Acessibilidade / Reportar erro

Novo modelo de dimensionamento de vigas em concreto armado à flexão simples considerando o fator de ductilidade

Resumo

A ductilidade é característica preconizada por diversas normas de projetos de estruturas de concreto armado ao redor do mundo, como ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.], ACI 318 [1[1] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. Building Code Requirements for Structural Concrete (ACI 318-95) and Commentary (ACI 318R-95). Detroit, 1995.] e EUROCODE 2 [4[4] EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General rules and rules for buildings, December, 2004.]. Apesar de exigirem que as estruturas sejam dúcteis, as normas estabelecem esse critério apenas em caráter qualitativo, sem quantificar o quão dúctil a estrutura é, e sem ser capaz de definir um nível de ductilidade na fase de projeto. Nesse contexto, este trabalho propõe um novo modelo de dimensionamento de estruturas de concreto armado sujeitas a flexão simples, a partir da definição explícita do parâmetro de entrada denominado fator de ductilidade, que quantifica a capacidade da estrutura de suportar deslocamentos antes de se romper.

Palavras-chave:
vigas em concreto armado; concreto; ductilidade; dano

Abstract

Ductility is a recommended characteristic by different RC structures design codes around the world, such as ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.], ACI 318 [1[1] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. Building Code Requirements for Structural Concrete (ACI 318-95) and Commentary (ACI 318R-95). Detroit, 1995.] and EUROCODE 2 [4[4] EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General rules and rules for buildings, December, 2004.]. Despite the recommendation of ductility, the codes only define this criterion in a qualitative way, without quantification about how ductile the structure is, and not being able to stablish a ductility level in the design phase. In this context, this paper proposes a new design model of reinforced concrete beams in bending considering the explicit definition of the input parameter named ductility factor, which quantifies the structure’s ability to withstand displacement before it breaks.

Keywords:
RC beams; concrete; ductility; damage

1. Introdução

Define-se ductilidade em um elemento estrutural de concreto armado como a capacidade de suportar grandes deformações plásticas antes da ruptura, sem perda significativa de resistência. No contexto de um sistema estrutural, a ductilidade dos elementos garante a capacidade de redistribuição de esforços internos, à medida que determinadas seções transversais sofrem plastificação. Esse comportamento dúctil evita rupturas bruscas, aumentando os níveis de segurança dos sistemas estruturais em relação aos estados limites últimos (Ko et al. [7[7] KO, M. Y.; KIM, S. W.; KIM, J. K. Experimental study on the plastic rotation capacity of reinforced high strength concrete beams. Materials and Structures, v. 34, n. 5, p. 302-311, 2001.]; Kara e Ashour [5[5] KARA, I. F.; ASHOUR, A. F. Moment redistribution in continuous FRP reinforced concrete beams. Construction and Building Materials, v. 49, p. 939-948, 2013.]).

Do ponto de vista do dimensionamento, diversos códigos atuais de projeto de estruturas em concreto armado (ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.]; EUROCODE 2 [4[4] EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General rules and rules for buildings, December, 2004.]; ACI 318 [1[1] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. Building Code Requirements for Structural Concrete (ACI 318-95) and Commentary (ACI 318R-95). Detroit, 1995.]) exigem que a ductilidade dos elementos estruturais seja garantida, tanto para regiões de momento fletor negativo quanto positivo, a partir da imposição de restrições sobre a posição relativa da linha neutra (βx) no dimensionamento à flexão das seções transversais críticas dos elementos. A linha neutra é definida como sendo o lugar geométrico de todos os pontos na seção transversal do elemento ou até mesmo fora dela em que a tensão normal é nula, dividindo a seção em uma região tracionada e outra comprimida. Assim, este lugar geométrico no processo de dimensionamento de elementos fletidos pode ser definido por sua posição relativa na seção transversal dada por x/d = βx, onde x corresponde à distância da fibra mais comprimida da seção transversal até a linha neutra e d é a altura útil da seção. Dessa forma, a posição relativa da linha neutra funciona como um parâmetro indicador da ductilidade da seção transversal do elemento estrutural, pois controla o nível de deformação do concreto comprimido e do aço da armadura longitudinal. No caso das vigas, o EUROCODE 2 [4[4] EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General rules and rules for buildings, December, 2004.] e a ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.] recomendam que, para garantir a ductilidade no estado limite último, a posição relativa da linha neutra deve obedecer a seguinte limitação: βx ≤ 0,45 para concretos de fck ≤ 50 MPa e βx ≤ 0,35 para concretos de fck > 50 MPa.

Essa abordagem é de fácil consideração na fase de projeto, pois é definida por um parâmetro de controle bem conhecido (posição da linha neutra) durante o processo do dimensionamento dos elementos estruturais. No entanto, diversos mecanismos importantes que interferem no comportamento geral de vigas em concreto armado não são levados em consideração de forma explícita, como a evolução do dano e, consequentemente, da fissuração com o passar do tempo enquanto o carregamento atua durante o uso das edificações; efeito de confinamento do concreto comprimido promovido pelos estribos e contribuição do concreto à tração entre fissuras. Vários pesquisadores têm estudado a ductilidade de elementos em concreto armado, bem como a capacidade de rotação plástica associada em situações de ruína, usando modelos empíricos ou numéricos que consideram os efeitos citados anteriormente (Teng et al. [15[15] TENG, J. G.; DE LORENZIS, L.; WANG, B.; LI, R.; WONG, T. N.; LAM, L. Debonding failures of RC beams strengthened with near surface mounted CFRP strips. Journal of composites for construction, v. 10, n. 2, p. 92-105, 2006.]; Oehlers [11[11] OEHLERS, D. J. Ductility of FRP plated flexural members. Cement and Concrete Composites, v. 28, n. 10, p. 898-905, 2006.]; Panagiotakos e Fardis [14[14] PANAGIOTAKOS, T. B.; FARDIS, M. N. Deformations of reinforced concrete members at yielding and ultimate. Structural Journal, v. 98, n. 2, p. 135-148, 2001.]; Lopes et al. [9[9] LOPES, A. V.; LOPES, S. M. R.; CARMO, R. N. F. Effect of the compressive reinforcement buckling on the ductility of RC beams in bending. Engineering Structures, v. 37, p. 14-23, 2012.]; Oehlers et al. [13[13] OEHLERS, D.J.; VISINTIN, P.; HASKETT, M.; SEBASTIAN, W.M. Flexural ductility fundamental mechanisms governing all RC members in particular FRP RC. Construction and Building Materials, v. 49, p. 985-997, 2013.]; Nogueira e Rodrigues [10[10] NOGUEIRA, C.G.; RODRIGUES, I.D. Ductility analysis of RC beams considering the concrete confinement effect produced by the shear reinforcement: a numerical approach. Latin American Journal of Solids and Structures, v. 14, p. 2343-2372, 2017.]). No campo da análise numérica, os resultados obtidos têm se mostrado confiáveis e com boa representação das respostas observadas nos ensaios experimentais, especialmente nos casos de vigas convencionais de edifícios submetidas à flexão, uma vez que os comportamentos fenomenológicos dos materiais e dos elementos estruturais têm sido modelados com boa precisão (Oehlers et al. [12[12] OEHLERS, D.J.; GRIFFITH, M.C.; MOHAMED ALI, M.S. Ductility components and limits of FRP-plated structures. Construction and Building Materials, v. 23, n. 4, p. 1538-1543, 2009.]; Nogueira e Rodrigues [10[10] NOGUEIRA, C.G.; RODRIGUES, I.D. Ductility analysis of RC beams considering the concrete confinement effect produced by the shear reinforcement: a numerical approach. Latin American Journal of Solids and Structures, v. 14, p. 2343-2372, 2017.]; Nogueira et al. [17[17] NOGUEIRA, C.G.; VENTURINI, W.S.; CODA, H.B. Material and geometric nonlinear analysis of reinforced concrete frame structures considering the influence of strength complementary mechanisms. Latin American Journal of Solids and Structures, v. 10, p. 953-980, 2013.], Pituba e Lacerda [18[18] PITUBA, J.J.C.; LACERDA, M.M.S. Simplified damage models applied in the numerical analysis of reinforced concrete structures. IBRACON Structures and Materials Journal v. 5, n. 1, p. 26-37, 2012.]; Pereira Junior et al. [19[19] PEREIRA JUNIOR, W.M.; ARAÚJO, D.L.; PITUBA, J.J.C. Numerical analysis of steel-fiber-reinforced concrete beams using damage mechanics. IBRACON Structures and Materials Journal v. 9, n. 2, p. 153-191, 2016.]). Modelos de comportamento de materiais baseados na Mecânica do Dano no Contínuo (Lemaitre e Chaboche [20[20] LEMAITRE, J.; CHABOCHE, J.C. Mechanique des materiaux solides. Paris, Dunod-Bordas, 1985.]) têm sido utilizados com frequência nas análises numéricas de estruturas em concreto armado, pois são capazes de representar adequadamente a evolução do dano como grandeza penalizadora da rigidez dos elementos de concreto. Dessa forma, a previsão da resposta estrutural dos elementos no estado limite último é mais precisa, permitindo a melhor avaliação da ductilidade nessa fase.

No entanto, ainda existem poucos estudos que apontam para técnicas capazes de quantificar a ductilidade explicitamente e usá-la como informação ainda na fase de projeto dos elementos estruturais em concreto armado. Dentro desse contexto, Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.] fizeram um estudo acerca da quantificação explícita da ductilidade através de um fator que relaciona a curvatura última e a curvatura de escoamento da seção transversal de vigas em concreto armado. Esse fator é uma medida adimensional que quantifica a ductilidade na seção transversal do elemento estrutural no estado limite último. A abordagem desenvolvida pelos autores foi analítica considerando o modelo de Kent e Park [6[6] KENT, D. C.; PARK, R. Flexural members with confined concrete. ASCE Proceedings, v. 97, n. ST7, p. 1969-1990, 1971.] para o concreto comprimido e ainda o efeito de confinamento produzido pela armadura transversal. A formulação desenvolvida permitiu dimensionar a seção transversal de uma viga em concreto armado, a partir da adoção direta de um fator de ductilidade como parâmetro de entrada.

Com o objetivo de desenvolver uma formulação semelhante para a quantificação do fator de ductilidade usando as leis constitutivas para o aço e o concreto comprimido recomendadas pela ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.], este artigo apresenta uma formulação analítica alternativa para o dimensionamento de seções transversais de vigas em concreto armado submetidas à flexão simples, com base na prescrição do fator de ductilidade. As equações foram desenvolvidas a partir dos conceitos tradicionais já utilizados para o dimensionamento de vigas, porém com a utilização dos modelos de materiais da referida norma brasileira. Trata-se de um modelo alternativo de dimensionamento à flexão simples, que considera somente armadura simples, no qual o projetista adota, como dado de entrada, o fator de ductilidade da seção transversal de interesse. Um roteiro de cálculo para o novo modelo de dimensionamento é também apresentado para a sistematização da formulação.

2. Modelo mecânico

2.1 Lei constitutiva para o concreto comprimido e o aço

As Figuras 1 e 2 ilustram os diagramas tensão × deformação para o concreto comprimido e para o aço, respectivamente, recomendados pela ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.] e utilizados neste estudo.

Figura 1
Lei constitutiva para o concreto comprimido em casos de fck ≤ 50MPa

Figura 2
Lei constitutiva para o aço CA-50

Para o concreto à compressão (Figura 1), a norma brasileira estabelece uma relação linear entre tensões e deformações para tensões de compressão menores que 0,5 fck. O diagrama é composto por uma parábola do segundo grau no trecho entre a fase elástica linear e o patamar horizontal.

No caso do aço, o diagrama mostrado na Figura 2 pode ser aplicado para solicitações de tração e compressão, e é válido para intervalos de temperatura entre -20°C e 150°C. As deformações últimas do aço são limitadas à εsu = 10‰ para a tração e εcu =3,5‰ para a compressão, sendo este o valor máximo adotado para o concreto. Para o aço CA-50, a deformação de início de escoamento de cálculo (εyd ) é adotada como 2,07‰.

2.2 O fator de ductilidade

Na falha à flexão, os parâmetros da seção transversal do elemento estrutural que controlam o comportamento mecânico são a profundidade da linha neutra (x) e a altura útil (d). Com isso, a falha pode ocorrer de três modos diferentes: falha por tração da armadura longitudinal, falha por esmagamento do concreto comprimido e a falha balanceada. No primeiro caso, a armadura escoa antes que o concreto seja esmagado (vigas sub-armadas), enquanto que no segundo, o concreto esmaga antes que a armadura atinja o escoamento (vigas super-armadas). Na condição balanceada, o esmagamento do concreto e o escoamento da armadura ocorrem simultaneamente. Em relação à ductilidade no estado limite último, apenas quando as vigas são sub-armadas, observa-se comportamento dúctil com grandes deformações antes da ruptura, o que evita rupturas bruscas sem aviso prévio. (MacGregor e Wight [21[21] MACGREGOR, J.G.; WIGHT, J.K. Reinforced concrete: mechanics and design. Fourth edition, Pearson Prentice Hall, Upper Saddle River, New Jersey, 2005.]). Assim, embora a condição balanceada seja uma alternativa interessante, não garante ductilidade suficiente para as seções transversais em concreto armado. Para o aço CA-50, a posição relativa da linha neutra que indica a condição balanceada é bx = 0,628. Esse valor já não é mais permitido pela ABNT NBR 6118 (2014) para dimensionamentos no estado limite último, uma vez que não garante comportamento suficientemente dúctil aos elementos em concreto armado. Portanto, surge a necessidade de se definir uma medida para quantificar explicitamente a ductilidade e, ao mesmo tempo, utilizá-la para obter diretamente as seções transversais dimensionadas em termos de altura útil e área de armadura tracionada.

Define-se fator de ductilidade (Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.]) da seção transversal (μϕ) como sendo a razão entre a curvatura última (ϕu) e a curvatura de escoamento (ϕy), conforme:

μ ϕ = ϕ u ϕ y (1)

A curvatura de escoamento é definida quando a armadura longitudinal atinge a tensão de escoamento do aço e sofre plastificação na seção transversal analisada. Já a curvatura última, também definida na mesma seção transversal, é adotada de diferentes formas na literatura, variando segundo os pesquisadores. A abordagem de Ziara et al. [16[16] ZIARA, M. M.; HALDANE, D.; KUTTAB, A. S. Flexural behaviour of beams with confinement. ACI Structural Journal, v. 92, n. 1, p. 103-114, 1995.] com base em investigações experimentais em vigas de concreto armado submetidas à flexão, define a curvatura última como àquela que ocorre quando a deformação da fibra de concreto comprimida posicionada na mesma coordenada em que se encontra a armadura longitudinal comprimida atinge o valor de 5,0‰. Isso significa que tal abordagem permite que valores de deformação do concreto comprimido ultrapassem o limite de 3,5‰ definido na flexão. A consequência dessa consideração é que o momento fletor associado a esse nível de deformação é diferente do valor último como capacidade resistente à flexão. Lopes et al. [9[9] LOPES, A. V.; LOPES, S. M. R.; CARMO, R. N. F. Effect of the compressive reinforcement buckling on the ductility of RC beams in bending. Engineering Structures, v. 37, p. 14-23, 2012.] consideram que a curvatura última da seção transversal é aquela que corresponde à 85% do momento fletor resistente após o pico da trajetória de equilíbrio ser atingido.

Neste trabalho, em função da necessidade de se estabelecer uma formulação analítica consistente com as hipóteses tradicionais já estabelecidas para o dimensionamento de vigas em concreto armado à flexão simples, a curvatura última será considerada como sendo àquela associada ao momento fletor último que define a capacidade resistente da seção transversal. Assim, a deformação última admitida para o concreto na fibra mais comprimida da seção é adotada como sendo 3,5‰ e admite-se que, nessa condição, o momento fletor último foi atingido. A Figura 3 ilustra as abordagens aqui descritas através da curva carga × deslocamento de uma viga em concreto armado submetida à flexão simples.

Figura 3
Curvaturas de escoamento (Y), última adotada neste trabalho (U) e segundo Lopes et al. [9[9] LOPES, A. V.; LOPES, S. M. R.; CARMO, R. N. F. Effect of the compressive reinforcement buckling on the ductility of RC beams in bending. Engineering Structures, v. 37, p. 14-23, 2012.]

É importante destacar que ao se limitar a curvatura última compatível ao momento fletor último da seção transversal, está se admitindo um comportamento a favor da segurança, uma vez que ainda há capacidade de rotação plástica com diminuição do momento fletor e redistribuição de esforços.

3. Formulação para dimensionamento baseada no fator de ductilidade

A formulação desenvolvida é aplicada ao dimensionamento de vigas em concreto armado com seção transversal retangular, considerando a simplificação do diagrama parábola-retângulo (Figura 1) para o diagrama retangular, onde a zona plastificada de concreto tem extensão de 80% da profundidade da linha neutra (x). A Figura 4 mostra essa simplificação adotada.

Figura 4
Distribuição das tensões de compressão no concreto de acordo com os diagramas parábola-retângulo (à esquerda) e retangular simplificado (à direita) (Bastos [3[3] BASTOS, PAULO SÉRGIO DOS SANTOS. Flexão Normal Simples - Vigas. Universidade Estadual Paulista. Bauru, 2015.])

A Figura 5 ilustra o esquema que descreve a compatibilidade de deformações longitudinais ao longo da altura da seção transversal de um elemento de viga em concreto armado.

Figura 5
Compatibilidade de deformações longitudinais

De acordo com a teoria técnica de Euler-Bernoulli e em regime de pequenas deformações, a deformação longitudinal específica em qualquer fibra posicionada abaixo da linha neutra pode ser obtida conforme a Equação (2).

t g ϕ ϕ = ε d - x (2)

Onde: ϕ é a curvatura da seção transversal; d é a altura útil; x é a posição da linha neutra; ε corresponde à deformação longitudinal da fibra analisada. Na fibra onde está situada a armadura longitudinal tracionada tem-se ε = εsd.

Descrevendo a linha neutra em sua forma adimensional, a Equação (2) pode ser reescrita segundo a Equação (3).

β x = x d x = β x d (3)

Combinando (2) e (3), têm-se as Equações (4) e (5) que descrevem, respectivamente, a curvatura da seção transversal em termos da deformação longitudinal da armadura tracionada e a curvatura de escoamento, quando a armadura atinge a tensão de escoamento do aço, conforme:

ϕ = ε s d d 1 - β x (4)

ϕ y = ε y d d 1 - β x = f y d / E s d 1 - β x (5)

Onde: βx é a posição relativa da linha neutra; εyd e fyd são, respectivamente, a deformação de escoamento e a tensão de escoamento do aço da armadura longitudinal; Es é o módulo de elasticidade longitudinal do aço.

A curvatura da seção transversal também pode ser escrita a partir das deformações observadas nas fibras acima da linha neutra. Considerando a fibra mais comprimida de concreto, a curvatura é definida como:

ϕ = ε c d β x d (6)

Segundo a hipótese adotada neste estudo, a curvatura última da seção transversal pode ser escrita em função da deformação última (εcu) do concreto comprimido na fibra mais extrema conforme a Equação (7).

ϕ u = ε c u β x d (7)

O dimensionamento de vigas em concreto armado submetidas à ação do momento fletor é definido a partir do equilíbrio de forças normais e momentos fletores de acordo com a ilustração da Figura 6.

Figura 6
Diagramas de deformação longitudinal e tensão normal utilizados para o dimensionamento no estado limite último (Bastos [3[3] BASTOS, PAULO SÉRGIO DOS SANTOS. Flexão Normal Simples - Vigas. Universidade Estadual Paulista. Bauru, 2015.])

As parcelas correspondentes às forças resultantes de compressão no concreto (Rcc) e tração na armadura longitudinal (Rst) são obtidas segundo as Equações (8) e (9).

R c c = 0,85 f c d 0,8 β x d b w = 0,68 b w β x d f c d (8)

R s t = f y A s (9)

Para que haja o equilíbrio de forças normais na seção transversal, as forças no concreto e no aço (Equações 8 e 9) devem ser iguais. Igualando essas forças no equilíbrio e reescrevendo convenientemente tem-se a Equação (10).

0,68 β x f c d = f y A s b w d (10)

Onde: fcd é a resistência de cálculo à compressão do concreto; fy é a tensão normal na armadura longitudinal tracionada; bw é a largura da seção transversal; As é a área de armadura tracionada.

Escrevendo a taxa de armadura longitudinal (ρs) como sendo ρs = As ⁄ (bwd), a Equação (10) fornece a taxa de armadura de tração conforme a Equação (11).

ρ s = 0,68 β x f c d f y (11)

Igualando as expressões que definem a curvatura da seção transversal obtidas pelas Equações (4) e (6) e isolando-se a posição relativa da linha neutra têm-se as Equações (12) e (13).

ε s d d 1 - β x = ε c d β x d (12)

β x = ε c d ε s d + ε c d (13)

Substituindo-se (13) em (11) é possível escrever a taxa de armadura longitudinal de tração apenas em função das tensões nos materiais e dos níveis de deformação nos mesmos conforme:

ρ s = 0,68 ε c d f c d ε s d + ε c d f y (14)

O fator de ductilidade da seção transversal pode ser obtido substituindo (5) e (7) na Equação (1) resultando na Equação (15).

μ ϕ = ϕ u ϕ y = ε c u β x d × d 1 - β x ε y d = ε c u 1 - β x β x ε y d (15)

Para relacionar na mesma expressão o fator de ductilidade e a taxa de armadura longitudinal de tração, a posição relativa da linha neutra pode ser obtida explicitamente a partir da Equação (11) por βx = ρsfy ⁄ 0,68 fcd e substituída em (15). Além disso, como o dimensionamento das vigas deve ser considerado nos domínios 2 ou 3, a tensão normal que atua na armadura tracionada deve ser igual à tensão de escoamento do aço, o que resulta em fy = fyd. Assim, a taxa de armadura longitudinal de tração em função do fator de ductilidade pode ser escrita conforme a Equação 16.

μ ϕ = ε c u 1 - ρ s f y d 0,68 f c d ρ s f y d 0,68 f c d ε y d (16)

Reescrevendo (16) e isolando a taxa de armadura têm-se as Equações (17) e (18).

μ ϕ = ( ε c u ε c u ρ s f y d 0,68 f c d ) × 0,68 f c d ρ s f y d ε y d = 0,68 ε c u f c d ρ s f y d ε y d ε c u ε y d μ ϕ = ε c u ε y d ( 0,68 f c d ρ s f y d 1 ) μ ϕ ε y d ε c u = 0,68 f c d ρ s f y d 1 μ ϕ ε y d ε c u + 1 = 0,68 f c d ρ s f y d (17)

μ ϕ ε y d + ε c u ε c u = 0,68 f c d ρ s f y d ρ s = 0,68 f c d ε c u f y d ( μ ϕ ε y d + ε c u ) (18)

A Equação (18) mostra a relação final entre a taxa de armadura longitudinal de tração e o fator de ductilidade. Assim, pode-se adotar um valor adimensional conveniente para μϕ no dimensionamento e, a partir de (18), obtém-se a taxa de armadura necessária na seção transversal analisada.

4. Comparação do modelo desenvolvido com o modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.]

O modelo analítico proposto por Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.] estabelece também uma relação direta entre a taxa de armadura longitudinal e o fator de ductilidade. Essa relação pode ser expressa, de forma simplificada, como sendo ρs = F(μϕ)G, onde os coeficientes F e G foram obtidos por regressão a partir de diversas configurações comuns de vigas. As diferenças entre o modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.] e a formulação proposta neste trabalho podem ser observadas na Tabela 1.

Tabela 1
Comparação entre as formulações ρs = f(μϕ)

A comparação entre ambos os modelos foi realizada considerando os seguintes parâmetros: seção transversal retangular com bw = 15 cm e d = 35 cm; aço CA-50 com fyd = 435 MPa e εyd = 2,07‰; ausência de armadura de compressão; cobrimento de concreto c = 2 cm; classes de resistência à compressão do concreto C20, C30, C40 e C50; para o modelo proposto: εcu = 3,5‰ e ε0 = 2,0‰; para o modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.]: εcu = 5,0‰ e ε0 = 2,0‰; armadura transversal para a consideração do efeito de confinamento com estribos convencionais de ϕsw = 5 mm a cada 10 cm. A Figura 7 mostra os resultados obtidos através da comparação entre os diagramas μϕ × ρs para as quatro classes de concreto. A legenda nos diagramas corresponde a: “DR” modelo proposto; “L P.sc” modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.] sem confinamento; “L P.cc” modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.] com confinamento.

Figura 7
Diagramas μϕ × ρs para as classes de concreto C20, C30, C40 e C50

A Tabela 2 mostra os resultados do modelo proposto obtidos com os parâmetros descritos acima e para concreto C20, comparando a simplificação do diagrama retangular (D.R.) de tensões no concreto comprimido com o diagrama parábola-retângulo (D.P.R.). A comparação é entre a taxa de armadura longitudinal de tração e força resultante de compressão no concreto (Rcc) para diferentes valores de fator de ductilidade (μϕ) associados às respectivas posições relativas da linha neutra (βx).

Tabela 2
Comparação de resultados para concreto C20

Conforme observado, os valores da força resultante de compressão para os casos de D.R. e D.P.R. são muito próximos entre si, justificando a adoção do diagrama simplificado retangular de tensões para a formulação do modelo proposto. Da mesma forma, os valores de taxa longitudinal de armadura de tração para ambos os diagramas também se mostraram praticamente os mesmos. À medida que se diminui a posição relativa da linha neutra, aumenta-se o fator de ductilidade obtido no dimensionamento. Isso está de acordo com a recomendação dos códigos de projeto para a limitação da ductilidade das vigas.

Para o valor de βx = 0,458 na classe C20, obteve-se μϕ = 2, indicando ser essa a medida de ductilidade imposta pela ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.] quando se limita a posição relativa da linha neutra em 0,450 para concretos com resistência à compressão menores que 50 MPa.

Conforme observado na Figura 7, os resultados obtidos com o modelo proposto ficaram em todos os casos entre a formulação de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.] sem e com o efeito de confinamento. Comparando apenas os resultados de ambos os modelos sem o confinamento, pode-se observar que o modelo proposto neste trabalho, mesmo sendo simplificado, apresentou boa concordância com as respostas do modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.]. À medida que se aumenta a resistência à compressão do concreto, para que se mantenha o fator de ductilidade, observa-se que é necessário o aumento na taxa de armadura.

5. Aplicação do modelo proposto no dimensionamento de vigas

5.1 Viga isostática

A Figura 8 ilustra o esquema estático de uma viga bi-apoiada com 6,72 m de vão livre, submetida a uma carga distribuída variada e uma carga concentrada posicionada a 3,18 m do apoio esquerdo.

Figura 8
Esquema estático da viga analisada (unidades em centímetros)

As características adotadas para a solução do problema foram: bw = 14 cm; h = 70 cm; d = 65cm; fck = 25 MPa; fyk = 500 MPa; γc = 1,4; γs = 1,15; γf = 1,4.

A seguir são mostrados os resultados obtidos para o dimensionamento da seção transversal mais solicitada pelo momento fletor, considerando somente a armadura longitudinal segundo o processo convencional. Embora se trate de um processo bastante comum e conhecido em projeto estrutural, as etapas são mostradas para efeito de comparação com o processo descrito no modelo proposto. Conforme observado, o fator de ductilidade (μϕ) obtido no dimensionamento foi de 2,0.

Dados de entrada: Mk;bw;d;fck;fyk;γc;γs;γf

Etapa 1: cálculo da posição relativa da linha neutra pela equação de equilíbrio

γ f M k = 0,68 b w d 2 β x f c d 1 - 0,4 β x 1,4 × 19012,4 = 0,68 × 14 × 65 2 × 2,5 1,4 1 - 0,4 × β x

β x = 0,452

Etapa 2: cálculo da área de armadura longitudinal de tração

A s = 0,68 b w d f c d β x f y d = 0,68 × 14 × 65 × 2,5 1,4 × 0,452 50 1,15 = 11,48 c m 2

Verificação: cálculo da taxa de armadura longitudinal de tração

ρ s = A s b w d = 11,48 14 × 65 = 0,0126

Verificação: cálculo do fator de ductilidade (Equação 18)

ρ s = 0,68 f c d ε c u f y d μ ϕ ε y d + ε c u 0,0126 = 0,68 × 2,5 1,4 × 0,0035 50 1,15 × μ ϕ × 0,00207 + 0,0035

μ ϕ = 2,0

Para efeito de comparação, o mesmo processo foi refeito considerando o novo modelo de dimensionamento a partir da escolha explícita do fator de ductilidade 2,0. As etapas do novo modelo de dimensionamento são mostradas com base na definição da ductilidade para a seção transversal analisada. Os resultados obtidos com ambos os modelos de dimensionamento são praticamente iguais. No entanto, com o novo procedimento é possível especificar quantitativamente qual é o fator de ductilidade que se deseja impor sobre a seção transversal do elemento de concreto armado.

Dados de entrada: Mk;bw;fck;fyk;γc;γs;γf;μϕ=2,0

Etapa 1: cálculo da taxa de armadura longitudinal de tração (Equação 18)

ρ s = 0,68 f c d ε c u f y d μ ϕ ε y d + ε c u = 0,68 × 2,5 1,4 × 0,0035 50 1,15 × 2,0 × 0,00207 + 0,0035 = 0,0127

Etapa 2: cálculo da posição relativa da linha neutra (Equação 11)

β x = ρ s f y d 0,68 f c d = 0,0127 × 50 1,15 0,68 × 2,5 1,4 = 0,454

Etapa 3: cálculo da altura útil da seção transversal pela equação de equilíbrio

d = γ f M k 0,68 b w β x f c d 1 - 0,4 β x = 1,4 × 19012,4 0,68 × 14 × 0,454 × 2,5 1,14 × 1 - 0,4 × 0,454

d = 64,91 65 c m

Etapa 4: cálculo da área de armadura longitudinal de tração

A s = ρ s b w d = 0,0127 × 14 × 65 = 11,55 c m 2

Considerando os mesmos dados informados anteriormente, é apresentado o dimensionamento da seção transversal da viga para um fator de ductilidade igual a 5,0.

Dados de entrada: Mk;bw;fck;fyk;γc;γs;γf;μϕ=5,0

Etapa 1: cálculo da taxa de armadura longitudinal de tração (Equação 18)

ρ s = 0,68 f c d ε c u f y d μ ϕ ε y d + ε c u = 0,68 × 2,5 1,4 × 0,0035 50 1,15 × 5,0 × 0,00207 + 0,0035 = 0,00706

Etapa 2: cálculo da posição relativa da linha neutra (Equação 11)

β x = ρ s f y d 0,68 f c d = 0,00706 × 50 1,15 0,68 × 2,5 1,4 = 0,253

Etapa 3: cálculo da altura útil da seção transversal pela equação de equilíbrio

d = γ f M k 0,68 b w β x f c d 1 - 0,4 β x = 1,4 × 19012,4 0,68 × 14 × 0,253 × 2,5 1,14 × 1 - 0,4 × 0,253

d = 82,97 83 c m

Etapa 4: cálculo da área de armadura longitudinal de tração

A s = ρ s b w d = 0,00706 × 14 × 83 = 8,20 c m 2

Neste caso, para que a ductilidade seja aumentada, é necessário diminuir a posição relativa da linha neutra e, consequentemente, diminuir a taxa de armadura longitudinal. Assim, para que isso ocorra, é necessário que haja o aumento da altura da seção transversal, o que é coerente com a prática atual de dimensionamento de vigas em concreto armado.

A Figura 9 ilustra o comportamento da posição relativa da linha neutra à medida que o fator de ductilidade varia. Conforme pode ser observado na formulação do modelo, o valor do fator de ductilidade associado à posição da linha neutra é sempre constante, independente da classe de resistência do concreto. Dessa forma, há uma relação única e constante entre μϕ e βx, onde a classe do concreto interfere apenas na quantidade de armadura e na altura útil da seção transversal para que se tenha o mesmo fator de ductilidade, independentemente da linha neutra. Esse comportamento é absolutamente compatível com a recomendação dos códigos de projeto quando estes impõem uma restrição sobre a posição da linha neutra para que se tenha garantida a ductilidade dos elementos. Para βx = 0,450 que é o limite imposto pela norma brasileira para concreto até 50 MPa, o fator de ductilidade é de 2,07, enquanto que para a linha neutra no limite entre os domínios 2 e 3 (βx = 0,259), o fator de ductilidade associado é de 4,83. Isso estabelece uma faixa para a definição de valores de μϕ para projeto de vigas em concreto armado ao momento fletor. É evidente que caso valores muito elevados sejam escolhidos para o fator de ductilidade, as seções transversais das vigas tendem a ter alturas maiores, com baixas taxas de armadura longitudinal de tração. Nessas situações, a posição da linha neutra tende a subir ao longo da altura da seção transversal diminuindo cada vez mais a região comprimida de concreto. Esse comportamento se assemelha a um tirante em concreto armado, onde apenas o aço desempenha função estrutural e o concreto tem somente o papel de proteger o aço do ambiente externo.

Figura 9
Relação entre fator de ductilidade e posição relativa da linha neutra

5.2 Viga hiperestática

A Figura 10 ilustra o esquema estático e o diagrama de momentos fletores de uma viga com dois tramos e submetida às cargas distribuídas de 27 kN/m no menor trecho e 21 kN/m no tramo maior.

Figura 10
Esquema estático da viga analisada (unidades em centímetros) e diagrama de momentos fletores (unidades em kNcm)

As características adotadas para a solução do problema foram: bw = 14 cm; h = 50cm; d = 45 cm; fck = 25 MPa; fyk = 500 MPa; γc = 1,4; γs = 1,15; γf = 1,4. As Tabelas 3 e 4 mostram, respectivamente, os resultados do dimensionamento das seções transversais mais solicitadas ao momento fletor pelo método convencional e pelo modelo proposto via fator de ductilidade. Para efeito de comparação dos resultados, o fator de ductilidade foi escolhido como sendo exatamente o mesmo obtido pelo cálculo convencional.

Tabela 3
Dimensionamento convencional ao momento fletor da viga hiperestática

Tabela 4
Dimensionamento convencional ao momento fletor da viga hiperestática

As diferenças observadas entre os resultados dos dois modelos são consideradas desprezíveis. É importante salientar que para as três seções transversais analisadas pelo modelo proposto, a altura útil da viga foi praticamente a mesma d ≈ 45 cm, recuperando o valor definido no pré-dimensionamento. Todos os demais procedimentos de decalagem de diagrama de momentos fletores e demais prescrições no projeto de vigas permanecem inalterados, sendo executados da mesma maneira.

Seja agora o caso em que se deseja dimensionar a viga hiperestática da Figura 10 considerando somente o modelo proposto via fator de ductilidade. Ao impor o valor de μϕ sobre uma determinada seção transversal (S.T.), serão obtidos consequentemente os valores de taxa de armadura longitudinal, posição relativa da linha neutra, altura útil e área de armadura tracionada. No entanto, para as demais seções transversais da viga, não é possível impor o fator de ductilidade de forma independente, pois isso produziria uma nova altura útil para a viga vinculada àquela S.T. Portanto, o procedimento deve ser escolher o fator de ductilidade para a S.T. de interesse e com a altura útil obtida, dimensiona-se normalmente as demais seções transversais do elemento. Esse processo está ilustrado na Tabela 5, adotando-se fator de ductilidade igual a 3,0 para a S.T. de máximo momento fletor negativo (8990 kNcm) e dimensionando as demais seções pelo método convencional.

Tabela 5
Dimensionamento pelo modelo proposto ao momento fletor da viga hiperestática

As seções transversais 2 e 3 foram dimensionadas considerando-se altura útil de 49 cm, apresentando melhoria nos fatores de ductilidade em relação à viga anterior (d = 45 cm) de 25% e 28% respectivamente. É importante destacar que esse desempenho em termos de ductilidade para as S.T. submetidas a momentos fletores positivos ocorreu diminuindo em cerca de 10% a área de armadura de ambas as seções.

6. Roteiro para dimensionamento com o modelo proposto

A seguir, um roteiro para uso do modelo desenvolvido no dimensionamento de vigas em concreto armado ao momento fletor, com armadura simples e aço CA-50 é apresentado. As etapas são sequenciais, a partir da definição dos dados de entrada e da escolha do fator de ductilidade (μϕ).

Dados de entrada: Mk; bw; fck; fyk; γc; γs; γf; μϕ;

Etapa 1: Cálculo da taxa de armadura longitudinal de tração

ρ s = 0,68 f c d ε c u f y d μ ϕ ε y d + ε c u

Etapa 2: Cálculo da posição relativa da linha neutra

β x = ρ s f y d 0,68 f c d

Etapa 3: Cálculo da altura útil da seção transversal

d = γ f M k 0,68 b w β x f c d 1 - 0,4 β x

Etapa 4: Cálculo da área de armadura longitudinal de tração

A s = ρ s b w d

Todos os parâmetros envolvidos foram definidos anteriormente neste artigo.

7. Conclusões

Este artigo apresentou o desenvolvimento da formulação analítica para um modelo de dimensionamento ao momento fletor de vigas em concreto armado com armadura simples, considerando o fator de ductilidade como parâmetro de entrada. É possível também com o modelo proposto, dimensionar tradicionalmente as seções transversais das vigas e obter os fatores de ductilidade para as soluções projetadas. A armadura de compressão não foi introduzida no modelo proposto neste artigo. As seguintes conclusões foram extraídas do estudo:

  • O fator de ductilidade está associado diretamente à posição relativa da linha neutra. Dessa forma, sua avaliação é independente da resistência à compressão do concreto, conforme observado nos casos analisados com concretos pertencentes ao grupo 1 especificado pela referida norma brasileira (fck ≤ 50 MPa). Assim, para as diferentes resistências à compressão do concreto, para que se tenha a mesma ductilidade da seção transversal analisada, o modelo calcula a altura útil e taxa de armadura longitudinal de tração que garanta o fator de ductilidade especificado. Isso é compatível com a recomendação da ABNT NBR 6118 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.] que permite especificar, por exemplo, qualquer valor da posição relativa da linha neutra respeitando-se um limite imposto independentemente da resistência à compressão do concreto;

  • A relação obtida para a taxa de armadura longitudinal e o fator de ductilidade mostrou-se em concordância com os resultados obtidos com o modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.], que considera o comportamento de softening do concreto no trecho pós-pico. Além disso, no modelo proposto pelos referidos autores, há a possibilidade de se considerar o efeito do confinamento produzido pela armadura transversal das vigas. Tal efeito é considerado a partir de uma suavização do trecho descendente pós-pico do diagrama tensão × deformação do concreto comprimido da lei de Kent e Park [6[6] KENT, D. C.; PARK, R. Flexural members with confined concrete. ASCE Proceedings, v. 97, n. ST7, p. 1969-1990, 1971.]. Isso aumenta a ductilidade das seções transversais das vigas no estado limite último. O modelo proposto neste estudo por considerar o comportamento do concreto comprimido pelo diagrama tensão × deformação da Figura 1 não admite qualquer trecho descendente pós-pico para o concreto comprimido. Com isso, os resultados obtidos com o modelo proposto mostraram boa concordância com aqueles obtidos pelo modelo de Lee e Pan [8[8] LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.] com a consideração do efeito de confinamento, conforme observado na Figura 7;

  • Com a aplicação desse modelo é possível estabelecer limites para o fator de ductilidade em função do desempenho desejado. Caso se deseje dimensionar os elementos no domínio 3, com posição relativa da linha neutra entre o limite do domínio 2 e o máximo recomendado pela norma brasileira para concretos do grupo I, isto é, 0,259 ≤ βx ≤ 0,450, basta adotar o fator de ductilidade entre 2,07 e 4,83. Isso permite a comparação entre os modelos tradicional e o proposto, a partir de parâmetros diferentes. No entanto, observou-se total concordância entre os dimensionamentos dos elementos analisados com ambos os métodos, indicando que a formulação proposta recupera os mesmos resultados em termos de área de armadura longitudinal de tração, altura útil da seção transversal e posição relativa da linha neutra definidos pelo método tradicional;

  • Quanto maior é o fator de ductilidade, menor é a posição relativa da linha neutra e, consequentemente, para armadura simples, maior será a altura útil da seção transversal e menor a área de armadura longitudinal. Esse tipo de comportamento evidenciado com o modelo proposto está totalmente compatível com o que já se conhece acerca da ductilidade dos elementos em flexão simples de concreto armado.

8. Agradecimentos

À FAPESP, processo número 2016/14450-6, pelo suporte financeiro para essa pesquisa e elaboração deste trabalho e a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP.

9. References

  • [1]
    AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. Building Code Requirements for Structural Concrete (ACI 318-95) and Commentary (ACI 318R-95). Detroit, 1995.
  • [2]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro, 2014.
  • [3]
    BASTOS, PAULO SÉRGIO DOS SANTOS. Flexão Normal Simples - Vigas. Universidade Estadual Paulista. Bauru, 2015.
  • [4]
    EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General rules and rules for buildings, December, 2004.
  • [5]
    KARA, I. F.; ASHOUR, A. F. Moment redistribution in continuous FRP reinforced concrete beams. Construction and Building Materials, v. 49, p. 939-948, 2013.
  • [6]
    KENT, D. C.; PARK, R. Flexural members with confined concrete. ASCE Proceedings, v. 97, n. ST7, p. 1969-1990, 1971.
  • [7]
    KO, M. Y.; KIM, S. W.; KIM, J. K. Experimental study on the plastic rotation capacity of reinforced high strength concrete beams. Materials and Structures, v. 34, n. 5, p. 302-311, 2001.
  • [8]
    LEE, T-K.; PAN, A. D. E. Estimating the relationship between tension reinforcement and ductility of reinforced concrete beam sections. Engineering Structures, v. 25, p. 1057-1067, 2003.
  • [9]
    LOPES, A. V.; LOPES, S. M. R.; CARMO, R. N. F. Effect of the compressive reinforcement buckling on the ductility of RC beams in bending. Engineering Structures, v. 37, p. 14-23, 2012.
  • [10]
    NOGUEIRA, C.G.; RODRIGUES, I.D. Ductility analysis of RC beams considering the concrete confinement effect produced by the shear reinforcement: a numerical approach. Latin American Journal of Solids and Structures, v. 14, p. 2343-2372, 2017.
  • [11]
    OEHLERS, D. J. Ductility of FRP plated flexural members. Cement and Concrete Composites, v. 28, n. 10, p. 898-905, 2006.
  • [12]
    OEHLERS, D.J.; GRIFFITH, M.C.; MOHAMED ALI, M.S. Ductility components and limits of FRP-plated structures. Construction and Building Materials, v. 23, n. 4, p. 1538-1543, 2009.
  • [13]
    OEHLERS, D.J.; VISINTIN, P.; HASKETT, M.; SEBASTIAN, W.M. Flexural ductility fundamental mechanisms governing all RC members in particular FRP RC. Construction and Building Materials, v. 49, p. 985-997, 2013.
  • [14]
    PANAGIOTAKOS, T. B.; FARDIS, M. N. Deformations of reinforced concrete members at yielding and ultimate. Structural Journal, v. 98, n. 2, p. 135-148, 2001.
  • [15]
    TENG, J. G.; DE LORENZIS, L.; WANG, B.; LI, R.; WONG, T. N.; LAM, L. Debonding failures of RC beams strengthened with near surface mounted CFRP strips. Journal of composites for construction, v. 10, n. 2, p. 92-105, 2006.
  • [16]
    ZIARA, M. M.; HALDANE, D.; KUTTAB, A. S. Flexural behaviour of beams with confinement. ACI Structural Journal, v. 92, n. 1, p. 103-114, 1995.
  • [17]
    NOGUEIRA, C.G.; VENTURINI, W.S.; CODA, H.B. Material and geometric nonlinear analysis of reinforced concrete frame structures considering the influence of strength complementary mechanisms. Latin American Journal of Solids and Structures, v. 10, p. 953-980, 2013.
  • [18]
    PITUBA, J.J.C.; LACERDA, M.M.S. Simplified damage models applied in the numerical analysis of reinforced concrete structures. IBRACON Structures and Materials Journal v. 5, n. 1, p. 26-37, 2012.
  • [19]
    PEREIRA JUNIOR, W.M.; ARAÚJO, D.L.; PITUBA, J.J.C. Numerical analysis of steel-fiber-reinforced concrete beams using damage mechanics. IBRACON Structures and Materials Journal v. 9, n. 2, p. 153-191, 2016.
  • [20]
    LEMAITRE, J.; CHABOCHE, J.C. Mechanique des materiaux solides. Paris, Dunod-Bordas, 1985.
  • [21]
    MACGREGOR, J.G.; WIGHT, J.K. Reinforced concrete: mechanics and design. Fourth edition, Pearson Prentice Hall, Upper Saddle River, New Jersey, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2018
  • Aceito
    18 Set 2019
IBRACON - Instituto Brasileiro do Concreto Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON), Av. Queiroz Filho, nº 1700 sala 407/408 Torre D, Villa Lobos Office Park, CEP 05319-000, São Paulo, SP - Brasil, Tel. (55 11) 3735-0202, Fax: (55 11) 3733-2190 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arlene@ibracon.org.br