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Monitoramento de temperatura em sapata de fundação de grande porte: estudo de caso "Parque da Cidade" - SP

RESUMO

Atualmente, tem sido cada vez mais comum a concepção de elementos de fundações em concreto armado de grandes volumes. Essa situação, geralmente implica num aumento potencial do risco do surgimento de fissuras de origem térmica, devido ao calor de hidratação do cimento. Nessas circunstâncias, tais elementos precisam ser tratados no enfoque da teoria referente ao concreto massa, muito difundida em barragens, mas ainda pouco utilizada no projeto de estruturas de edificações. Neste breve contexto, este artigo apresenta um estudo de caso contemplando os procedimentos e problemas envolvidos na concepção e execução de uma sapata de fundação com cerca de 800m³ projetada para a fundação de um Shopping Center na cidade de São Paulo, SP.

Palavras-chave:
concreto-massa; fundações; monitoramento; temperatura; fissuração

ABSTRACT

In recent years, the construction of foundation elements from large-volume reinforced concrete is becoming increasingly common. This implies a potential increase in the risk of cracks of thermal origin, due to the heat of hydration of cement. Under these circumstances, these concrete elements need to be treated using the mass concrete theory, widespread in dam construction, but little used when designing buildings. This paper aims to present a case study about the procedures and problems involved in the construction of a spread footing with a volume of approximately 800m³ designed for the foundation of a shopping center in São Paulo, Brazil.

Keywords:
mass concrete; foundations; monitoring; temperature; cracking

1. Introdução

Um dos principais problemas da engenharia de barragens em concreto massa consiste no controle de fissuração de origem térmica, devido ao calor de hidratação procedente de reações exotérmicas naturais da hidratação do cimento. É fato que o cimento Portland, ao se misturar com água inicia uma reação exotérmica de hidratação, liberando uma grande quantidade de calor.

O concreto durante essa reação sofre deformações expansivas, proporcionais ao seu coeficiente de dilatação térmica, e como essa reação ocorre nas primeiras idades, onde o concreto se encontra em fase de transição entre o estado fresco e endurecido, as deformações expansivas ocasionam baixas tensões no material, e, principalmente porque são tensões de compressão e cisalhamento mais facilmente suportáveis pelo material nas primeiras idades.

Durante a fase de hidratação, e endurecimento do concreto, o elemento estrutural também troca calor com o meio, até o ponto em que sua temperatura interna tende a se equilibrar com a temperatura ambiente, sempre iniciando pelas superfícies externas do elemento estrutural. É nessa fase que o risco de fissuração aumenta, pois o elemento de concreto que foi comprimido e que se expandiu nas primeiras idades se contrai, muitas vezes de forma desigual, criando gradientes de tensão à tração, ao mesmo tempo em que ainda apresenta pouca resistência à tração para suportar esse tipo de solicitação.

Na contração, surgem tensões internas de tração, cujas magnitudes dependerão fundamentalmente das condições de contorno existentes (grau de restrição, propriedades térmicas e quantidade dos insumos do traço, bem como a geometria do elemento e condições do ambiente). Tais tensões podem superar o limite de resistência à tração do concreto em idade precoce, culminando na fissuração do elemento estrutural, caso cuidados não sejam previamente tomados.

É fato que nas obras de hoje, tem sido cada vez mais comum a adoção de elementos de fundação com grandes volumes, sendo pelos mais diversos motivos, tais como a necessidade do aumento da rigidez nas fundações, proximidade de pilares com consequente associação de seus elementos de apoio e até por facilidades de execução.

Com o advento dos edifícios altos, a tendência é a de se requerer elementos de fundação mais rígidos para dar suporte a cargas de magnitude cada vez mais elevadas, e isso somente é possível com um aumento considerável das dimensões dos blocos e sapatas.

Atualmente, encontra-se em fase de construção, na cidade de São Paulo, um Shopping Center que requereu a concepção de uma sapata de grandes dimensões, sendo necessário um estudo térmico de modo a fazer uma previsão confiável do comportamento dessa sapata frente ao calor de hidratação do cimento.

Assim, este elemento foi analisado de acordo com critérios compatíveis com elementos de concreto de grande porte, ou seja, concepção de concreto massa, onde foi realizado um estudo de dosagem, objetivando a obtenção de um concreto com resistência à compressão compatível com a solicitação do projeto estrutural (40MPa), e ao mesmo tempo com o mínimo consumo de cimento possível, além do uso de gelo em substituição à água de amassamento.

Foi também realizada uma simulação térmica computacional para avaliar o efeito do calor de hidratação nesse elemento. Essa simulação subsidiou um procedimento executivo apropriado, bem como um acompanhamento técnico sistemático das concretagens em campo.

Baseado nessas considerações torna-se indispensável apresentar esse tema no meio técnico brasileiro, de modo a conscientizar projetistas e construtores, e também fomentar a adoção pelas normas técnicas, aplicadas às edificações, de metodologias adequadas para análise e execução de elementos de concreto de grandes volumes.

2. Efeitos térmicos no concreto

Conforme definição da literatura e do American Concrete Institute (ACI) [1], entende-se como estrutura de concreto massa, qualquer uma que possua volume ou dimensões suficientemente grandes para que obriguem adotar meios de controle das consequências fruto da liberação do calor de hidratação. Esse calor pode gerar importantes variações volumétricas, e devem ser tomadas providências com o objetivo de minimizar a formação de fissuras e também minimizar o risco de reações químicas deletérias como a DEF1 1 DEF - Delayed Ettringite Formation (Formação de etringita tardia). por exemplo. [11 [1] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 207.1R-05 Guide to mass concrete. Farmington Hills. ACI, 2005.] [22 [2] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 207.2R-07 Report on Thermal and Volume Change Effects on Cracking of Mass Concrete. Farmington Hills. ACI, 2007.] [33 [3] ISAIA, G. C.; et. al. Concreto: Ciência e tecnologia. 1ª ed. 2 Vol. Ed. IBRACON: São Paulo, 2011.] [44 [4] MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concrete: Microstructure, Proprieties and Materials. 4th. ed. McGraw-Hill, New York 2014.] [55 [5] VICENTE, G. R.; KUPERMAN, S. C.; FUNAHASHI Jr., E. I. Thermal Cracks in Foundations Blocks: When Concrete Should be Cooled? 56º Congresso Brasileiro do Concreto - IBRACON. Anais. Natal, 2014. ] [66 [6] BONI, R.; VASCONCELLOS, A.; BRITEZ, C.; ROCHA, R.; HELENE, P. Case study involving concreting of large foundations elements. Case Parque da Cidade-SP 56º Congresso Brasileiro do Concreto - IBRACON . Anais. Natal, 2014.]

Figura 1
Concepção artística do empreendimento Parque da Cidade, em São Paulo, SP

As principais reações de hidratação, que geram maior quantidade de calor, geralmente se dão nas horas inicias da mistura do material cimentício com água, em geral nas primeiras 72h. Nessa oportunidade, o concreto sofre preponderantemente tensões de compressão, e por estar no início do endurecimento, apresentando um comportamento plástico, consegue suportar sem maiores problemas esses esforços de expansão. [55 [5] VICENTE, G. R.; KUPERMAN, S. C.; FUNAHASHI Jr., E. I. Thermal Cracks in Foundations Blocks: When Concrete Should be Cooled? 56º Congresso Brasileiro do Concreto - IBRACON. Anais. Natal, 2014. ] [66 [6] BONI, R.; VASCONCELLOS, A.; BRITEZ, C.; ROCHA, R.; HELENE, P. Case study involving concreting of large foundations elements. Case Parque da Cidade-SP 56º Congresso Brasileiro do Concreto - IBRACON . Anais. Natal, 2014.]

O pico de temperatura indica o instante em que a expansão volumétrica tende a cessar. A partir desse momento, em geral, acentua-se o processo de troca de calor com o ambiente, e o elemento que se expandiu, e que atingiu sua temperatura máxima, começa a se resfriar no seu contorno e com isso, a se contrair. A tendência natural a longo prazo, é que o elemento volte ao seu volume inicial à medida que o resfriamento resulte numa temperatura interna equilibrada com a temperatura ambiente. Nesse processo de contração, surgem então tensões de tração, que pode na maioria dos casos, ultrapassar o limite de resistência apresentado pelo concreto nessa idade. [77 [7] FURNAS. Concretos: Ensaios e Propriedades. São Paulo: Ed. PINI, 1997.]

De acordo com Mehta & Monteiro [44 [4] MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concrete: Microstructure, Proprieties and Materials. 4th. ed. McGraw-Hill, New York 2014.], o cálculo da tensão de tração, devida ao processo de resfriamento do concreto, depende fundamentalmente de três variáveis, sendo elas: o módulo de elasticidade do concreto, o grau de restrição do elemento e a relaxação devida à fluência do concreto. O modelo matemático que expressa o cálculo dessa tensão, é dado pela eq. 1.

onde:

σt: tensão de tração;

Kr : grau de restrição;

E: módulo de elasticidade;

φ : coeficiente de fluência;

α : coeficiente de dilatação térmica

ΔT: gradiente de temperatura

Dentre essas variáveis, o gradiente de temperatura (ΔT), é a que merece mais atenção, pois é o principal responsável pelas deformações e consequentemente pelas tensões geradas no elemento estrutural. Define-se o gradiente como sendo a diferença entre o pico de temperatura e a temperatura usual de serviço do elemento estrutural, como mostrado na Fig. 2. [44 [4] MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concrete: Microstructure, Proprieties and Materials. 4th. ed. McGraw-Hill, New York 2014.]

Calcula-se essa variação ΔT como sendo a soma da Temperatura de lançamento do concreto no estado fresco, mais a Elevação adiabática da temperatura, menos a Temperatura ambiente. Assim, quanto menor for o intervalo entre a temperatura ambiente, ou de serviço, do pico de temperatura, menores serão as tensões de tração a que o elemento estará sujeito na fase de resfriamento. [44 [4] MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concrete: Microstructure, Proprieties and Materials. 4th. ed. McGraw-Hill, New York 2014.] [77 [7] FURNAS. Concretos: Ensaios e Propriedades. São Paulo: Ed. PINI, 1997.] [88 [8] NEVILLE, A. M; BROOKS, J. J. Concrete Technology. 2nd. ed. Pearson Education Ltd.: London, 2010. 448p.]

Figura 2
Variação (gradiente) de temperatura do concreto (MEHTA & MONTEIRO, 20144 [4] MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concrete: Microstructure, Proprieties and Materials. 4th. ed. McGraw-Hill, New York 2014.)

Concomitantemente ao risco do surgimento de fissuras de origem térmica, o concreto, quando submetido nas primeiras idades a temperaturas entre 65ºC e 70ºC2 2 Não existe na literatura um consenso claro sobre o limite de temperatura para ocorrência de DEF, Mehta & Monteiro [4] sugerem a temperatura máxima de 65ºC para que não haja dissolução dos cristais de etringita primários, já Taylor & Famy [9] sugerem o limite de 70ºC para o mesmo fenômeno. , pode sofrer, ao longo do tempo, expansões devido à formação de etringita tardia (DEF). Tal fenômeno ocorre devido aos cristais de etringita não serem estáveis quando submetidos a temperaturas entre 65ºC a 70ºC, se decompondo, e com isso liberando íons sulfato que são adsorvidos pelo silicato de cálcio hidratado. Dessa forma, se ao longo da utilização da estrutura houver presença de água e porosidade, haverá nova formação de etringita, de forma expansiva, podendo causar fissuração. [44 [4] MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concrete: Microstructure, Proprieties and Materials. 4th. ed. McGraw-Hill, New York 2014.] [99 [9] TAYLOR, H. F.; FAMY, C.; SCRIVENER, K. L.; Delayed ettringite formation. Cement and Concrete Research, Volume 31, Issue 5, ELSEVIER, May, 2001. Pages 683-693.]

Os principais cuidados para a construção de elementos de concreto massa, mais usualmente empregados vão desde a redução do consumo de cimento, uso de cimento com adições, utilização de adições pozolânicas, adição de escórias ou microsílica, empacotamento granulométrico da mistura, até a pré-refrigeração do concreto e seus agregados, uso de gelo em substituição a água de amassamento, pós-refrigeração da estrutura, ou ainda refrigeração do concreto com uso de nitrogênio líquido. Outra medida usualmente empregada em concreto massa é a especificação do f ck para idades maiores que 28 dias, demandando assim menor consumo de cimento. Em suma, a essência desses procedimentos é reduzir o risco de fissuração de origem térmica, através da manutenção de um gradiente térmico pequeno entre o ambiente e a peça ou mesmo entre a superfície da peça e seu interior. [55 [5] VICENTE, G. R.; KUPERMAN, S. C.; FUNAHASHI Jr., E. I. Thermal Cracks in Foundations Blocks: When Concrete Should be Cooled? 56º Congresso Brasileiro do Concreto - IBRACON. Anais. Natal, 2014. ]

3. Materiais e métodos

Para esta análise tomou-se um elemento de fundação direta, de um Shopping Center da Gleba A do empreendimento Parque da Cidade, no caso específico uma sapata associada, apoiada em rocha, com dimensões em planta de 20,8m X 10,60m e altura final de 3,50m, resultando em um volume da ordem de 800m³.

Figura 3
Vista superior da Sapata Associada precedente ao 1º evento de concretagem e plano locação dos termopares (em planta e corte)

Figura 4
Detalhe da fixação do termopar e do aquisitor de dados na armação da sapata

A denominação de projeto desta sapata é Sapata para Pilares PM281 + PM289 + PM293 + PM294 + PM303, doravante denominada Sapata, para facilitar sua citação neste artigo. A resistência característica do concreto à compressão (f ck ) especificado em projeto, neste caso, foi de 40MPa aos 28 dias.

Para a simulação computacional da elevação de temperatura, utilizou-se um modelo numérico em elementos finitos, utilizando o software b4cast. A análise preliminar via MEF, indicou a necessidade da execução da Sapata no mínimo em 3 camadas com aproximadamente 1,20m de espessura cada uma, com eventos de concretagem defasados de pelo menos 5dias e temperatura máxima de lançamento do concreto limitada em 18°C. Entretanto, por razões de cronograma, a obra optou pela execução em duas camadas, tendo a primeira camada 1m de altura e a segunda 2,5m, sendo o intervalo entre o início da primeira e início segunda camada de 7dias ou 168h, tendo o modelo numérico apresentado nesse artigo, sido ajustado a situação real obtida.

No monitoramento das temperaturas in situ, foram instalados 5 termopares, distribuídos em pontos estratégicos da Sapata, de modo a observar a evolução da temperatura interna nas diferentes regiões da Sapata e comparar com as simulações do modelo computacional b4cast. Na Fig. 3 pode-se observar a sapata já armada, precedentemente ao evento de concretagem, com os pontos de medição destacados.

A evolução das temperaturas internas do concreto foi monitorada com uso de termômetros digitais da marca MINIPA, modelo TD890 e cabos termopares tipo "k" (Cromo/Alumínio) colocados através de uma barra de aço auxiliar, de forma a garantir o seu posicionamento durante o lançamento do concreto. Na Fig.4 pode-se observar o detalhe de fixação do conjunto do termopar na armação da Sapata.

3.1 Modelo numérico de previsão

Para a realização do estudo de dosagem, foram realizadas diversas simulações numéricas, onde se buscou a definição de dois parâmetros básicos, que seriam: a temperatura de lançamento do concreto e o número de camadas em que a Sapata seria executada, considerando que o pico máximo admitido para este elemento seria, em um primeiro momento, de 65ºC. A dosagem empregada nesta execução, para o concreto de 40MPa, pode ser observada na Tabela 1.

Tabela 1
Traço do concreto, em materiais secos, dosado para um fck de 40MPa, aplicado na Sapata Associada [6]

Esse estudo apontou a necessidade de se lançar o concreto a uma temperatura inicial de no máximo 18ºC, considerando a espessura de cada camada com cerca de 1/3 da altura total da Sapata. Entretanto, como na realidade a execução se deu em duas camadas de espessuras distintas, realizou-se à posteriori, uma nova simulação com as condições reais de execução, para então se comparar os dados numéricos com os de fato obtidos em campo.

Uma vez definido o traço, para se estimar o gradiente de temperaturas a simulação numérica utilizou o método da maturidade baseada na equação de Arrhenius. Esse método emprega a noção de energia de ativação para simular uma reação química não instantânea dado o contato entre si de seus reagentes. [1010 [10] CARINO, N. J.; LEW, H. S. The Maturity Method: From theory to application. American Society of Civil Engineers. Washington, D.C., 2001.] [1111 [11] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING MATERIALS. ASTM C1074-04 Standard practice for estimating concrete strength by the maturity method. West Conshohocken; ASTM, 2004.]

Nessa simulação utilizou-se o software de elementos finitos b4cast, que tem aplicação específica a problemas de calor de hidratação com utilização do método da maturidade. Na Fig.5 apresenta-se o modelo geométrico Sapata/Solo desenvolvido para essa análise com malha de elementos finitos tetraédricos discretizada. [1111 [11] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING MATERIALS. ASTM C1074-04 Standard practice for estimating concrete strength by the maturity method. West Conshohocken; ASTM, 2004.] [1212 [12] DE SCHUTTER, G. Finite element simulation of thermal cracking in massive hardening concrete elements using degree of hydration based material laws. Computer & Structures vol.80. Issue 27-30. Pages 2035-2042. Leuven, Belgium, 2002.]

Figura 5
Modelo geométrico Sapata/Solo, com malha discretizada

Após o processamento por elementos finitos foi possível obter as curvas de elevação de temperatura, assim como as isotermas em todo o volume modelado. Na Fig.6 apresentam-se as curvas de elevação de temperatura obtidas no modelo numérico, e na Fig. 7 as isotermas da seção central da Sapata Associada.

Figura 6
Curvas de elevação de temperatura em cada termopar obtidas no modelo numérico de previsão (MEF - b4cast)

As curvas apresentadas na Fig.6, tem a seguinte nomenclatura: curvas "a", "b", "c", "d" e "e" são equivalentes aos termopares 1, 2, 3, 4 e 5, respectivamente, na primeira camada; curvas "f", "g", "h", "i" e "j" equivalem aos termopares 1, 2, 3, 4 e 5 na segunda camada. Na Fig. 7 apresenta-se as curvas isotermas na seção central da Sapata.

Figura 7
Isotermas na seção central do bloco no instante de temperatura máxima obtidas no modelo numérico de previsão (MEF - b4cast)

Figura 8
Gráfico das temperaturas reais obtidas na primeira e segunda camada

Nota-se pelos resultados do modelo que o pico de temperaturas está localizado próximo ao centro geométrico da Sapata, com pico de 67,5°C, no instante t=230h. Nos pontos de medição com termopares o pico estimado foi de 63,3°C no instante t=210h.

4. Resultados de campo

Após corridos 7dias da finalização da última camada (segunda camada), os termopares foram desligados, sendo que todos os 5 sensores registraram as leituras, na primeira camada, durante o instante t=0 ao instante t=171h, e na segunda camada o registro dos dados ocorreu entre os instantes t=167 a t=339h. Simultaneamente, a cada termopar foi acoplado um sensor para medir a variação da temperatura ambiente, tendo sido registrada uma leitura a cada hora em todos os sensores, de forma concomitante.

Na Fig. 8 são apresentadas as leituras de temperatura obtidas nas duas camadas durante os dois eventos de concretagem da Sapata.

O pico de temperatura da primeira camada ocorreu no instante t=50h, com valor de 60,9ºC, registrado no Termopar número 1. O pico de temperatura da segunda camada ocorreu no instante t=237h, com valor de 66,5ºC. Na Fig.9 é mostrada a sapata ao final da execução da segunda e última camada.

5. Discussão

Nota-se que entre o modelo de previsão e os resultados obtidos em campo, houve uma boa aproximação. Entretanto, as posições de instalação dos termopares na Sapata, não coincidiram exatamente com os pontos de pico indicados na simulação numérica.

O pico máximo de temperatura indicado no modelo numérico, foi de 67,5º C, no centro geométrico da Sapata, previsto para ocorrer no instante t=215h. Nos termopares, a temperatura máxima registrada foi no termopar número 1, localizado no meio da segunda camada, onde o pico registrado foi de 66,5º C no instante t=237h, muito próximo do pico previsto na simulação. O fato da posição não coincidente muito provavelmente está associado à forma como a Sapata foi executada, com camadas de alturas distintas.

Em análises numéricas envolvendo esse tipo de problema, é aceitável que não haja uma correspondência exata entre os modelos numérico e físico, isso porque a obtenção dos parâmetros de entrada do modelo, tais como curva de calor de hidratação do cimento e a difusividade dos agregados, é muito complexa e também de comportamento aleatório e de difícil modelagem, em virtude da anisotropia e heterogeneidade do concreto, que se tornam muito mais evidentes e sensíveis nesse tipo de análise (térmica) e certamente podem influenciar nos resultados obtidos.

Neste caso, entende-se que, considerando todas as adversidades de campo e particularidades do modelo, pôde-se obter uma boa precisão, pois o modelo foi retroalimentado com os dados reais obtidos em campo, sem considerar desvios de dosagem do concreto e de execução. Inclusive as próprias variações climáticas do ambiente durante os eventos de concretagem. As concretagens de cada camada duraram em média 8h. Ambas tiveram início da concretagem no período matutino, com término no final da tarde.

Figura 9
Final da execução da última camada de concretagem

Sobre a opção pela execução da Sapata em duas etapas, há que se considerar que o pico de temperatura, tanto o estimado quando o real, situou-se dentro da faixa limite de 65ºC a 70ºC, sugeridas pela literatura. Apesar de não ter sido possível observar o surgimento de fissuras por origem térmica, esta Sapata intrinsecamente pode ter um risco maior de desenvolver o fenômeno de DEF ao longo do tempo, uma vez que na região que se encontra, há contato permanente com água.

6. Considerações finais

Problemas envolvendo calor de hidratação são cada vez mais constantes na engenharia de edificações e a correta previsão e modelagem desse fenômeno têm cada vez mais importância e aplicação na engenharia estrutural.

Apesar de se tratar, em um primeiro momento, de um problema de tecnologia do concreto, a engenharia de estrutural e de construção civil, deve se ater a esse fenômeno, uma vez que a falta de cuidados e medidas de controle pode incorrer no surgimento de diversas manifestações patológicas, com prejuízo a vida útil e desempenho da estrutura.

No estudo de caso em questão, constatou-se que a aplicação do método da maturidade à análise de problemas envolvendo calor de hidratação, é plenamente viável e fornece resultados confiáveis, desde que haja conhecimento das propriedades térmicas do concreto e outros parâmetros fundamentais para a simulação computacional.

Ainda, a teoria de concreto massa existente, apesar de completa e amplamente difundida, tem sua aplicação de forma frequente em barragens, onde há pouca ou nenhuma presença de armadura. Nas obras de edificações ainda é necessário avaliar o comportamento entre o concreto nas primeiras idades e a armadura, além de sua interação quando ao grau de restrição e condições de contorno do elemento estrutural, fato ainda não contemplado na normalização e literatura técnica existente. [1313 [13] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimentos. Rio de Janeiro, 2014.]

Como sugestão para um trabalho futuro, não se encontrou na literatura pesquisada nenhum dado de ensaio que medisse a tensão gerada no concreto devido ao fenômeno estudado, bem como o grau de restrição oferecido ao elemento em função de sua altura, assim, como sugestão de um trabalho futuro, a instrumentação de um elemento com essas características, com vistas à obtenção de tensões, poderia fornecer novos dados e ampliar o conhecimento nessa área.

7. Agradecimentos

Os autores agradecem a Odebrecht Realizações Imobiliárias (OR), em especial aos Engenheiros Fábio Gonçalves Felipe e Eduardo Perri Muccia pela autorização e total apoio na realização do estudo de caso, na obra Parque da Cidade-SP, em construção na cidade de São Paulo, SP. Um agradecimento especial também é dado aos Engenheiros Carlos Britez, Ricardo Boni, Reginaldo Rocha e Juan Gadea, da PhD Engenharia, por todo o suporte durante os ensaios de campo, simulações numéricas e análise de dados.

References

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    [1] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 207.1R-05 Guide to mass concrete. Farmington Hills. ACI, 2005.
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    [3] ISAIA, G. C.; et. al. Concreto: Ciência e tecnologia. 1ª ed. 2 Vol. Ed. IBRACON: São Paulo, 2011.
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    [4] MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concrete: Microstructure, Proprieties and Materials. 4th. ed. McGraw-Hill, New York 2014.
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    [5] VICENTE, G. R.; KUPERMAN, S. C.; FUNAHASHI Jr., E. I. Thermal Cracks in Foundations Blocks: When Concrete Should be Cooled? 56º Congresso Brasileiro do Concreto - IBRACON. Anais. Natal, 2014.
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    [6] BONI, R.; VASCONCELLOS, A.; BRITEZ, C.; ROCHA, R.; HELENE, P. Case study involving concreting of large foundations elements. Case Parque da Cidade-SP 56º Congresso Brasileiro do Concreto - IBRACON . Anais. Natal, 2014.
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    [7] FURNAS. Concretos: Ensaios e Propriedades. São Paulo: Ed. PINI, 1997.
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    [8] NEVILLE, A. M; BROOKS, J. J. Concrete Technology. 2nd. ed. Pearson Education Ltd.: London, 2010. 448p.
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    [9] TAYLOR, H. F.; FAMY, C.; SCRIVENER, K. L.; Delayed ettringite formation. Cement and Concrete Research, Volume 31, Issue 5, ELSEVIER, May, 2001. Pages 683-693.
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    [11] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING MATERIALS. ASTM C1074-04 Standard practice for estimating concrete strength by the maturity method. West Conshohocken; ASTM, 2004.
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    [12] DE SCHUTTER, G. Finite element simulation of thermal cracking in massive hardening concrete elements using degree of hydration based material laws. Computer & Structures vol.80. Issue 27-30. Pages 2035-2042. Leuven, Belgium, 2002.
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    [13] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimentos. Rio de Janeiro, 2014.
  • 1
    DEF - Delayed Ettringite Formation (Formação de etringita tardia).
  • 2
    Não existe na literatura um consenso claro sobre o limite de temperatura para ocorrência de DEF, Mehta & Monteiro [4] sugerem a temperatura máxima de 65ºC para que não haja dissolução dos cristais de etringita primários, já Taylor & Famy [9] sugerem o limite de 70ºC para o mesmo fenômeno.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2016
  • Aceito
    11 Abr 2016
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