O livro apresentado é de autoria de Luiz Carlos de Freitas, pedagogo e mestre em Educação, e doutor em Psicologia Experimental. Atualmente é professor titular e aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atua na área de Educação, com ênfase em Avaliação da Aprendizagem e de Sistemas, e suas principais temáticas desenvolvidas são Avaliação, Políticas Públicas, Neoliberalismo, Didática, Organização do Trabalho Pedagógico (CNPQ, 2023).
O texto de “A Reforma Empresarial da Educação” é segmentado em 12 partes, e o separa dessa maneira com a intenção de destacar os conceitos e o contexto das questões apresentadas pelo autor. Livro de suma importância para o entendimento das reformas empresariais, da influência da Nova Direita, dos impactos das reformas empresariais nos estudantes, nos docentes e no próprio sistema educacional como um todo, entre outros temas discutidos.
A introdução apresenta o panorama político atual, compreendendo os processos de coalizão centro-direita desde o fim dos anos 90, em que se passou a estabelecer diretrizes e parâmetros sistemáticos de avaliação. As figuras políticas, os partidos, os empresários e as instituições voltadas a esse novo projeto de educação, foram inspirados em um sistema de responsabilização (accountability), seguindo influências do modelo da lei estadunidense No Child Left Behind (NCLB), produzindo assim reformas pautadas na padronização, testes e responsabilização. O autor ainda ressalta que o processo de impeachment jurídico-parlamentar, em 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff, representou um momento de mudança entre o desenvolvimentismo para uma retomada neoliberal na política e na educação brasileira (Casimiro, 2019), movimento esse que ocorreu de forma intensificada e promoveu reformas as quais não se tem uma teorização que possa dar conta das mudanças pelas quais passou o país recentemente.
Em seguida, em “Origens e fundamentos da Reforma” discute-se as origens desse movimento de reformas apresentando os fatores históricos que culminaram na atual proposta iniciada com as crises econômicas da década de 1970, onde houve o esgotamento da perspectiva keynesiana e do Estado de Bem-Estar Social, dando sequência a uma onda neoliberal nos anos 90, na América Latina. Com isso, a Nova Direita promoveu uma ligação política dos neoliberais com os neoconservadores atribuindo novos significados ideológicos e métodos de propagação de ideias, as quais se pautavam num movimento de resistência mundial às teses progressistas na intenção da instauração do livre mercado e do controle ideológico. O papel de intelectuais como Friedman, Buchanan, Mises e Hayek, apesar de suas divergências teóricas, foram cruciais para a reprodução de tais ideias, introjetadas de forma “discreta” aos espaços de construção de conhecimento, buscando treinar uma nova geração de pensadores para lutar pelo livre mercado formando lideranças em postos de comando.
É também este capítulo, conceituando a ideia dos vouchers, importante elemento para a discussão do autor em diversos outros capítulos do livro, pois segundo ele essa se tornou uma estratégia de continuidade do processo de segregação e de desmonte de uma educação pública, sob a justificativa de que a adoção de tal proposta elevaria a qualidade da educação. Segundo o autor, os vouchers são na verdade inicialmente utilizados
para manter processos de segregação racial nos anos 1950 e foi vendida pelo neoliberalismo como “direito democrático dos pais a escolher a escola de seus filhos”, mais tarde remasterizado também como o “direito dos pobres de escolher estudar nas mesmas escolas particulares que os ricos frequentam (Freitas, 2018, p. 18).
Em seguida, o capítulo “Os novos reformadores”, se dedica a compreender como o pensamento neoliberal é introjetado na política educacional atual compreendendo a sociedade baseada na ideia de “empreendimento” e “empreendedorismo” como forma de liberdade pessoal e social, e como o Estado não se aplica a essa garantia, e sim o mercado, pois esse é visto como bom gestor. Sobre a pressão de órgãos internacionais, como a OCDE, o BIRD e o Banco Mundial, essas reformas passam a ser introjetadas nos mais diversos países. Dessa forma, a concepção de “escolha” da educação pelos pais como clientes de uma empresa desloca a função da educação pública para a gestão privada, deixando assim de serem “usuários” de um serviço público. Entende-se esse processo como a nova forma de gestão pública que se dá como movimento do Estado de apenas “evitar o pior”, sem intervir no mercado educacional, destruindo sistematicamente as redes públicas e transferindo recursos públicos para empresas terceirizadas. A intervenção do Estado é vista como desestímulo à busca pelo mérito pessoal, sendo “injusto” com aqueles que se “esforçaram” (Freitas, 2018).
A discussão sobre a privatização é um dos eixos centrais do debate, por isso em diversos capítulos o termo é apresentado como elemento principal da proposta neoliberal em que se constrói um vetor em direção a essa concepção de organização social que tem por base a privatização dos espaços institucionais do Estado (Freitas, 2018). Em divergência a esse conceito, a “publicização”, é somada à discussão como um processo de concessão de escolas públicas à gestão privada, sem ocorrer sua alienação física, entregando a organização da escola ao meio empresarial e mantendo a ação do Estado apenas na “regulação” dessas ações. Com isso, a inserção de iniciativas privadas, seja por privatização ou por publicização, se atribui não só uma lógica neoliberal, mas também apresenta formas de controle político e ideológico. Esse movimento, apesar de suas diferenças de aplicação, ameaça a educação pública de gestão pública visto que segue uma lógica radical das leis do mercado, e propõe em longo prazo uma autorregulação concorrencial da qualidade do ensino.
Para confirmar suas colocações, o autor apresenta uma série de estudos desenvolvidos nos Estados Unidos, em especial no estado da Louisiana, no Chile e no Brasil, em que questiona os resultados de desempenho entre escolas terceirizadas (charters) e escolas públicas. A análise de Freitas destaca a limitação metodológica desses estudos e como esses apresentam resultados inexpressivos em testes de desempenho, e como cita: “Os reformadores se complicaram com suas próprias fórmulas” (Freitas, 2018, p. 65). Sua crítica também se refere à concepção de educação proposta nessas pesquisas, como uma ideia de causa-efeito, e como avaliam essa por números e avaliações sistemáticas, não compreendendo sua totalidade e sua função social. Com isso, questiona essas reformas e novos modelos que utilizam da padronização (bases comuns curriculares), de testes censitários, de uma responsabilização verticalizada, e de uma perspectiva de “alinhamento”, como forma de eliminar a diversidade e estabelecer padrões fechados como base educacional. Assim o autor, critica repetidamente tais propostas e questiona-se quais os resultados práticos do processo desses vetores de privatização?
Como resposta a essa questão, são desenvolvidas análises a respeito desse novo direcionamento empresarial da educação buscando trazer evidências que partem do exemplo estadunidense de políticas fracassadas, como o fracasso do padrão nacional de aprendizagem com o Common Core (padrões da língua inglesa e matemática), e que geraram a estagnação da educação, visto que não se demonstra nem mesmo por dados quantitativos uma real aprendizagem desses estudantes inseridos nesse modelo. Entende tal direção como uma forma de estreitamento do conceito de educação, que desvia a atenção da escola das responsabilidades além dos testes e não desenvolve uma formação do aluno como cidadão. Destaca também o papel de órgãos de controle que desvalorizam a gestão e as redes públicas de ensino, ajudados pela mídia e figuras políticas, que comparam a educação brasileira a partir dessas avaliações internacionais padronizadas, como o PISA, criando um reforço à aplicação dessas reformas educacionais.
Sua crítica também se relaciona ao trabalho docente, visto que esse também passa a desempenhar um papel limitado a essas avaliações, utilizando-se de uma pedagogia neotecnicista a qual é fundamentalmente objetiva e operacional sem viés crítico, que compreende a educação como forma de reprodução de conteúdos programáticos. Além disso, pela importância da discussão, especialmente na análise de ações latino-americanas sobre o trabalho docente, autores como Dalila Oliveira (2003) desenvolve também uma reflexão que dialoga com a perspectiva do livro a respeito desse processo de regulação das políticas educacionais e como o trabalho docente tem se “conformado” a atividades voltadas ao desempenho em avaliações sistemáticas, de cunho empresarial e não crítico.
Em suma, o autor termina o livro propondo 20 sugestões para a resistência à reforma empresarial, entre eles a defesa da exclusão da área da educação da Lei de Responsabilidade Fiscal, apoio aos dispositivos constitucionais que garantam investimentos na educação, apoio programas progressistas que condenem os processos de privatização do serviço público, entre 17 outras sugestões. Em sua proposta fica claro uma ruptura com o atual modelo, buscando a humanização das relações sociais e uma educação não só no sentido formal e conteudista, mas, sim, de caráter democrático e coletivo. Para tanto, faz-se necessária a ruptura à lógica de competitividade, empreendedorismo, meritocracia e segregação da educação, reconhecendo os problemas e desafios da educação pública, mas podendo desenvolver em conjunto com pais, alunos, professores e gestão uma organização escolar que vise à construção da qualidade escolar, sem basear-se somente em resultados de avaliações.
Portanto, a leitura de “A Reforma Empresarial da Educação” oferece uma reflexão relevante sobre as reformas educacionais, consequentemente, a influência de grupos neodireitistas na formulação e na aplicação de tais propostas. É também um livro necessário para pensar os impactos desses novos processos de reforma na educação, que seguem uma óptica de reprodução de um modelo empresarial, e a importância de ruptura com tal modelo e construção de um ensino que seja conduzido com vistas à construção de uma educação democrática e humanizadora, que não siga apenas o conteúdo, mas seja espaço de formação de pessoas, não só testes.
Dessa maneira, é recomendada a leitura do livro de Freitas aos profissionais da educação, de professores a coordenadores, além dos recém-inseridos na política de educação como os psicólogos e assistentes sociais. Também é de enorme relevância aos pesquisadores da área de educação, ciências políticas, serviço social, as contribuições de tal produção, pois se discute ações políticas, sociais, econômicas significativas, ampliando o estudo da educação a outras temáticas relacionais, que se somam ao debate da conjuntura política e educacional brasileira. Em suma, a produção de Freitas acompanha o processo da ascensão da Nova Direita, destacando sua influência nas disputas políticas e ideológicas das últimas três décadas, mas ressalta o impacto específico na política de educação a partir dos anos 2000. O texto permite uma reflexão que vai além da perspectiva de aprendizagem no espaço escolar, questionando os modelos de avaliação e testes padronizados, como também demonstra um processo político de desmonte e disputa da educação a partir das transformações introduzidas pela Nova Direita.
Agradecimentos
Agradeço ao apoio do Grupo de Pesquisa “TEDis- Trabalho, Educação e Discriminação”.
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Agência financiadora Não se aplica.
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Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participaçãoNão se aplica.
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Consentimento para publicaçãoEu, autora, autorizo a publicação desta resenha.
Referências
- CASIMIRO, Flávio H. C. A tragédia e a farsa: a ascensão das direitas no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular; Fundação Rosa Luxemburgo, 2019.
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CNPQ. Currículo de Luiz Carlos de Freitas do sistema de Currículos Lattes. 2023. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/3168061404328163 Acesso em: 10 jun. 2023.
» http://lattes.cnpq.br/3168061404328163 - FREITAS, Luiz C. de. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018. 160p.
- OLIVEIRA, Dalila A. (org.). Reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
12 Set 2023 -
Aceito
28 Mar 2024 -
Revisado
05 Maio 2024