Acessibilidade / Reportar erro

Acompanhamento do avanço da frente de carbonatação em compósito cimentício com sua estrutura de poros analisada por microtomografia computadorizada de raios X (µ-CT)

RESUMO

O processo de carbonatação é um dos causadores da redução do potencial hidrogeniônico (pH) em compósitos cimentícios, o qual pode levar a despassivação das armaduras, dando condições ao início de um processo de corrosão. Neste trabalho, buscou-se acompanhar o avanço da frente de carbonatação conforme a norma europeia EN 14630 paralelamente à medição da variação do pH na superfície do compósito cimentício. Foram utilizados corpos de prova cilíndricos (CP) de argamassa, com dimensão de (2x4) cm, acondicionados em câmara de carbonatação com condições controladas, mantendo-se a umidade em 65 %, a temperatura em 28 ºC e a concentração de CO2 em 5 %. A estrutura de vazios da matriz foi avaliada por meio da técnica de microtomografia computadorizada de raios X (µ-CT). A leitura de pH permitiu um monitoramento do avanço da frente de carbonatação, em função da perda de alcalinidade, antes do processo estabelecido na norma EN 14630. As imagens obtidas por meio da µ-CT não permitiram visualizar a densificação do material presente na camada mais externa do CP.

Palavras-chave:
argamassa; carbonatação; pH; microtomografia de raios X.

ABSTRACT

The carbonation process is one of the factors that cause a reduction in the hydrogenionic potential (pH) in cementitious composites, which can lead to a depassivation of the reinforcement structures, thus furnishing conditions for a corrosion process to begin. In this paper, the research sought to monitor the progress of the carbonation front according to European standard EN 14630, concurrently with the measurement of pH variation on the cementitious composite surface. Cylindrical mortar specimens with size of (2 x 4) cm were placed in a carbonation chamber with controlled conditions, keeping up the humidity at 65%, temperature at 28 °C and the CO2 concentration of 5%. The void structure of the matrix was evaluated by X-ray microtomography technique (μ-CT). The pH reading enabled the monitoring of the carbonation front progress in function of loss of alkalinity, even before the procedure laid down in standard EN 14630. The images obtained through µ-CT did not enable the visualization of the densification of the material found in the outermost layer of the specimen.

Keywords:
mortar; carbonation; pH; Xray microtomography.

1 Introdução

O fenômeno da carbonatação nos compósitos se dá em decorrência da difusão do gás carbônico (CO2) na estrutura dos poros de sua matriz, onde é dissolvido, formando o ácido carbônico (H2CO3), o qual reage com os álcalis da solução ali presente e, principalmente, com o hidróxido de cálcio, formando o carbonato de cálcio [1[1] HELENE, P. R. L., Contribuição ao estudo da corrosão em armaduras de concreto armado. Tese de Livre Docência, EPUSP, São Paulo, 1993, 231 p.

[2] HEWLETT, P. C., Lea’s Chemistry of Cement and Concrete, 5th edition, ed. Elsevier, Oxford, p. 324-334, 1998.

[3] NEVILLE, A. M., Properties of Concrete. 5th edition. Pearson Education Limited, Harlow, England, 2012. 872 p.
-4[4] BOUNY, V. B.; CAPRA, B.; LAURENS, S., A durabilidade das armaduras e do concreto de cobrimento In: OLLIVIER, J. P.; VICHOT, A. Durabilidade do Concreto: Bases Científicas para a formulação de concretos duráveis de acordo com o ambiente. Tradução OSWALDO CASCUDO e HELENA CARASEK. 1o ed. São Paulo: IBRACON, 2014. 615 p.].

O carbonato de cálcio formado (CaCO3), contribui para o preenchimento dos poros superficiais, reduzindo a difusibilidade no material e, consequentemente, a velocidade do avanço da frente da carbonatação [5[5] TAYLOR, H. F. W., Cement Chemistry. 2o edition. London: Thomas Telford Publishing, 488 p. 1997., 6[6] RIBEIRO, D. V.; SALES, A.; SOUSA, C. A. C.; CUNHA, M. P. T.; LOURENÇO, M. Z.; HELENE, P., Corrosão em Estruturas de Concreto Armado: Teoria, Controle e Métodos de Análise. 1o ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ed. 2014; p. 272.]. Em vista disso, a carbonatação ocorre com grande velocidade no início, progredindo mais lentamente para uma profundidade máxima [1[1] HELENE, P. R. L., Contribuição ao estudo da corrosão em armaduras de concreto armado. Tese de Livre Docência, EPUSP, São Paulo, 1993, 231 p., 3[3] NEVILLE, A. M., Properties of Concrete. 5th edition. Pearson Education Limited, Harlow, England, 2012. 872 p.]. O CaCO3 produzido não representa, por si só, uma ação deletéria para os compósitos cimentícios, mas o consumo dos alcalis, durante o fenômeno descrito, leva à redução do potencial hidrogeniônico (pH) das soluções intersticiais dos poros e capilares que, em condições naturais, possuem pH altamente básico (usualmente entre 12,6 e 13,5) [3[3] NEVILLE, A. M., Properties of Concrete. 5th edition. Pearson Education Limited, Harlow, England, 2012. 872 p.]. Nos casos das estruturas armadas, a perda de alcalinidade pode levar à despassivação das armaduras, dando condições ao início de um processo de corrosão, que pode ocasionar a redução da vida útil das construções [4[4] BOUNY, V. B.; CAPRA, B.; LAURENS, S., A durabilidade das armaduras e do concreto de cobrimento In: OLLIVIER, J. P.; VICHOT, A. Durabilidade do Concreto: Bases Científicas para a formulação de concretos duráveis de acordo com o ambiente. Tradução OSWALDO CASCUDO e HELENA CARASEK. 1o ed. São Paulo: IBRACON, 2014. 615 p., 6[6] RIBEIRO, D. V.; SALES, A.; SOUSA, C. A. C.; CUNHA, M. P. T.; LOURENÇO, M. Z.; HELENE, P., Corrosão em Estruturas de Concreto Armado: Teoria, Controle e Métodos de Análise. 1o ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ed. 2014; p. 272., 7[7] KROPP, J., Relations between transport characteristics and durability In: Performance Criteria for Concrete Durability. KROPP, J.; HILSDORF, H. K., RILEM Report 12. London and New York, 1995, p. 97-102.].

A utilização de uma solução à base de fenolftaleína aspergida na superfície dos compósitos de matriz cimentícia, por ser um método simples e de baixo custo, é a técnica mais conhecida e empregada para se estimar a profundidade da frente de carbonatação no material, sendo recomendado pela RILEM CPC-18 [8[8] RILEM CPC-18. Measurement of hardened concrete carbonation depth. Materials and Structures, 1988, p. 453-455.] e pela CEN BS EN 14630 [9[9] CEN - COMITÉ EUROPÉEN DE NORMALISATION: Products and systems for the protection and repair of concrete structures - Test methods - Determination of carbonation depth in hardened concrete by the phenolphthalein method.(BS EN 14630:2006).Brussels, Belgium, 2006.]. Entretanto, o ensaio apresenta algumas deficiências, uma vez que a faixa de viragem[1[1] HELENE, P. R. L., Contribuição ao estudo da corrosão em armaduras de concreto armado. Tese de Livre Docência, EPUSP, São Paulo, 1993, 231 p.] desta solução só ocorre quando o pH atinge valores entre 8,0 e 10,0 [10[10] YU, M. Y.; LEE, J. Y.; CHUNG, C. W., The Application of Various Indicators for the Estimation of Carbonation and pH of Cement Based Materials. Journal of Testing and Evaluation, 2010: vol. 38, No. 5., 11[11] MCPOLIN, D. O.; BASHEER, P. A. M.; LONG, A. E., Carbonation and pH in concretes manufactured with supplementary cementitious materials. J Mater Civil Eng. 2009: 21, p.217-225.]. Em vista disso, a solução de fenolftaleína demonstra limitações no monitoramento da profundidade da carbonatação, não sendo capaz de detectar o início da faixa de perda de alcalinidade que pode levar à despassivação das armaduras, que pode ocorrer a partir de valores de pH menores que 11,8 [3[3] NEVILLE, A. M., Properties of Concrete. 5th edition. Pearson Education Limited, Harlow, England, 2012. 872 p., 6[6] RIBEIRO, D. V.; SALES, A.; SOUSA, C. A. C.; CUNHA, M. P. T.; LOURENÇO, M. Z.; HELENE, P., Corrosão em Estruturas de Concreto Armado: Teoria, Controle e Métodos de Análise. 1o ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ed. 2014; p. 272., 12[12] FIGUEIREDO, E. P.; MEIRA, G. R., Corrosão das armaduras das estruturas de concreto. México: Boletim técnico ALCONPAT Internacional. v. 6. 2013.].

Este estudo buscou monitorar o avanço da frente de carbonatação utilizando o indicador de fenolftaleína conforme os padrões da norma europeia BS EN 14630 [9[9] CEN - COMITÉ EUROPÉEN DE NORMALISATION: Products and systems for the protection and repair of concrete structures - Test methods - Determination of carbonation depth in hardened concrete by the phenolphthalein method.(BS EN 14630:2006).Brussels, Belgium, 2006.] e pela medição da variação do pH, utilizando-se equipamento específico para superfícies de compósitos de matriz cimentícia. O uso deste dispositivo permitiu um monitoramento eficiente da variação do potencial hidrogeniônico induzido pela carbonatação.

Paralelamente, utilizou-se a técnica de microtomografia de raios X (µ-CT), para avaliação da estrutura de vazios de um dos corpos de prova ensaiados. Por se tratar de uma técnica não destrutiva e que não demanda preparação especial da amostra, o uso da µ-CT permitiu quantificar o tamanho, a distribuição e a conectividade dos poros do CP, sem provocar alterações na estrutura original do CP.

2 Materiais e programa experimental

2.1 Cimento

Foi utilizado o cimento Portland de alta resistência inicial (CP V - ARI), cujas propriedades físicas e químicas atendem à norma NBR 5733 [13[13] ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - NBR 5733 /EB-2: Cimento Portland de alta resistência inicial. Rio de Janeiro, 1991.]. Nas Tabelas 1 e 2 são apresentados os resultados dos ensaios de caracterização deste material.

Tabela 1
Propriedades físicas do cimento CP V utilizado

Tabela 2
Propriedades químicas do cimento CPV utilizado

2.2 Areia

Foi utilizada a “Areia Normal Brasileira” produzida e fornecida pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). A Tabela 3 apresenta as frações granulométricas da areia normalizada, segundo a NBR 7214 [14].

Tabela 3
Frações granulométricas da areia normal

2.3 Dosagem, moldagem e cura dos corpos de prova

A argamassa foi produzida na proporção 1:3 (cimento: areia) com um fator água/cimento (a/c) de 0,60. As quantidades utilizadas na dosagem são mostradas na Tabela 4.

Tabela 4
Quantidade de materiais por dosagem

Os ensaios foram realizados em corpos de prova cilíndricos de argamassa, com dimensões de (2x4) cm. A adoção de CPs com tamanho reduzido teve o intuito de compatibilizar a amostra à capacidade de leitura do microtomógrafo utilizado [15[15] BERNARDES, E. E.; MAGALHÃES, A.G.; VASCONCELOS, W.L.; NUNES, E.H.M., Evaluating of the effect of varying the workability in the concrete pore structure by using X-ray microtomography. RIEM, 6 (4), August (2013), 582-597.].

A moldagem dos corpos de prova tomou como base os procedimentos estabelecidos na NBR 7215 [16[16] ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - NBR 7215 (Incorpora a Errata nº 1 de 1997): Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro, 1996.] e foi realizada em ambiente com umidade relativa de (65 ± 2) % e temperatura de (26 ± 1,0) ºC.

Foram moldados 12 corpos de prova com dimensão de (2 x 4) cm, sendo 11 CPs destinados à câmara de carbonatação e 1 CP utilizado para determinação do pH inicial do material (referência).

Dos 11 CPs, submetidos ao processo de carbonatação acelerada, 10 foram utilizados nos ensaios de medição de pH e aspersão de fenolftaleína e 1 CP foi utilizado nos ensaios de µ-CT.

O adensamento foi realizado em mesa vibratória. Os moldes metálicos foram totalmente preenchidos com a argamassa e vibrados por 10 segundos. O tempo de adensamento foi previamente ajustado levando-se em conta a consistência da argamassa produzida.

Após a etapa de moldagem, os CPs foram mantidos em câmara úmida com temperatura controlada de (23 ± 2) ºC e umidade relativa (UR) maior que 95 % por um período de 24 horas. Após a cura inicial, foram desmoldados e mantidos submersos em tanque contendo água potável por mais 48 horas, até o momento das primeiras medições de pH, antes de serem colocados na câmara de carbonatação.

2.4 Medições do pH e da frente de carbonatação

Ao terceiro dia de idade, os corpos de prova foram retirados do tanque de cura para a etapa de medição do pH de seu topo e base. Para tanto, foi utilizado o equipamento ExStik® PH150-C específico para medição quantitativa do pH (mede os íons de hidrogênio na solução) em superfícies de materiais cimentícios.

As medições foram realizadas em amostras com superfície seca, sendo aspergida água deionizada na região de contato com a sonda, conforme mostrado na Figura 1 [17[17] PU, Q.; JIANG, L.; XU, J.; XU, Y.; ZHANG, Y., Evolution of pH and chemical composition of pore solution in carbonated concrete. Construction and Building Materials, 2012: v.28, p.519-524.]. O equipamento foi calibrado em soluções padrão de pH iguais a 4, 7 e 10 antes de cada uso.

Figura 1
Medição do pH em um CP (2x4) cm

Após a medição inicial do pH, 11 corpos de prova foram acondicionados em câmara de carbonatação, modelo Thermo Scientific Steri-Cult® CO2, ficando expostos a condições estáveis de umidade relativa a (65 ± 1) %, temperatura a (28,0 ± 0,5) ºC e concentração de dióxido de carbono (CO2) a (5,0 ± 0,1) %, conforme mostrado na Figura 2, até o dia previsto para a realização dos ensaios. As condições aqui definidas tomaram como base outros estudos sobre carbonatação [3[3] NEVILLE, A. M., Properties of Concrete. 5th edition. Pearson Education Limited, Harlow, England, 2012. 872 p., 4[4] BOUNY, V. B.; CAPRA, B.; LAURENS, S., A durabilidade das armaduras e do concreto de cobrimento In: OLLIVIER, J. P.; VICHOT, A. Durabilidade do Concreto: Bases Científicas para a formulação de concretos duráveis de acordo com o ambiente. Tradução OSWALDO CASCUDO e HELENA CARASEK. 1o ed. São Paulo: IBRACON, 2014. 615 p., 18[18] PAULETTI, C.; DAL MOLIN, D. C. C.; KASMIERCZAK, C. S.; BREZEZINSKI, D. Profundidade de carbonatação em ensaios acelerados com diferentes percentuais de CO2 In: 47ª Congresso Brasileiro do Concreto.Anais em CD. Pernambuco, 2005.]. O corpo de prova remanescente foi utilizado para determinação do pH de referência aos 3 dias de idade.

Figura 2
Câmara de carbonatação - condições de exposição dos corpos de prova

Aos 2, 5, 7, 12, 14, 16, 18, 21, 23 e 25 dias de carbonatação, um corpo de prova foi retirado da câmara, para a realização dos ensaios de medição de pH e aspersão de solução de fenolftaleína.

O pH foi medido na altura média da superfície lateral do corpo de prova e, em seguida, serrado ao meio perpendicularmente à sua altura com uma serra de disco. As duas faces resultantes foram limpas com um pincel, de modo a se remover o material pulverulento resultante do corte. Em uma das faces resultantes foi realizada a medição do pH. Em seguida foi aspergida uma solução de fenolftaleína na outra face serrada do corpo de prova de modo a se visualizar a profundidade média da frente de carbonatação conforme especificações da norma CEN 14630 [9[9] CEN - COMITÉ EUROPÉEN DE NORMALISATION: Products and systems for the protection and repair of concrete structures - Test methods - Determination of carbonation depth in hardened concrete by the phenolphthalein method.(BS EN 14630:2006).Brussels, Belgium, 2006.].

Para se determinar a profundidade média de carbonatação, foi calculada a média de 16 medidas, realizadas com um paquímetro, a partir da face externa da seção até o limite da borda da região de coloração vermelho-púrpura. A avaliação da profundidade média de carbonatação também foi realizada com o auxílio de um software de análise de imagens.

As faces dos CPs aspergida com fenolftaleína foram fotografadas com uma câmera digital para, em seguida, se mensusar a profundidade da frente de carbonatação por meio do software ImageJ.

O mesmo procedimento para medição do pH foi executado no corpo de prova de referência (idade de 3 dias), sem que o mesmo tenha sido submetido à câmara de carbonatação.

2.5 Microtomografia de raios X (µ-CT)

A microtomografia de raios X (μ-CT) é um ensaio não destrutivo que pode produzir informações em 3D com base no empilhamento de seções 2D enquanto o CP é rotacionado, fornecendo dados da microestrutura interna do material analisado, como densidade e estrutura de poros [19[19] JIANDE, H.; WEI, S.; GANGHUA, P., X-ray Microtomography of the Carbonation Front Shape Evolution of Cement Mortar and Modelingof Accelerated Carbonation Reaction. Journal of Wuhan University of Technology-Mater. Sci. Ed. Apr.2013: p.303-308.].

O ensaio da μ-CT foi realizado com um microtomógrafo modelo SkyScan 1172 de alta resolução, que opera com uma tensão de até 100 kV e potência de 10 W. O equipamento é gerenciado por um conjunto de quatro computadores conectados em rede que aumentam a capacidade de processamento e produção dos modelos 3D. Este conjunto é mostrado na Figura 3.

Figura 3
Equipamentos para microtomografia de raios X I - Microtomógrafo SkyScan 1172 II e III - Computadores de controle e aquisição de dados

Para a leitura no microtomógrafo, um corpo de prova foi retirado da câmara após 14 dias de exposição e imediatamente embalado em filme de PVC, para se evitar a interação com o CO2 presente no ar, sendo este removido no momento do ensaio.

3 Resultados e discussões

3.1 Carbonatação e pH

A Figura 4 exibe a média dos valores dos pHs medidos na superfície do topo e da base de cada um dos onze corpos de prova ensaiados. Tais medidas foram feitas imediatamente antes destes serem colocados na câmara de carbonatação e após três dias de cura submersa. Verifica-se que todos apresentam uma boa alcalinidade, sendo o valor médio global das medidas igual a 12,10.

Figura 4
pH médio inicial dos corpos de prova não carbonatados

A Figura 5 exibe as médias das leituras dos pHs, realizadas na altura média da superfície lateral externa e no ponto central da seção de corte transversal de cada um dos corpos de prova, ensaiados após sua permanência por tempo pré-estabelecido na câmara de carbonatação. Verifica-se uma tendência mais acentuada de perda de alcalinidade nos primeiros dias, confirmando os dados já apresentados em outros estudos que demonstram que a carbonatação ocorre com grande velocidade no início, progredindo mais lentamente para uma profundidade máxima [1[1] HELENE, P. R. L., Contribuição ao estudo da corrosão em armaduras de concreto armado. Tese de Livre Docência, EPUSP, São Paulo, 1993, 231 p.]. Observa-se também que a região central dos corpos de prova sofreu redução de alcalinidade antes mesmo de ser detectada pelo ensaio utilizando a solução de fenolftaleína.

Figura 5
pH médio dos corpos de prova carbonatados

Aos 14 dias o pH nas regiões mais externas do CP atingiu um valor de 9,07, o que fez com que o indicador de fenolftaleína demarcasse claramente uma faixa mais profunda, indicativa do avanço da frente de carbonatação, conforme mostrado na Figura 6. Observa-se que aos cinco dias já é possível notar a perda de alcalinidade, porém ainda de forma discreta, uma vez que o pH de 10,77 ainda se encontra fora da melhor faixa de viragem da solução de fenolftaleína, que usualmente ocorre quando o pH atinge valores entre 8 e 10.

Figura 6
Avanço da frente de carbonatação por indicador de fenolftaleína

A Figura 7 mostra uma imagem preparada para análise no ImageJ. A Figura 8 mostra o acompanhamento do avanço da frente de carbonatação, possível de ser detectada pelo uso da solução de fenolftaleína, conforme estabelecido pelos padrões da norma europeia CEN 14630 [9], e os resultados gerados com o auxílio do software.

Figura 7
Imagem de um CP, após aspersão de fenolftaleína, prepara para ser analisada pelo ImageJ

Figura 8
Profundidade da frente de carbonatação detectada pela solução de fenolftaleína

Com o intuito de se avaliar se há diferença significativa da média das medidas obtidas pelos dois métodos utilizados, foi aplicado o teste de hipótese, baseado na distribuição de probabilidade T de Student (ou teste estatístico T) para amostras independentes. A hipótese nula é de que a média é igual entre os dois grupos. A hipótese alternativa é de que a média é diferente. Se o p-valor, probabilidade de errar ao rejeitar a hipótese nula, for menor que 5%, rejeita-se a hipótese nula. Ou seja, assume-se que a média é diferente entre os dois grupos.

No caso desse estudo, o p-valor encontrado foi de 90,2 %, indicando que não há uma diferença significativa entre as medidas da profundidade de avanço da frente de carbonatação dos dois grupos [21[21] DILONARDO, I.; VARHEN, C.; LEE, C.; FIGUEIREDO, A., Avaliação Metodológica da Medida de Carbonatação em Microconcretos. In: 57º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO, 2015, Bonito - MS. Anais… Bonito: CBC, 2015.].

Nota-se que aos 25 dias de exposição dos corpos de prova, às condições preestabelecidas na câmara de carbonatação, a solução de fenolftaleína acusa um avanço da frente de carbonatação em torno de 6,4 mm. Cabe ressaltar que, o que está sendo medido é apenas a região onde o pH do material cimentício foi reduzido para níveis capazes de serem detectados por esse indicador de pH, e não a presença das reações do ácido carbônico (H2CO3) com os álcalis da argamassa.

Pode-se também observar na Figura 5 que, com apenas 14 dias de permanência na câmara, o ponto central da seção transversal de corte do CP, a 10 mm da borda, já havia atingido um valor de pH igual a 11,6. Tal valor já seria suficiente para permitir a despassivação do aço que, segundo Neville [3], pode ocorrer quando o pH atinge valores entre 11,4 e 11,8. Verifica-se também que, mesmo aos 18 dias de exposição e com o pH da região central igual a 10,03, a perda de alcalinidade ainda não poderia ser detectada pelo uso da solução.

3.2 Microtomografia de raios X

A Figura 9 mostra as imagens geradas a partir da leitura realizada no CP com 14 dias de exposição à câmara de carbonatação. Por meio dessas, pode-se fazer uma avaliação qualitativa da diferença de densidade no material.

Figura 9
Imagens de µ-CT para em CP com 14 dias de exposição à câmara de carbonatação

Comparando as imagens binarizadas com as imagens em escala de cinza, conclui-se que o material presente na região mais externa (verde) do CP tem uma densidade menor, uma vez que na escala de cinza, esta região apresenta-se mais escura. Comportamentos semelhantes foram encontrados em outros estudos realizados [15[15] BERNARDES, E. E.; MAGALHÃES, A.G.; VASCONCELOS, W.L.; NUNES, E.H.M., Evaluating of the effect of varying the workability in the concrete pore structure by using X-ray microtomography. RIEM, 6 (4), August (2013), 582-597.].

Nesta análise, em particular, não foi possível detectar a densificação da camada mais externa do CP devido à formação do CaCO3. No estudo realizado por Lydzba et al. [20[20] LYDZBA, D.; RAJCZAKOWSKA, M.; STEFANIUK, D., Identification of the Carbonation Zone in Concrete Using X-Ray Microtomography. Studia Geotechnica et Mechanica, Vol. XXXVI, No. 1, 2014.] também não foi possível visualizar o avanço da frente de carbonatação por meio das imagens microtomográficas. Contudo, Jiande et al. [19[19] JIANDE, H.; WEI, S.; GANGHUA, P., X-ray Microtomography of the Carbonation Front Shape Evolution of Cement Mortar and Modelingof Accelerated Carbonation Reaction. Journal of Wuhan University of Technology-Mater. Sci. Ed. Apr.2013: p.303-308.], mediante o uso de um equipamento com tensão superior à utilizada neste estudo, conseguiram visualizar esta densificação.

A Tabela 5 mostra diversos parâmetros microestruturais do CP. Observando o Índice de Fragmentação (IF), constata-se que a conectividade na região externa é superior ao da região central. A fragmentação é caracterizada pela ruptura da conectividade. Quanto mais negativo for o índice de fragmentação, maior será a conectividade dos poros, favorecendo a permeabilidade do sistema.

Tabela 5
Quantidade de materiais por dosagem

A porosidade aberta de (14,3 ± 0,2) % obtida para a região global, mostra-se bem superior aos (1,8 ± 0,1) % da região central de diâmetro igual a 1 cm. Esses resultados estão em concordância com os índices de fragmentação apresentados.

4 Conclusões

Observou-se que, apesar do uso da solução fenolftaleína ser um método muito útil para visualizar a existência de uma frente de carbonatação, pois é simples e barato, ele não foi capaz de fornecer informações sobre as regiões mais internas do corpo de prova onde ocorreram reações do ácido carbônico (H2CO3) com os álcalis da argamassa ocasionando a redução do potencial hidrogeniônico do material cimentício. Os resultados deste trabalho sugerem que a carbonatação atingiu profundidades superiores à linha indicada pela fenolftaleína.

Por sua vez, o monitoramento da variação do pH na superfície do compósito cimentício mostrou-se também uma técnica simples e eficiente para acompanhar não só avanço da frente de carbonatação, mas também para fornecer uma boa referência quantitativa do valor do pH em um determinado ponto de análise.

Levando-se em conta que alguns estudos apontam a possibilidade da despassivação da armadura em meios cimentícios ocorrer quando o pH atinge valores menores que 11,8, precisar quantitativamente sua medida nas regiões onde seus valores se encontram acima da faixa de viragem da fenolftaleína, traz vantagens quando se busca garantir o tempo previsto de vida útil das estruturas.

O uso da microtomografia de raios X possibilitou quantificar diversos parâmetros microestruturais relevantes ao estudo da difusão do CO2 no compósito cimentício. Para o equipamento de µ-CT utilizado neste estudo, as imagens geradas não permitiram a visualização da densificação das camadas mais externas do CP.

É importante salientar que, ambos os métodos utilizados para monitora o pH não são capazes de indicar a razão pela qual ocorreu a perda da alcalinidade, seja esta por carbonatação ou por outras causas, como exposição à ácidos, por exemplo. Assim, nos casos de investigação onde o fator causador da redução do pH não é conhecido, são necessárias análises laboratoriais [9[9] CEN - COMITÉ EUROPÉEN DE NORMALISATION: Products and systems for the protection and repair of concrete structures - Test methods - Determination of carbonation depth in hardened concrete by the phenolphthalein method.(BS EN 14630:2006).Brussels, Belgium, 2006.].

5 Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq e a FAPEMIG pelo apoio financeiro e a HOLCIM, pelo fornecimento do cimento utilizado nesta pesquisa.

6 References

  • [1]
    HELENE, P. R. L., Contribuição ao estudo da corrosão em armaduras de concreto armado. Tese de Livre Docência, EPUSP, São Paulo, 1993, 231 p.
  • [2]
    HEWLETT, P. C., Lea’s Chemistry of Cement and Concrete, 5th edition, ed. Elsevier, Oxford, p. 324-334, 1998.
  • [3]
    NEVILLE, A. M., Properties of Concrete. 5th edition. Pearson Education Limited, Harlow, England, 2012. 872 p.
  • [4]
    BOUNY, V. B.; CAPRA, B.; LAURENS, S., A durabilidade das armaduras e do concreto de cobrimento In: OLLIVIER, J. P.; VICHOT, A. Durabilidade do Concreto: Bases Científicas para a formulação de concretos duráveis de acordo com o ambiente. Tradução OSWALDO CASCUDO e HELENA CARASEK. 1o ed. São Paulo: IBRACON, 2014. 615 p.
  • [5]
    TAYLOR, H. F. W., Cement Chemistry. 2o edition. London: Thomas Telford Publishing, 488 p. 1997.
  • [6]
    RIBEIRO, D. V.; SALES, A.; SOUSA, C. A. C.; CUNHA, M. P. T.; LOURENÇO, M. Z.; HELENE, P., Corrosão em Estruturas de Concreto Armado: Teoria, Controle e Métodos de Análise. 1o ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ed. 2014; p. 272.
  • [7]
    KROPP, J., Relations between transport characteristics and durability In: Performance Criteria for Concrete Durability. KROPP, J.; HILSDORF, H. K., RILEM Report 12. London and New York, 1995, p. 97-102.
  • [8]
    RILEM CPC-18. Measurement of hardened concrete carbonation depth. Materials and Structures, 1988, p. 453-455.
  • [9]
    CEN - COMITÉ EUROPÉEN DE NORMALISATION: Products and systems for the protection and repair of concrete structures - Test methods - Determination of carbonation depth in hardened concrete by the phenolphthalein method.(BS EN 14630:2006).Brussels, Belgium, 2006.
  • [10]
    YU, M. Y.; LEE, J. Y.; CHUNG, C. W., The Application of Various Indicators for the Estimation of Carbonation and pH of Cement Based Materials. Journal of Testing and Evaluation, 2010: vol. 38, No. 5.
  • [11]
    MCPOLIN, D. O.; BASHEER, P. A. M.; LONG, A. E., Carbonation and pH in concretes manufactured with supplementary cementitious materials. J Mater Civil Eng. 2009: 21, p.217-225.
  • [12]
    FIGUEIREDO, E. P.; MEIRA, G. R., Corrosão das armaduras das estruturas de concreto. México: Boletim técnico ALCONPAT Internacional. v. 6. 2013.
  • [13]
    ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - NBR 5733 /EB-2: Cimento Portland de alta resistência inicial. Rio de Janeiro, 1991.
  • [14]
    ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - NBR 7214: Areia normal para ensaio de cimento - Especificação. Rio de Janeiro, 2012.
  • [15]
    BERNARDES, E. E.; MAGALHÃES, A.G.; VASCONCELOS, W.L.; NUNES, E.H.M., Evaluating of the effect of varying the workability in the concrete pore structure by using X-ray microtomography. RIEM, 6 (4), August (2013), 582-597.
  • [16]
    ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - NBR 7215 (Incorpora a Errata nº 1 de 1997): Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro, 1996.
  • [17]
    PU, Q.; JIANG, L.; XU, J.; XU, Y.; ZHANG, Y., Evolution of pH and chemical composition of pore solution in carbonated concrete. Construction and Building Materials, 2012: v.28, p.519-524.
  • [18]
    PAULETTI, C.; DAL MOLIN, D. C. C.; KASMIERCZAK, C. S.; BREZEZINSKI, D. Profundidade de carbonatação em ensaios acelerados com diferentes percentuais de CO2 In: 47ª Congresso Brasileiro do Concreto.Anais em CD. Pernambuco, 2005.
  • [19]
    JIANDE, H.; WEI, S.; GANGHUA, P., X-ray Microtomography of the Carbonation Front Shape Evolution of Cement Mortar and Modelingof Accelerated Carbonation Reaction. Journal of Wuhan University of Technology-Mater. Sci. Ed. Apr.2013: p.303-308.
  • [20]
    LYDZBA, D.; RAJCZAKOWSKA, M.; STEFANIUK, D., Identification of the Carbonation Zone in Concrete Using X-Ray Microtomography. Studia Geotechnica et Mechanica, Vol. XXXVI, No. 1, 2014.
  • [21]
    DILONARDO, I.; VARHEN, C.; LEE, C.; FIGUEIREDO, A., Avaliação Metodológica da Medida de Carbonatação em Microconcretos. In: 57º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO, 2015, Bonito - MS. Anais… Bonito: CBC, 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2016
  • Revisado
    23 Ago 2016
  • Aceito
    12 Jun 2017
IBRACON - Instituto Brasileiro do Concreto Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON), Av. Queiroz Filho, nº 1700 sala 407/408 Torre D, Villa Lobos Office Park, CEP 05319-000, São Paulo, SP - Brasil, Tel. (55 11) 3735-0202, Fax: (55 11) 3733-2190 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arlene@ibracon.org.br