Open-access Individualização e neoliberalismo: uma contribuição à investigação da emergência do neoliberalismo

Individualization and neoliberalism: a contribution to the investigation of the emergence of neoliberalism

Resumos

Resumo  O propósito deste ensaio é oferecer uma explicação alternativa àquelas existentes na literatura crítica ao neoliberalismo sobre a sua emergência. Por meio de uma revisão bibliográfica, apresentamos as linhas gerais do argumento das posições representativas dessa literatura para, a partir de uma reconstituição do processo social de individualização, oferecermos uma explicação alternativa. Em nosso juízo, uma das bases para o estabelecimento do neoliberalismo a partir dos anos 1970 está no conjunto de transformações de grande envergadura ocorridas durante a chama “era de ouro” (1945–1975) porque, ao consolidarem o processo social de individualização, ofereceram a materialidade para a realização do neoliberalismo como práxis.

Palavras-chave:  neoliberalismo; individualização; capitalismo contemporâneo


Abstract  This essay aims to offer an alternative explanation to those existing in the critical literature on neoliberalism about its emergence. By the brief bibliographical review of this literature, we present their main arguments on the subject in order to, from the reconstitution of the social process of individualization, we offer a different explanation. In our view, one of the bases to the emergence of neoliberalism, since 1970’s, is in a set of large-scale transformations occurred during the “golden age” (1945–1975) because, as they consolidated the social process of individualization, they offer the materiality to the realization of neoliberalism as praxis.

Keywords:  neoliberalism; individualization; contemporary capitalism


Introdução

Na última década, tem ocorrido um intenso debate sobre as características do neoliberalismo, no qual tem sido destacada as suas múltiplas características, a fim de compreendê-lo como parte substantiva do capitalismo contemporâneo. Esse ensaio procura contribuir com esse debate ao oferecermos uma interpretação sobre a emergência do neoliberalismo. Para isso, propormos a reconstituição da expansão, ocorrida após a Segunda Guerra Mundial, do modo de produção da vida social centrado na forma-valor, que conformou uma verdadeira economia mundial. Com essa reconstituição, procuramos traçar os contornos de uma resposta à questão norteadora deste ensaio: como o desenvolvimento capitalista, acompanhado de suas contradições, proporcionou a emergência de um certo modo de vida capitalista e um discurso condizente com esse modo de vida, que tem sido denominado de “neoliberal”?

Formulada dessa maneira, essa questão pode dar margem para uma interpretação reducionista do problema ao qual se dedica o ensaio. Contudo, como recorda Moishe Postone (2003, 2021), a relação entre práticas sociais e seus discursos não pode ser reduzida à relação entre “base econômica” e “superestrutura”, como pretende o “marxismo tradicional”; nem pode ser contornada com a afirmação da interação e reciprocidade entre essas duas “esferas da existência”. Trata-se, seguindo sua sugestão, de compreender que a reprodução da vida em sociedade, nas suas mais variadas dimensões, requer a figuração dos propósitos e meios para essa reprodução. Essas “figurações” são, como nos lembra György Lukács (1969), dos mais variados tipos (arte, religião, ciência etc.), podem ser “falsas” e têm autonomia relativa, mas, para sermos enfáticos, não são puro produto da subjetividade: há sempre uma relação com a vida social. Por isso, a questão formulada procura enquadra o problema deste ensaio no interior da teoria social crítica, cujo propósito é como desenvolveu Theodor Adorno (2007), estabelecer as mediações que explicam a relação entre realidade e pensamento.

No presente ensaio, o vínculo pertinente é entre o desenvolvimento da sociabilidade fundada no valor e a emergência do neoliberalismo, cuja mediação estaria, em nosso juízo, no processo social de individualização1, que permitiu a transformação do neoliberalismo de um pensamento, cuja origem remonta aos anos 1930, em uma práxis2. Nos apropriamos dessa categoria de Marx para mostrarmos que o neoliberalismo não é somente um pensamento — seja ideias políticas, sociais ou econômica —, mas sim a combinação dessas ideias com uma forma de reprodução da vida social (prática). Essa concertação tanto conferiu sentido às ações humanas no interior do modo de vida capitalista quanto passou a explicar — seja o sucesso ou o fracasso — dessas ações e a facultar o seu melhoramento, conformando, assim, uma práxis.

Para dar conta desse objetivo, o ensaio está dividido em duas partes, além dessa introdução e das considerações finais. Na primeira, recuperamos as linhas gerais das principais interpretações do neoliberalismo, destacando a insuficiência argumentativa comum a todas elas quanto à emergência do neoliberalismo. Em seguida, procuramos suprir essa carência por meio da reconstituição do processo social de individualização.

Interpretações sobre a emergência do neoliberalismo

Como observou Eric Hobsbawm (2013), em A era dos extremos, os anos de 1945 até 1975 ficaram conhecidos com a “era de ouro”, na qual a base da reprodução social foi a articulação entre produção em massa e consumo de massa. Essa combinação assegurou, nos países centrais, um modelo de crescimento econômico no qual foi possível conciliar a elevação dos salários e dos lucros; e, em parte dos países periféricos, esse modelo permitiu o processo de industrialização — mais ou menos intenso a depender das especificidades de cada região. Esse processo, tanto num caso quanto no outro, foi acompanhado de mudanças sociais, políticas e culturais, sublinhou o autor, que marcaram a “modernização” destas sociedades, com promessas de inclusão na “civilização ocidental” por meio do assalariamento. Seguindo a periodização do historiador inglês, no período posterior, entre a recessão econômica (1975) e o fim da URSS (1991), ocorreu o “desmoronamento” dessa modernização porque, dentre outras coisas, as promessas da “era de ouro” se mostraram irrealizáveis. O crescimento econômico, por exemplo, não estava mais conjugado ao crescimento da renda e do emprego.

De maneira geral, a literatura abordou esse descasamento por meio da “ascensão das finanças”, promovida pela vitória do “projeto neoliberal de sociedade”, que liberou os fluxos de capitais ao redor do globo, a partir da década de 1970, para que pudessem adquirir as empresas estatais, formar fundos de pensão, ofertar serviços privados de saúde e educação etc., enfraquecendo tanto os instrumentos de política econômica nacional quanto redistribuindo a renda em favor dos “financistas”. Nesse sentido, o recuo dos direitos sociais, políticos e econômicos é figurado como subproduto de políticas avançadas de Laissez Faire, que interditavam o acesso da classe trabalhadora aos direitos duramente conquistados, enquanto garantiam gastos estatais para o grande capital (Anderson, 1995; Chesnais, 1998; Guttmann, 2008; Harvey, 2012).

Na última década deste século XXI, outras abordagens do neoliberalismo começaram a circular, as quais procuraram destacar a sua dimensão subjetiva. Nesse particular, a explicação para a emergência do neoliberalismo está centrada na mudança da “racionalidade” que governava a sociedade no pós-guerra. Em linhas gerais, as políticas econômicas liberais seriam um aspecto de uma nova “governamentalidade” que foi instituída, nessa leitura, pela combinação dessa política com outros “dispositivos de poder” impessoais, que caracterizam uma intervenção ativa do estado, no âmbito do conflito social, para instituir uma sociedade na qual a concorrência seria a forma da relação social, sendo o indivíduo um “empresário de si mesmo” e comportando-se como tal mesmo no interior de uma empresa. Com isso, o problema do crescimento econômico descasado da renda e do emprego era responsabilidade, nessa nova “racionalidade”, das próprias pessoas (Brown, 2019; Dardot; Laval, 2016; Foucault, 2008, 2016).

Em ambas as interpretações, a “grande virada” nas sociedades ocidentais teria ocorrido a partir dos anos de 1980, década em que ascenderam ao poder Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Regan (EUA), que “implementaram” as políticas macroeconômicas liberais e suas reformas nos dispositivos de poder, tanto em seus países quanto nos organismos multilaterais. De todo modo, essas figurações atribuem a emergência do neoliberalismo à ascensão às instituições políticas dos representantes do “projeto neoliberal”, deixando escaparem de suas explicações a forma violenta que assumiu a sua execução e, sobretudo, a experiência desse “projeto” na periferia.

Outra explicação para a emergência do neoliberalismo é argumentada a partir dessa ausência. Ao ignorarem os eventos revolucionários que se seguiram ao ano de 1968, as interpretações anteriores sobre a emergência do neoliberalismo deixaram de lado o que seria a capacidade de auto-organização da classe trabalhadora, que havia começado a ameaçar as formas de controle social da classe capitalista. Em resposta a um processo revolucionário em curso, portanto, as políticas macroeconômicas e os dispositivos de poder impessoais são associados, nesta explicação, à interdição do Estado às demandas populares e ao uso extensivo da violência estatal e/ou privada. Esse conjunto de mudanças institucionais conformaria uma política contrarrevolucionária, cujo cerne seria produzir a auto responsabilização dos trabalhadores por si e suas famílias como norma de organização social, desmobilizando qualquer ação coletiva, uma vez que a mediação dessa autorresponsabilização está no fomento da concorrência de uns contra os outros (Chamayou, 2020; Dardot et al., 2021; Safatle, 2020).

Para essa interpretação, a “governamentalidade” neoliberal e sua política socioeconômica seria possível somente por meio de instituições autoritárias, que deveriam impedir a emergência de qualquer modo de organização da vida social que não tenha a concorrência como seu centro. Por conta disso, a emergência do neoliberalismo teria ocorrido, nessa interpretação, a partir da ditadura que sucedeu o golpe civil-militar chileno (1973). Apoiada pelos principais teóricos associados ao neoliberalismo, essa ditadura representou uma efetiva “guerra civil”3, haja vista que, no caso chileno, o governo de Salvador Allende (1970–1973) buscava outro modo de organizar a vida social — independentemente de ter sido bem-sucedido até a ocorrência do golpe civil-militar.

Da nossa perspectiva, cada uma dessas interpretações parte de acontecimentos que, a partir dos anos de 1970, marcaram a emergência de uma sociedade diferente daquela que existiu durante o pós-guerra. Na busca por oferecerem os contornos do que seria essa sociedade — em especial após fim da URSS —, essas figurações delimitaram o campo da transformação somente as ações políticas de certo grupo social — em alguns casos, chamam de “classe social”, em outros de “oligarquia” — que teria se alinhado a certa ideologia para manter sua dominação, seja por meio de uma nova política econômica, seja porque instaurou uma nova racionalidade, seja através de uma política contrarrevolucionaria, que reagiu a organização política e social dos dominados.

Ao procederem desse modo, essas figurações deixaram de lado o exame das mudanças econômica, social e cultural ocorridas durante a “era de ouro” (1945–1975), que inviabilizou o casamento supostamente virtuoso entre crescimento econômico e emprego, base do horizonte de ascensão social e de mudança política do período. Esse matrimônio tanto proporcionou a base material das formas próprias de organização da classe trabalhadora (partido, sindicato etc.) em sua luta pela distribuição mais equitativa do excedente econômico quanto deram origem aos diversos movimentos sociais, que reivindicavam outras formas de vida social, e processos políticos de emancipação nacional — como o chileno, mas não somente esse, basta lembrarmos as independências nacionais ocorridas no continente africano e asiático, que nem sempre buscavam um modo de vida alternativo ao capitalismo.

Da nossa perspectiva, chamamos a atenção para a ausência, nessas figurações, da abordagem da mudança no interior do próprio modo de produção da vida social4 ocorrida durante a “era de ouro”, capaz de explicar, como observou Hobsbawm (2013), a transformação da “comunidade” em “sociedade”, que colocou o indivíduo no centro da reprodução social. Dito de outro modo, a sociedade que emergiu do pós-guerra pode ser caracterizada, grosso modo, como aquela em que as pessoas estão por si sós, em concorrência com as demais e habitando as impessoais e opressivas metrópoles. Em razão disso, o desenvolvimento capitalista se mostrou, dentre outras coisas, um processo social de (des)envolver as pessoas, para o qual há interdição de outras formas de socialização que não operassem a partir da forma-valor. Para isso, todos devem ser submetidos a esse processo, enquanto as vias inadequadas ao seu desenvolvimento devem, tão logo, serem ajustadas (Schwarz, 1999).

O processo social de individualização

No primeiro mundo5, observou Hobsbawm (2013), a “era de ouro” pode ser caracterizada pela formação de um regime político que combinava democracia representativa com estado de bem-estar social, tendo como objetivo a garantia do pleno emprego e do consumo de bens e serviços por meio de políticas promovidas pelo Estado Nacional. Nos países socialistas, do chamado segundo mundo, o processo de industrialização combinado com o planejamento centralizado, proporcionava meios de consumo, de habitação, de educação e de saúde que suprimiu a miséria predominante nessa região — a despeito da participação política restrita e submetida ao autoritarismo.

Já em parte dos países do terceiro mundo, o que se assistiu foram mudanças políticas que deram início às lutas de libertação nacional e à formulação de diversas teorias sobre formação nacional, que propunham, cada qual a seu modo, a participação popular e a industrialização como forma de superação das suas mazelas sociais. Nessas regiões, ocorreram impasses entre as ideias difundidas e as elites locais, o que deu origem, em muitos países, a regimes militares e guerras internas, na tentativa das suas elites de conterem o avanço popular e as lutas por direitos trabalhistas.

Como o historiador britânico indicou, esse período foi marcado por duas revoluções importantes: uma social e outra cultural. Quatro acontecimentos são marcantes da revolução social: (i) o fim do campesinato; (ii) a mudança na estrutura do emprego; (iii) a fragmentação dos trabalhadores e (iv) a ascensão das mulheres como grupo político. Explicado pelo avanço do processo de industrialização no campo e oportunidades de trabalho e mudança de vida nas cidades, o fim do campesinato significou uma mudança de época na história humana. Isso porque, observou Hobsbawm (2013), desde a formação das civilizações Mesopotâmicas até as sociedades feudais (pelo menos 5000 anos de história humana), o camponês foi uma figura central à produção social. Ao final dos anos 1960, a população da cidade já superava a população do campo em grande parte da Europa e nos EUA, sendo que, nos países do terceiro mundo, essa também figurava como uma tendência do seu desenvolvimento, que foi confirmada, na década de 2010, quando a maioria da população mundial se tornou, de fato, citadina.

Para a finalidade da nossa discussão, é importante observamos que a produção de alimentos ampliou e, sobretudo, aqueles que abandonaram o campo conseguiram se inserir nos novos postos de trabalho, criados nas cidades em função do processo de reconstrução do pós-guerra. Com isso, os camponeses se proletarizaram, ao mesmo tempo em que desenvolveram técnicas de luta por melhores salários que traziam consigo a solidariedade própria das pequenas comunidades, reforçando as características de associação que a classe trabalhadora produziu a partir da segunda metade do século XIX. Desse último período, aliás, nasceram os clubes de recreação, dos quais muitos se tornaram, na segunda metade do século XX, grandes clubes de futebol e rúgbi, que, junto com os comícios, os bares e outros espaços coletivos de convivência, ajudaram a sedimentar anseios e inquietações comuns capazes de se transformarem em luta por melhores condições de vida.

Todavia, o desenvolvimento da acumulação de capital criou uma série de novas funções e atividades de trabalho, que fez crescer a demanda por força de trabalho qualificada, exigindo a escolarização da classe trabalhadora, cujos filhos adentram ao ensino médio e, em certa medida, ao ensino superior. Ao contrário da expansão econômica com elevação da composição orgânica do capital implicar pauperização da classe trabalhadora, como sublinho Marx (2013), ela engendrou a formação de uma “classe média”, devido às condições sui generis em que a acumulação de capital se desenvolveu.

Nesse particular, Celso Furtado (1985, p. 13) registrou, em A fantasia organizada, suas recordações sobre a situação de extrema penúria e destruição econômica pela qual passava o continente Europeu após o fim da Segunda Guerra Mundial, que “a devastação dentro e fora dos sistemas de produção fora de tal ordem que o sacrifício de toda uma geração parecia inevitável”. Tamanha devastação econômica, social e política, conforme observou Hobsbawm (2013), começou a ser superada no início dos anos 1950, tanto na Europa ocidental como oriental. Em grande medida, o começo da chamada Guerra Fria entre os EUA e a URSS proporcionou a organização dos meios materiais, tanto de um lado quanto do outro, para sedimentar suas zonas de influência e, assim, proporcionou aos países, inclusa parte do terceiro mundo, os recursos necessários aos seus processos de reconstrução.

Não é nosso propósito enveredar pela investigação das nuances sobre a reconstrução econômica de cada um dos países. Retomamos esse aspecto do pós-guerra para indicar que havia um grande espaço para a expansão da acumulação de capital, a despeito das baixas populacionais e da situação material já indicada. Não por acaso, nas décadas seguintes, assistiu-se a uma transformação brutal do padrão de vida das pessoas, com um rápido processo de industrialização do campo e da cidade, cuja consequência foi a expansão da forma-valor para os mais variados processos vitais à reprodução da vida social, transformando-os em processos de valorização e, assim, reprodução do capital.

A consequência disso foi a ampliação da diversidade da classe trabalhadora que, por si só, não representaria um problema para a unidade da classe. Contudo, ela se diferenciou não somente pela escolarização, pelo tipo de trabalho, pela diferença de salário; mas, sobretudo, pelos espaços de convivência, de consumo, de lazer, de cultura, de forma que a unidade de suas aspirações, que se dava ao compartilharem as adversidades de um certo modo de vida, foi perdida. No lugar da convergência entre as condições de vida, operava a divergência. Isso separou os trabalhadores entre os pertencentes à “classe média” (colarinho branco) e os pertencentes à “classe operária” (macacão azul). Embora esses estereótipos sejam limitados como modo de classificar as divergências de classe, registramos que eles exprimem a concretude da cisão, que não é apenas ideológica — como argumentou Hobsbawm (2013) —, tendo como fundamento o próprio desenvolvimento da acumulação de capital.

Contribuiu para essa cisão, é verdade, o crescimento exponencial da chamada “indústria cultural”, como teorizada por Adorno & Horkheimer (1985), em Dialética do Esclarecimento. A indústria cultural fornecia para os trabalhadores uma imagem de futuro e uma forma de comportamento no presente por meio de mercadorias que governavam o seu exercício do “tempo livre” do trabalho. Até porque, como nos mostrou Antonio Gramsci (2008), em Americanismo e Fordismo, a rotina repetitiva e controlada imposta pelo fordismo no espaço de trabalho também deveria ser adotada na vida do trabalhador, ainda que, no trabalho, sua mente pudesse, devido à própria repetição, divagar e seguir caminhos não controlados pelos representantes do capital.

Como consequência do desenvolvimento da indústria cultural, observamos a individualização das formas de convivência, de lazer e de conhecimento das pessoas. Nesse último caso, podemos notar que, nas sociedades em que o camponês e sua unidade produtiva são centrais à reprodução social, o conhecimento era passado de geração para geração. Isso não significa que não havia mudança no conhecimento passado, mas sim que essa alteração não era uma exigência desse modo de vida, dependendo sempre das variações das circunstâncias do processo de produção agrícola. Quando o centro da produção é a valorização do valor por meio do dispêndio de trabalho humano sobre quaisquer meios de produção, desde que adequados para a produção de certo valor de uso, o conhecimento passa a não depender do trabalhador, sobretudo com a Grande Indústria, na qual o conhecimento científico se combina com a técnica para produzir sistemas de máquinas dos quais os trabalhadores são meros apêndices (Marx, 2013).

Do ponto de vista social, essa mudança de época significou uma ruptura entre as gerações, expressa no conhecimento dos antepassados não ter qualquer lugar no presente — a não ser como anedota. Com isso, é perdido um dos laços sociais mais sedimentados, que era o conhecimento intergeracional. E esse não é o único laço de solidariedade perdido, há também aquele próprio às comunidades camponesas, que definia, por exemplo, que o cuidado de si e dos outros cabia as mulheres ou que a ajuda mútua entre os membros da comunidade para a construção da casa de um vizinho, para organizar um casamento e para a preservação dos costumes.6

Suprimidas pelas grandes metrópoles e seus subúrbios, conectados por suas grandes avenidas, trafegadas por automóveis em velocidades inimagináveis um par de décadas antes, as tarefas exercidas por meio dos laços de solidariedade e, por isso, sem qualquer resquício mercantil, agora são exercidas pelo Estado, que também se encarregava da formação educacional. Com isso, as mulheres puderam se tornar sujeitos políticos, em busca de constituir e afirmar a sua autonomia, já que não mais estavam destinadas somente as tarefas domésticas de cuidado. A descoberta da pílula anticoncepcional feminina e a luta das mulheres por sua universalização foram um avanço importante nessa direção, pois, permitiram as mulheres com acesso à medicação controlarem seus corpos e seu destino. Controle esse que, combinado com sua participação no mercado de trabalho, marcada pela sua entrada na universidade, solidificou sua participação política.

Esse conjunto de transformações sociais foram mais proeminentes nos países do primeiro e do segundo mundo, mas também atingiram os países do terceiro mundo — em especial aqueles em que os processos de industrialização estavam mais avançados. De todo modo, esse conjunto de mudanças sociais foi acompanhada de uma revolução cultural, marcada principalmente pela emergência da chamada “cultura jovem”, formada dentro dos centros educacionais que abarcavam cada vez mais mulheres, muitas vezes de locais e classes sociais distintas, mas que tinha em comum a expectativa de ingressarem na chama “classe média” — quem sabe além.7

Essa cultura estava vinculada à busca do conhecimento técnico-científico do presente e ao consumo de mercadorias características dessa cultura – por exemplo, certos ritmos musicais, formas de se vestir, veículos automotores etc. A manifestação dessa nova cultura ocorreu, assim, a partir da afirmação em torno da ideia de autonomia e liberdade, conformando um processo que encampou desde as lutas das mulheres até o movimento hippie, passando pelos movimentos dos direitos civis, contra a guerra do Vietnã, lutas antiditatoriais etc., tendo seu ápice nos processos revolucionários de maio de 1968, que não ficaram confinados à Paris, mas chegaram a Praga e ao Rio de Janeiro.

A noção de “subgrupos” é uma característica dessa nova cultura. Eles compartilham certas características em comum e objetivos semelhantes pelos quais lutam, como as pautas ambientais, a legalização das drogas, a universalização dos anticoncepcionais e assim por diante. No período em que emergiram, cabe sublinharmos, esses subgrupos colocavam em questão os padrões tidos como universais em suas sociedades — por exemplo, a família patriarcal que, com a legalização do divórcio, deixou de ser, formalmente, a única forma de família; ou a homossexualidade, que colocava em questão a norma das relações sexuais.8 Entretanto, essas buscas por existências que, até então, não eram próprias ao desenvolvimento da forma-valor — que incluíam também críticas às relações sociais presididas pela forma-valor — produziram reações sociais, principalmente daqueles que perderam sua posição de poder — lançando as bases, a partir dos anos de 1980, dos movimentos sociais conservadores. Aqueles que se sentiram ameaçados passaram a exigir, assim, uma reposta que, nos marcos da reprodução capitalista, conseguissem refrear essas demandas de mudança ou, se não fosse possível respondê-las no interior do capitalismo, elas deveriam ser silenciadas.

De todo modo, essas revoluções resultaram, como apontou Hobsbawm (2013, p. 328), no “triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais”. Essa quebra dos laços de solidariedade, cujo abismo geracional é uma expressão, gerou as perdas de códigos morais, que guiavam o comportamento dos sujeitos até então, como, por exemplo, a família, bem como estabeleceu novas referências sobre o cuidado de si e dos outros, assim como contribuiu para o declínio dos espaços de convivência da própria classe trabalhadora.

Para nossa discussão, cabe sublinhar um dos desdobramentos da revolução social e cultural — a saber, as pessoas passaram, efetivamente, à condição de indivíduos. Reunidos em um núcleo familiar reduzido, quando não sozinhos, habitavam, de fato, numa sociedade, na qual são dependentes das mercadorias produzidas por si para satisfazerem suas necessidades por meios das mercadorias produzidas pelos outros (sejam as empresas privadas, as empresas públicas ou a administração pública direta), ao mesmo tempo em que são independentes do ponto de vista pessoal. O que implica a efetivação, do ponto de vista geral, da forma-valor como nexo fundamental das relações sociais, característica da sociedade capitalista, conforme sublinhou Marx:

A dissolução de todos os produtos e atividades em valores de troca pressupõe a dissolução de todas as relações fixas (históricas) de dependência pessoal na produção, bem como a dependência multilateral dos produtores entre si. A produção de todo indivíduo singular é dependente da produção de todos os outros; bem como a transformação de seu produto em meios de vida para si próprio torna-se dependente do consumo de todos os outros. Os preços são antigos; a troca também; mas a crescente determinação dos primeiros pelos custos de produção, assim como a predominância da última sobre todas as relações de produção, só se desenvolvem completamente, e continuam a desenvolver-se cada vez mais completamente, na sociedade burguesa (Marx, 2011, p. 104).

É importante destacarmos que, na passagem acima, a produção não se restringe às atividades econômicas. Em seu lugar, recordamos que se trata da nossa atividade como produtora da nossa vida social, cuja transformação social assinalada por Marx implica a redução dessas atividades à forma-valor. O que significa que a economia, a política, a arte etc. tendem a serem produzidas como partículas de valor, de maneira que cada um dos seus produtores pode conseguir, se efetivos no exercício desse trabalho determinado por mercadoria, transformar o resultado de sua atividade em alíquotas do valor — expresso na sua forma mais imediata de nexo social, o dinheiro9. Nesse sentido, o processo de individualização estabelece as pessoas como independentes dos laços pessoais e suas formas de dominação, mas dependentes da interconexão impessoal de sua atividade como mercadoria e sua forma de dominação.

A consequência disso é que, como sublinha Hobsbawm (2013), foram perdidas as formas tradicionais de mediação e de formação de sentido para vida humana. Essa perda desses quadros de referências marca o (des)envolver dos seres humanos. Contudo, essas coordenadas sociais foram fundamentais para a formação do capitalismo, pois, os laços sociais fundados somente na forma-valor não asseguram um tecido social capaz de suportar seus processos de exploração, espoliação e acumulação:

[...] o capitalismo venceu porque não era apenas capitalista. Maximização e acumulação de lucros eram condições necessárias para seu sucesso, mas não suficientes. Foi a revolução cultural do último terço do século que começou a erodir as herdadas vantagens históricas do capitalismo e a demonstrar as dificuldades de operar sem elas (Hobsbawm, 2013, p. 336).

Isso não significa, destacamos, a glorificação das relações comunitárias anteriores. Ao contrário, como demonstrado por Silvia Federici (2017), essas relações foram, na Europa ocidental, marcadas também pela opressão e pelo controle sobre os corpos das mulheres, em particular no período da “acumulação originária” (séculos XVI-XVIII), legando-as uma posição subordinada aos homens nas relações comunitárias desde então — com especial atenção para as relações familiares. O que o (des)envolver capitalista desestabilizou foi, assim, essa própria subordinação, aquele tecido social formado pela acumulação originária. O que abriu caminho, por meio das lutas das mulheres, por exemplo, para a possível afirmação de uma nova forma de relação de gênero; ao passo que esse (des)envolver suprimiu formas de solidariedade sustentadas pelas mulheres que eram fundamentais à reprodução da força de trabalho e, por conseguinte, do capital.

Se o processo social de individualização abriu espaço para lutas sociais, a partir dos anos 1960, que poderiam colocar outros universais como parâmetro da vida social, em lugar da forma-valor; ele também abriu espaço para o devido enquadramento dessas lutas sociais nos marcos da forma-valor. Isto é, permitindo ao capital lidar com as dificuldades oriundas das perdas dos laços de solidariedade em seus próprios termos — a saber, numa forma de acumulação de capital na qual o ganho de produtividade e ampliação da jornada de trabalho são levados ao paroxismo, pelo reforço da concorrência entre os trabalhadores e seu “exército industrial de reserva”. Para isso, como nos lembraram Éric Alliez e Maurizio Lazzarato (2021, p. 86–87), uma nova “acumulação originaria” foi posta em prática, na qual houve a combinação da acumulação real com a “acumulação por espoliação”, abrindo novos espaços para a acumulação de capital, desde as suas formas fictícias até sua apropriação das virtualidades inscritas nos seres orgânicos e inorgânicos.

O arrefecimento da acumulação de capital, no final dos anos de 1960, contribuiu para esse enquadramento. O declínio das taxas de acumulação e, por conseguinte, da taxa de lucro das corporações estadunidenses e o crescente gasto desse país, centro da economia mundial, com a Guerra do Vietnã, sustentado no endividamento, levaram a quebra do padrão dólar-ouro, em 1971, explicitando o esgotamento do processo de acumulação de capital. Assim, o primeiro choque do petróleo, em 1973, que quadruplicou o preço do barril de petróleo, insumo essencial à cadeia de produção e ao consumo — simbolizado no automóvel com motores de cinco litros e oito cilindros —, representou a pá de cal num processo de acumulação já em declínio. Não por acaso, os anos de 1974/1975 foram de recessão econômica mundial, sendo que, desde então, as taxas de crescimento econômico não mais recuperam seu padrão anterior nos países ocidentais, nem estão associadas à renda e ao emprego.

É nesse contexto de crise econômica e de revolução social e cultural que, a partir dos anos 1970, emergiu o neoliberalismo. Desde então, seus representantes conquistaram posições de poder, na periferia e no centro do capitalismo mundial, no interior das empresas e no seio dos sindicatos e partidos de esquerda, tornando o neoliberalismo a forma de pensar e agir característica da sociedade contemporânea. Por essa razão, argumentamos que é insuficiente qualificá-lo como uma política macroeconômica, ou uma ideologia, ou racionalidade ou uma reação de classe, porque perde de vista que o neoliberalismo é a combinação de todas essas dimensões numa práxis, que reage ao declínio do processo de acumulação de capital e as transformações sociais e culturais ocorridas durante os anos de 1945–1975 de uma maneira adequada à continuidade da reprodução do capital, enfeixando as lutas sociais por meio do reforço do processo social de individualização. Para dizermos com Wendy Brown (2019, p. 51):

[...] o neoliberalismo não só trouxe o capitalismo de volta do abismo quando este estava em crise nos anos 1970, como também salvou tanto o sujeito quanto a família das forças da desintegração da modernidade tardia. De fato, dentre as realizações neoliberais mais impressionantes, estão o desmantelamento epistemológico, político, econômico e cultural da sociedade de massa em capital humano e unidades familiares econômico-morais, juntamente com o resgate tanto do indivíduo quanto da família no momento exato de sua aparente extinção.

Embora a autora coloque o neoliberalismo como fundante da sociedade contemporânea, ao ponto de ele ter desmantelado o paradigma anterior, fundado na sociedade de massa, pensamos que ela toca num ponto fundamental: ele permitiu a sociedade do capital continuar a funcionar. Para nós, entretanto, isso não se deu somente porque “resgatou” o indivíduo ou a família, mas porque os processos sociais acima recuperados mostram, pelo menos, que o próprio desenrolar da acumulação de capital criou o caldo de cultura, que aqui chamamos de individualização, para a proliferação da práxis neoliberal, permitindo esse “resgate”, mas já em outros termos — funcionais à nova acumulação de capital. Essa práxis pode ser qualificada, portanto, como um conjunto de aparatos discursivos, princípios normativos, dispositivos de poder, orientações epistemológicas, práticas de conduta social, política econômica e intervenções violentas que objetivam, como afirmou Mariutti (2019, p. 24), “criar um novo tipo de homem, capaz de viver e prosperar em uma sociedade dinâmica e crescentemente alicerçada na concorrência entre atores que devem se comportar como empresas” e, acrescentamos, habilitado a viver para a acumulação sem fim de capital.

Considerações finais

Ao retomarmos a questão norteadora deste ensaio, podemos concluir que o argumento apresentado sustenta que o processo social de individualização constituiu um dos fundamentos para a emergência do neoliberalismo, de maneira que ele passou de um pensamento, dentre outros, para uma práxis, capaz de sustentar o modo de produção capitalista no seu atual processo de acumulação de capital, iniciado nos anos 1970. O que implica fomentar a própria individualização nos espaços em que ela ainda é incipiente, por meio do bloqueio violento da emergência de outras formas de vida social. Nesse sentido, o modo de vida capitalista próprio à práxis neoliberal é aquele no qual não deve haver restrições à expansão da forma-valor para quaisquer esferas da vida social e natural, permitindo a intensificação, extensão e continuidade do processo de acumulação de capital.

A emergência do neoliberalismo ocorreu, portanto, no período histórico em que as formas do capital começaram a se tornar mais abstratas — seja pelo crescimento da concentração e da centralização dos capitais nos conglomerados transnacionais, seja pela expansão das formas fictícias de acumulação de capital, seja pelo desenvolvimento dos aparatos cibernéticos, que permitiram tanto expansão das formas de capital real e fictícia, quanto a colonização das virtualidades existentes na vida inorgânica e orgânica. O que tornou o capitalismo uma totalidade global e totalitária.

A ironia está em que quanto mais a práxis neoliberal impõe pensarmos sempre a partir do “eu”, praticarmos o culto ao “eu” e concorrermos entre si; mais culpamos o outro, suas ações e seus direitos pela não realização do eu. Tudo se passa como se a lógica do capital não tivesse qualquer relação com os infortúnios do nosso cotidiano. As vicissitudes de nossa existência seriam resultado do comportamento exclusivo de certos grupos, portadores inerentes do “mal”, que bloquearia a realização de nosso eu. Por essa razão, sugerimos que a explicação da emergência da práxis neoliberal a partir do processo social de individualização, proporcionado pelo desenvolvimento capitalista, poderia oferecer uma chave de leitura da contemporânea combinação entre o neoliberalismo e o conservadorismo, que tem resultado em diversos neofascismos, que tem obtido ampla aderência na classe trabalhadora.

Notas:

Agradecimentos

Não se aplica.

  • 1
    A palavra “individualização” significa, de acordo com o Dicionário Houaiss (2009), “ação ou efeito de individualizar-se”, por meio do qual “um organismo se torna diferente dos outros”. O sentido que adotamos neste ensaio remete ao processo social de conformação das pessoas como indivíduos; porém, adicionamos o sentido negativo de que se trata de homogeneizar as pessoas, no sentido preciso de, ao se constituírem como indivíduos no capitalismo, nada mais são do que partes da produção social de crescente valor, devendo performar como tal (Marx, 2013).
  • 2
    Como se sabe, nas famosas “Teses sobre Feuerbach”, Marx (2007) elabora sobre a intricada relação entre teoria e prática, afirmando que a verdade sobre qualquer pensamento é, em última instância, decidida pela atividade humana real (Tese II), de tal modo que as insuficiências e avanços de uma certa teoria encontram sua explicação na “prática humana e na compreensão dessa prática” (Tese VIII).
  • 3
    Essa noção de uma “guerra-civil” é apresentada por Pierre Dardot et al. (2021). Em revisão da sua abordagem passiva da adoção da racionalidade neoliberal, esses autores defendem que a “guerra civil” consistiria numa “guerra total” — isto é, ocorre simultaneamente nos campos social, ético, político, jurídico, cultural e moral — cujas táticas “são diferenciadas, sustentam-se umas pelas outras, nutrem-se mutuamente” e objetivam oporem as “coalisões oligárquicas” aos setores populares, por meio da conquista, pelas primeiras, de apoio de certas frações no interior dos próprios setores da população. (Dardot et al., 2021, p. 30) Conquista que é obtida não por conta de uma adesão prévia desses setores, mas pela exploração das suas diferenças. (Dardot et al., 2021, p. 31).
  • 4
    É sintomático que, nas figurações sobre o neoliberalismo publicadas na última década deste século XXI, o termo capitalismo quase não apareça ou, quando aparece, seja abordado como sinônimo de sociedade de mercado. Nesse sentido, essas leituras até tratam das modificações nas empresas e nos conglomerados transnacionais, mas não as articulam com a estrutura subjacente aos conglomerados transnacionais — a saber, a reprodução da forma valor e suas contradições ou, numa palavra, capital — e, por isso, o modo de vida social que ajudam a estruturar e são por ele estruturados não é tematizado.
  • 5
    O autor se apropria, como parte de sua geração intelectual, da classificação de primeiro, segundo e terceiro mundo para explicar a divisão geopolítica entre o final da Segunda Guerra Mundial e a derrocada da União Soviética ao final do século XX.
  • 6
    Em Parceiros do Rio Bonito, Antonio Candido (2010) mostrou como era organizado o modo de vida do camponês brasileiro, que habitava parte da região sudeste — em particular o Estado de São Paulo, o Sul de Minas, do Rio de Janeiro e de Goiás, e o norte do Paraná, registrando suas formas de socialização e trabalho que são ilustrativos dos laços sociais aqui indicados. Em particular, a prática do multirão para um roçado ou a construção de uma casa permaneceu na cultura popular, quando o processo de industrialização brasileiro (1950–1970), como observou Francisco de Oliveira (2013), em Crítica da razão dualista, sobre a forma como as casas foram erguidas no nascente ABC Paulista.
  • 7
    O caso mais emblemático da natureza global dessas mudanças é o Afeganistão. Durante os anos de 1950/1960, a capital Cabul sofreu intervenções arquitetônicas e mudanças econômicas que proporcionaram alterações sociais e culturais, expressões dessa modernização. Em particular, as mulheres puderam ocupar espaços de poder e, sobretudo, circularem sem quaisquer símbolos de opressão em seus corpos. Um contraste significativo com os anos 1990, período do governo Talibã, fomentado pela intervenção estadunidense na guerra civil afegã dos anos 1980.
  • 8
    Essa potencialidade é indicada por Postone (2003, p. 372, tradução nossa), quando discute esses novos movimentos sociais: “A noção de diferentes formas de universalidade socialmente constituídas implicadas pelas análise de Marx do desenvolvimento das formas estruturantes das formações sociais poderia servir como base para a investigação sócio-histórica de algumas correntes dos novos movimentos sociais — por exemplo, do movimento feminista — que são tentativas de formular uma nova forma de universalismo, para além da oposição entre universalidade homogênea e particularidade.”
  • 9
    Essa questão aparece de forma sintética na discussão de Marx (2013, p. 148) sobre o fetichismo das mercadorias: “Os objetos de uso só se tornam mercadorias porque são produtos de trabalhos privados realizados independentemente uns dos outros. O conjunto desses trabalhos privados constitui o trabalho social total. Como os produtores só travam contato social mediante a troca de seus produtos do trabalho, os caracteres especificamente sociais de seus trabalhos privados aparecem apenas no âmbito dessa troca. Ou, dito de outro modo, os trabalhos privados só atuam efetivamente como elos do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio destes, também entre os produtores. A estes últimos, as relações sociais entre seus trabalhos privados aparecem como aquilo que elas são, isto é, não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, mas como relações reificadas entre pessoas e relações sociais entre coisas”.
  • Agência financiadoraNão se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participaçãoNão se aplica.
  • Consentimento para publicação O autor consente a publicação do presente manuscrito.

Referências

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Editado por

  • Editores Responsáveis
    Michelly Laurita Wiese – Editora-chefe
  • Keli Regina Dal Prá – Comissão Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2023
  • Aceito
    05 Mar 2024
  • Revisado
    17 Jun 2024
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