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Relações entre resistências à tração indireta e à tração na flexão em concretos secos e plásticos

Resumos

Medidas de resistência à tração indireta não são normalmente cotejadas na dosagem ou no controle tecnológico de concretos em pavimentação; os resultados de ensaios de resistência à tração na flexão, em especial com dois cutelos, são empregados para tais finalidades. Na realidade, nenhum de ambos os tipos de teste mede de fato a resistência real do concreto acabado na forma de placa por não representarem um componente estrutural que responde mecanicamente em estado plano de tensões. Uma revisão crítica dos conceitos relacionados a essas medidas de resistência permite claramente enxergar as limitações de cada uma das formas de aferição da resistência à tração e as maneiras de melhor encaminhar avaliações dessa natureza. Correlações entre ambas as medidas por meio de ensaios em concretos secos e plásticos específicos para pavimentação são apresentadas, corroborando com resultados anteriores obtidos para concretos plásticos.

resistência à tração na flexão; resistência à tração indireta; ensaio brasileiro


Indirect tensile strength is not usually used for concrete mixtures proportioning and its technological control; flexural strength tests under third point loads arrangement are the pattern for such goals. Indeed, neither of such tests have the capability to set up the actual strength of a concrete slab since its response is under plane stress state. A critical review of the basic concepts on both kinds of tests allows foreseeing its limitations as well as how to overcome such shortcomings. At last correlations between the two kinds of tensile strength are presented considering dry and plastic concretes typically applied on paving, corroborating to former results achieved for plastic concretes.

indirect tensile strength; flexural strength; brazilian split test


Relações entre resistências à tração indireta e à tração na flexão em concretos secos e plásticos

J. T. Balbo

Universidade de São Paulo, Escola Politécnica, Departamento de Engenharia de Transportes, São Paulo, SP, Brasil, jotbalbo@usp.br

RESUMO

Medidas de resistência à tração indireta não são normalmente cotejadas na dosagem ou no controle tecnológico de concretos em pavimentação; os resultados de ensaios de resistência à tração na flexão, em especial com dois cutelos, são empregados para tais finalidades. Na realidade, nenhum de ambos os tipos de teste mede de fato a resistência real do concreto acabado na forma de placa por não representarem um componente estrutural que responde mecanicamente em estado plano de tensões. Uma revisão crítica dos conceitos relacionados a essas medidas de resistência permite claramente enxergar as limitações de cada uma das formas de aferição da resistência à tração e as maneiras de melhor encaminhar avaliações dessa natureza. Correlações entre ambas as medidas por meio de ensaios em concretos secos e plásticos específicos para pavimentação são apresentadas, corroborando com resultados anteriores obtidos para concretos plásticos.

Palavras-chave: resistência à tração na flexão; resistência à tração indireta; ensaio brasileiro.

1. Introdução

Em geral usuários de concretos preparados com ligantes hidráulicos (para pavimentação) retêm o conceito de que o material não é apto para resistir esforços em tração uma vez que, tal resistência, é muito inferior à resistência à compressão do concreto. Contudo, do ponto de vista de fissurações em idades iniciais o material requereria investigações quanto à sua resistência à tração, posto que a retração por secagem ocorre exatamente pela imposição de campos de tensões de tração no concreto nas fases iniciais de endurecimento. Ambos os aspectos, cura e propriedade final do concreto endurecido, são de especial consideração na pavimentação em concreto, quando fissuras resultantes de esforços de tração devem ser estritamente controladas: sejam de retração, por sua indução proposital em posições bem definidas, sejam por manifestação precoce de fadiga, quando a resistência estática influencia intensamente tal comportamento.

Troxell et al. [1] citam estudos que anteriormente já haviam estabelecido que, em média, a resistência à tração (direta) do concreto seria em torno de 9% de sua resistência à compressão. Para concretos com baixos consumos de cimento e secos Balbo [2] chegara à mesma relação (8,9%) estudando britas graduadas tratadas com cimento (denominada por BGTC em pavimentação, mistura com granulometria contínua e consumo de cimento de 85 kg/m3, muito próximo de concretos compactados com rolos, empregados em barragens, e compactada na umidade ótima na energia modificada). Todavia, os testes em tração direta não foram nunca considerados como elemento para dosagem do concreto (Troxell et al. [1]) bem como apresentam dificuldades relacionadas à heterogeneidade dos corpos de prova (Balbo [2]), que causam superfícies de ruptura irregulares e às vezes fora da zona de meia altura da amostra, o que segundo Bazant e Cedolin [3], apoiados em conceitos da Mecânica de Fratura, trazem sérias dúvidas na interpretação e aceitação de tais resultados. Metha e Monteiro [4] afirmam que os dispositivos de fixação (por colagem) dos corpos de prova cilíndricos para o ensaio de tração direta impõem campos de tensões nas extremidades que não podem ser ignorados na interpretação dos resultados. Em resumo, a preparação de amostras para testes em tração direta requer muito mais cuidados e atenção com detalhes que possam invalidar os resultados obtidos (Newman e Bennett [5]).

Tradicionalmente, com aparente herança da escola europeia alemã (Balbo [6]), os ensaios de medida de tração na flexão em corpos de prova prismáticos foram rapidamente matizados, em primórdios do século XX, na dosagem e para o controle tecnológico de concretos produzidos para a pavimentação em sistemas de placas. Tais ensaios são normalmente realizados com aplicação de uma carga central (um cutelo ou center-point load) ou com duas cargas sobre os terços do vão de apoio da amostra prismática (dois cutelos ou third-point load, entenda-se aqui no terço do vão), sendo o último mais corriqueiro. Neste artigo são comparadas as resistências à tração de concretos medidas por meio de ensaios de tração na flexão (com um cutelo) e por ensaios de compressão diametral, além de discutidas as diferenças entre os campos de tensões impostos sobre as amostras de concreto em cada tipo de ensaio. Ao final são confrontados os resultados com indicação das possíveis relações entre tais resistências para um número considerável de amostras ensaiadas.

2. Determinação da resistência à tração indireta – ensaio brasileiro

Fernando Luiz Lobo Barbosa Carneiro [7] diante da necessidade de verificar a capacidade de rolos de concreto para o deslocamento da igreja de São Pedro no Rio de Janeiro (em 1943), empregou o teste de compressão diametral em rolos de concreto com 600 mm de diâmetro, tendo observado teoricamente (a partir de estudos prévios na Teoria da Elasticidade) que a distribuição vertical de tensões no plano de aplicação da carga durante a ruptura das amostras seria uniforme (Metha e Monteiro [4], cf. p. 74). Os resultados foram inicialmente publicados na França e posteriormente adotados internacionalmente, sendo comumente denominado por "Brazilian test". Atualmente no Brasil este ensaio é normalizado pela NBR 7222 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT [8]).

Segundo a American Society for Testing of Materials (ASTM), a resistência à tração medida pelo ensaio brasileiro (ou split test) é geralmente maior do que a resistência à tração direta do material (ASTM, 2004). Balbo [2] trabalhou com ambos os tipos de ensaios para a análise de resistências à tração da BGTC (brita graduada tratada com cimento, conforme definido anteriormente), composta de agregados em distribuição contínua e consumo de 4% de cimento (CP II E 32) em peso; para um suposto tipo de concreto com baixo consumo de cimento como a BGTC, além de confirmar a assertiva da ASTM acima mencionada, verificou-se a grande dificuldade de elaboração de um teste em tração direta, uma vez que, naturalmente, durante esse tipo de teste as amostras rompiam em suas seções mais frágeis, a saber, nas zonas que tivessem recebido compactação menos enérgica durante a moldagem dos cilindros. Para uma série de amostras idênticas, o valor de fct,sp foi de 2,3 (com 15% de coeficiente de variação), enquanto que para ensaios de tração direta foi obtido valor médio de 1,2 (3,5% de coeficiente de variação), estabelecendo a relação que se segue:

Fusco [9] sugerira para concretos convencionais de edificações a relação:

Ambas as equações acima denotam que a resistência à tração indireta é superior à resistência à tração direta, o que é geralmente explicado pelo fato de que no ensaio à tração direta o plano de ruptura ser aquele plano mais fraco e perpendicular à direção de aplicação de força. No ensaio brasileiro (ensaio de compressão diametral ou ensaio de tração indireta) a amostra cilíndrica, com planos extremos paralelos, é submetida a um esforço de compressão diametral aplicado sobre uma largura pequena e ao longo de todo seu comprimento, uniformemente, sendo que esta restrita área de aplicação da carga auxilia evitar a concentração de tensões além de compensar pequenas irregularidades na superfície da amostra. Proveti e Michot [10] recordam que esse teste permite um ensaio de fratura em modo I (pura tensão) e que o campo de tensões no plano de aplicação do carregamento é bastante uniforme, sendo assim um ensaio apto para o estudo de fratura dos materiais frágeis. Embora não seja de uso cotidiano na área de concretos, é bastante empregado na medida de resistência à tração de concretos asfálticos, solos e agregados estabilizados com ligantes hidráulicos e na análise de rochas (em especial de seus estratos verticais).

A teoria para a determinação do campo de tensões em cilindros ou em discos sujeitos a esforços opostos de compressão passando por um mesma direção diametral, segundo Timoshenko ([11], cf. p. 106), foi estabelecida por Heinrich Hertz em 1883. Os campos de tensões em tração e compressão foram estudados também por meio da Fotoelasticidade em 1948 por Frocht [12] e também por Durelli e Parks [13]. Na Figura 1 são apresentados os campos de deformações medidos por fotoelasticidade com suas franjas típicas de um disco sujeito a compressão diametral. As franjas, que são as zonas de fundo escuro, são interpretadas como o lugar geométrico dos pontos que apresentam a mesma deformação ou o lugar geométrico dos pontos com tensão tangencial máxima [12]. Nas zonas de tração observa-se que a variação da deformação horizontal (u) em relação ao eixo y é na prática nula; em outras palavras, as deformações de tração mantêm constância perpendicularmente ao eixo vertical na direção do carregamento. As tensões nas direções x (tração) e y (compressão) são determinadas de maneira muito simples, conforme Timoshenko [11]:


Da equação [1] observa-se que a tensão de tração na direção x é dependente da distância a partir do centro do disco, sendo que se tomada como x = 0, resulta na tensão máxima de tração, constante ao longo do eixo y (independente de y), conforme se segue:

Na Figura 2 são representados os padrões de franjas de isotensões durante um ensaio de compressão diametral em disco [12]. Ao contrário do ensaio em tração para concretos, o ensaio de compressão diametral é considerado útil e confiável para a estimativa das demais resistências convencionais do concreto, ou seja, suas resistências à tração na flexão e mesmo à compressão [1]. Assim, não há referência de uso desse ensaio como padrão de medida, contudo como meio de estimativa das demais resistências dada sua simplicidade de execução, em especial, se comparado ao ensaio de tração na flexão. Krishnayya e Eisenstein [14] recordam que, embora o ensaio brasileiro não possa substituir completamente aos demais tipos de testes em tração, ele possibilita a determinação mais confiável da resistência à tração que ensaios de tração direta ou ainda de duplo puncionamento, enquanto que para análise de barragens reais o ensaio de flexão se mostrava inadequado. Também, os ensaios em flexão seriam mais afetados por planos de compactação do material em vigas comparado com a distribuição uniforme de tensões de tração no ensaio brasileiro. Aydin e Basu [15], também com foco na distribuuição uniforme de tensões de tração, concluíram o teste ser bastante útil para a verificação de condições de danos microestruturais com falhas em amostras de rochas, fissuras relacionadas ao intemperismo. Fairhust [16] indicava que, para materiais frágeis, seria necessária especial atenção no arranjo do teste para se evitar tensões tangenciais na borda do cilindro pois elas alterariam significativamente a distribuição de tensões na amostra, tornando inválidas as equações 3 e 4 acima.


3. Determinação da resistência à tração na flexão

O ensaio de tração na flexão, na dependência do uso de um ou dois cutelos, impõe diferentes momentos de ruptura conforme descritos por meio da Figura 3. As características básicas de ruptura para cada um dos arranjos apresentados são:


  • Ensaio com um cutelo: tendência de ruptura na seção central de momento fletor máximo, porém não obrigatória. A resistência, caso a ruptura ocorra fora dessa seção, deve ser estimada linearmente em função do momento fletor que ocorre na distância de ruptura considerada a partir do apoio mais próximo;

  • Ensaio de dois cutelos: há um terço central da vigota solicitado por momento fletor constante, o que dá maior garantia de medida da tensão de menor magnitude, pois o material rompe a uma carga para a seção vertical teoricamente mais fraca.

Na Figura 4 é apresentado um resultado de ensaio de fotoelasticidade [14] para uma viga em flexão, semelhante a um ensaio de dois cutelos, com os apoios nas extremidades da viga de 25 mm de altura e 300 mm de vão livre entre os apoios. As franjas são paralelas e seus espaçamentos e larguras aumentam na medida em que se aproxima do centro do vão, zona de solicitação máxima à tração na fibra inferior. A falta de paralelismo dessas franjas nessa zona central da viga em flexão relaciona-se não apenas à curvatura da viga (que leva à tendência de girar as franjas), mas também com as deformações verticais na região que produzem a forma de arcos elípticos [14]. O campo de tensões de tração durante o ensaio de flexão é muito diferenciado, também por este ponto de vista, do ensaio de compressão diametral.


A tensão de tração na flexão na fibra inferior da vigota é calculada sob a batuta da hipótese de que a linha neutra se encontra à meia altura da seção transversal e de que a distribuição de tensões é triangular. A seção da vigota possui momento de inércia em relação a essa posição da linha neutra de bh3/12. A tensão, na fibra inferior com distância z a partir da linha neutra é então calculada, para o ensaio de um e de dois cutelos, respectivamente, como se segue:

Como a resistência é teoricamente igual para um mesmo concreto de uma mesma vigota, o ensaio com dois cutelos exige mais carga para a ruptura do material em comparação ao ensaio de um cutelo com a equação [6] possuindo um multiplicador de 50% sobre o valor real da carga. Contudo, considerada a vantagem prática de ser muito mais provável no ensaio de um cutelo o corpo de prova romper fora da seção central do que no ensaio de dois cutelos o corpo de prova romper fora do terço central, o ensaio de dois cutelos é mais cômodo em termos direto de resposta (cálculo da tensão de ruptura). A tensão de ruptura é definida como sendo a resistência à tração na flexão (NBR 6118) – fct,f – ou ainda denominada por módulo de ruptura (expressão menos precisa que a anterior).

No Brasil a Norma para execução desse ensaio é a NBR 12142 [17], na qual corpos de prova com seção transversal de 150 x 150 mm são preconizados. Na Norma da ASTM C 78-09 [18] há maior flexibilidade quanto às dimensões da amostra. De fato, Cervo [19] estudando concretos de alto desempenho e convencionais para pavimentação, a partir de dosagens empregadas para a construção de dois pavimentos de concreto, observou não existir diferença significativa que tornasse proibitivo o emprego de corpos de prova de dimensões reduzidas de 100 x 100 mm, apoiada sobre ensaios com as duas dimensões de seções transversais mencionadas e em estudo estatístico sobre as dispersões dos resultados (Figura 5). Testes de Kolmogorov-Smirnov sobre os resultados determinaram distribuições normais com níveis de significância superiores a 0,05. As resistências obtidas entre dois conjuntos de corpos de prova de um mesmo concreto, porém com dimensões diferentes, passaram por teste de hipótese "t" de Student, confirmando que não existiam diferenças entre os conjuntos de dados sobre resistências à tração na flexão desses corpos de prova. Isso gerou grande segurança, a partir de então, para o uso de corpos de prova de dimensões 100 x 100 mm de seção transversal, o que tem se incorporado desde então no meio técnico atinente à pavimentação em concreto no Brasil, empregando-se as mesmas fórmulas de cálculo da Norma NBR 12142 [17]. A questão da dimensão do corpo de prova transcende a realização de ensaio sobre corpos de prova de dimensões aparentemente apropriadas, conforme é discutido no item que se segue.


3.1 Dependência da resistência à tração no tamanho da amostra

Segundo Troxell et al.([1], cf. p. 254) o efeito escala na vigota para ensaio de tração na flexão se dá de maneira análoga ao caso de corpos de prova para ensaios em compressão: quanto maior a amostra menor a tensão de ruptura obtida no teste. Bazant e Novak [20], sistematizando pesquisas experimentais, analíticas e numéricas sobre o ensaio de tração na flexão concluem que o ponto comum entre as diversas pesquisas era que a resistência à tração na flexão do material decresceria com o aumento da altura (da seção transversal) das vigotas, embora esse fator de escala possa ser mais bem verificado se comparadas resistências entre vigotas de alturas notavelmente diferentes (como 75 mm – altura mínima convencional da vigota – e 250 mm, espessura de um pavimento de concreto simples). Isto é representado na Figura 6 onde se indica a diminuição da resistência à tração na flexão em função do aumento da seção transversal do corpo de prova (no caso, a altura da vigota), em comparação à tendência constante de valores de resistência à tração por meio do ensaio brasileiro. Essas diferenças são intuitivamente entendidas quando são considerados os campos de distribuição de tensões no ensaio brasileiro (ver Figura 1), muito uniformes, em comparação às distribuições de tração no banzo inferior tracionado de vigotas, conforme representado na Figura 7. A distribuição triangular (aproximada), abaixo da linha neutra, para duas vigotas de diferentes alturas h1 e h2 causam ângulos de mergulho na distribuição de tensões de tração, respectivamente, de a e a', sendo na figura fct,f confundida com a tensão aplicada (st). As variações de tensões ao longo das distribuições triangulares apresentadas são, respectivamente,



Note-se que h2 é maior que h1 por n vezes, sendo n um número real. Mormente, Δσ' é menor que Δσ; ou seja, a variação ponto a ponto da tensão de tração é menor na vigota de altura h2 maior n vezes que h1. A consequência física dessa característica da distribuição de tensões em vigotas de maior altura é que a tensão crítica de ruptura tem muito maior possibilidade de ser imposta a um conjunto de planos de fibras horizontais na face de fundo da vigota do que somente em sua fibra ou face extrema, o que causa, porquanto há uma maior intensidade de fratura na zona de transição frágil do material, uma propagação mais abrupta e rápida da fissura em direção ao topo da vigota, que tem como consequência prática de medida de engenharia a perda de resistência do material. Em decorrência da não uniformidade dessa distribuição de tensões aumentaria a resistência aparente do material.

Note-se que, no mesmo compasso que o ensaio de tração por compressão diametral, distribuições de tensão de tração uniformes geram menores tensões de ruptura em tração, de tal sorte que fica intuitivamente compreendido o comportamento modelado graficamente na Figura 7. Newman e Bennett [5] determinaram estatisticamente que resultados de resistência à tração indireta são afetados pela relação Comprimento/Diâmetro do corpo de prova. De seus resultados observou-se que quanto maior a relação Comprimento/Diâmetro menor a resistência média de amostras que variaram tal relação de 0,5 a 1,0 (os valores médios obtidos para arenitos para as relações mencionadas foram de 9,5 e 8,2 MPa). Portanto, a abertura concedida na NBR 7222 [8] para realização de ensaios com corpos de prova com relação Comprimento/Diâmetro entre 1 e 2 deve ser tomada com a devida precaução já que tradicionalmente a moldagem de corpos de prova cilíndrico preserva relação 2, o que indutivamente leva a pensar-se em resultado conservador de resistência à tração por compressão diametral.

3.2 Estado real de solicitações de placas de revestimentos e bases

Em estado plano de tensões, uma placa terá suas tensões horizontais nas direções planas x e y, determinadas a partir das deformações impostas no concreto, empregando-se a Lei de Hooke generalizada, conforme se segue:

Imaginando-se uma placa de dimensões planas x e y longas e uma carga externa sendo aplicada verticalmente na região central, por simetria pode-se afirmar que εx = εy = e e que, portanto σx = σy. Aplicando-se tais igualdades de deformações na equação [11] é então determinada a tensão de tração na flexão na direção x, que será, para µ = 0,15:

Abstraindo-se (como uma digressão) a aplicação da mesma carga em volume plano em flexão onde a deformação na direção y tende a zero, poder-se-ia escrever, a partir da equação [11]:

Ao serem comparadas as constantes aplicadas nas equações [12] e [13] se conclui que o efeito de uma mesma carga em um estado uniaxial de tensões (quando não é plano por não existir contribuição na direção perpendicular, i.e., εy = 0, ou ela ser muito pequena em relação a εx) é de causar uma tensão de ruptura menor que quando existe a contribuição da deformação na direção oposta. Assim, transportando para uma vigota em flexão, uma carga causa, teoricamente, um efeito menos crítico em termos de indução de tensões na direção x que ocorreria se a mesma carga fosse aplicada em um corpo de prova causando distribuição de tensões em estado plano (biaxial). Ora, isso significa dizer, intuitivamente, que a resistência de uma placa de concreto, se medida por meio do conhecimento da tensão de ruptura em estado plano de tensões, é maior que a resistência do mesmo concreto em flexão unidirecional, como no caso da vigota usada para testes. Em outras palavras, tem-se que entender que as medidas em laboratório, em seu estágio atual de prática e de normalização, não são capazes de criar o conhecimento adequado do que seria a resistência real, ou melhor dizendo-se, da capacidade de carga real da placa de concreto frente à ação dos veículos.

Assim, os ensaios de tração na flexão são meros coadjuvantes no binômio dimensionamento estrutural/dosagem do concreto, sendo, no caso da dosagem, desprezada uma capacidade potencial de medir a resistência real da placa de concreto, o que atua na prática, a favor da segurança, porém à custa de um relevante coeficiente de segurança (ou melhor, aqui se dizer, coeficiente de "ignorância") pelo real desconhecimento do problema. Ainda, recentes estudos atestam que a tensão de tração na flexão que produz a primeira fissura ocorre com valores de 35 a 40% superiores que aqueles encontrados em outros testes, como tração direta e indireta [21].

4. Estudos de resistências à tração em concretos secos e plásticos

4.1 Tipos de concreto estudados

Foram considerados para as análises aqui apresentadas 244 corpos de prova ensaiados, sendo parte deles provenientes de pesquisas no mesmo laboratório, com mesmo equipamento, parcialmente publicados anteriormente [22, 23, 24, 25]. Os concretos analisados eram dos tipos plásticos convencionais e de elevada resistência bem como diversos tipos de concretos secos, incluindo os casos de emprego de agregados alternativos; parte das amostras foi proveniente de estudo de concreto produzido com agregados reciclados de pavimento de concreto. A totalidade dos resultados apresentados é fruto de testes e pesquisas anteriores conduzidas pelo autor (e não publicadas anteriormente), sendo agora analisados sob o prisma proposto neste artigo. Na Tabela 1 são sucintamente descritos os concretos empregados para realização dos testes em compressão diametral e à tração na flexão.

4.2 Equipamentos e medidas realizadas

Os corpos de prova estudados possuíam, no caso de amostras cilíndricas, 200 mm de comprimento por 100 mm de diâmetro, sendo portanto sempre mantida a relação comprimento/diâmetro. Os corpos de prova prismáticos em todos os casos correspondiam às dimensões 100 x 100 x 400 mm3. Os ensaios foram realizados em diversas idades dos concretos, conforme indicadas na Tabela 1. Foi empregada uma prensa estática (hidráulica) de capacidade de 100 kN para os testes sobre os corpos de prova, sendo seguidas as recomendações contidas nas Normas ASTM C496M-04 [26] e C293-08 [27]. As cargas aplicadas eram adquiridas por meio de sinais eletrônicos obtidos com a instrumentação (emprego de célula de carga sob o pistão de aplicação de força da prensa). Os ensaios em tração na flexão foram realizados com o arranjo do teste de um cutelo apenas.

4.3 Relações entre resistências

Hammitt [28] propôs a seguinte relação entre a resistência à tração na flexão e a resistência à tração indireta por compressão diametral:

Os dados apresentados na Figura 8 compõem o conjunto de resultados obtidos em diversos estudos realizados e empregados na presente análise, conforme mencionados acima, sendo que a equação de regressão entre os pontos (com R2 = 0,88) é:


Assim, pode-se observar que o conjunto de concretos secos e plásticos considerados presentemente, tratados estatisticamente em termos de suas resistências à tração (na flexão e indireta), resulta em irrelevante alteração da relação anteriormente estabelecida por Hammitt [28] para concretos plásticos, valendo-se sempre recordar que os resultados apresentados referem-se a resistências à tração na flexão medidas com ensaios de um cutelo. O presente estudo abrange uma faixa mais ampla de resistências para a generalização da relação buscada entre as resistências. Observe-se que todos os pontos estão acima da linha de igualdade entre os parâmetros (45º) o que significa dizer que a tensão de tração na flexão em um cutelo resultou sempre superior que a resistência à tração indireta. Na Tabela 2 é realizada a comparação numérica entre as equações 14 e 15 o que permite assegurar o uso de ambas para o caso dos concretos secos, ao menos na faixa entre 0,5 e 2,5 MPa de resistência, quando não apresentam-se variações porcentuais importantes entre ambas. Na Tabela 3 são apresentadas as relações diretas entre valores de resistência à tração indireta e resistência à tração na flexão para os mesmos concretos, secos e plásticos. Observa-se que os concretos secos, naturalmente menos argamassados e mais porosos, possuem maior dispersão em seus resultados. O desvio padrão obtido deve ser considerado ainda elevado para amostras moldadas em laboratório, o que é um indicativo claro que as correlações devem ser consideradas com cautela quando da estimativa da resistência à tração na flexão a partir de ensaios de compressão diametral.

5. Conclusões

Apresentou-se e foi discutida a questão da distribuição de campos de tensão em ensaios de tração sobre concretos, pois possuem grande interesse na área de pavimentação de concreto simples bem como no emprego de concretos em bases de pavimentos com revestimentos asfálticos. Tais campos de tensão, muito diferentes para o ensaio de tração na flexão e o ensaio de tração indireta por compressão diametral, acabam por resultar em valores de resistência à tração dos concretos discrepantes entre si e de difícil correlação, uma vez que o ensaio brasileiro, por mais simples em termos práticos e de entendimento da distribuição de tensões, não é um ensaio de praxe para dosagem ou controle tecnológico de concretos de pavimentos.

Os ensaios apresentados neste artigo, que foram realizados com concretos secos compactados e com concretos vibrados, com materiais que empregaram matérias primas muito distintas entre si, como escórias ou borrachas como fração areia, agregados reciclados de construção e de demolição, fresados, concretos de alto desempenho e convencionais, em todos os casos, jamais revelaram para os corpos de prova, resistências à tração indireta superiores às resistências à tração na flexão. Foi também verificada uma relação entre ambas as resistências apresentada quatro décadas passadas para concretos plásticos e proposta uma correlação para uma gama mais ampla de concretos estudados, que valida a equação anterior para os concretos secos, de grande interesse para bases de pavimentos asfálticos e de concreto (como os concretos compactados com rolo e as britas graduadas tratadas com cimento).

A determinação da resistência por compressão diametral, embora não normalizada como parâmetro de dosagem e de controle, poderá ser paulatinamente empregada para a determinação da resistência do concreto atingida em baixas idades (como termômetro do que se pode esperar da resistência em longo prazo), mas especialmente para o controle do concreto acabado em pista, haja vista que a extração de corpos de prova cilíndricos é muito simples e possui um caráter destrutivo muito menos relevante que a extração de amostras para a confecção de copos de prova prismáticos em laboratório. Sugere-se nesse caso que para cada obra seja estabelecida experimentalmente a relação entre fct,f e fct,sp, evitando-se o uso de correlações gerais obtidas a partir da literatura técnica anterior, ou mesmo do registro de obras anteriores. Dentro de uma mesma obra há possibilidades, com estudos sistemáticos e constância de materiais, chegar-se a modelos estimativos de boa qualidade, como ensejam o estudo apresentado.

O uso contínuo da técnica de ensaio de tração indireta por compressão diametral poderá trazer novas luzes no futuro de como tirar melhor partido de um ensaio de simples elaboração, seja do ponto de vista de moldagem ou extração, bem como tendo em vista o mesmo aparato laboratorial para sua realização. Por outro lado, o campo uniforme de distribuições de tensões de tração apresenta um potencial importante para o estudo, com menor dispersão de resultados, do módulo de elasticidade dos concretos em tração, de interesse enorme para diversas obras de pavimentação com concreto simples ou materiais cimentados para bases de pavimentos.

A revisão da literatura permite esclarecer que as medidas de resistência são afetadas pelo efeito escala, ou seja, pelo tamanho dos corpos de prova. Os estudos deixam claro que formatos diferentes de corpos de prova e testes distintos impõem campos de tensões particulares para cada caso que implicam em resistências à tração também desiguais para um mesmo concreto. As discussões apresentadas indicam com clareza que a resistência do concreto na forma de uma placa trabalhando em estado plano de tensões, o que é o mundo real, pode diferenciar-se bastante, sendo superior às resistências à tração aferidas por testes em estado praticamente monodirecional de tensões. As resistências à tração em testes de compressão diametral são inferiores àquelas aferidas em flexão de vigotas, sendo que este último teste é conservador em relação à resistência em estado plano de tensões, como visto teoricamente. O que faz pensar que há ainda um campo aberto para melhor especificar critérios de dosagem e controle de concretos para pavimentação.

6. Agradecimentos

O autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio à pesquisa por meio do processo 473498/2006-5 (CNPq - Edital Universal 2006).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2013
  • Aceito
    02 Out 2013
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