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Mulheres vítimas de violência sexual: adesão à quimioprofilaxia do HIV

Resumos

O estudo teve como objetivo avaliar a adesão de mulheres vítimas de violência sexual ao tratamento de quimioprofilaxia do HIV. É um estudo quantitativo que teve como lócus o Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual em Salvador (Bahia). Participaram do estudo 172 mulheres. A coleta de dados foi realizada através de entrevista com formulário e consulta aos prontuários. Os resultados mostraram que 45,4% das mulheres violentadas eram adolescentes e o estupro acometeu 40,7% das atendidas. Apenas 54% das mulheres tinham indicação para o uso de anti-retrovirais para a prevenção do HIV. Houve adesão ao tratamento de 57,4% e a taxa de descontinuidade correspondeu a 42,6%. A não-adesão foi atribuída aos transtornos psíquicos e/ou emocionais e à não compreensão do tratamento instituído. Portanto, há necessidade de um olhar atento dos profissionais a fim de perceber as condições que implicarão no aumento da vulnerabilidade das mulheres à infecção.

mulheres; violência; quimioprevenção


This study aimed to investigate the adherence of women victims of sexual violence, to AIDS chemoprevention treatment. A quantitative study was carried out at a care service to victims of sexual violence in Salvador (Bahia, Brazil). Study participants were 172 women. Data were collected through interviews with forms and consultation of patient files. The results showed that 45.4% of the abused women were teenagers and 40.7% of the attended women were raped. Only 54% of the women were advised to use antiretrovirals to prevent HIV. Adherence to treatment occurred in 57.4% of cases and discontinuity corresponded to 42.6%. Non-adherence to treatment was attributed to psychological or emotional disorders and non-understanding of the established treatment. Therefore, it is important that professionals pay careful attention in order to perceive the conditions that might increase women's vulnerability to the infection.

women; violence; chemoprevention


La finalidad de este estudio fue investigar si las mujeres víctimas de violencia sexual adhieren o no al uso de medicamentos para prevención del HIV. Fue realizado un estudio cuantitativo en un servicio de atención a personas sexualmente violentadas, ubicado en Salvador (Bahía, Brasil). Participaron del estudio 172 mujeres. Los datos fueron recopilados a través de entrevistas dirigidas y consulta a los archivos. Los resultados demostraron que el 45.4% de las mujeres víctimas de violencia eran adolescentes y que el 40.7% de las mujeres asistidas fueron violadas. Sólo el 54% de las mujeres fue aconsejado a usar medicamentos antiretrovirales para prevención del VIH, El 57.4% de ellas adhirió al tratamiento y el 42.6% no lo continuó. Aquellas que no adhirieron al tratamiento alegaron disturbios psicológico y/o emocional o no comprensión del tratamiento instituido. Por lo tanto, es necesaria una mirada atenta de los profesionales para percibir las condiciones que implican un aumento en la vulnerabilidad de las mujeres a la infección.

mujeres; violencia; quimioprevención


ARTIGO ORIGINAL

Mulheres vítimas de violência sexual: adesão à quimioprofilaxia do HIV1 1 Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado, Subvencionado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq/PIBIC

Normélia Maria Freire DinizI; Lílian Conceição Guimarães de AlmeidaII; Bárbara Cristina dos S. RibeiroIII; Valéria Góes de MacêdoIV

IDoutor em Enfermagem, Professor Adjunto da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, e-mail: lilian.enfermagem@bol.com.br

IIMestre em Enfermagem, Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências

IIIAluna do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, bolsista do PIBIC

IVMédica do Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual - VIVER

RESUMO

O estudo teve como objetivo avaliar a adesão de mulheres vítimas de violência sexual ao tratamento de quimioprofilaxia do HIV. É um estudo quantitativo que teve como lócus o Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual em Salvador (Bahia). Participaram do estudo 172 mulheres. A coleta de dados foi realizada através de entrevista com formulário e consulta aos prontuários. Os resultados mostraram que 45,4% das mulheres violentadas eram adolescentes e o estupro acometeu 40,7% das atendidas. Apenas 54% das mulheres tinham indicação para o uso de anti-retrovirais para a prevenção do HIV. Houve adesão ao tratamento de 57,4% e a taxa de descontinuidade correspondeu a 42,6%. A não-adesão foi atribuída aos transtornos psíquicos e/ou emocionais e à não compreensão do tratamento instituído. Portanto, há necessidade de um olhar atento dos profissionais a fim de perceber as condições que implicarão no aumento da vulnerabilidade das mulheres à infecção.

Descritores: mulheres; violência; quimioprevenção

INTRODUÇÃO

A violência sexual desconhece barreiras culturais, classes sociais, níveis socioeconômicos e limitações individuais. Pode ocorrer tanto no espaço privado quanto no público e atinge pessoas de ambos os sexos e de todas as faixas etárias, sendo as mulheres suas maiores vítimas.

A violência contra as mulheres, denominada violência de gênero, representa grave violação aos direitos humanos e é capaz de desencadear inúmeros agravos à saúde dessas e, dentre esses, pode-se citar o medo, a falta de credibilidade no sistema legal e o silêncio, o que permite que as vítimas se tornem cúmplices dos seus agressores.

Vale ressaltar que os registros de violência não revelam a realidade do fenômeno, pois no Brasil não existem dados globais a respeito do fenômeno: estima-se que menos de 10% dos casos são denunciados nas delegacias(1).

Durante muito tempo, a violência foi considerada uma questão de polícia. Atualmente, pela extensão que tem atingido, passou a ser igualmente um problema de saúde pública. A mulher que vive situação de violência tem problemas de saúde sérios. Pode-se citar, por exemplo, entre os distúrbios psicológicos, pesadelos repetidos, angústia, fuga, evitação de recordações do evento traumático, seja em conversas, seja evitando lembrar de pensamentos, lugares, pessoas; aumento da excitação emocional, ira, falta de concentração, estado de alerta, facilidade para se assustar e nervosismo(2).

No que tange aos aspectos físicos, cita-se lesões de pele, gravidez, aborto, infecções sexuais, lacerações e a contaminação pelo HIV. Dores crônicas e uso de drogas também contam como efeitos da agressão.

Desse modo, a violência sexual é capaz de provocar distúrbios psicológicos decorrentes do trauma, doenças de ordem física (como, por exemplo, lesões corporais), doenças sexualmente transmissíveis e AIDS.

Atento aos agravos e repercussões da violência sexual para a saúde das pessoas, o Ministério da Saúde do Brasil lançou, em 1999, um manual, com vistas a padronizar o atendimento. Entre as condutas padronizadas pelo Ministério da Saúde encontra-se o uso de anti-retrovirais para prevenir a infecção pelo HIV.

Ainda são incipientes tanto a divulgação quanto o conhecimento dessa prática, seja por parte dos serviços de saúde seja por parte da população. Entretanto, já existe, desde 2001, em Salvador, BA, um centro de referência para atender pessoas que sofreram violência sexual e para fornecimento da quimioprofilaxia.

Sua importância epidemiológica e social justifica esse estudo, visto que traz à tona questões ainda pouco reveladas, que necessitam de maiores reflexões, revelando, ou melhor, desvelando o espaço da violência no campo das relações familiares, o ambiente doméstico, geralmente considerado como local de afeto e amor, mas que, em verdade, é palco de atrocidades e agressões.

Nesse contexto, a pesquisa teve como objetivo geral avaliar a adesão, por parte das mulheres vítimas de violência sexual, ao tratamento de quimioprofilaxia do HIV. E como objetivo específico identificar os fatores que influenciam a não-adesão ao tratamento de quimioprofilaxia do HIV pelas mulheres vítimas de violência sexual.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo descritivo, exploratório e de natureza quantitativa, que teve como espaço um Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual, em Salvador (BA). Sendo que a seleção da amostra era sistemática, e se deu no período compreendido entre os meses de outubro e dezembro de 2003. Todas as crianças, adolescentes e adultas do sexo feminino atendidas no período citado constituíram o corpus, perfazendo o total de 172 mulheres (crianças, adolescentes e adultas) vítimas de violência sexual atendidas no serviço, sendo que 60 delas sofreram atentado violento ao pudor (AVP) e 112, estupro, associados ou não ao AVP.

A violência sexual é entendida como ato que obriga uma pessoa a ter contato sexual, físico ou verbal ou a participar de outras relações sexuais pelo uso da força, intimidação ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal(3).

De acordo com o Código Penal Brasileiro, essa coação pode ser expressa sob diversas formas, entre as quais estupro, tentativa de estupro, sedução, atentado violento ao pudor e ato obsceno(3).

Utilizou-se, aqui, como técnica de coleta de dados, a análise documental e a entrevista, essa última realizada apenas com as mulheres que não aderiram ao tratamento.

Os dados foram obtidos por meio dos livros de registro dessa instituição, permitindo a identificação das fichas e tornando possível a verificação de dados como identificação pessoal das vítimas, da violência sexual, do agressor e da adesão ao tratamento da quimioprofilaxia do HIV.

Foram considerados os aspectos éticos e legais, determinados pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(4) e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Professor Edgar Santos.

Como variáveis dependentes, escolheu-se a violência sexual, a adesão e a não-adesão à quimioprofilaxia e, como independentes, destacou-se dados sociodemográficos e a história ginecológica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo da violência requer uma integração entre setores, visto que a complexidade que a envolve não permite ser tratada por apenas uma disciplina. A violência é, antes de tudo, uma questão social e, como tal, não é, em si, objeto de estudo apenas da área de saúde, tornando-se, assim, um tema que também é abrangido por outras áreas pelas conseqüências funestas que traz para a qualidade de vida das mulheres.

Pôde-se constatar certas particularidades neste estudo, por ocasião da caracterização da amostra. Por exemplo, o fato de haver grande número de casos de violência sexual entre as crianças e adolescentes do sexo feminino, e ainda de o local de ocorrência ser o espaço doméstico.

O aspecto não-privativo da esfera doméstica reside no fato de ela abrigar coisas que devem ser ocultas dos olhos humanos: a distinção entre o que deve ser público ou privado é estabelecida entre a diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado(5).

Assim, muitas crianças, adolescentes e adultos são violentados, mas os dados a seguir não revelam todos os casos de violência vividos no seio familiar dessa cidade, daí inferir-se que os dados abaixo não revelam a real magnitude da violência, embora sugiram um panorama preocupante.

A violência intrafamiliar é fenômeno que apresenta raízes na cultura e na história das civilizações, sendo, a cada dia, mais desvelado, obtendo maior destaque a partir da década de 90 e constituindo-se, assim, em campo em construção para o estudo teórico e prático(6).

Caracterização da amostra

Utilizou-se o critério de divisão de faixa etária, estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e considerou-se crianças com idade inferior a 12 anos, adolescentes de 12 a 18 anos e adultos a partir de 19 anos.

Os resultados evidenciaram que a faixa etária mais acometida pela violência sexual é a de 12 a 18 (45,4%). Seguem-se crianças violentadas (32,6%) e adultas (22%).

Outros estudos também já mencionaram a relação estabelecida entre a vivência da violência e a idade jovem. Seguindo o mesmo critério de classificação realizada nesta pesquisa, a violência sexual ocorreu em 37,7% de crianças, 31,3% de adolescentes e 31% de adultas(7). Esses dados confirmam que há grupos de pessoas que estão mais vulneráveis à violência, entre os quais se encontram as mulheres jovens(7-8).

Tal vulnerabilidade se justifica a partir de relações que poderiam ser de confiança e proteção, mas que, no entanto, são usadas como subterfúgio para a violência. Dessa forma, no ambiente doméstico, na maioria das vezes, essas crianças e adolescentes que vivenciam situações de violência constroem uma identidade social que se reproduz por várias gerações.

A violência é discutida como um fenômeno que se apresenta em diferentes camadas sociais, ou seja, há um patamar de igualdade entre as vítimas de violência sexual, e isso se repete nas diferentes gerações de uma mesma família, o que pode ser chamado de transgeracionalidade(6).

No que diz respeito à variável cor da pele, considera-se relevante quando a temática é violência, pois, apesar de se ter feito a distinção entre as cores preta e parda, seguindo o critério das fichas de classificação do serviço, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estabelece que o termo "população negra" abrange as populações preta e parda em conjunto, de acordo com os termos adotados para nomear as raças/etnias que compõem a população brasileira(9). Com base nesse critério, constatou-se que 77,3% (39,5% preta; 37,8% parda) das mulheres violentadas pertenciam à raça negra.

Esses dados, contudo, não impede a afirmação de que a maior freqüência da violência sexual foi entre as mulheres negras, pois essas, além de mulheres, são negras, e sofrem por ser mais discriminadas, desvalorizadas, vivendo em condições desiguais de gênero e em situação de violência.

Em estudo realizado em Salvador (BA), observou-se que 46,5% das mulheres que sofreram algum tipo de violência consideram-se da cor preta(10). Contudo, em pesquisa realizada em São Paulo, 47,8% das mulheres se declararam brancas, diferença que pode ser justificada pelas características étnicas regionais(11).

Quanto à variável ginecológica, observou-se a utilização de métodos contraceptivos pelas mulheres atendidas no serviço e que já tinham iniciado a vida sexual em período anterior ao da violência sexual.

É relevante destacar que 18,7% das mulheres eram virgens e foi no momento da violência que tiveram o primeiro contato sexual. Esse dado incrementa a possibilidade de ocorrerem rupturas e dilacerações da pele, o que aumenta o risco de infecção pelo HIV e a necessidade de que sejam implementadas condutas que minimizem esse risco. O fato justifica o não uso prévio de contraceptivos, uma vez que essas mulheres não tinham iniciado a vida sexual.

A violência sexual sofrida por mulheres virgens traz, entre outros problemas, a elevação do risco de contaminação pelo HIV, visto que a lesão do hímen rompe a integridade da mucosa genital(12).

Entre as mulheres que foram violentadas, 70% não utilizavam nenhum método contraceptivo: ora, isso evidencia a vulnerabilidade à gravidez a que estavam expostas.

Ainda que algumas mulheres, seguindo a orientação do Ministério da Saúde, façam uso da contracepção de emergência, algumas delas engravidaram após serem violentadas, visto que a eficácia da medicação não é de 100% e, ainda que muitas compareceram ao serviço depois de 72 horas, ou seja, depois do prazo estipulado para que seja feita a administração da medicação.

Nos casos de gravidez, as mulheres terão dois caminhos a seguir: aceitar a gravidez proveniente do estupro e conviver com o sofrimento que isso poderá lhe trazer, ou optar pelo aborto que é oferecido nos serviços de saúde, mas que ainda não está bem estruturado e que também poderá ser causa de sofrimentos.

Violência sexual

No que se refere à variável violência sexual, percebe-se que, em determinados momentos, ela surgiu associada a outras formas, tais como atentado violento ao pudor com coito oral (AVPO); atentado violento ao pudor com coito anal (AVPA) e ambas, além do estupro.

Pela Tabela 1, ficou evidente que o estupro foi a forma como a violência sexual se apresentou em 40,7% das mulheres das diversas faixas etárias, sendo que, entre as adolescentes, esse percentual correspondeu a 60,3%, entre as adultas 45,8% e em 12,5% das crianças. Em alguns momentos, essa agressão veio associada a outras formas, como AVPO em 22,9% das mulheres com idade superior a 18 anos; AVPA em 8,4% nesse mesmo grupo e as três formas juntas em 22,9% dessas mulheres.

O AVP teve sua maior freqüência entre as crianças, atingindo 82,1% delas e 20,6% das adolescentes. Não foram registrados casos de AVP entre as adultas. Este estudo confirma o predomínio de estupro entre as adultas e adolescentes, enquanto o AVP prevalece entre as crianças.

O estudo de Drezett evidenciou a prevalência de AVP entre as crianças vítimas de violência sexual, 70,4% nessa fase da vida(13). No que se refere à distribuição dos agressores, de acordo com as diversas faixas etárias das vítimas, identificou-se que os indivíduos que mais agrediram sexualmente as crianças foram vizinho (32,1%), pessoa conhecida (17,9%), pai (14,4%) e padrasto (12,5%).

Entre as adolescentes, 27,9% dos casos de violência são praticados por um conhecido, 19,1%, por desconhecido e 13,2%, pelo padrasto. Nas mulheres adultas, 60,4% dos casos de violência sexual tiveram como perpetrador da agressão um desconhecido. Isso mostra que as crianças e adolescentes estão mais vulneráveis à violência familiar.

Assim, é importante destacar que nos casos de estupro identificados, a mulher violentada teria grande risco de infecção pelo HIV, já que, em estudo realizado no ambulatório de um hospital/escola do município de São Paulo, evidenciou-se que as relações heterossexuais foram identificadas como a principal forma de exposição entre as mulheres com HIV/AIDS, representando 83,5% dos casos(14).

Com relação ao número de agressores, o estudo mostrou que a violência sexual foi praticada por um único agressor em 89% dos casos. Os dados apontam que as seqüelas psicológicas são mais severas quando o abuso sexual é perpetrado por múltiplos agressores e também que, quanto maior o número de agressores, maior o risco de contrair DST e HIV(13).

A violência sexual, tanto no caso de crianças quanto no de adolescente, ocorreu em território físico e simbólico da estrutura familiar, onde o homem praticamente exerce o domínio total. A distribuição da violência sexual, segundo local de ocorrência, demonstrou que a residência do agressor foi o local de preferência (29,6%), seguido por residência da vítima (16,2%) e 13,4%, o matagal, entre outros espaços públicos; ou seja, a violência pode acontecer em todos os locais, sejam eles públicos ou privados.

No espaço doméstico, por um processo de domínio e poder, estabelecidos pelas regras sociais, agressores com laços consangüíneos ou de parentesco perpetram a violência sexual que se pode chamar de violência intrafamiliar(15). A segurança do lar permite ao agressor o exercício do poder em território conhecido, onde o domínio e a delimitação do espaço são características que autorizam a violência, o que torna a denúncia decisão difícil de ser tomada. Ao caracterizar os agressores, observa-se que é na faixa etária dos 20 aos 40 anos que está a maior incidência, e isso qualifica os indivíduos adultos como provedores da violência sexual.

O uso de álcool pelos agressores, se comparado a outros estudos do mesmo gênero, mostrou poucos casos. Tanto mais que se constatou que 57,3% dos agressores não haviam ingerido bebida alcoólica no instante em que cometeram a violência. Contudo, é comum que as vítimas associem a violência sexual ao uso de drogas: logo, o álcool, sendo uma droga permitida, também está inserida nesse contexto. Um estudo com 150 mulheres, estudantes universitárias, que tinham sido vítimas de estupro, mostrou que 84% afirmaram conhecer o agressor e 73% afirmaram que esse estava sob a influência de drogas ou de álcool(16).

Adesão à quimioprofilaxia

Reportando-se à variável adesão à quimioprofilaxia do HIV, verificou-se que das mulheres que compareceram ao serviço apenas 54% tinham indicação para uso dos anti-retrovirais para prevenção do HIV(17). Entre os critérios analisados estão tipo e grau de risco da agressão; se foi um estupro ou atentado violento ao pudor, se houve lesões e fissuras na genitália. Caso tenham sido utilizados materiais perfurantes e cortantes, seringas etc.; tipo de sexo realizado (se foi oral com a ejaculação, anal ou vaginal); se a vítima reagiu ou não à violência, pois alguns desses fatores podem potencializar o risco de infecção.

Nesse sentido, 46% das mulheres não fizeram o uso da quimioprofilaxia, por não terem atendido os critérios mencionados, bem como não fizeram o uso da contracepção de emergência.

Entre as mulheres que iniciaram o tratamento, a adesão foi de 57,4%. Ou seja, não houve adesão de 42,6% daquelas que iniciaram a terapêutica.

Comparando com o estudo realizado por Drezett, em que 75,8% das mulheres aderiram ao tratamento e a taxa de descontinuidade foi de 24,2%(13), os dados obtidos pela Tabela 2 evidenciam que, no presente estudo, a adesão foi considerada baixa. Entre os motivos que levaram à não-adesão estão os transtornos psíquicos e/ou emocionais (40%), falta de entendimento no uso correto das medicações (30%), efeitos colaterais secundários (20%) e 10% pela falta de recursos financeiros para retornar ao serviço para receber a medicação. Destaca-se que não se conseguiu contato com 56,5% das mulheres que descontinuaram o tratamento para saber o motivo que as levou ao abandono.

O estreitamento da relação entre profissionais e pacientes é excelente alternativa para melhorar a adesão ao tratamento, já que todos os motivos alegados pelas mulheres como justificativas para abandonar o tratamento poderiam ter sido trabalhados pela equipe.

As Políticas Públicas devem ser responsabilizadas no sentido de contribuir com recursos financeiros para garantir que o tratamento seja realizado adequadamente, no mínimo, fornecendo vales-transporte para que as mulheres possam retornar ao serviço para buscar o medicamento.

O estudo de Drezett aponta como principal causa de descontinuidade no tratamento a intolerância gástrica (80%). Apenas um caso de falta de entendimento no tratamento (6,7%)(12) foi relatado.

Assim sendo, a interação entre os profissionais de saúde e as pessoas que sofrem violência sexual é imprescindível para o aumento da adesão à quimioprofilaxia do HIV. Assim sendo, uma avaliação continuada do atendimento prestado deve ser efetivada para fins de identificação periódica dos casos de abandono, na busca de alternativas viáveis para reduzir o risco de infecção pelo HIV.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados evidenciaram que a violência sexual atinge mulheres das diversas faixas etárias, sendo que há incidência elevada entre as adolescentes.

Os estudos de violência retratam a raça negra como alvo principal das agressões. As mulheres negras tiveram participação significativa na amostra. Fatores étnicos, socioeconômicos, culturais e de gênero não podem ser suprimidos quando se discute a violência.

O uso da força para intimidar foi prática comum: logo, a violência sexual apresentou-se sob as formas de estupro, atentado violento ao pudor, atentado violento ao pudor com coito oral e atentado violento ao pudor com coito anal, tendo, geralmente, um agressor adulto durante o ato. Esse, em alguns casos, era conhecido da vítima, um familiar (pai, padrasto, tio ou irmão), o que caracteriza a violência intrafamiliar.

A adesão ao tratamento de quimioprofilaxia do HIV foi baixa, visto que todas as mulheres deveriam aderir ao esquema terapêutico para que o risco da infecção pelo HIV fosse reduzido.

O abandono do tratamento pode ser justificado por inúmeras situações: ingerir um comprimido para prevenir o HIV é acompanhado por uma série de coisas, como relembrar a violência sofrida, tornar público algo que seria privado. A dificuldade econômica em ir ao serviço buscar o comprimido e o não entendimento do que seja o tratamento também são razões que justificam o fato de as mulheres não aderirem ao tratamento.

Esses motivos devem ser trabalhados pela equipe, periodicamente avaliados, no sentido de melhorar o índice de adesão.

Este estudo contribui com o processo educativo para o trabalho com as famílias à medida que mostra a violência intrafamiliar como parte das relações entre gerações construídas socialmente de forma naturalizada. Assim é que profissionais das diversas disciplinas podem ter um olhar diferenciado para o atendimento dos sujeitos e famílias em situação de violência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 17.11.2005

Aprovado em: 13.9.2006

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  • 1
    Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado, Subvencionado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq/PIBIC
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      17 Nov 2005
    • Aceito
      19 Set 2006
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