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Eventos adversos a medicamentos em um hospital sentinela do Estado de Goiás, Brasil

Resumos

Trata-se de estudo retrospectivo, documental e descritivo que teve como objetivo identificar os eventos adversos a medicamentos, ocorridos no processo administração de medicamentos, e classificar os erros de medicação. Este estudo foi desenvolvido na unidade de clínica médica de um hospital geral de Goiás, Brasil. Foram analisados os livros utilizados pela equipe de enfermagem, no período de 2002 a 2007, para registros de passagem de plantão. Identificaram-se 230 erros de medicação, sendo a maioria no preparo e administração de medicamentos (64,3%). Os erros de medicação foram de omissão (50,9%), de dose (16,5%), de horário (13,5%) e de técnica de administração (12,2%), sendo mais frequentes com antineoplásicos e imunomoduladores (24,3%) e anti-infecciosos (20,9%). Constatou-se que 37,4% dos medicamentos eram potencialmente perigosos. Considerando os erros de medicação detectados, é importante promover cultura de segurança no hospital.

Qualidade da Assistência à Saúde; Gerenciamento de Segurança; Erros de Medicação


This was a retrospective, descriptive and documental study with the aim of identifying adverse drug events which occurred in the medication administration process and to classify these medication errors. This study was developed in the internal medicine unit of a general hospital of Goiás, Brazil. Report books used by nursing staff from the period 2002 to 2007, were analyzed. A total of 230 medication errors were identified, most of which occurred in the preparation and administration of the medications (64.3%). Medication errors were of omission (50.9%), of dose (16.5%), of schedule (13.5%) and of administration technique (12.2%) and were more frequent with antineoplastic and immunomodulating agents (24.3%) and anti-infective agents (20.9%). It was found that 37.4% of drugs were high alert medications. Considering the medication errors detected it is important to promote a culture of safety in the hospital.

Quality of Health Care; Safety Management; Medication Errors


Se trata de un estudio retrospectivo, documental y descriptivo que tuvo como objetivo identificar los eventos adversos causados por medicamentos ocurridos en el proceso de administrarlos y clasificar los errores de medicación. Este estudio fue desarrollado en la unidad de clínica médica de un hospital general de Goiás, Brasil. Fueron analizados los libros utilizados por el equipo de enfermería, en el período de 2002 a 2007, en los registros de traspaso de plantón. Fueron identificados 230 errores de medicación, siendo la mayoría en la preparación y administración de medicamentos (64,3%). Los errores de medicación fueron de omisión (50,9%), de dosis (16,5%), de horario (13,5%) y de técnica de administración (12,2%), siendo más frecuentes con antineoplásicos e inmunomoduladores (24,3%) y antiinfecciosos (20,9%). Se constató que 37,4% de los medicamentos eran potencialmente peligrosos. Considerando los errores de medicación detectados es importante promover una cultura de seguridad en el hospital.

Calidad de la Atención de Salud; Administración de la Seguridad; Errores de Medicación


ARTIGO ORIGINAL

Eventos adversos a medicamentos em um hospital sentinela do Estado de Goiás, Brasil

Ana Elisa Bauer de Camargo SilvaI; Adriano Max Moreira ReisII; Adriana Inocenti MiassoIII; Jânia Oliveira SantosIV; Silvia Helena De Bortoli CassianiV

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil. E-mail: anaelisa@terra.com.br

IIFarmacêutico, Doutorando em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. Professor Assistente, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. E-mail: amreis@farmacia.ufmg.br

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: amiasso@eerp.usp.br

IVEnfermeira, Professor, Faculdade Estácio de Sá de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. E-mail: janiaos@gmail.com

VEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: shbcassi@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Trata-se de estudo retrospectivo, documental e descritivo que teve como objetivo identificar os eventos adversos a medicamentos, ocorridos no processo administração de medicamentos, e classificar os erros de medicação. Este estudo foi desenvolvido na unidade de clínica médica de um hospital geral de Goiás, Brasil. Foram analisados os livros utilizados pela equipe de enfermagem, no período de 2002 a 2007, para registros de passagem de plantão. Identificaram-se 230 erros de medicação, sendo a maioria no preparo e administração de medicamentos (64,3%). Os erros de medicação foram de omissão (50,9%), de dose (16,5%), de horário (13,5%) e de técnica de administração (12,2%), sendo mais frequentes com antineoplásicos e imunomoduladores (24,3%) e anti-infecciosos (20,9%). Constatou-se que 37,4% dos medicamentos eram potencialmente perigosos. Considerando os erros de medicação detectados, é importante promover cultura de segurança no hospital.

Descritores: Qualidade da Assistência à Saúde; Gerenciamento de Segurança; Erros de Medicação.

Introdução

Os eventos adversos a medicamentos (EAM) têm sido foco de estudos em vários países, pois ocorrem com frequência e aumentam a morbi-mortalidade dos pacientes, constituindo-se em novo problema de saúde pública(1).

O evento adverso a medicamento (EAM) abrange a reação adversa a medicamentos (RAM) e o erro de medicação (EM). O EM é um dos mais frequentes tipos de EAM e tem como características o fato de poder ser evitado, ocorrer em qualquer etapa do sistema de medicação (prescrição, dispensação e administração de medicamentos) e com qualquer profissional da equipe multidisciplinar responsável por ações voltadas à terapia medicamentosa: médicos, farmacêuticos e enfermeiros(1-2).

A Organização Mundial da Saúde vem estimulando todos os países do mundo a prestar maior atenção aos EAMs e à segurança do paciente e, em muitos países, as discussões e implementações de estratégias relacionadas a essa temática já estão bastante avançadas. Uma das primeiras atitudes tem sido o incentivo à sistematização da coleta de informações detalhadas sobre os EAMs para que sejam analisados com vistas ao planejamento e adoção de estratégias para a redução de incidentes similares no futuro(3).

Em âmbito internacional, ao longo dos últimos anos, em vários países, já vem sendo desenvolvidas e implementadas práticas e políticas públicas para notificação dos EAMs, entre eles os EMs. No Brasil, a identificação, classificação e análise dos EAMs, ocorridos em instituições hospitalares, são pouco divulgadas e as ações governamentais, em prol da segurança dos pacientes, ainda estão muito tímidas, pois não existem estimativas sobre a incidência de EM, sobre suas consequências, suas causas e nem dos custos diretos e indiretos desses erros para as organizações de saúde. As discussões estão apenas começando, considerando que, em 2001, foi criada pelo Ministério da Saúde, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma rede de Hospitais Sentinela, preparados para notificar eventos adversos e queixas técnicas de produtos de saúde. No entanto, não há um banco de dados nacional para receber e analisar tais eventos, assim como são poucos os hospitais que possuem sistema formal de notificação e análise dos erros.

Um panorama da realidade nacional foi conhecido em estudo pioneiro, realizado em três hospitais do Rio de Janeiro, o qual identificou frequência de 5,6% de EAM(4). A realidade atual é que, em muitos hospitais, só são identificados os EAMs graves, que causam grande dano ao paciente e, dessa forma, tornam-se de domínio público. Os EAMs considerados de menor proporção não são notificados pela inexistência de processos voltados à identificação, notificação e registro dos mesmos, ou por medo da exposição e punição.

O desconhecimento da taxa de EAM impossibilita aos gestores dimensionar os custos adicionais impostos à organização, como o aumento do período de internação, a solicitação de exames e medicamentos adicionais, sem falar na possibilidade de ações processuais movidas pelos clientes lesados. Nesse contexto, cada hospital deve buscar informações sobre EAM e EM e construir seus próprios bancos de dados com os tipos, frequências e causas(5), buscando transformá-los em práticas de melhoria para o sistema, através de programas de qualidade(6).

Várias são as formas de identificar EAM em hospitais, como: sistemas formais de notificação de EM, revisão retrospectiva de prontuários, observação direta, combinação de relato anônimo com observação, análise de dados administrativos e entrevista com pacientes e profissionais de saúde(5,7). Perante a escassez de sistemas formais de notificação nos hospitais, as fontes de informações, baseadas em anotações, relatando a assistência que foi prestada, a evolução clínica, reclamações e solicitações são consideradas adequadas para detectar EAM(5). Quando redigidas de maneira que retratam a realidade, as anotações de enfermagem possibilitam a comunicação permanente, podendo destinar-se a diversos fins (pesquisas, auditorias, processos jurídicos, planejamento e outros), além de fornecer informações importantes sobre a qualidade do cuidado.

Considerando que a enfermagem permanece em período integral no ambiente hospitalar, acompanhando o paciente, e que evidências demonstraram que essa categoria profissional é a que mais relata incidentes entre os profissionais de saúde(5), acredita-se que os registros realizados por essa equipe, em livros de ocorrências, constituam fonte potencial para identificação de EAM. Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi identificar, nos registros de enfermagem de uma unidade de internação hospitalar, os EAMs ocorridos no processo de preparo e administração de medicamentos e classificar os EMs detectados.

Método

Estudo retrospectivo, documental, descritivo, com delineamento exploratório, desenvolvido na unidade de clínica médica de um hospital geral de Goiás. A escolha dessa instituição se deve ao fato de ela fazer parte da Rede de Hospitais Sentinela da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e ser área de formação de recursos humanos em saúde. Esse hospital prioriza a assistência, o ensino, a pesquisa e a extensão, é campo de estágio para vários centros formadores de profissionais de saúde. Possui cerca de trezentos leitos, destinados exclusivamente aos pacientes do Sistema Único de Saúde, nas diversas especialidades clínicas e cirúrgicas. A clínica médica foi selecionada por possuir 59 leitos, distribuídos por treze enfermarias com várias especialidades que tratam de pacientes com doenças crônicas degenerativas. Destaca-se que a instituição investigada não possui sistema de notificação de eventos adversos e o seu sistema de distribuição de medicamentos é o individualizado direto, com emprego de cópia carbonada da prescrição.

Os dados foram obtidos dos livros utilizados pela equipe de enfermagem, principalmente por enfermeiros, no período de 2002 a 2007, para registros de passagem de plantão, avisos, comunicados internos, solicitações e para anotação de intercorrências. A unidade de análise foi o registro de enfermagem. Analisou-se o conteúdo das anotações, visando identificar os registros relacionados à ocorrência de EAM. As informações referentes ao evento adverso e ao medicamento envolvido foram registradas em um instrumento de coleta de dados, elaborado pelos pesquisadores. A coleta foi realizada em 2007 e 2008 e a amostra foi constituída por todas as 242 anotações relacionadas a medicamentos, descritas no livro de enfermagem no período em análise.

A classificação farmacológica dos medicamentos foi realizada segundo o Sistema Anatômico Terapêutico Químico (ATC) do WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology, órgão da Organização Mundial da Saúde (nível 1 - grupo anatômico)(8). A classificação ATC, amplamente empregada em farmacoepidemiologia, é importante porque propicia comparação com outras investigações e assegura uniformidade na determinação das classes terapêuticas. Os fármacos de baixo índice terapêutico foram identificados em fonte terciária de referência em farmacoterapia(9). Os medicamentos potencialmente perigosos (MPP) foram classificados segundo o Institute for Safe Medication Practice (ISMP)(10).

Os erros foram classificados segundo a American Society of Hospital Pharmacists (ASHP)(11). A ASHP classifica os erros de medicação em erro de prescrição (seleção incorreta da droga, dose, via, concentração, velocidade de administração, prescrição ilegível ou ordens prescritas que permitem erros que prejudicam o paciente); erro de omissão (falha na administração de uma dose prescrita a um paciente antes de uma próxima, se existir); erro de tempo/horário (administração de medicamento fora de um intervalo pré-definido de tempo do esquema de administração); erro de medicamento não autorizado (administração de medicamento não prescrito); erro de dosagem (administração de dosagem superior ou inferior à prescrita ou administração de dose duplicada); erro no preparo do medicamento (droga formulada ou manipulada incorretamente antes da administração); erro de técnica de administração (procedimento inapropriado ou técnica de administração imprópria); erro de deterioração da droga (administração de medicamento com data de validade vencida ou cuja integridade física ou química ficou comprometida); erro de monitoramento (falha na revisão de um esquema prescrito para detecção de problemas ou falha no uso de dados laboratoriais ou clínicos, para identificar a resposta adequada de um paciente à terapia); erro de adesão (comportamento inadequado do paciente no que se refere à aderência a um esquema de medicamentos prescrito) e outros erros (qualquer outro erro que não os citados nas categorias listadas anteriormente).

Os dados coletados foram digitados em um banco de dados, elaborado no Epidata 3.1, com validação e checagem de sua consistência. Foi realizada a análise estatística descritiva univariada, empregando-se o software SPSS 15.0. O estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e autorização da direção do hospital.

Resultados

Após a análise de conteúdo dos 242 registros, relativos a medicamentos, verificou-se que 230 (95,1%) anotações apresentaram informações completas relacionadas a EAM, permitindo a classificação dos mesmos. Apenas uma anotação estava relacionada à RAM e não foi incluída na casuística por insuficiência de informações. Os EAMs identificados foram 230 erros de medicação (EM). Vale ressaltar que algumas anotações traziam informações sobre erros com mais de um medicamento para o mesmo paciente, ou erro do mesmo medicamento para vários pacientes. Na análise da evolução temporal do quantitativo de EAM, identificou-se incremento dos números de EM de 247,4%, em 2004, devido à elevação de 19 em 2002, para 66 em 2004, conforme apresentado na Figura 1.


Entre os tipos de EM, classificados segundo a ASHP(11), destaca-se a frequência de erros de omissão (117; 50,9%), erros de dose (38;16,5%) e erros de horário (31; 13,5%). Na Tabela 1 é apresentada a distribuição dos erros de medicamentos identificados no estudo.

A distribuição dos EMs, de acordo com os subsistemas de medicação, foram: preparo e administração de medicamentos (148; 64,3%), dispensação (59; 25,6%) e prescrição (23; 10,1%).

A Tabela 2 apresenta a caracterização dos medicamentos envolvidos nos EMs. Os grupos nível 1 da ATC dos medicamentos com maior frequência de EM foram os antineoplásicos e imunomoduladores (56; 24,3%), anti-infecciosos de uso sistêmico (48;20,9%) e sangue e órgãos hematopoéticos ( 35; 15,3%). Em relação ao índice terapêutico, 43,0% dos medicamentos envolvidos em EM eram de baixo índice.

A frequência de medicamentos potencialmente perigosos foi de 37,4% e os erros, envolvendo medicamentos parenterais, corresponderam a 66,5%.

Os registros encontrados e analisados não possibilitaram a identificação das consequências e das condutas tomadas pela equipe, na maioria dos eventos adversos relatados.

Discussão

Os resultados deste estudo mostraram o potencial dos registros de enfermagem como fonte de informações sobre EAM e sua aplicabilidade no diagnóstico situacional, na análise de riscos e na implementação de melhorias para ampliar a segurança do paciente em relação à farmacoterapia, pois 93,9% dos relatos, cujo conteúdo era relativo a medicamento, possuía informações sobre EAM.

Na literatura pesquisada, não se identificou nenhum estudo empregando exclusivamente os registros de enfermagem como fonte para identificar EAM. Porém, estudo comparativo de fontes de informação sobre segurança do paciente evidenciou que EM foi o incidente mais detectado, em base de registros escritos de incidentes críticos (20,7%), e em relatos de prontuários (21,7%)(5), o que explica os resultados desta investigação.

Os EAMs identificados nos relatos de enfermagem foram predominantemente de EM, sendo que o único EAM envolvendo uma RAM foi excluído da casuística por falta de informações. O enfermeiro na sua prática habitual identifica e registra sinais e sintomas dos pacientes, portanto, apresenta condição adequada para relatar RAMs. A atuação do enfermeiro no relato de RAMs pode ser aprimorada através de estratégias educativas que demonstrem a importância dessa atitude para a segurança do paciente, como ocorreu na Suíça, resultando na ampliação de notificações de RAM por esse profissional(12).

A análise da elevação do número de registros em 2004 demonstrou alta prevalência de ocorrências relacionadas a medicamentos antineoplásicos, ocorridas em função da centralização do preparo de antineoplásicos no serviço de farmácia, com alterações na sistemática de distribuição dos mesmos. Considerando que o processo de administração de medicamentos envolve complexos sistemas organizacionais, essa complexidade, em conjunto com o elevado número de medicamentos administrados aos pacientes, cria oportunidades para erros. Assim, essa elevação de EM pode ser explicada pelo referencial da teoria dos sistemas que ressalta que qualquer ação em uma parte do sistema, necessariamente, provocará uma reação das demais(13). O redirecionamento do preparo de antineoplásicos e a falta de comunicação entre os subsistemas de medicação podem ser fatores que contribuíram para o aumento dos erros em função da modificação ocorrida no sistema original.

O conhecimento dos tipos de erros prevalentes no hospital e dos subsistemas envolvidos é fundamental para melhoria do processo de administração de medicamentos no mesmo. Na presente investigação, os erros mais frequentes foram os erros de omissão (117; 50,9%), erros de dose (38;16,5%) e erros de horário (31; 13,5%).

Apesar de os erros serem detectados em maior proporção (148; 64,3%) no subsistema de administração dos medicamentos, é importante destacar a influência dos erros nos outros subsistemas, como a dispensação (59; 25,6%) e prescrição (23; 10,1%), pois os erros podem ser reflexo do mau funcionamento do sistema de medicação como um todo.

Ressalta-se que, muitas vezes, o determinante do erro está presente em mais de um subsistema. Na análise do conteúdo dos registros dos erros, classificados como erros de omissão e de horário, identificou-se que os mesmos estavam relacionados não apenas a fatores intrínsecos à equipe de enfermagem, mas, também, a fatores associados à distribuição de medicamentos pela farmácia e aos prescritores (preenchimento inadequado de formulários de controle especial para antimicrobianos), enfatizando a importância da abordagem sistêmica para otimização da segurança na farmacoterapia. Esses resultados refletem a necessidade de otimizar os sistemas de medicação das instituições hospitalares, revisando os subsistemas, reduzindo etapas e simplificando os processos, visando a diminuição dos erros de medicação.

A falta de medicamentos foi o principal determinante dos erros de omissão. É importante destacar que a indisponibilidade do medicamento na farmácia do hospital apresenta determinantes externos e internos à instituição. Para evitar reflexos no sistema de medicação, é importante a incorporação de modernos conceitos de logística de materiais que evitam o desabastecimento de medicamentos, devido a fatores internos (planejamento inadequado ou emprego de ferramentas gerenciais ineficientes). A segurança do processo assistencial é comprometida pela indisponibilidade de medicamentos, pois EMs e RAMs são mais prováveis quando uma conduta terapêutica tem que ser substituída por motivos alheios às necessidades clínicas dos pacientes(14).

Os relatos de erros de dose (38; 16,5%) e de técnica de administração (28; 12,2%) refletiram situações de falta de conhecimento sobre medicamentos específicos e de dificuldade no manuseio de equipamentos, como bombas de infusão. Na categoria erro de técnica de administração foi detectado um erro com óbito, devido à administração de solução de nutrição enteral por via parenteral. As estratégias de prevenção desses erros englobam a ampliação das medidas educativas, direcionadas à realidade da unidade e adoção de sistemas de interceptação de erros(15), como o emprego de um único modelo de bomba de infusão e de seringas específicas para conexão em sondas para administração enteral.

A distribuição dos EMs, considerando a forma farmacêutica (Tabela 2), mostra que aquelas mais associadas a erros foram aquelas de uso parenteral e as de uso oral. Erros com medicamentos administrados por via parenteral também apresentaram frequência elevada em outros estudos. A incidência de erros com medicamentos de uso oral é explicada por ser uma das formas mais prescritas nos hospitais(16).

Para melhor compreensão dos EMs, em relação à via de administração, é importante analisar as formas farmacêuticas, considerando a complexidade de administração, o risco de dano e o custo. As formas farmacêuticas classificadas como de maior complexidade são, por ordem, aquelas para infusões endovenosas, intermitentes ou contínuas, as destinadas à administração endovenosa direta (em bolus), seguidas daquelas para a administração nas demais vias de uso parenteral. São consideradas de menor complexidade as formas sólidas e líquidas de uso oral. Em relação à classificação de risco de dano ao paciente, as formas parenterais apresentam dano maior e proporcional à complexidade. Na classificação de menor risco de dano estão as formas farmacêuticas não destinadas a uso oral ou parenteral. A ordem de classificação, em relação ao custo, é a mesma proposta para a complexidade de administração(16).

A complexidade do processo de administração dos medicamentos parenterais, envolvendo múltiplas etapas, requer maior necessidade de ajustes e monitorização ao longo do período de administração, aumentando o risco de erros(17). Para ampliar a segurança na administração de medicamentos, em especial dos parenterais, propõe-se a incorporação da tecnologia da informação aplicada à saúde, através de sistemas inteligentes de infusão, código de barras, prescrição informatizada e programas de suporte de decisão(18).

Analisando a classificação ATC, segundo o nível 1, os medicamentos dos grupos antineoplásicos e imunomoduladores (56; 24,3%), anti-infecciosos de uso sistêmico (48; 20,9%) e sangue e órgãos hematopoéticos (35; 15,3%) foram os principais grupos terapêuticos relacionados à EM. A frequência significativa de erros com antineoplásicos é uma particularidade do hospital investigado, pois o perfil encontrado por outros pesquisadores refere-se à maior frequência de erros com antimicrobianos(2). A preocupação com EM, envolvendo antimicrobianos é crescente na literatura, pois o uso inadequado dessa classe terapêutica contribui para o aparecimento da resistência microbiana(19).

O enfermeiro, para supervisionar e executar as atividades de administração de medicamentos, necessita de conhecimento sólido sobre farmacodinâmica, farmacocinética, técnicas de administração, reações adversas, interações medicamentosas e parâmetros de monitorização da resposta terapêutica. Esse conhecimento é essencial diante da diversidade do arsenal terapêutico disponível nos hospitais, que cresce a cada dia com a incorporação de novas classes terapêuticas, novas formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos, constituindo fator de risco para EM(2). A atualização profissional periódica é antídoto adequado para o problema, reduzindo o descompasso entre o conhecimento dos profissionais de enfermagem e a demanda de sua atuação na prática da terapia medicamentosa(20).

O desconhecimento sobre os aspectos da farmacoterapia surge, principalmente, de falhas na formação em farmacologia aplicada à prática assistencial. Aspectos farmacocinéticos, como a questão dos medicamentos de baixo índice terapêutico, são ensinados durante a graduação sem correlacionar com a questão dos EMs e riscos para segurança do paciente. O mesmo ocorre com o padrão de RAMs, a intensidade do efeito farmacodinâmico e outras questões relevantes para a farmacoterapia, principalmente de medicamentos potencialmente perigosos(2,20).

Embora a maioria dos medicamentos possua margem terapêutica segura, há fármacos que apresentam risco inerente para lesar o paciente quando existe falha no seu processo de utilização. Esses medicamentos são denominados medicamentos potencialmente perigosos (MPP). Os erros que acontecem com esses medicamentos não são os mais rotineiros, mas, quando ocorrem, possuem severidade alta e podem levar a lesões permanentes ou serem fatais(10). Nesta pesquisa, a porcentagem de erros com MPP foi de 37,4%, com alta prevalência de antineoplásicos. Outros MPPs frequentes foram a heparina, as insulinas, a enoxaparina e a femprocumona. Quando se quer implantar um programa para prevenção de EM, um dos grupos de medicamentos que pode ter preferência nessa escolha são os MPPs(10).

Em unidades de clínica médica é também importante identificar os erros com medicamentos de baixo índice terapêutico (MBIT). O grupo de MBIT é abrangente, englobando alguns MPPs, determinados antimicrobianos e outros medicamentos, muitos de uso oral. São medicamentos cuja diferença entre as concentrações terapêuticas e tóxicas é muito pequena, sendo necessária a monitorização cuidadosa da dose, dos efeitos clínicos e, algumas vezes, das concentrações sanguíneas. Principalmente em idosos, os erros com esses medicamentos podem resultar em admissão hospitalar ou no prolongamento da internação, quando ocorrem durante a hospitalização(20). A frequência de erros com MBIT foi de 43%. Na casuística estudada, destacam-se os erros com os seguintes MBITs: antineoplásicos, heparina, vancomicina e fenitoína.

Os erros de horário e de dose identificados, neste estudo, devem ser analisados com atenção. Em se tratando de MBIT ou MPP, esses tipos de erros são preocupantes, pois a margem de segurança é pequena. No caso de MBIT, os mesmos podem gerar erro em cascata, caso ocorra próximo ao dia de realização do exame de monitorização plasmática. Em virtude de um erro de medicação, o nível plasmático não refletirá o contexto clínico do paciente, podendo levar o médico a realizar um ajuste posológico inadequado que pode expor o paciente a um novo evento adverso. Os erros com MPP e MBIT, identificados no estudo, representam ameaça à segurança da utilização de medicamentos, portanto, é recomendável a implementação de medidas preventivas, de natureza sistêmica, direcionadas a esses grupos.

O fato de os registros não apontarem quais foram as consequências da maioria dos eventos e nem das condutas tomadas, frente ao ocorrido, aponta para a importância de que os hospitais possuam sistema próprio e específico para esse fim, para que equipe multidisciplinar possa executar análise profunda e completa dos problemas existentes.

Conclusão

O presente estudo identificou alguns dos EAMs que ocorreram em uma instituição hospitalar, os quais possuíam natureza multifatorial e multidisciplinar, envolvendo medicamentos críticos em relação à segurança do paciente. Revelou, ainda, que ocorrem em média três eventos adversos por mês, em apenas uma das unidades de internação, e que esse é fato a ser enfrentado com transparência e com adoção de ações urgentes, para correção dos problemas existentes e construção de sistema de medicação mais seguro para todos.

Também alertou a equipe de enfermagem para a forma e conteúdo de suas anotações. Apesar de os registros encontrados estarem incompletos, impedindo análise profunda dos EAMs, este estudo permitiu apontar que, no caso de hospitais que não possuem sistema formal de notificação, as anotações de enfermagem consistem em forma de comunicação escrita de informações pertinentes e podem se constituir em ponto inicial de busca e análise de EAM.

Diante dos erros encontrados, acredita-se que os hospitais devam direcionar esforços para a construção de cultura de segurança voltada ao paciente, dentro da qual todos os profissionais envolvidos no sistema de medicação estejam conscientes da necessidade de identificação, notificação e prevenção de EM, e que o façam com liberdade e sistematização, expressando de maneira aberta, objetiva e completa o quê e como aconteceu. Que a política de notificação adotada seja sigilosa, através de relato anônimo, para que não configure busca de responsabilidades e culpados, pois a cultura punitiva tende a favorecer a subnotificação.

Faz-se relevante a construção de banco de dados com informações sobre suas frequências, características e fatores causais, que podem auxiliar na análise histórica da incidência dos EAMs. Os achados devem ser divulgados e compartilhados entre os vários profissionais e as diversas clínicas, transformando os erros de uns em aprendizado para outros, buscando melhorias para o sistema.

Também é necessário que um comitê de segurança do paciente seja instituído, no qual equipe multidisciplinar lidere as buscas aos EAMs e adotem metodologias de análise de riscos aos quais os pacientes estão expostos, visando a implementação de estratégias que funcionem como barreiras de proteção e de prevenção de EAM, dentro do processo de trabalho. Mesmo que muitos dos erros notificados não tragam consequências sérias aos pacientes, eles devem ser estudados, para evitar que voltem a se repetir e contribuam para aumentar a estadia hospitalar, deixar sequelas ou até mesmo levar à morte.

Torna-se imprescindível, também, que os hospitais valorizem os aspectos da formação contínua de seus profissionais para as questões farmacológicas na prática assistencial.

Ressalta-se, como limitações deste estudo, a amostragem de um só hospital, restringindo a generalização dos resultados. Sugere-se, assim, que seja feita a replicação dessa investigação em outros hospitais, de diferentes complexidades, para ampliar o conhecimento sobre os registros de enfermagem como fonte de informações de EAM e sua aplicabilidade nos programas de segurança do paciente.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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  • Corresponding Author:
    Ana Elisa Bauer de Camargo Silva
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Out 2009
    • Aceito
      04 Maio 2010
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