poder.
Nesse esquema, os dois públicos correm em paralelo com valências invertidas, e só se tocam na “vida real” em dois pontos: quando Bolsonaro faz declarações golpistas, e quando ele recua. De resto, são realidades opostas, simétricas e coemergentes. Quando o presidente faz declarações golpistas, a tensão negativa sobe de um lado através do repúdio, enquanto do outro, sobe a tensão positiva da mobilização em torno do líder. Políticos do establishment então vêm ao resgate para recosturar a harmonia institucional, enquanto nos públicos bolsonaristas o contrário ocorre: cresce a expectativa de que o grande dia da ruptura esteja chegando. Em seguida, o feedback positivo do escalamento da tensão é contrabalançado por um feedback negativo: Bolsonaro recua. Neste momento, há nos públicos dominantes alívio generalizado, e nos públicos bolsonaristas, decepção generalizada. Os influenciadores bolsonaristas imediatamente passam a pedir calma e confiança “no plano”, para logo em seguida lançarem novos reenquadres de narrativa. Como é de praxe, esses reenquadres são segmentados e cobrem um amplo espectro: para os mais moderados, Bolsonaro se mostrou um verdadeiro estadista, pois quem queria o caos era a esquerda; já os mais radicalizados se convencem que Bolsonaro não cancelou, mas apenas adiou estrategicamente o “dia D”. O público do mainstream, por sua vez, se convence da moderação do presidente, até que ele retoma o ciclo com uma nova rodada de declarações disruptivas.
Quem opera esses ciclos? Algoritmos e usuários comuns são sem dúvida parte central do processo. Porém, a cadência parece ser dada pelo próprio presidente, cujas declarações públicas são a principal “dobradiça” entre os dois públicos. Costumo dizer que encontrar a real identidade dos “animadores” dos públicos bolsonaristas é, a essa altura, menos uma tarefa de investigação acadêmica do que de investigação legal. Aqui, me limito a apontar que, quem quer que esteja nos centros de irradiação dos fluxos imitativos observados nos públicos bolsonaristas, age de forma camuflada (LEIRNER, 2020). Em outras palavras, age de forma tática, se aproveitando do colapso entre agente e ambiente já propiciado pelas plataformas – notadamente, aquelas que operam em camadas mais fechadas da web, como os aplicativos de mensagens.
A camuflagem, que Bateson (1972) define como o oposto da comunicação, é segundo ele alcançada: “(1) reduzindo a relação sinal/ruído, (2) quebrando os padrões e regularidades no sinal, ou (3) introduzindo padrões similares no ruído” (p. 296).” Nos públicos bolsonaristas, observam-se os três. A redução da relação sinal-ruído (1) se dá pelo aumento da equiprobabilidade ou ambiguidade dos enunciados, tanto do próprio presidente quanto do amplo espectro de possibilidades narrativas disparadas nos ecossistemas digitais que o apoiam (CESARINO, 2021c). Já a quebra de padrões e regularidades no sinal (2) se daria pelas constantes interpelações que o presidente e outros fazem nos públicos do mainstream, mantendo-os sempre instáveis e orbitando em torno de suas declarações ultrajantes (LEIRNER, 2020; CESARINO; NARDELLI, 2021). Aquilo que vem sendo chamado de “cortina de fumaça” não teria como objetivo esconder algo que esteja sendo feito, mas tornar impossível a própria estabilização de um pano de fundo onde qualquer ação possa ser rastreada, e responsabilidades, atribuídas. Finalmente, a introdução de padrões similares no ruído (3) envolve a disponibilização de narrativas alternativas, frequentemente de ordem conspiratória, visando sua construção gradual enquanto realidade sociopolítica oposta àquela da esfera pública liberal, pois baseada numa lógica de inclusão não pluralista, ou iliberal (CESARINO, 2021b; BARROS, 2021).
Fica claro, neste caso, como operações de influência on-line agem menos no conteúdo que no ambiente – que, por sua vez, age sobre os enquadres cognitivos dos usuários comuns. É possível entrever, ainda, como a influência ocorre não apenas dentro dos públicos bolsonaristas, mas também sobre os públicos dominantes formados em torno da mídia do mainstream que, via de regra, reagem de modo previsível. Finalmente, os ciclos demonstram como o objetivo dessa ação tática não é uma ruptura linear com o centro hegemônico, mas uma corrosão gradual de suas condições de possibilidade. Neles, o processo cismogênico de escalamento da oposição é contrabalançado com o alívio periódico dessa tensão através de recuo, ambivalência ou ambiguidade, fazendo com que os dois públicos coemerjam conjuntamente, numa dinâmica de valência invertida.
Tomado de forma global, esse processo lembra um curioso híbrido de cismogênese com seu oposto: o estado de baixa intensidade que Bateson (1972) definiu como platô (plateau). A ideia, portanto, seria menos alcançar um ponto de ruptura definitiva entre os dois públicos (schism) do que manter o sistema sociopolítico como um todo numa dinâmica antiestrutural de baixa intensidade. Mas se, nesses ciclos, não há ruptura linear, não há tampouco reversibilidade: embora o sistema pareça sempre voltar a um estado de equilíbrio após o feedback negativo, a cada vez que o circuito se completa ele está, na realidade, avançando um pouco mais “à direita”. Assim, o presidente e seu corpo digital – os públicos antiestruturais – vão forçando os limites do possível e do pensável na direção da visão iliberal de política e sociedade abraçada pelo bolsonarismo, e que encontra respaldo tanto na atual infraestrutura de mídia quanto no senso comum de muitos segmentos da população brasileira (CESARINO, 2021d).
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Os trabalhos sobre o tema são muitos e multifacetados, então limito-me a referenciar aqui os que serão citados ao longo deste ensaio (CESARINO, 2019, 2020a,b; MELLO, 2020; LEIRNER, 2020; NOBRE, 2020; PINHEIRO-MACHADO; SCALCO, 2020; SILVA, 2020; ROCHA, 2021; ROCHA; SOLANO; MEDEIROS, 2021; NUNES, 2022; SZWAKO; RATTON, 2022).
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Como defendeu Marcel Mauss (2018), entre outros, todo processo social eficaz tem uma dimensão técnica. É nesse sentido que venho defendendo uma abordagem neobatesoniana para a antropologia digital (CESARINO, 2021a), que renove a vocação integrativa dos “quatro campos” e reequilibre a hipertrofia histórica do campo sociocultural e linguístico em detrimento da materialidade, da técnica e da cognição encorporada (aqui, utilizarei o neologismo “encorporado” para o inglês embodied).
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Essas discussões são longas e multidimensionais, e foram abordadas de forma mais detida em publicações anteriores (CESARINO, 2021a,b). De um ponto de vista antropológico, todas elas remetem, em última instância, ao modo como o que Zuboff (2021) chamou do capitalismo de vigilância se fundamenta em modelos cibernéticos do humano, baseados em camadas cognitivas que compartilhamos com outros animais – o que Bateson (1972) chamou de processos primários.
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A noção de colapso de contextos (context collapse) foi originalmente cunhada por boyd (2010) para pensar o modo como as novas mídias embaralham fronteiras entre público e privado. Entendo, contudo, que a ideia possa ser estendida a outros eixos: agente e ambiente, fato e ficção, original e cópia, espontaneidade e manipulação. Além disso, as novas mídias intensificam o processo neoliberal de desdiferenciação entre as esferas sociais modernas: política, economia, mídia, justiça, entretenimento, religião, parentesco, esferas civil e militar, etc (BROWN, 2015, 2019; CESARINO, 2019, 2020a,b; LEIRNER, 2020).
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O conceito de affordance de James Gibson, originalmente cunhado no campo da psicologia ecológica, já foi amplamente apropriado no setor de novas mídias, design e afins, assim como pela literatura interdisciplinar que busca estudá-lo (BOYD, 2010). Por ser um termo de difícil tradução, optei por manter o substantivo original em inglês, e utilizar “propiciar” como sua forma verbal.
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A referência aqui é o Unheimlich freudiano, um termo de difícil tradução, pelo qual optei por “estranho-familiar”.
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Por cismogênese Bateson (2008) entende o processo de escalamento da oposição entre sujeitos ou grupos via feedback positivo, ou incremento do comportamento pelo qual uma parte reage à (re)ação da outra, e vice-versa.
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Ontologia política não tem aqui um sentido representacional, mas remete à infraestrutura material e técnica que dá forma (afford) às relações políticas (WINNER, 2017). O movimento de virar a rede “do avesso” é inspirado no procedimento etnográfico de Riles (2001). Porém, no caso em tela, não é a antropóloga que realiza esse movimento, mas os grupos estudados – não uma network inside out, mas, por assim dizer, uma network outside in (Piero Leirner, comunicação pessoal).
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Inspiro-me aqui na formulação de Mouffe (2015) sobre a democracia liberal como um equilíbrio paradoxal entre duas tradições: a liberal, baseada na rule of law e no valor da liberdade e direitos humanos, e a democrática, baseada na soberania popular e no valor da igualdade e identidade entre governantes e governados.
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Refiro-me, aqui, à fórmula canônica do mito de Lévi-Strauss, conforme elaborada por Almeida (2008).
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Propus o termo mimese inversa, originalmente, para articular o modo como a tática bolsonarista opera com padrões estéticos de espelho invertido que visariam influenciar processos de reconhecimento e não -reconhecimento, equivalência e antagonismo (CESARINO, no prelo).
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O termo conspiritualidade remete à convergência crescente entre conspiracionismos políticos radicalizados e espiritualidades new age e outras. (WARD; VOAS, 2011).
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Sobre a perda da linearidade na temporalidade neoliberal, cf. Guyer (2007). Sobre a temporalidade de crise permanente e padrões involutivos nas formas de subjetivação digitalmente mediadas, cf. Chun (2016).
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O que o coronel John Boyd chamou, com base em Bateson e outros autores da cibernética e campos afins, de OODA loop (ciclo de observação, orientação, decisão e ação) (LEIRNER, 2020).
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Uso esse termo como uma tradução não totalmente adequada do termo evince, empregado por Marylin Strathern (2017) ao longo de sua obra para designar processos de fazer vir à tona, revelar a presença – e, ao mesmo tempo, constituir evidência – de algo.
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Aqui, nota-se o papel central da ideologia neoliberal, ancorada no livre mercado e na moralidade tradicional enquanto ordens espontâneas que os Estados devem proteger mas não interferir (BROWN, 2019).
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No caso das plataformas, Chun (2016) detalhou como a temporalidade de crise permanente e seus modos “pontuados” de interpelação cognitiva capturam os usuários num fluxo atencional que permite a externalização da sua consciência para os ambientes digitais. A influência não se dá numa cadeia de comando-e-controle linear sobre o usuário individual, mas se exerce por vias indiretas, pelo controle sobre o ambiente, moldando assim os próprios limites do pensável e do possível. Dentro desses limites globais, a experiência local dos usuários é de agirem livremente, como pequenos soberanos em seus feudos digitais de clicks, curtidas e seguidas.
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Negabilidade plausível consiste em negar um enunciado ou ação ressignificando-a retrospectivamente diante de uma recepção negativa por parte do público (McINTOSH; MENDOZA-DENTON, 2020). Já o hedging narrativo implica lançar um amplo espectro de “apostas” narrativas em “ativos” opostos, para minimizar a probabilidade de perdas e maximizar a probabilidade de ganhos (CESARINO, 2021c). Já a mimese inversa envolve a produção do inimigo como espelho invertido de si mesmo, ao qual se devolve acusações jogando “o feitiço contra o feiticeiro”. (CESARINO, no prelo).
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Nesses ecossistemas, pode se dar um treinamento análogo, embora não idêntico, ao do machine learning: “Enquanto, antes, o programador tinha que escrever todos os enunciados ‘se... então’ em antecipação ao resultado, os algoritmos do aprendizado de máquina deixam o computador aprender as regras a partir de um grande número de exemplos, sem ser explicitamente programado para fazê-lo. Para que cheguem ao objetivo pretendido, algoritmos são ‘treinados’ em um corpus de dados a partir dos quais possam ‘aprender’ a tomar certos tipos de decisão sem supervisão humana”. (BUCHER, 2018, pág. 24 – tradução minha).
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Sigo aqui o argumento de Peter Gow (2014) sobre a fórmula canônica e grupos de transformação na Amazônia, onde ele sugere que a dupla torção era aplicada pelos indivíduos na vida quotidiana ao “seguirem algoritmos sociais simples para distinguir diferenças manifestas ... ao invés de debater qual sistema era mais ‘correto’.” Porém, enquanto no caso ameríndio analisado por Gow os limiares (que são expressos abertamente nos mitos) são, no dia a dia, minimizados pelos atores para que “vivam bem” através dessas diferenças, no caso em tela ocorre o oposto: os limiares são maximizados no quotidiano dos atores para que as diferenças se tornem antagonismo e produzam, assim, mundos bifurcados.
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Do your own research é um dos slogans do movimento QAnon, que é complementado pelo comando conspiritualista Trust the plan (confie no plano). Ambos também são comuns nos públicos bolsonaristas. (CESARINO, 2021c).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Set 2022 -
Data do Fascículo
Ago 2022
Histórico
-
Recebido
17 Nov 2021 -
Aceito
03 Maio 2022