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Análise de vigas mistas de concreto e madeira pelo método dos elementos finitos

Resumo

A madeira tem se destacado na produção de edificações sustentáveis, principalmente pela possibilidade de emprego de madeiras provenientes de florestas plantadas. A combinação de vigas de madeira com um tabuleiro de concreto armado ligados entre si por conexões flexíveis é uma alternativa que traz aumento de rigidez à estrutura, ameniza problemas de durabilidade, quando exposta às intempéries, e melhora seu desempenho acústico, se comparada à uma estrutura em madeira. As estruturas mistas são constituídas pela associação de materiais com diferentes propriedades mecânicas e seu desempenho mecânico depende da eficiência da ligação entre eles. Os conectores flexíveis são responsáveis pela transmissão de forças de cisalhamento entre os dois materiais e por evitar o desprendimento vertical. Esta pesquisa desenvolveu e implementou uma formulação de elementos finitos para cálculo dos esforços internos da estrutura mista de concreto e madeira. A matriz de rigidez e o vetor de carga deduzidos são apresentados juntamente com exemplos numéricos e seus resultados são comparados com as equações analíticas do Eurocode 5 e resultados experimentais da literatura.

Palavras-chave:
estruturas mistas; elementos finitos e estruturas sustentáveis

Abstract

In the search for sustainable construction, timber construction is gaining in popularity around the world. Sustainably harvested wood stores carbon dioxide, while reforestation absorbs yet more CO2. One technique involves the combination of a concrete slab and a timber beam, where the two materials are assembled by the use of flexible connectors. Composite structures provide reduced costs, environmental benefits, a better acoustic performance, when compared to timber structures, and maintain structural safety. Composite structures combine materials with different mechanical properties. Their mechanical performance depends on the efficiency of the connection, which is designed to transmit shear longitudinal forces between the two materials and to prevent vertical detachment. This study contributes with the implementation of a finite element formulation for stress and displacement determination of composite concrete-timber beams. The deduced stiffness matrix and load vector are presented along to numerical examples. Numerical examples are compared to the analytical equations available in Eurocode 5 and to experimental data found in the literature.

Keywords :
composite structures; finite element method and sustainable structures

1. Introdução

As estruturas mistas constituídas por materiais de diferentes propriedades de elasticidade e de resistência podem ser associadas, como uma solução alternativa às estruturas de uso corrente na construção civil. Essa medida busca obter redução de custos de construção mantendo a segurança estrutural com um desempenho arquitetônico e ambiental vantajoso.

Com essa técnica pode-se alcançar, no caso de pontes, um aumento da rigidez da estrutura, diminuindo-se seus deslocamentos e aumentando-se sua frequência natural de vibração.

O sistema de tabuleiros mistos é constituído de uma placa de concreto conectada a elementos estruturais de madeira de tal modo que as partes funcionem em conjunto. O nível de transferência de esforços entre a placa de concreto e os elementos de madeira pode definir um comportamento monolítico, quando não há deslocamentos relativos entre esses materiais, ou comportamento "não monolítico" quando as transferências de tensões ocorrem com pequenos deslocamentos relativos.

Nos tabuleiros mistos, a placa de concreto protege a madeira contra intempéries, o desgaste superficial por abrasão, diminui as vibrações provocadas pelas cargas dinâmicas, aumenta o isolamento acústico, a proteção contra fogo e proporciona maior rigidez e resistência se comparado ao tabuleiro de madeira. A resistência ao carregamento aumenta na ordem do dobro e a rigidez de três a quatro vezes segundo CECCOTTI [1[1] CECCOTTI, A. Timber-concrete composite structures. In: Timber Engineering - STEP1. BLASS, H. J., AUNE, P., CHOO, B.S. et al., Almere: Centrum Hout, 1995, E13, p.1-12.].

A leveza das estruturas mistas em concreto-madeira e o possível emprego de elementos de madeira laminada colada são fatores que contribuem para a sua produção pré-fabricada.

1.1 Sistemas de conexão em estruturas mistas de madeira e concreto

TARANTINO e DEZI [2[2] TARANTINO, A. M., DEZI, L. Creep effects in composite beams with flexible shear connectors. Journal of Structural Engineering- ASCE, New York, n. 8, v.118, p.2063-2081. Aug. 1992.] retratam em seus trabalhos a necessidade do estudo do sistema de ligação, responsável por transmitir a força de cisalhamento longitudinal na interface dos dois materiais combinados ao longo do comprimento da viga.

Na análise de ligações de peças de madeira, RACHER [3[3] RACHER, P. Mechanical timber joints - general. In: Timber Engineering - STEP lecture C1. BLASS, H. J., AUNE, P., CHOO, B.S. et al., Almere: Centrum Hout, 1995, C1, p.1-10.] ressalta a importância do sistema de ligação, visto que o seu comportamento afeta diretamente a distribuição de forças na peça e consequentemente deformações da estrutura.

Conforme SORIANO [4[4] SORIANO, J. Estruturas mistas de concreto e madeira: Análise de vigas e painéis e aplicações na construção civil. In Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, 2001.] o sistema de ligação, que caracteriza o comportamento de toda estrutura, pode ser denominado como rígido e semirrígido (flexível), Figura [1].

Figura 1
Deslocamentos verticais de uma viga mista

Um exemplo de conexão rígida é a utilização de adesivo estrutural epóxi, ao longo de toda superfície de contato entre os dois materiais, GIRHAMMAR e GOPU [5[5] GIRHAMMAR, U. A., GOPU, V. K. A. Composite beam-columns with interlayer slip-exact analysis. Journal of Structural Engineering- ASCE, New York, n. 4, v.119, p.1265-1282. Apr. 1993.]. A ligação rígida consiste na integração total da seção, ou seja, a seção trabalha monoliticamente. Estudos desenvolvidos no Brasil, colando diretamente vigas de madeira a peças estruturais de concreto armado, foram apresentados por NICOLAS [6[6] NICOLAS, E. A. Estudo de ligações em estruturas mistas de concreto-madeira. Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Engenharia Civil, Dissertação, 2001, p 103.]. Também SORIANO [4[4] SORIANO, J. Estruturas mistas de concreto e madeira: Análise de vigas e painéis e aplicações na construção civil. In Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, 2001.] ensaiou vigas mistas de madeira e concreto com seção T, onde a alma de madeira foi colada à laje de concreto.

No sistema de conexão semirrígida, a ligação entre os materiais pode ser feita através de pinos de aço, pregos, parafusos, cavilhas e perfis metálicos. A ligação semi-rígida apresenta uma integração parcial da seção, havendo deslizamento relativo entre os dois materiais.

1.2 Modelo para análise de vigas mistas

Os principais modelos matemáticos para a representação do comportamento de estruturas mistas propostos na literatura são abordados com base no princípio de equações de equilíbrio e no princípio da energia. Diferentemente das estruturas mistas em aço-concreto, para as quais existem diversas publicações, incluindo normas internacionais, como por exemplo, a BS 5400 [7[7] BS 5400-5: Steel, concrete and composite bridges. Code of practice for design of composite bridges. (AMD 3998) (withdrawn), 1979], e a nacional NBR 8800/02 [8[8] NBR 8800: Projeto de Estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios. Setembro, 2008.], as estruturas concreto-madeira carecem de mais referências, não possuindo nenhuma normativa nacional. Uma norma internacional que trata de estruturas mistas com madeira é o EUROCODE 5 [9[9] EUROCODE 5 (prEN 1995-1-1) : Design of timber structures. Part 1-1: General - common rules and rules for buildings. Brussels, 2008.].

1.2.1 Modelo para análise de vigas mistas apresentado pelo Eurocode 5

Tanto a norma EUROCODE 5 [9[9] EUROCODE 5 (prEN 1995-1-1) : Design of timber structures. Part 1-1: General - common rules and rules for buildings. Brussels, 2008.], quanto o DIN 1052 [10[10] DIN 1052: Structural use of timber - part 1, 2 and 3. Berlin, 1988.] consideram a influência do deslizamento na interface do sistema pela adoção de um produto de rigidez efetivo, ( EI) ef, calculado conforme a Equação (1), onde as variáveis são: a forma da seção transversal, o módulo de elasticidade dos materiais constituintes, espaçamento entre os conectores e módulo de deslizamento da ligação.

Na equação [1[1] CECCOTTI, A. Timber-concrete composite structures. In: Timber Engineering - STEP1. BLASS, H. J., AUNE, P., CHOO, B.S. et al., Almere: Centrum Hout, 1995, E13, p.1-12.] Ec, Ew, Ic, Iw, Ace Awrepresentam os valores médios dos módulos de elasticidade, os momentos de inércia e as áreas da seção transversal do concreto e da madeira, respectivamente; ycé o fator parcial da mesa, calculado conforme Equação 2; yw=1,0 é o fator parcial da alma;

ace awsão as distâncias, calculadas conforme as Equações [3] e [4], respectivamente, Figura [2].

Figura 2
Representação de uma seção mista e das tensões normais. Fonte: adaptado do EUROCODE 5 [9]

1.2.2 Formulação variacional para vigas concreto-madeira

Neste trabalho foi utilizada a formulação de viga mista apresentada em FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.] e MASCIA et al. [12[12] MASCIA, NILSON T.; FORTI, NÁDIA C.S. ; SORIANO, JULIO ; NICOLAS, ELIAS A. ; FORTI, TIAGO L.D. . Study of concrete-timber composite beams using an analytical approach based on the principle of virtual work and experimental results. Engineering Structures, v. 46, p. 302-310, 2013.]. Por ser uma formulação baseada no princípio dos trabalhos virtuais, ela pode facilmente ser empregada em um programa de computador tanto pelo método dos elementos finitos (ODEN et al. [13[13] ODEN, J. T., CAREY G. F. e BECKER E. B. Finite Elements - An introduction. Vol 1. Prentice Hall Inc. USA. 1981.]) quanto pelo método dos deslocamentos matricial (GERE e WEAVER [14[14] GERE, J. M. e WEAVER, W. Analysis of framed structures. 1965.]).

Duas teorias para análise de vigas muito conhecidas são a teoria de viga de Euler-Bernoulli e a teoria de viga de Timoshenko (SLHESSARENKO [15[15] SLHESSARENKO, F. L. - Análise tridimensional de edifícios por elementos finitos utilizando programação orientada a objetos. 1997. Tese ( Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.]) . Neste trabalho foi adotada a teoria de Euler-Bernoulli em duas dimensões.

1.2.2.1 Princípio dos trabalhos virtuais

A abordagem escolhida para a formulação de uma estrutura mista é a do princípio dos trabalhos virtuais. A viga mista é considerada como duas vigas independentes (uma de concreto e outra em madeira) conectadas. A energia de deformação da estrutura é dada como a soma das energias de deformação das duas vigas com a energia de deformação dos conectores e, por isso, o trabalho virtual das forças internas do conjunto será a soma dos três trabalhos virtuais internos individuais, ou seja, TVintC+ TVintW+ TVintS= TVext, onde os índices C, W e S se referem ao concreto, madeira e conectores, respectivamente.

Como hipótese, assume-se que o deslocamento vertical das duas vigas é o mesmo, e por consequência suas derivadas também o são. Como a abordagem é a mesma de vigas de Euler-Bernoulli, a derivada do deslocamento vertical é igual ao giro da seção transversal, e as duas vigas têm o mesmo giro θ CW v'(= x). A força de cisalhamento (força por unidade de comprimento) dos conectores é dada por Ts = KD u, em que K é o módulo de deslizamento dos conectores e D ué o deslocamento relativo entre a fibra inferior da viga de concreto e a fibra superior da viga de madeira.

A Figura [3]ilustra esse deslocamento relativo. O deslocamento relativo (D u) tem a expressão :

Visto que os giros das duas vigas são iguais, então:

Figura 3
Cinemática de uma viga mista

Denominando a distância entre os centros de gravidade das peças de r, tem-se

O trabalho virtual das forças internas do conector é dado por:

Somando-se o trabalho virtual interno dos conectores ao do concreto e da madeira, temos a formulação de viga mista:

cujas incógnitas são os deslocamentos horizontais no centro de gravidade das peças uC( x) e uW( x) e o deslocamento vertical v( x) e δ uC, δ uWe δ vsão seus respectivos deslocamentos virtuais.

Em FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.], a formulação variacional é resolvida através do método de Rayleigh-Ritz. Entretanto, a solução através do método dos elementos finitos permite a aplicação de diferentes tipos de carregamentos e geometrias de vigas com mais generalidade e simplicidade de uso. Além disso, a abordagem é mais apropriada para inserção em programas de análise estrutural já existentes.

2. Método dos elementos finitos

O método dos elementos finitos consiste na utilização de funções que aproximam os deslocamentos uc, uwe ve também os deslocamentos virtuais δ uc, δ uwe δ v. A adoção dessas funções de base aproximantes permite obter-se uma solução aproximada para o problema variacional.

Neste trabalho são utilizadas duas famílias de funções, as funções lineares por partes e os polinômios cúbicos de Hermite.

As funções de base lineares por partes são definidas como sendo funções lineares que valem 1 em um dos nós da malha e zero nos demais nós. Também conhecidas como função chapéu, um exemplo de duas funções de base é apresentado na Figura [4].

Figura 4
Conjunto de funções de base lineares por partes

Nota-se que a função tem valores diferentes de zero em uma região formada por 3 nós e vale zero no restante do domínio. Se cada elemento é constituído por 2 nós, logo a função tem suporte local a 2 elementos e cada elemento contribui com as seguintes 2 funções, as quais são chamadas de funções de forma do elemento ( Figura [5]). O suporte local das funções será utilizado na construção da matriz de rigidez local do elemento.

Figura 5
Funções de forma lineares do elemento

A combinação das funções de forma dos elementos constroi as funções de base aproximantes. As funções definidas têm como derivada funções constantes por partes. Logo, a derivada da função é descontínua entre elementos. Portanto, a derivada da função linear por partes adotada é integrável no domínio, mas sua segunda derivada não seria definida nos nós dos elementos.

As funções cúbicas de Hermite são também definidas por partes com suporte local ao elemento e seus vizinhos. As propriedades das funções cúbicas de Hermite envolvem o valor da função e suas derivadas. As funções de forma de um elemento são mostradas na Figura [6].

Figura 6
Funções de forma cúbicas de Hermite de um elemento

A primeira função tem a propriedade de valer 1 no nó inicial do elemento e zero no nó final. Adicionalmente, sua derivada vale zero tanto no nó inicial quanto no nó final. A segunda função vale zero nos nós e tem derivada unitária no nó inicial e zero no final. A terceira função tem valor unitário no nó final e a quarta função tem derivada unitária no nó final, tendo zero para os demais valores de função e derivadas. Essas funções são particularmente importantes porque compõem, em conjunto com os elementos vizinhos, funções cuja primeira derivada é contínua. Logo, essas funções são integráveis até a segunda derivada.

A formulação de elementos finitos é obtida substituindo-se as funções deslocamento pelas funções aproximantes, isto é, , d

Da mesma forma, os deslocamentos virtuais são aproximados pelas mesmas funções. Logo, cada deslocamento virtual δ ucé adotado como igual a cadaϕ ie assim por diante. Assim, temos:

A formulação variacional requer o cálculo de integrais que envolvem a primeira derivada dos deslocamentos horizontais uce uw. Desse modo, podemos ver que as funções lineares por parte (chapéu) atendem aos requisitos necessários para aproximar os deslocamentos horizontais, já que suas primeiras derivadas são integráveis em todo o domínio. Portanto, adotamos ϕ jcomo sendo as funções lineares por partes, em que cada j diz respeito a um dos nós da malha. O deslocamento vertical, entretanto, requer que sua segunda derivada seja integrável, para se atender a formulação variacional de viga mista. Temos, portanto, que as funções cúbicas de Hermite são candidatas a φ jjá que elas têm segunda derivada integrável. Neste trabalho adotamos as funções de Hermite como função de forma para o deslocamento vertical v. É interessante observar que na formulação de viga de Euler-Bernoulli, o giro da seção é igual à primeira derivada da flecha, ou seja, θ= v'. Assim, podemos entender que a primeira e terceira funções de Hermite apresentadas na Figura [6]se referem ao deslocamento vertical, enquanto a segunda e quarta são associadas ao giro, pois são funções com derivada unitária nos nós.

Como as funções aproximantes tem suporte local aos 2 elementos ligados ao nó, as integrais de 0 a L, de fato são feitas apenas sobre os elementos de suporte da função. Essa formulação pode ser escrita, em forma matricial como:

em que a matriz K é composta pela soma das matrizes de cada elemento. O vetor u é dado por:

que é a união dos deslocamentos horizontal, vertical e giro de cada nó da malha { uc, uw, v, v'}. A descrição das matrizes de cada elemento é apresentada a seguir.

2.1 Matriz de rigidez do elemento

A matriz de rigidez é apresentada em partes, relativas a cada um dos termos do trabalho virtual interno: concreto, madeira e conector. A matriz de rigidez associada ao concreto é dada pela expressão:

que para cada elemento da malha de tamanho Le, dá:

ou

A matriz de rigidez associada à madeira, por sua vez, é dada por:

Deve-se observar que as matrizes de rigidez do concreto e da madeira são, de fato, as mesmas utilizadas no método dos deslocamentos clássico em sua forma matricial. Somando-se as duas matrizes, teríamos a soma da rigidez à flexão das duas vigas (concreto e madeira) como se essas trabalhassem livres para deslizar. Não haveria nenhuma interação entre os deslocamentos horizontais da viga de concreto e a viga de madeira. A interação entre os materiais, com consequente aumento na rigidez à flexão da viga mista, é representada pela matriz de rigidez do conector. A matriz de rigidez do conector vem da equação do trabalho virtual do conector:

que, integrando-se sobre um elemento de tamanho Leresulta em:

Finalmente, a matriz de rigidez do elemento é obtida como k= kc+ k w+ k s.

O vetor de carga é dado pelo trabalho virtual externo, que para este estudo é dado por:

em que apenas cargas verticais foram consideradas, embora sua extensão para outros carregamentos seja trivial. O vetor de carga para q vertical constante no elemento é dado, portanto, por:

As forças concentradas são adicionadas ao problema algébrico somando-se seu valor nas suas respectivas posições do vetor de carga.

2.2 Programa computacional

O código foi implementado em linguagem C++, utilizando-se algumas classes da biblioteca PZ (DEVLOO [16[16] DEVLOO, P. R. B. . PZ An Object Oriented Environment For Scientific Programming. COMPUTER METHODS IN APPLIED MECHANICS AND ENGINEERING, v. 150, n.1-4, p. 133-153, 1997.]). Para facilitar a utilização do programa, foi confeccionada uma interface gráfica para entrada de dados e visualização de resultados. A Figura [7]mostra a janela do programa com os dados de entrada a serem preenchidos. Os resultados apresentados pelo programa são o deslocamento vertical da viga mista, os esforços de momento fletor e força normal em cada viga e o cisalhamento no conector.

O programa desenvolvido foi validado comparando seus resultados com os apresentados em FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.]. Em FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.] são apresentados resultados numéricos para a formulação variacional de viga mista e também solução analítica da equação diferencial (STEVANOVIC [17[17] STEVANOVIC, B. Elastically coupled timber-concrete beams. In INTERNACIONAL WOOD ENGINEERING CONFERENCE, 1996, New Orleans. Proceedings... New Orleans, Oct. 1996. v.3. p.425-430.]). Os resultados são, ainda, comparados com resultados de ensaios de laboratório (SORIANO [4[4] SORIANO, J. Estruturas mistas de concreto e madeira: Análise de vigas e painéis e aplicações na construção civil. In Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, 2001.]), com boa concordância.

Figura 7
Janela de entrada de dados

3. Resultados e discussões

O programa é aplicado em uma viga mista apresentada em FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.] visando à validação do código de elementos finitos que foi implementado.

Os resultados também são comparados aos obtidos com o EUROCODE 5 [9[9] EUROCODE 5 (prEN 1995-1-1) : Design of timber structures. Part 1-1: General - common rules and rules for buildings. Brussels, 2008.].

Os dados das análises estão descritos na Tabela [1]e nas Figuras [8]e [9]. As conexões entre os dois materiais foram feitas com 41 parafusos sextavados com rosca soberba 1/2", com espaçamento de 7,5 cm. A rigidez da ligações foi obtida através de ensaios de corpos-de-prova de cisalhamento. SORIANO [4[4] SORIANO, J. Estruturas mistas de concreto e madeira: Análise de vigas e painéis e aplicações na construção civil. In Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, 2001.] realizou ensaios com 5 corpos de prova e a média dos módulos de deslizamento de serviço foi igual a Kser=15464 N/ mme Ku=10309 N/ mm

No ensaio experimental de SORIANO [4[4] SORIANO, J. Estruturas mistas de concreto e madeira: Análise de vigas e painéis e aplicações na construção civil. In Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, 2001.], havia duas cargas a serem consideradas ( Figura [8]): uma carga uniformemente distribuída, correspondente ao peso próprio da viga q = 0,36 N/mm, e uma carga concentrada Pk, aplicada no meio do vão. O deslocamento vertical foi medido a partir da aplicação da força concentrada, ou seja, o deslocamento medido não inclui a parcela do peso próprio. Por isso, nas análises numéricas apenas a carga pontual foi simulada. Esse procedimento é matematicamente válido devido à linearidade da formulação utilizada.

Tabela 1
Propriedades dos componentes da viga mista

Figura 8
Detalhe da viga mista (dimensões em cm). (SORIANO [4])

Figura 9
Esquema estático da viga mista

A Tabela [2]complementa os dados de entrada com o valor da carga pontual, a qual variou de 0 a 30 kN, e traz a comparação dos resultados obtidos neste trabalho com resultados da literatura:

  1. SORIANO [4[4] SORIANO, J. Estruturas mistas de concreto e madeira: Análise de vigas e painéis e aplicações na construção civil. In Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, 2001.] com valores experimentais de deslocamentos da viga mista para os dois ensaios realizados (Exp.1 e Exp.2 e média dos dois experimentos). Vale observar que nos experimentos Exp. 1 e Exp. 2 o colapso da estrutura ocorreu com Pkigual a 37,811 kNe 36,694 kN, respectivamente;

  2. FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.] com valores encontrados através da formulação variacional (PTV) resolvida através do método de Rayleigh -Ritz;

  3. Resultados obtidos através da implementação computacional apresentada neste trabalho (MEF);

  4. Utilizando-se a formulação analítica apresentada pelo EUROCODE 5 [9[9] EUROCODE 5 (prEN 1995-1-1) : Design of timber structures. Part 1-1: General - common rules and rules for buildings. Brussels, 2008.], a qual define um valor de rigidez efetiva (equação 1). Para este caso a rigidez é igual a ( EI) ef= 720,0542 kN. m 23e o deslocamento vertical é calculado como .

Tabela 2
Resultados dos deslocamentos verticais a L / 2 da viga mista

A Tabela [2]traz ainda a comparação entre os deslocamentos calculados pelas diferentes metodologias e os resultados experimentais. A Figura [10]ilustra os resultados da Tabela [2]. Observa-se que a curva dos deslocamentos dos experimentos apresenta um comportamento não-linear a partir do ponto de força Pkde 20 kN. Analisando a Tabela [2]pode-se observar que:

  • A solução de elementos finitos (MEF) deste trabalho é igual à solução de FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.]. Essa conclusão era esperada, uma vez que os dois trabalhos resolvem a mesma formulação variacional. A concordância de resultados verifica o código C++ implementado, ao menos para este exemplo.

  • Os resultados numéricos são bastante próximos dos resultados experimentais, conclusão observada em FORTI [11[11] FORTI, N. C. S. Análise numérica de vigas mistas em concreto e madeira. 2004. Tese (Mestrado) - Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.]. Os valores diferem de menos de 10% nos estágios iniciais de carregamento. Com o aumento da carga Pk, observa-se a influência do comportamento não-linear dos materiais e o consequente distanciamento dos resultados, chegando-se a uma diferença de cerca de 20% para carga Pk= 30 kN, próximo ao colapso das vigas ensaiadas. Esse resultado evidencia a qualidade da formulação variacional em representar o fenômeno físico enquanto a estrutura está em regime elástico.

  • Os resultados do EUROCODE 5 [9[9] EUROCODE 5 (prEN 1995-1-1) : Design of timber structures. Part 1-1: General - common rules and rules for buildings. Brussels, 2008.] são muito próximos das soluções numéricas, diferentes em menos de 1.5%. Isso é uma qualidade evidente da formulação analítica, muito mais simples de ser utilizada que uma solução numérica.

Figura 10
Gráfico do deslocamento vertical versus a força aplicada Pk

Os demais resultados do programa são apresentados nas Figuras [11], [12], [13]e [14]para a simulação com a carga Pk=15 kN. A Figura [11]mostra o deslocamento vertical da viga mista.

Figura 11
Gráfico do deslocamento vertical apresentado pela viga mista para P = 15 kN k

Figura 12
Gráfico dos momentos fletores sofrido por cada camada da viga mista (concreto e madeira) e o momento fletor total da seção para P = 15 kN

Figura 13
Gráfico de força normal na viga de concreto e de madeira para P = 15 kN k

Figura 14
Gráfico da força de cisalhamento dos conectores ao longo da viga para P = 15 kN k

A Figura [12]traz os gráficos de momento fletor da viga de concreto ( Mc), da viga de madeira ( Mw) e o momento fletor total ( Mtotal) e a Figura [13]traz os gráficos de força normal. Na ausência de interação entre as vigas, a soma do momento fletor da viga de concreto com o momento da viga de madeira seria igual ao momento fletor total. É interessante, portanto, observar que a interação entre as vigas reduz o momento fletor solicitante em cada uma das vigas. Em contrapartida, temos o surgimento de forças normais, que se anulam. A força normal na viga de concreto é de compressão e na viga de madeira de tração.

A Figura [14]apresenta o gráfico da força de cisalhamento dos conectores.

4. Conclusão

O desenvolvimento tecnológico do processo de concepção e construção de estruturas em madeira permitiu melhorar o conhecimento do comportamento desse material e seu consequente emprego em estruturas mistas. A aplicação de estruturas em concreto e madeira permite o uso racional das melhores características de cada material.

Este trabalho contribui com a análise de vigas mistas de concreto e madeira. Duas abordagens de cálculo do estado de tensão da viga são comparadas. Uma baseada em uma formulação de elementos finitos e outra com base em modelo analítico da norma Eurocode 5.

A formulação variacional, baseada no princípio dos trabalhos virtuais, contabiliza a energia de deformação dos três principais componentes da viga mista, o concreto armado, a madeira e os conectores. Ela é consistente e satisfaz as equações de equilíbrio. A formulação é coerente com os resultados de ensaios de laboratório.

O procedimento de cálculo do Eurocode 5 é baseado em uma rigidez equivalente da viga mista, a qual é função dos componentes da viga, em especial do módulo de deslizamento dos conectores.

A implementação em elementos finitos permite um maior emprego dessa formulação em programas de cálculo estrutural. Um programa com interface gráfica foi desenvolvido e está disponibilizado à comunidade.

Foram feitos exemplos numéricos comparando-se os resultados do programa de elementos finitos com os da metodologia de cálculo do Eurocode 5. Observa-se uma grande concordância dos resultados, os quais diferem em menos de 1.5%.

Esse desenvolvimento permite, através do desenvolvimento do programa computacional, uma maior divulgação dos procedimentos de cálculo e do comportamento de vigas mistas, o que pode ser um catalisador do emprego desse tipo de estrutura.

A formulação de elementos finitos apresentada pode ser aplicada para diferentes composições estruturais como, por exemplo, uma estrutura em que a alma da viga é metálica e sua mesa de concreto.

5. References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2014
  • Aceito
    22 Maio 2015
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