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FUNPRESP: a privatização da previdência social dos servidores públicos federais

FUNPRESP: the privatization of social security for federal public servants

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo investigar as consequências da criação Fundação de Previdência Complementar do Serviço Público Federal (FUNPRESP) desde a Lei nº 12.618/2012 e as modificações com a EC nº 103/2019 (contrarreforma da previdência social) aos servidores(as) públicos do executivo federal. Tais medidas impulsionaram a lógica de privatização da previdência social dos(as) servidores(as) públicos. Com base em informações dos investimentos financeiros das contribuições dos(as) trabalhadores(as) do executivo federal, os recursos do Estado e os atos normativos implementados, esse texto demonstra os riscos, inseguranças de um sistema de previdência social com regime de capitalização individual. Conclui-se que o estabelecimento da FUNPRESP expressa mais uma medida com a perspectiva de privatização da previdência social no Brasil, retirada de direitos dos(as) trabalhadores(as) e, sobretudo, demonstra os interesses do Estado e do capital financeiro de expropriação do fundo público como estratégia do capitalismo em profunda crise.

Palavras-chave:
FUNPRESP; Fundo Público; Capitalização; Previdência Social

Abstract:

This article aims to investigate the consequences of the creation of the Federal Public Service Complementary Pension Foundation (FUNPRESP) since Law nº 12.618/2012 and the modifications with EC nº 103/2019 federal executive servants. Such measures boosted the logic of privatizing social security for public servants. Based on information on the financial Investments of contribution from federal executive Workers, State resources and the normative acts implemented, this text will demonstrate the risks and insecurities of a social security system with an individual capitalization regime. It is therefore concluded that the establishment of FUNPRESP expresses yet another measure with the prospect of privatizing social security in Brazil, removing the rights of Workers and demonstrating the interests of the State and the financial capital of expropriation of public funds as a strategy for capitalism in deep crisis.

Keywords:
FUNPRESP; Public Fund; Capitalization; Social Security

Introdução

A Previdência Social no Brasil, mesmo que de forma tardia, teve importantes avanços com o estabelecimento da Seguridade Social a partir da Constituição Federal de 1988. Contudo, na década de 1990, mesmo sem sua total implementação, as políticas de seguridade social passam por contrarreformas1. Assim, foram materializadas várias contrarreformas na Previdência Social desde o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), dentre elas citamos as principais: a EC nº 20/1998; EC nº 41/2003; EC nº 47/2005 e a EC nº 103/2019.

Destaca-se, que além das emendas constitucionais, outros atos infraconstitucionais (medidas provisórias, leis, decretos, dentre outros) são utilizados para realização de contrarreformas, tendo em vista suas perspectivas de reduzir direitos dos(as) trabalhadores(as) e com fortes intenções de privatizar a previdência social pública. Trata-se da disputa do fundo público pelos capitais financeiros.

A criação da Fundação de Previdência Complementar do Serviço Público Federal (FUNPRESP) desde a Lei nº 12.618/2012 e suas modificações com a EC nº 103/2019, parte das remunerações dos(as) servidores(as) passam a ser concebidas como regime de capitalização financeira.

Nesse sentido, o presente artigo investiga as modificações que ocorreram com a previdência social do servidor público desde a criação do FUNPRESP, trazendo informações sobre os investimentos no capital financeiro realizado com as contribuições dos(as) servidores(as) e dos recursos do Estado. Assim, a principal problematização do presente texto se constitui em saber: Quais os possíveis prejuízos com a criação da FUNPRESP e a aprovação da EC nº 103/2019 para os(as) servidores(as) do Executivo Federal e para desconstrução da previdência social pública brasileira?

Tendo como base o método materialista-dialético, foi realizada pesquisa documental por meio dos principais atos normativos implementados desde 2012 que modificaram a proteção previdenciária dos(as) servidores(as) públicos do executivo federal, além de dados estatísticos abertos do governo federal e relatórios da FUNPRESP.

Esta investigação apresenta três seções, além da introdução e das considerações finais. A primeira seção situando o contexto de contrarreforma, o projeto neoliberal do Estado na conjuntura de crise estrutural do capital. Na sequência, tratamos da criação da FUNPRESP e suas consequências para os(as) servidores(as) públicos e, por fim, as modificações para a proteção previdenciária dos(as) servidores(as) com a EC nº 103/2019.

Crise do capital, neoliberalismo e contrarreformas

No Brasil, desde os anos de 1990 é incorporado o ideário neoliberal e de ajuste fiscal permanente, com direcionamentos de organismos internacionais2. A contrarreforma administrativa, iniciada no governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) e efetivada no governo FHC, com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, utilizando argumentos da necessidade de modernização do Estado traz profundas alterações na administração pública, tendo dentre suas premissas: “a necessidade de reorganizar as estruturas da administração com ênfase na qualidade e produtividade”; “flexibilização da estabilidade e da permissão de regimes jurídicos diferenciados e uma administração pública gerencial” (Brasil, 1995, pBRASIL. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF: Presidência da República, Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1995. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf. Acesso em: 09 set. 2023.
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. 11).

Em 1998, também é efetivada a contrarreforma da Previdência Social com a Emenda Constitucional nº 20BRASIL. Emenda Constitucional nº 20, de 15 dezembro de 1998. Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc20.htm.Acesso em 26/04/2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
, que institui o pilar complementar de previdência (privado e facultativo) mudanças introduzidas tanto no regime geral de previdência quanto no regime próprio. Os governos seguintes deram continuidade aos projetos de contrarreformas3.

Na análise de Behring (2021)BEHRING, E. R. Fundo público, valor e política social. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2021., os governos seguintes do partido dos trabalhadores, foram de continuidade do neoliberalismo e de manutenção do ajuste fiscal permanente. Ancorada em Singer (2012), a autora ressalta o alinhamento eleitoral, que também analisamos como uma das principais causas de fragilidades da luta de classe e mobilizações no período, considerando a “forte e popular base de legitimidade” e de um “neoliberalismo de cooptação” (Behring, 2021, pBEHRING, E. R. Fundo público, valor e política social. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2021.. 190).

A neoliberalização, o Estado neoliberal, para Harvey (2014)HARVEY, D. Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Editora Loyola, 2014. não se trata de um “projeto utópico”. O autor defende como sendo um “projeto político”, “de reestabelecimento das condições de acumulação de capital e de reestruturação do poder das elites econômicas” (Harvey, 2014, pHARVEY, D. Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Editora Loyola, 2014.. 27). Assim, o Estado, sob extrema influência do projeto neoliberal, passa a consolidar os domínios da burguesia capitalista, com “arranjos institucionais e manipular as forças moleculares de acumulação do capital para preservar o padrão de assimetrias nas trocas mais vantajosas para os interesses capitalistas dominantes” (Harvey, 2014, pHARVEY, D. Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Editora Loyola, 2014.. 111).

As contrarreformas sempre foram de interesse dos capitais, em contrapartida afetaram visceralmente a população brasileira com: a redução do papel do Estado, minimização das políticas sociais e gastos sociais; privatização das estatais e mercadorização das políticas públicas; desregulamentação dos direitos do trabalho e terceirizações. Tais medidas são ofensivas do capital na disputa do fundo público. De acordo com Behring (2021)BEHRING, E. R. Fundo público, valor e política social. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2021.:

A “reforma” do Estado terminou por ter um impacto pífio em termos de aumentar a capacidade de implementação eficiente e gerencialistas de políticas públicas, considerando sua relação com a política econômica e o boom da dívida pública, o que, ademais, era apenas o seu discurso, mas não sua realidade e intencionalidade. Houve, de fato, forte tendência de desresponsabilização pela política social – em nome da qual se justificava a “reforma” –, acompanhada do desprezo pelo padrão constitucional de seguridade social (Behring, 2021, pBEHRING, E. R. Fundo público, valor e política social. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2021.. 175).

O cenário que se apresenta, a partir de 2016, com impeachment da presidenta Dilma, início do governo Temer, e, posteriormente, em 2019, com o governo Bolsonaro é de um projeto de Estado ultraneoliberal, de austeridade fiscal, com ataques profundos aos serviços e servidores(as) públicos. Peres (2022) caracteriza o período pós 2016, como “o estado de emergência econômico permanente tem caraterísticas perversas e brutais e, dentre outros elementos, amplia as medidas de austeridade fiscal” (PERES, 2022, p.307).

As contrarreformas centrais dos governos Temer e Bolsonaro foram a contrarreformas trabalhista (Lei nº 14.467/2017) e da previdência social (EC nº103/2019), que colocam em “cheque” os direitos do trabalho no Brasil. Ainda, é aprovada a EC nº 95/2016, que reduz os gastos primários por 20 anos, medida que aprofunda a redução nos investimentos e recursos destinados a seguridade social.

O ajuste fiscal e medidas de austeridade fiscal pós golpe de 2016, demonstram que a motivação central foi “o interesse e compromisso ideopolítico de ampliar a atuação do estado na canalização de recursos públicos para amortecer os efeitos da crise junto aos interesses do capital” (Boschetti; Teixeira, 2019, pBOSCHETTI, I; TEIXEIRA, S. O. O draconiano ajuste fiscal do Brasil e a expropriação de direitos da Seguridade Social. In: SALVADOR, E.; BEHRING, E; LIMA, R. L. (org.). Crise do capital e fundo público: implicações para o trabalho, os direitos e a política social. São Paulo: Cortez, 2019.. 71). A crise estrutural do capital (Mészáros, 2011MÉSZÁROS, I. A crise estrutural do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2011.), que se aprofunda no último período, recorre, dentre outras medidas, a captura do fundo público, a superexploração do trabalho e a mercadorização das políticas públicas.

Historicamente, os recursos fiscais no Brasil sempre foram usados para subsidiar e financiar a acumulação de capital, enquanto os recursos contributivos cobrados na folha de salários financiavam o social. Ao contrário dos países que financiam seus Estados de Bem-Estar com recursos fiscais, em geral impostos diretos, o Brasil permanece com arrecadação tributária centrada em tributos indiretos, significando que os mais pobres pagam proporcionalmente mais tributos em relação à sua renda que os mais ricos. (Salvador, 2010, pSALVADOR, E. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2010.. 207).

A expropriação dos direitos da classe trabalhadora é realizada das mais diversas formas no contexto do Estado neoliberal. Assim, a criação da FUNPRESP representa mais uma medida com a finalidade da acumulação capitalista, que se aprofunda nos períodos de crise.

A criação da FUNPRESP e suas implicações na Previdência Social dos(as) servidores(as)

O surgimento da previdência social privada no Brasil tem uma trajetória histórica, tendo como referência os Estados Unidos desde a década de 1950, composta por “um conjunto de medidas adotadas pelos militares no sentido de propiciar as condições necessárias para a formação do mercado de capitais’’ (Salvador, 2011, pSALVADOR, E. A privatização da previdência do servidor público: a FUNPRESP e a financeirização das aposentadorias e pensões. Cadernos ASLEGIS, Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Brasília, n. 43, maio/ago. 2011.. 115).

No entanto, partiremos das significativas alterações com a EC nº 20/1998, no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que criou o novo regime para os(as) servidores(as) civis, passando a funcionar na forma de entidade privada complementar, direcionando a regulamentação através de lei complementar.

No governo Lula, a EC nº 41/2003, manteve a possibilidade de criação de fundos de pensão com regulamentação através de lei ordinária. Em 2007, o Projeto de Lei (PL) 1992/2007 institui o regime de previdência complementar para os servidores e servidoras públicos federais titulares de cargo efetivo, fixa limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o Art. 40 da Constituição e autoriza a criação de entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP). O referido PL impôs “a incerteza da renda na aposentadoria e o privilégio dos bancos na administração dos recursos” (Salvador, 2011, pSALVADOR, E. A privatização da previdência do servidor público: a FUNPRESP e a financeirização das aposentadorias e pensões. Cadernos ASLEGIS, Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Brasília, n. 43, maio/ago. 2011.. 120–122).

As incertezas ao implementar a contribuição através de conta individual para o(a) servidor(a), são tanto em relação ao valor da aposentadoria ou pensão, quanto no tempo de usufruto do benefício, considerando que o valor dependerá das oscilações do mercado financeiro. Sobre o tempo de usufruto do benefício, esse dependerá do valor acumulado na conta individual do(a) trabalhador(a), perdendo o caráter de benefício vitalício.

Os argumentos utilizados pelo governo para sua aprovação, assim como todas as contrarreformas realizadas, é a suposta existência de déficit do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), necessidade de igualar os benefícios do RPPS ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e o equilíbrio das contas públicas.

Foi no governo Dilma a aprovação da Lei nº 12.618/2012, limitando as aposentadorias e pensões ao teto de benefícios do RGPS, organiza três entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão), sendo elas: Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (FUNPRESP-Exe), Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (FUNPRESP-Jud) e Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (FUNPRESP-Leg).

As fundações têm a finalidade de administrar e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, tendo como órgão responsável pela fiscalização a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), que inicia seu funcionamento em 2013.

Em suma, com o estabelecimento das fundações, o financiamento da previdência social dos(as) servidores(as) passa a ser até teto do RGPS pelo Estado e a diferença de remuneração ficará a cargo dessa fundação, caso o(a) trabalhador(a) faça adesão. Essas mudanças para os servidores e servidoras significam o fim da paridade e integralidade e a substituição da repartição simples pela capitalização.

Com a Lei nº 13.183/2015, que alterou a Lei nº 12.618/2012, a adesão a FUNPRESP aos servidores(as) que ingressaram no serviço público com remuneração acima do teto passam a ser automáticas, sendo necessário a manifestação do(a) servidor(a), caso não opte pela adesão ao sistema.

Essas alterações representam grandes modificações para a o RPPS, estabelecendo o regime de capitalização individual para as aposentadorias e pensões dos(as) servidores(as) públicos, transferindo as contribuições para os fundos de pensão, recursos que serão investidos no capital financeiro, sem garantias efetivas aos servidores(as).

O governo Bolsonaro marcado pelo projeto ultraneoliberal4 e de austeridade fiscal, propõe a PEC nº 6/2019, que inclui dentre outras modificações, a proposta de capitalização. A PEC foi aprovada com a EC nº 103/2019. Contudo, devido ao processo de luta e mobilizações da classe trabalhadora, a capitalização foi retirada do texto da emenda. Porém, vários dispositivos da emenda impulsionam a perspectiva privatização da previdência social.

O aprofundamento da privatização da previdência social do servidor(a) público com a EC nº103/2019

A EC nº 103/2019, além de reduzir o acesso com alterações critérios, de valores e tempo de usufruto dos benefícios, ampliou as alíquotas de contribuição e, sobretudo, aprofundou a perspectiva de privatização da previdência social pública, atingindo os RGPS, RPPS e a previdência complementar. Dentre as principais modificações no RPPS, Silva (2021)SILVA, M. L. L. da. Neofascismo, ultraneoliberalismo e corrosão da essencialidade da previdência social no Brasil. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 20, n. 1, e41326, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2021.1.41326. Acesso em: 12 fev. 2023. destaca:

Redução do leque de benefícios aposentadorias e pensão por morte; os afastamentos por incapacidade temporária e salário-maternidade serão pagos pelo ente federativo e não pela conta do RPPS; [...] elevação das alíquotas de contribuição de 11% para novos percentuais, conforme as faixas salariais, variando de 14% a 24% e o estabelecimento de contribuições extraordinárias de servidores aposentados e pensionistas pelo prazo de 20 anos; em caso de necessidade dos regimes (Silva, 2021, pSILVA, M. L. L. da. Neofascismo, ultraneoliberalismo e corrosão da essencialidade da previdência social no Brasil. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 20, n. 1, e41326, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2021.1.41326. Acesso em: 12 fev. 2023.. 48).

Além das alterações nas regras de acesso e financiamento citadas, há a introdução da desconstitucionalização de vários dispositivos, permitindo assim, alterações na previdência por atos infraconstitucionais, “um dos maiores prejuízos aos trabalhadores, uma vez que ficarão diante de incertezas permanentes sobre o destino de seus direitos” (Silva, 2021, pSILVA, M. L. L. da. Neofascismo, ultraneoliberalismo e corrosão da essencialidade da previdência social no Brasil. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 20, n. 1, e41326, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2021.1.41326. Acesso em: 12 fev. 2023.. 47).

A centralidade das contrarreformas da previdência na análise de Behring (2021)BEHRING, E. R. Fundo público, valor e política social. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2021., é expropriar os recursos da seguridade social, “tendo em vista sua apropriação pelo capital, especialmente pelas instituições financeiras, diga-se, jogar parte dos trabalhadores nos mercados de capitais por meio da capitalização (Behring, 2021, pBEHRING, E. R. Fundo público, valor e política social. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2021.. 103).

Uma das alterações trazidas com a EC nº 103/2019 que aprofunda a lógica privada na FUNPRESP, está no § 15 do art. 40 da Constituição Federal, modificando a exigência de as fundações terem natureza pública, anteriormente foram estruturadas com natureza pública e personalidade de direito privado.

Para materializar essa previsão da emenda, foi editada a Medida Provisória (MP) nº 1.119, de 25 de maio de 2022, convertida na Lei nº 14.463/2022, divulgada amplamente, principalmente por órgãos do governo, como apenas a prorrogação do prazo para adesão a FUNPRESP, sem expor as significativas modificações, dentre elas: a mudança no cálculo dos valores de benefícios para os(as) trabalhadores(as) que fizerem opção de adesão a partir de 2022, cuja média aritmética passa a ser cem por cento do período contributivo e não mais oitenta por cento das maiores remunerações, o que pode impactar na diminuição dos valores das aposentadorias e pensões.

Além disso, o mais grave na MP é a alteração da estruturação das Fundações de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp-Exe/Funpresp-Leg/Funpresp-Jud) passando ser de personalidade jurídica de direito privado. Trata-se da transferência da previdência complementar dos servidores públicos federais para iniciativa privada, significa a descaracterização da essência das prestações previdenciárias enquanto uma proteção social e mais um mecanismo de exploração dos(as) trabalhadores(as).

Foi estabelecido ainda em seu Art. 40, duas possibilidades de modificações para a organização e gestão do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), para efetivação através de lei complementar, sendo eles: A extinção do RPPS e a migração para o RGPS; ou a instituição do órgão ou entidade gestora do regime. A emenda ordenou o prazo de dois anos para a efetivação dessa alteração.

Em 05 de fevereiro de 2021, foi editado o Decreto presidencial nº 10.620. Esse ato normativo prevê a migração da gestão e concessões dos benefícios do RPPS para o Instituto Nacional do seguro Social (INSS), passando ser o órgão responsável pelos dois regimes. Aparentemente, com o decreto a opção do governo foi estabelecer um único órgão para gestão de todos os RPPS de previdência social. Contudo, o que nos parece velado, as reais intenções é a junção dos dois regimes, podendo posteriormente extinguir o RPPS e fazer sua migração para o RGPS, engendrando a organização da privatização da previdência social brasileira, dos dois regimes (RGPS e RPPS).

O decreto passou a ser alvo de intensos debates entre as entidades sindicais nacionais com o início das migrações do RPPS para o INSS, diante do caos estrutural que vivencia a autarquia, falta de atendimento presencial e sua substituição por plataformas digitais e as “filas” de benefícios que aguardam análise. Além, e, fundamentalmente, a inconstitucionalidade do decreto, considerando que a previsão com a emenda constitucional era a regulamentação através de lei complementar.

Em audiência realizada com o Ministro da Previdência Social, Carlos Lupi em fevereiro de 2023, os dirigentes sindicais argumentaram que consideram: “inconstitucional a transferência da manutenção das aposentadorias e pensões da União (RPPS) para o INSS, já que os regimes são diferentes e a natureza do ingresso no Serviço Público também é distinta”5.

Essa medida aprofunda as possibilidades de privatização do RPPS. Com a FUNPRESP parte da previdência dos servidores(as) já se transformou em capitalização individual, recursos que são direcionados para investimentos no capital financeiro. Chesnais (2010)CHESNAIS, F. A proeminência da finança no seio do capital em geral, o capital fictício e o movimento contemporâneo de mundialização do capital. In: A finança Capitalista. São Paulo, SP: Alameda, 2010. considera os fundos de pensão como parte de um mecanismo que se apropria das rendas dos trabalhadores e trabalhadoras, uma forma de exploração dos assalariados no trabalho.

Os assalariados aposentados cessam de ser simples “poupadores” e tornam-se, geralmente sem que eles tenham uma clara consciência, partes constitutivas de mecanismos que comportam a apropriação de rendas fundadas sobre a exploração dos assalariados no trabalho, tanto no país onde o sistema de pensão por capitalização foi criado tanto naqueles onde as aplicações e as especulações serão realizadas (Chesnais, 2010, pCHESNAIS, F. A proeminência da finança no seio do capital em geral, o capital fictício e o movimento contemporâneo de mundialização do capital. In: A finança Capitalista. São Paulo, SP: Alameda, 2010.. 157).

Os regimes de capitalização dependem de instituições bancárias, do mercado financeiro, de sua instabilidade e flutuação, sendo assim, apresentam inseguranças. Marx (2017, pMARX, K. O capital: crítica da economia política: Livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017.. 254) é taxativo ao analisar a instabilidade da capitalização, “a formação do capital fictício tem o nome de capitalização”, e reforça a perspectiva do capital como autônomo, como se autovalorizasse, contudo, é profundamente instável.

A realização de contrarreformas e a ampliação da previdência complementar ocorrem devido à capacidade econômica vantajosa para o mercado financeiro como alternativa as crises do capital. Granemann (2012)GRANEMANN, S. Fundos de pensão e a metamorfose do “salário em capital”. In: SALVADOR, E. et al. (org.). Financeirização, fundo público e política social. São Paulo: Cortez, 2012. p. 243–260. destaca esse elemento:

É precisamente, a gigantesca capacidade “econômica” da política de previdência de acumular recursos que faz dela uma alternativa e um instrumento para enfrentamento das crises do capital e não ao contrário; dito de modo diverso, não é porque está em crise que a política social sofre tantos ataques; é sua exuberância acumulativa de recursos, sua possibilidade de largo prazo de mobilizar extensas quantidades de dinheiro que faz dela uma importante saída para o capital e que não deve estar – do ponto de vista do grande capital e de seu Estado – subordinada ao trabalho sob a forma de repartição solidária da classe trabalhadora e como elemento potencial para a formação de consciência de classe para si (Granemann, 2012, pGRANEMANN, S. Fundos de pensão e a metamorfose do “salário em capital”. In: SALVADOR, E. et al. (org.). Financeirização, fundo público e política social. São Paulo: Cortez, 2012. p. 243–260.. 254).

Os recursos são predominantemente utilizados para investimento no capital financeiro, acumulando recursos das contribuições dos servidores e servidoras. Assim, corroborando a acumulação de capital, “a centralização financeira, a poupança acumulada nas mãos de administradores se transforma em capital” (Chesnais, 2010, pCHESNAIS, F. A proeminência da finança no seio do capital em geral, o capital fictício e o movimento contemporâneo de mundialização do capital. In: A finança Capitalista. São Paulo, SP: Alameda, 2010.. 157).

A evolução da FUNPRESP de 2013 a 20226 em relação aos órgãos patrocinadores, participantes e quantidade de assistidos demonstrados na Tabela 1, revela a ampliação do número de patrocinadores de 2013 a 2015, mantendo um quantitativo similar nos demais anos. Em relação aos participantes, em 2015, houve uma ampliação de 273%, devido principalmente à aprovação da Lei nº 13.183, de 4 de novembro de 2015, que dentre outras alterações impõe que todos os servidores e servidoras ingressaram no Poder Executivo Federal com remuneração superior ao teto do RGPS adesão automática, possibilitando a desistência por opção, no prazo de 90 dias. Nos anos seguintes, a ampliação de participantes é exponencial, chegando em 2019 a 428% de aumento se comparado a 2015. Em dezembro de 2022, os(as) servidores(as) ativos totalizam 564.999 (Painel estatístico de Pessoal, 2023PAINEL ESTATÍSTICO DE PESSOAL. Números em destaque do poder executivo federal. Dados abertos, 2023. Disponível em: http://painel.pep.planejamento.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=painelpep.qvw⟨=en-US&host=Local&anonymous=true. Acesso em: 6 set. 2023.
http://painel.pep.planejamento.gov.br/Qv...
), destes 18% são participantes da FUNPRESP.

Tabela 1
– Quantidade de patrocinadores, participantes e assistidos no FUNPRESP, de 2013 a 2022

O aumento dos participantes gerou consequentemente a ampliação do capital acumulado pelo fundo, possibilitando grandes investimentos no capital financeiro. Chesnais (2010)CHESNAIS, F. A proeminência da finança no seio do capital em geral, o capital fictício e o movimento contemporâneo de mundialização do capital. In: A finança Capitalista. São Paulo, SP: Alameda, 2010. com base em Marx, assinala:

Sob a forma de contribuição para velhice aos sistemas de capitalização e de planos de poupança salarial, os fundos de pensão efetuaram a centralização destacada por Marx “pequenas somas na qual cada um isoladamente é incapaz de agir como capital-dinheiro, mas que constituem uma força financeira quando elas estão reunidas em massa” (Chesnais, 2010, pCHESNAIS, F. A proeminência da finança no seio do capital em geral, o capital fictício e o movimento contemporâneo de mundialização do capital. In: A finança Capitalista. São Paulo, SP: Alameda, 2010.. 155).

Com a instituição da previdência complementar, como um dos agentes da burguesia, o Estado estabelece a individualização do trabalhador e da trabalhadora do serviço púbico, sendo o mediador entre a aplicação e investimentos para o capital fictício e a transferência das remunerações dos trabalhadores e trabalhadoras do RPPS, ou seja, capturando o trabalho necessário dos servidores e servidoras para os capitais.

Além disso, há grandes riscos dos(as) servidores(as) aposentados, pensionistas e a parcela que não aderiu a FUNPRESP, ficarem sem recursos financeiros para manter seus benefícios, considerando que com o estabelecimento da fundação e, consequentemente, o regime de capitalização individual, ocorre um desfinanciamento do regime anterior de solidariedade intergeracional, esse fator corrobora com a destruição da previdência pública.

Para tanto, o Art. 149 da Emenda Constitucional nº 103/2019 estabeleceu uma forma de equacionar possíveis déficits com aumento das alíquotas de contribuição: “é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas” (Brasil, 2019BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm.Acesso em: 09 set. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
). Esse desfinanciamento é construído pelo próprio Estado com a criação da FUNPRESP e quem vai “pagar essa conta”? Serão os(as) servidores(as) que terão suas remunerações saqueadas com aumento das alíquotas de contribuição.

As informações divulgadas pelo balanço patrimonial da FUNPRESP de 2013 a 2022, demonstram o aumento acelerado do patrimônio da fundação e os investimentos predominantemente em capital fictício. Identificamos na Tabela 2, que mais de 90% do patrimônio se refere a investimentos em fundos e títulos públicos. A partir de 2015 os investimentos são direcionados predominantemente aos títulos públicos. Em 2022, 61% do patrimônio são direcionados para títulos públicos e 31% em fundos de investimentos, totalizando 92% das contribuições dos(as) servidores(as) e recursos da união.

Tabela 2
– Balanço Patrimonial Consolidado do FUNPRESP de 2013 a 2022

Em relação à quantidade de assistidos pela FUNPRESP, as informações revelam que em 2013, havia apenas três assistidos. Em 2022, elevou para apenas 312 assistidos, totalizando o custo de R$ 23.890,54 reais, sendo apenas 0,47% do patrimônio da fundação que são utilizados para pagamento de benefícios. Ou seja, os recursos destinados ao pagamento de aposentadorias e pensões são mínimos, a maioria do patrimônio e destinado a investimentos no capital financeiro.

De acordo com a nota explicativa do demonstrativo contábil, os investimentos da fundação são de gestão própria, composta por:

Títulos públicos federais e operações com participantes, e por uma carteira de investimentos sob administração e gestão terceirizadas mediante processo licitatório, atualmente composta da seguinte forma: a) fundos exclusivos – quatro fundos de investimento multimercado; b) fundos não exclusivos – seis fundos de investimentos de renda fixa referenciados, dois fundos de renda variável e dois fundos de investimentos no exterior (FUNPRESP, 2022FUNPRESP. Notas explicativas às demonstrações contábeis consolidadas. 2022. Disponível em: https://www.funpresp.com.br/wp-content/uploads/2022/04/Notas-Explicativas-as-Demonstracoes-Contabeis.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
https://www.funpresp.com.br/wp-content/u...
).

As operações com participantes, representam o saldo devedor de empréstimos consignados aos participantes e assistidos, autorizadas pela Resolução CMN nº 4.661BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução CMN nº 4.661, de 25 de maio de 2018. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/orgaos/entidades-vinculadas/autarquias/previc/regulacao/normas/resolucoes/resolucoes-cmn. Acesso em 26/04/2024.
https://www.gov.br/economia/pt-br/orgaos...
, de 25 de maio de 2018. “Durante o ano de 2021 foram firmados 1.915 novos contratos, perfazendo 4.348 contratos desde a implantação da modalidade na entidade” (FUNPRESP, 2022FUNPRESP. Notas explicativas às demonstrações contábeis consolidadas. 2022. Disponível em: https://www.funpresp.com.br/wp-content/uploads/2022/04/Notas-Explicativas-as-Demonstracoes-Contabeis.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
https://www.funpresp.com.br/wp-content/u...
).

Importante demonstrar também, que a previdência complementar privada não deixa de onerar os cofres públicos, além de expropriar os salários dos(as) servidores(as), também onera o fundo público com as contribuições retiradas do orçamento público. Salvador (2011)SALVADOR, E. A privatização da previdência do servidor público: a FUNPRESP e a financeirização das aposentadorias e pensões. Cadernos ASLEGIS, Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Brasília, n. 43, maio/ago. 2011. ressalta, com a privatização dos fundos de pensão é capturada a “parte mais atraente da massa salarial: o estável recolhimento dos salários dos servidores”. Além “os cofres públicos terão também de repassar a contribuição patronal ao fundo, além de pagar o chamado benefício especial.’’ (Salvador, 2011, pSALVADOR, E. A privatização da previdência do servidor público: a FUNPRESP e a financeirização das aposentadorias e pensões. Cadernos ASLEGIS, Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Brasília, n. 43, maio/ago. 2011.. 122).

O Gráfico 1, demonstra o aumento progressivo de contribuições da união para entidades fechada de Previdência Social de 2013 a 2014, logo após a criação da FUNPRESP. As informações revelam o progressivo aumento dos recursos do Estado direcionados as entidades fechadas de previdência. Se compararmos o patrimônio da FUNPRESP com as contribuições da união para entidades fechadas, podemos observar que 17% do seu patrimônio apenas em relação ao ano de 2022, foram de recursos do Estado, ou seja, além de expropriar parte da massa salarial dos recursos dos(as) trabalhadores(as) do serviço público, ainda são retirados recursos do fundo público para custear a previdência privada.

Gráfico 1
Despesas da união com contribuições para Entidade Fechada de Previdência de 2013 a 2022

Em estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2018, sobre a privatização da previdência social em diversos países e a reversão posterior na maioria deles, explicita algumas lições aprendidas com a privatização, dentre elas destaca-se: As taxas de cobertura estagnaram ou diminuíram; as prestações previdenciárias se deterioraram; a desigualdade de gênero e renda aumentou; os altos custos de transição criaram pressões fiscais enormes; custos administrativos elevados; governança frágil; e, riscos demográficos e do mercado financeiro transferidos para os indivíduos.

A lógica neoliberal no contexto do capital em crise, atua privatizando as políticas sociais com o objetivo de capturar recursos do fundo público, “para socorrer instituições financeiras falidas durante as crises bancárias, à custa dos impostos pagos pelo cidadão” (Salvador, 2019, pSALVADOR, E. Fundo público, crise e financeirização da previdência social. In: SALVADOR, Evilásio. (org.). Crise do capital e fundo público. São Paulo: Cortez Editora, 2019.. 104).

No contexto atual, apesar da fundamental derrota nas urnas do governo fascista e ultraneoliberal de Bolsonaro, modificações estruturais e revogação das medidas implementadas nos últimos anos, ainda não foram sinalizadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Na realidade, as medidas implementadas no presente ano pelo governo, demonstram a continuidade do projeto neoliberal, a exemplo do “novo arcabouço fiscal” que substitui o draconiano teto dos gastos do governo Temer, com alguma flexibilização no orçamento, representando a permanência do ajuste fiscal e a inviabilidade de investimento nas políticas públicas, bem como, nos regimes de previdência social.

Considerações Finais

A crise estrutural do capital busca as mais diversas formas de expropriação da classe trabalhadora. Nessa aproximação realizada sobre as Previdência Complementar Privada, ficou evidenciada a lógica e a centralidade de capturar o fundo público para investimento e sobrevivência do capital financeiro.

Especificamente, para os(as) trabalhadores(as) públicos, com a criação da FUNPRESP, a privatização de parte do RPPS representa mais uma medida para socorrer o capital em crise, retirando parte das remunerações desses trabalhadores(as), sem garantias de valores e tempo de usufruto de benefícios, além de retirar recursos do fundo público.

Nesse sentido, a classe trabalhadora tem grandes tarefas, primeiro, lutar pela revogação das medidas dos governos Temer e Bolsonaro, especialmente, a contrarreforma trabalhista e da previdência, e, sobretudo, a luta anticapitalista na busca incessante pela construção de uma sociedade socialista.

Agradecimentos

Não se aplica.

  • 1
    O termo “contrarreformas” que será utilizado no decorrer desse texto refere-se às alterações da previdência social com as perspectivas de redução de direitos. Trotsky revela (1994) que “o capitalismo não pode dar aos trabalhadores novas reformas sociais, nem sequer as pequenas esmolas: vê-se obrigado a tomar as que deram antes”. Toda a Europa entrou em uma época de "contrarreformas" econômicas e políticas (Trotsky, 1994, pTROTSKY, L. Aonde vai a França? Editora Desafio, 1994.. 33).
  • 2
    Destaca-se o documento do Banco Mundial (BM) “Envejecimiento sin crisis” de (1994), que dentre seus direcionamentos para supostas resoluções de financiamento da previdência social, propõe dois pilares obrigatórios e distintos, sendo eles: “um de administração pública e financiado com impostos e outro de administração privada e totalmente financiado com poupança acumulada’’. (Banco Mundial, 1994, pBANCO MUNDIAL. Envejecimentos in crisis: políticas para la proteccíon de los ancianos y la promoción del crescimiento. Washington: Banco Mundial, 1994. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/pt/204101468190731858/pdf/135840PUB00SPANIS H00Box074505B0PUBLIC0.pdf. Acesso em 26/04/2024.
    http://documents.worldbank.org/curated/p...
    . 275, tradução nossa).
  • 3
    Podemos citar dentre as contrarreformas realizadas nos governos do Partido dos Trabalhadores: a EC nº 41/2003, no governo Lula, que atinge o Regime Próprio de Previdência Social; a criação a Fundação de Previdência Complementar do Serviço Público Federal (FUNPRESP), que introduz concretamente a financeirização da Previdência Social; e, as MP nº 664 e 665, convertidas nas Leis nº 13.135 e 13.134 respectivamente, em junho de 2015. As referidas leis alteram significativamente os benefícios previdenciários: auxílio-doença, auxílio-reclusão, aposentadoria por invalidez, serviço de perícia médica, abono salarial, seguro-desemprego e o seguro-defeso.
  • 4
    Vale destacar que o entendimento de Estado ultraneoliberal, se expressa na fase mais bárbara e perversa de desmonte de direitos da precarização e privatização de empresas e serviços públicos vivida no país. É a forma de expressar o aprofundamento veloz e destrutivo do projeto neoliberal (Silva, 2021, pSILVA, M. L. L. da. Neofascismo, ultraneoliberalismo e corrosão da essencialidade da previdência social no Brasil. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 20, n. 1, e41326, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2021.1.41326. Acesso em: 12 fev. 2023.. 7).
  • 5
    Trecho da divulgação dos temas da audiência com o Ministro da Previdência Social e dirigentes sindicais (FENASPS, 2023FENASPS. Fenasps, Fonasefe e centrais sindicais cobram revogação do Decreto 10.620 ao ministro da previdência. Últimas notícias, 02 fev. 2023. Disponível em: https://fenasps.org.br/2023/02/02/fenasps-fonasefe-e-centrais-sindicais-cobram-revogacao-do-decreto-10-620-ao-ministro-da-previdencia/. Acesso em: 09 set. 2023.
    https://fenasps.org.br/2023/02/02/fenasp...
    ).
  • 6
    Conforme as notas explicativas do FUNPRESP de 31 de dezembro de 2021 e 2020, “os recursos administrados pela Funpresp-Exe são oriundos de contribuições das patrocinadoras, dos participantes e dos rendimentos das aplicações desses recursos, conforme disposto no artigo 9º da Lei complementar n° 109, de 2001, e em Resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) (FUNPRESP, 2018).
  • Agência financiadora

    Não se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participaçãoNão se aplica.
  • Consentimento para publicaçãoA autora consente a publicação do presente manuscrito.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2023
  • Aceito
    07 Nov 2023
  • Revisado
    05 Maio 2024
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