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Humanizando o cuidado pela valorização do ser humano: re-significação de valores e princípios pelos profissionais da saúde

Resumos

Estudo de abordagem qualitativa com o objetivo de buscar os significados dos valores e princípios que norteiam a prática dos profissionais da saúde, a fim de alcançar os valores que balizam a humanização. Participaram do estudo, realizado entre outubro e novembro de 2005, 17 profissionais da equipe multiprofissional de uma instituição hospitalar da Região Sul, entrevistados em três grupos amostrais. Para a análise comparativa e interpretação dos dados, foi utilizada a metodologia preconizada pela Teoria Fundamentada nos Dados, que resultou na construção de um modelo teórico, que teve como fio condutor "humanizando o cuidado pela valorização do ser humano". Os dados demonstraram que é possível desenvolver novas competências, capazes de provocar uma re-significação dos valores e princípios que balizam a humanização, visando o trabalho como realização pessoal/profissional, aliando competência técnica e humana na prática dos profissionais e vivenciando o cuidado humanizado.

equipe de assistência ao paciente; relações profissional-paciente; enfermagem


This qualitative study aimed to find the values and principles steering health professionals' practice, in order to reach the values guiding humanization. The study took place between October and November 2005, when 17 professionals from a multiprofessional team at a hospital in the South of Brazil were interviewed in three different samples. The methodology used for comparative data analysis and interpretation was based on Grounded Theory, resulting in the creation of a theoretical model, guided by "humanizing care through the valuation of the human being". Data demonstrated that new competencies can be developed, which are capable of provoking a resignification of values and principles guiding humanization, with a view to reaching personal/professional accomplishments through work, allying technical and human skills in professional practice and experiencing humanized care.

patient care team; professional-patient relations; nursing


Estudio de aproximación cualitativa con objeto de buscar los significados de los valores y principios que dirigen la práctica de los profesionales en salud, con el fin de alcanzar los valores que conducen a la humanización. El estudio fue realizado entre octubre y noviembre de 2005, con la participación de 17 profesionales, entrevistados en tres muestras, del equipo multiprofesional de un hospital de la región sur de Brasil. Para el análisis comparativo e interpretación de los datos, fue utilizada la metodología preconizada por la Teoría Fundamentada en los Datos, resultando en la construcción de un modelo teórico, que tuvo como hilo conductor "humanizando el cuidado a través de la valorización del ser humano". Los datos demostraron que es posible desarrollar nuevas competencias, capaces de provocar una resignificación de los valores y principios que conducen a la humanización, visando el trabajo con realización personal/profesional, agregando la competencia técnica y humana en la practica de los profesionales y vivenciando el cuidado humanizado.

grupo de atención al paciente; relaciones profesional-paciente; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Humanizando o cuidado pela valorização do ser humano: re-significação de valores e princípios pelos profissionais da saúde

Dirce Stein BackesI; Magda Santos KoerichII; Alacoque Lorenzini ErdmannIII

IDoutoranda em Enfermagem, Gerente do Serviço de Enfermagem da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas - RS, e-mail: backesdirce@ig.com.br

IIDoutoranda em Enfermagem, Professor Assistente da Universidade Federal de Santa Catarina, e-mail: magmau@matrix.com.br

IIIEnfermeira, Doutor em Filosofia da Enfermagem, Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina, Pesquisador CNPq, e-mail: alacoque@newsite.com.br

RESUMO

Estudo de abordagem qualitativa com o objetivo de buscar os significados dos valores e princípios que norteiam a prática dos profissionais da saúde, a fim de alcançar os valores que balizam a humanização. Participaram do estudo, realizado entre outubro e novembro de 2005, 17 profissionais da equipe multiprofissional de uma instituição hospitalar da Região Sul, entrevistados em três grupos amostrais. Para a análise comparativa e interpretação dos dados, foi utilizada a metodologia preconizada pela Teoria Fundamentada nos Dados, que resultou na construção de um modelo teórico, que teve como fio condutor "humanizando o cuidado pela valorização do ser humano". Os dados demonstraram que é possível desenvolver novas competências, capazes de provocar uma re-significação dos valores e princípios que balizam a humanização, visando o trabalho como realização pessoal/profissional, aliando competência técnica e humana na prática dos profissionais e vivenciando o cuidado humanizado.

Descritores: equipe de assistência ao paciente; relações profissional-paciente; enfermagem

O SER HUMANO QUE CUIDA - QUE HUMANIZAÇÃO PRATICA?

As reflexões filosóficas no campo da humanização vêm adquirindo grande importância, principalmente, diante do princípio da responsabilidade científica e social e da aparente impotência da ética frente ao ser humano tecnológico, capaz de organizar, desorganizar e mudar, radicalmente, os fundamentos da vida, ou seja, de criar e/ou destruir a si mesmo.

O crescente desenvolvimento das ciências e sua aplicabilidade à vida humana, conduzem o ser humano a uma infinidade de questionamentos, perplexidades e incertezas e que, freqüentemente, provocam profunda crise de valores no sentido de desafiar a postura ética dos profissionais e a capacidade de conciliar nova demanda e competências. Mesmo com os indiscutíveis benefícios advindos do progresso tecnológico, mais especificamente associado à resolutividade das descobertas terapêuticas e à qualificação dos profissionais da saúde, urge discutir e redefinir/reorientar os limites que estabelecerão até onde o ser humano poderá ou deverá chegar(1-2).

Nesse sentido, uma reflexão filosófica consciente e coerente acerca dos valores humanos que norteiam o processo de humanização e do princípio da responsabilidade social poderá auxiliar na problematização das reais necessidades, isto é, das vantagens e/ou desvantagens que o progresso impõe na prática dos profissionais da saúde. Convém lembrar, portanto, que todo o desenvolvimento técnico-científico relacionado à vida, além de conduzir o ser humano para as novidades associadas às esperanças terapêuticas, poderá, também, originar temores e enormes dilemas éticos que desafiam a prática dos profissionais da saúde. É premente, nesse contexto, desenvolver novas competências, capazes de provocar re-significação dos valores e princípios que balizam a humanização no cenário da saúde.

O desenvolvimento do progresso técnico-científico pode percorrer caminhos diversos e utilizar diferentes métodos. É preciso, no entanto, lembrar que o conhecimento é, por si só, um valor e que a decisão sobre quais conhecimentos a sociedade, o cientista ou o profissional de saúde devem concentrar seus esforços implica na consolidação de valores morais, éticos, humanos e na análise crítica e reflexiva da realidade. Logo, o debate entre valores e interesses sobre cada uma das opções depende da responsabilidade ética e social dos pesquisadores e profissionais(3).

Importante iniciativa no campo da saúde, além das reflexões acadêmicas, foi a implantação, pelo Ministério da Saúde, do Programa Nacional de Humanização da Atenção e Gestão no Sistema Único de Saúde - Humaniza SUS. Uma proposta que convoca todos, gestores, trabalhadores e usuários, a se comprometerem com o processo de humanização, visto que o próprio Ministério identificou número crescente de queixas, por parte dos usuários, relacionadas à falta de acolhimento, de acesso e de condições de trabalho, entre outras(4).

Uma política, porém, não será implementada apenas pela vontade dos órgãos governamentais e/ou institucionais. Requer-se o comprometimento de todos, principalmente daqueles que estão, diariamente, junto aos usuários e demais profissionais, que mostram, através de seu trabalho e atitudes, quais são as características do serviço de saúde que está sendo oferecido à população.

Para alcançar uma nova compreensão dos princípios e valores que balizam a humanização, o profissional da saúde necessita articular o conhecimento teórico e técnico da ciência aos aspectos afetivos, sociais, culturais e éticos das relações que estabelece através de sua prática, para que a humanização não fique restrita às atribuições meramente técnicas, mas, principalmente, à capacidade de compreender e respeitar o ser humano nas suas diferentes formas de ser e existir(5).

Em suma, uma infinidade de interrogações, dúvidas e incertezas se originaram e/ou persistem com a vigência do paradigma técnico-científico, pautado em valores de eficiência técnica e do conhecimento científico. Nessa visão, a atenção dos profissionais focaliza a doença e a cura, ao invés de prevalecer o ser humano, sob a óptica de um ser fragilizado e vulnerável. Assim, emergem perguntas, tais como: para onde avança a história e/ou até aonde avançar sem ferir a dignidade humana? Como construir o viver mais digno? Como humanizar as relações de cuidado?

O efetivo resgate da condição humana como princípio da cidadania e/ou princípio de humanização se dá através da autenticidade, da dignidade, da solidariedade, da afetividade e do respeito à individualidade humana(6).

As incertezas e a desestabilização dos valores são a face aparente de uma humanidade que está envolta em profunda crise, à busca de novos debates e possibilidades capazes de reconstruir/reordenar o conhecimento a partir de princípios humanos e éticos(1,7-8).

A crise, sob esse enfoque, caracteriza-se por uma explosão de complexidade, direções contraditórias de evolução e altas doses de incerteza. Ao mesmo tempo em que o conhecimento tecnológico disponível multiplicou as capacidades de dominar a natureza também provocou a desorganização do conhecimento, gerando práticas que comprometem a própria espécie humana.

É necessário, pois, novo paradigma, isto é, de nova visão da realidade, uma mudança radical do pensamento capaz de enfrentar a complexidade do real, confrontando-se com os paradoxos da ordem e desordem, do singular e do geral, da parte e do todo(7-8).

Face a esse universo de novas racionalidades, o paradigma da complexidade tem a pretensão de redefinir a forma do desenvolvimento atual, balizando o conhecimento em valores humanos e éticos e conquistando uma nova percepção sistêmica, a partir de um sujeito pensante e capaz de articular os diversos saberes. O pensamento complexo ajudará o ser humano/profissional a reconhecer a complexidade das realidades, ou seja, revelará as incertezas inerentes às próprias estruturas do conhecimento e também os "buracos negros de incerteza nas realidades presentes"(8).

O grande desafio da humanização está em rejuntar/religar as indagações, os saberes e, principalmente, os valores éticos, morais e sociais. Redesenhar um novo horizonte, afastado do debate reducionista voltado para os direitos individuais e mais preocupado com o resgate de conceitos mais abrangentes relacionados à dignidade humana e à desconstrução dos particularismos para a construção da ecologia do conhecimento humanizante(9).

As soluções tecnológicas não passam necessariamente pela academia e sim pelos mentores dessas tecnologias com treinamentos ou orientações práticas(6). O importante, nesse espaço, não é saber onde se originou o pensar tecnológico dos profissionais, mas, sim, na capacidade de estimular a re-inserção crítica do ser humano na realidade, a partir do pensamento complexo.

Assim, a humanização, à luz do paradigma da complexidade, poderá ser alcançada mediante a revolução das "relações entre os humanos, desde as relações consigo mesmo, com o outro e com os próximos, relações entre nações e estados e as relações entre os homens e a tecno-burocracia, entre os homens e a sociedade, entre os homens e o conhecimento, entre os homens e a natureza"(7).

A humanização pressupõe um sistema de valores, ou seja, um sistema complexo de organização e de civilização que respeita a autonomia dos indivíduos, a diversidade de idéias, a liberdade de expressão e o resgate da subjetividade. O desafio dos profissionais da saúde frente ao progresso técnico-científico é, portanto, construir o processo de inclusão de todas as pessoas e povos como beneficiários desse progresso(1).

A humanização é, em suma, um processo de transformação da cultura organizacional que necessita reconhecer e valorizar os aspectos subjetivos, históricos e socioculturais dos clientes e profissionais, para melhorar as condições de trabalho e a qualidade da assistência, por meio da promoção de ações que integrem valores humanos aos valores científicos.

No intuito de contribuir com o desenvolvimento de novas competências que incorporem tanto os valores humanos quanto os valores técnico-científicos, ou seja, a inclusão do ser humano nos processos científicos e a possibilidade de convivência e de enfrentamento de uma lógica disciplinar fragmentada, esse estudo objetivou buscar os significados dos valores e princípios que norteiam a prática dos profissionais da saúde, a fim de alcançar os valores que balizam o processo de humanização.

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de estudo de abordagem qualitativa, que é, por natureza, capaz de responder a questões muito singulares e subjetivas, ou seja, é capaz de "trabalhar com o universo de significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis"(10).

Na tentativa de responder a um método de investigação, análise e interpretação sistemática comparativa dos dados para a construção de significados filosóficos no contexto da humanização, a opção pela Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded Theory) se constituiu em importante estratégia metodológica. O método possibilitou, através da indução e dedução, a construção de um modelo teórico explicativo do fenômeno do estudo, no intuito de explorar a riqueza e a diversidade presentes nas experiências humanas.

A Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), com base no Interacionismo Simbólico, está voltada para o conhecimento da percepção e/ou do significado com o objetivo de captar os aspectos intersubjetivos das experiências sociais do ser humano e, dessa forma, acrescentar novas perspectivas à reflexão do fenômeno. Assim, todos os procedimentos da TFD têm por finalidade identificar, desenvolver e relacionar conceitos a partir de vários grupos amostrais, isto é, a geração de teorias a partir dos dados investigados, analisados e comparados de maneira sistemática e concomitante(11).

A comparação constante dos dados dos entrevistados é utilizada para elaborar e aperfeiçoar, teoricamente, as categorias elucidadas a partir desses mesmos dados. Na análise comparativa, no entanto, devem ser observados aspectos como: conhecimento do ambiente, codificação dos dados, formulação das categorias, redução do número das categorias, identificação da categoria central e a modificação e integração das categorias(12).

O estudo, realizado entre outubro e novembro de 2005, contou com a participação de dezessete (17) profissionais da equipe multiprofissional da saúde de uma instituição hospitalar da Região Sul, formando três Grupos Amostrais. A instituição escolhida e uma das autoras estão inseridas na Política de Humanização desde junho de 2003, o que facilitou o desenvolvimento do estudo. O número de participantes (17) e de grupos amostrais (3) foi determinado pelo processo de amostragem teórica recomendado pela TFD.

Os participantes foram esclarecidos quanto aos objetivos e metodologia propostos e lhes foi assegurado o direito de acesso aos dados, bem como a garantia do anonimato. Nesse momento, foi solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, conforme recomendações da Resolução CNS/MS196/96, que prescreve a ética na pesquisa com seres humanos. Além desses cuidados éticos, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da referida instituição.

A fim de assegurar o anonimato dos participantes, foi utilizada a Letra "e" e o número correspondente à fala, identificados no texto como (e1), (e2), (e3) e assim por diante.

O Primeiro Grupo Amostral foi composto por 6 enfermeiros, integrantes do grupo de Sistematização da Assistência de Enfermagem da referida instituição hospitalar. São enfermeiros engajados, efetivamente, na humanização e sistematização da assistência de enfermagem.

O Segundo Grupo Amostral foi constituído por médicos do Corpo Clínico da Santa Casa. Os participantes foram escolhidos aleatoriamente, buscando representação das diversas especialidades médicas. Ocorreu, no entanto, que no primeiro encontro, compareceram apenas 2 médicos, 1 pediatra e 1 intensivista, fazendo-se necessário um segundo agendamento, no qual compareceram 6 médicos, sendo: 1 pediatra, 1 ginecologista, 1 oncologista, 1 clínico geral, 1 cardiologista e 1 urologista, este último, diretor técnico do hospital.

O Terceiro Grupo Amostral foi formado por 5 profissionais integrantes do Grupo de Humanização do respectivo hospital, também escolhidos aleatoriamente, dentre eles: 1 administrador, 1 técnico administrativo (responsável pela creche do hospital), 1 contador, 1 nutricionista e 1 técnico de enfermagem.

Os dados foram coletados através de entrevistas coletivas, gravadas em fita K7, no período de, aproximadamente, uma hora, com dia e horário agendados previamente, para os integrantes dos três grupos amostrais. A técnica de entrevista é utilizada quando se deseja informações em profundidade, isto é, informações com as próprias palavras dos respondentes e descrição detalhada das situações. A escuta atenta integra a ação desse instrumento(12).

Para dar início às entrevistas, utilizou-se a seguinte questão norteadora: quais os significados dos valores e princípios que orientam a sua prática como profissional na área da saúde?

Após a transcrição das fitas, os dados foram validados pelos participantes e, a seguir, categorizados, interpretados e comparados com os dados da entrevista seguinte e, assim por diante, num constante ir-e-vir, conforme preconizado pelo método proposto para análise. Resultando, por fim, três categorias: o trabalho como realização pessoal/profissional, aliando competência técnica e humana na prática dos profissionais e vivenciando o cuidado humanizado.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA COMPARATIVA DAS CATEGORIAS

O trabalho como realização pessoal e profissional

O processo de humanização ao compreender, também, a lógica do trabalhador, sinaliza para o trabalho enquanto instrumento humanizador e/ou desumanizador. As instituições, nessa perspectiva, ocupam lugar importante, principalmente no sentido de conhecer o grau de satisfação e/ou de insatisfação pessoal e profissional dos trabalhadores e criar espaços concretos para a expressão da subjetividade e o desenvolvimento do potencial humano.

O Programa Nacional de Humanização dos Serviços de Saúde - PNHSS - ao objetivar reduzir as dificuldades encontradas durante o tratamento dos usuários, procura focar a atenção, também, nos profissionais para o desempenho de seu trabalho com satisfação/realização e responsabilidade social(4).

É preciso gostar do que se faz. Mas, precisamos levar em conta a vida particular dos profissionais, problemas de ordem pessoal, financeira [...]. Quando alguma coisa os incomoda, logo acaba interferindo na satisfação do trabalho (e1).

Falar em humanização, na perspectiva dos trabalhadores, a partir da proposta do governo federal requer dos gestores e profissionais uma reflexão sobre o contexto relacional interno e externo da organização. A satisfação e realização no trabalho compreendem, então, um conjunto de elementos que remetem à pessoa humana - profissional - como sujeito do processo(13).

Como empresa complexa, o hospital deve primar por uma organização estruturada, equipe diretiva dinâmica, democrática e com capacidade para compreender as profundas mudanças no campo do desenvolvimento. A direção hospitalar deve primar, também, pelo clima de bom relacionamento e condições favoráveis para o desempenho das atividades.

É complicado, porque nem sempre a gente pode fazer como gostaria. Você precisa ter condições para dar uma boa assistência ao paciente. Penso que o médico não é muito valorizado. Ele perdeu muito da sua autonomia. Acho que deveria ser uma troca, porque qualificado e satisfeito em todos os sentidos, o médico terá condições de atender bem o seu paciente (e3).

O processo de cuidar precisa ocorrer numa relação interativa, numa efetiva troca de informações, saberes e interesses, tendo por base o compromisso ético estabelecido entre ambos. Nenhuma organização poderá ser considerada humanizada se não conhecer totalmente as necessidades de seus clientes, sejam eles internos ou externos, ou, conhecendo-as, ignorá-las. É preciso reconhecer que as expectativas dos clientes sempre geram melhorias, uma vez que um ambiente voltado para as suas necessidades é dinâmico e está em constante adequação às suas aspirações. Isso porque suas necessidades mudam da mesma maneira que suas expectativas de como essas necessidades serão satisfeitas(5).

Mostra-se relevante, nesse processo, a criação de ambiente democrático e participativo para o alcance dos objetivos e metas pessoais e organizacionais. A gestão participativa, com vistas à realização e humanização, contempla forte característica social, pelo desenvolvimento de práticas solidárias nas relações entre os profissionais e clientes. As práticas em saúde sinalizam para a existência de forte correlação entre funcionários felizes/realizados e clientes satisfeitos. Funcionários satisfeitos com o seu trabalho, portanto, refletem na qualidade do trabalho e num feedback positivo de seus clientes. Em última análise, a humanização emerge do prazer profissional ao trabalho e, ao mesmo tempo, do clima organizacional favorável e das adequadas condições de trabalho. Vale salientar, também, que, quando as pessoas gostam do que fazem as práticas humanizadas e humanizadoras fluem natural e espontaneamente. Um ditado budista conclui: "descubra algo que você gosta de fazer e nunca mais terá trabalho".

Aliando a competência técnica e humana na prática profissional

O desenvolvimento constante e contínuo de competência profissional envolve, não apenas o aperfeiçoamento técnico e aquisição de novas tecnologias, mas, principalmente, a capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho(14).

O respeito com o paciente é fundamental e ali está a necessidade de atualização permanente (e4).

Competência é, também, "uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles". Os conhecimentos são colocados como "recursos cognitivos complementares", ou "representações da realidade que construímos e armazenamos ao sabor de nossa experiência e de nossa formação". As ações humanas, "quanto mais complexas, abstratas, mediatizadas por tecnologias e apoiadas em modelos sistêmicos da realidade, mais conhecimentos aprofundados, avançados, organizados e confiáveis exigem". Mas não basta o conhecimento para que as competências se manifestem em ações, é preciso que esses conhecimentos sejam utilizados para "pôr em relação", ou seja, para "julgar sua pertinência em relação à situação e mobilizá-los com discernimento", é a "arte da execução"(15).

Os valores não vêm com o diploma. A faculdade traz a técnica, já os valores são uma construção da vida (e5).

Pode-se dizer, então, que ser competente implica saber o que fazer em cada situação concreta e pressupõe um juízo sobre a situação e uma intencionalidade de ação. Requer um conjunto de saberes, mas não se reduz a esse conjunto. O profissional que atua de forma competente é aquele que fundamenta sua prática em competências cognitivas, técnicas e comunicacionais. Isto é, um conjunto de características que envolvem aquisição de conhecimentos técnicos sólidos e atualizados, o desenvolvimento de valores humanistas, uma postura ética responsável, atitude de aprendizagem continuada, além de capacidade de agir perante o inesperado e de trabalhar em equipe multiprofissional(16).

O respeito pela vida, o comprometimento e, principalmente, o trabalho em equipe são hoje, para mim, grandes valores. [...] na equipe cada um tem o seu jeito, a sua postura, o seu modo de trabalhar. A gente precisa aprender a olhar com os olhos do outro (e8).

Entendo que é preciso aliar o humano à técnica. A técnica sempre foi e será fundamental no processo de cura dos pacientes, mas, precisamos compreender que ela não é tudo (e4 e e12).

É possível aliar competência técnica e humanização, à medida que o desenvolvimento das ciências e sua aplicabilidade no cuidado à vida humana carregam consigo a responsabilidade social por uma compreensão mais ampla do que seja um atendimento profissional qualificado e humanizado.

É preciso tratar o paciente como se fosse o nosso familiar. Percebo que os internos, muitas vezes, tratam o paciente como objeto [...]. Deveríamos estabelecer uma relação familiar médico-paciente. Na hora da visita, costumo perder tempo com os familiares. Penso que a orientação é fundamental para que sintam mais segurança. Às vezes, os familiares até perguntam: 'doutora como é o seu nome?'. O familiar percebe o sorriso e a sensibilidade do profissional. Não é só o remédio e o médico que curam o paciente (e6).

Ambiente hospitalar humanizado é aquele que, em sua estrutura física, tecnológica, humana e administrativa, valoriza e respeita a pessoa humana, colocando-se a serviço dela, garantindo-lhe um atendimento de elevada qualidade(17-18).

O resgate dos valores humanos, isto é, da humanidade como essência do ser humano, não decorre do trabalho mecanizado e rotinizado, mas através do trabalho como realização pessoal/profissional, da competência técnica e humana e da vivência do cuidado humanizado enquanto práxis inovadora e transformadora das relações e condições dos sistemas de produção.

Para mim, o respeito com o paciente é uma atitude fundamental e ali está a necessidade da atualização permanente[...]. Pensando bem, a ética, a responsabilidade e o respeito são os valores mais fortes (e10).

Para mim o valor tem tudo a ver com a educação que trazemos de berço. O valor não vem com o diploma. A faculdade traz a técnica. Os valores humanos são uma construção da vida. Os valores vêm do bom caráter. Quem pensa só na técnica visa apenas interesses econômicos (e8).

Competência técnica e humana na prática dos profissionais não se limita, então, ao atendimento como uma prática que se dá, apenas, do profissional para o paciente, de forma verticalizada e paternalista. Compreende, ao contrário, que todos são sujeitos e destinatários de cuidado nas mais diferentes formas e expressões. Assim como o paciente, o profissional é um ser humano único e, como tal, demanda valorização e reconhecimento de suas necessidades e atenção para ter condições de desenvolver o cuidado humanizado nas práticas de saúde. Nas práticas gerenciais e assistenciais humanitárias, o profissional se permite ser humano, sentir-se em relação com um OUTRO, também humano, manifestar a sua sensibilidade, criar empatia, estabelecer relação sujeito/sujeito e, dessa forma, tornar o cuidado uma prática humanizante e humanizadora(13).

Vivenciando o cuidado humanizado

O cuidado humanizado, em última análise, significa tornar a experiência de estar em um ambiente hospitalar voltado ao máximo para a pessoa humana, considerando-se valores, crenças, sentimentos, emoções e não apenas o aspecto biológico. O cuidado humanizado começa quando o profissional entra no campo fenomenal do paciente e é capaz de detectar, sentir e interagir com ele, ou seja, é capaz de estabelecer uma relação empática, centrando a atenção no cliente e no ambiente para perceber a experiência do outro e como ele a vivencia(18).

Esse cuidado compreende, além do paciente, também os profissionais envolvidos no processo.

Eu penso que o valor da pessoa humana, já é um valor por si só [...], o valor do paciente e também dos profissionais. A humanização despertou uma nova atitude nas pessoas, especialmente, no modo de chegar mais próximo ao outro, de ser sensível ao outro (e6).

Logo, o cuidado humanizado é um processo vivencial que permeia o ser e fazer dos profissionais nas diferentes expressões, dimensões e interações.

Eu aprendi muito. O respeito pela vida, o comprometimento e o trabalho em equipe são, hoje, para mim grandes valores. Aprendi que na equipe cada um tem o seu jeito, a sua postura e o seu modo de cuidar. A gente precisa aprender a olhar com os olhos do outro. Quando compreendo este processo, parece que tudo na volta fica melhor. Entendo que a equipe deve ser um todo, mas o todo em todas as áreas (e11, e15, e16).

Compreender e vivenciar o cuidado humanizado, nessa perspectiva, inclui não somente atribuições técnicas e/ou uma relação verticalizada profissional-paciente, mas a capacidade de perceber e acolher o ser humano em suas diferentes dimensões, interações e compreender a forma como desenvolve a sua identidade e constrói a sua própria história de vida. Ao cuidar, o profissional deve estar presente por inteiro, dar tudo de si, prestigiar a experiência e os conhecimentos do outro, quando estiver prestando o cuidado. Se sua atuação for encarada apenas como obrigação e não como um compromisso social, não sentirá incentivo, nem paixão pelo que está fazendo(5).

Quando a gente modifica o modo de ser, acaba modificando também os outros. Com o trabalho de humanização, conseguimos passar para os outros a importância das pequenas expressões de cuidado. A humanização fez a gente pensar mais. É que estas questões nunca foram trabalhadas, você agia isoladamente, mecanicamente, sem pensar. A humanização já existia no hospital, só que cada um fazia do seu jeito e trabalhava de forma muito isolada. A humanização veio como um 'chamamento' para uma integração maior (e12, e13, e14).

Partindo de vivências reais e concretas, os participantes da pesquisa sinalizaram para a importância do processo de humanização hospitalar enquanto proposta inovadora e transformadora das relações e condições de trabalho. Demonstraram, nas falas, o poder da influência de atitudes pessoais/profissionais positivas na dinamização, mobilização e potencialização das práticas de cuidado. A vivência do cuidado humanizado reforça a compromisso pessoal e coletivo na concretização de práticas, capazes de resgatar a dimensão humana nos diferentes espaços e expressões.

O profissional se movimenta nos espaços organizacionais, construindo oportunidades de relações e vivenciando o cuidado na ordem do seu potencial para a demarcação e utilização desse espaço, isto é, de dependência e interdependência, de pertencimento e privacidade(6).

Assim, o cuidado humanizado, enquanto essência da vida, perpassa, nessa perspectiva, desde os pequenos atos do pensar, do ser, do fazer e até a configuração de um processo de cuidar que envolve tanto o ser cuidado quanto o profissional que cuida. Não importam, nesse momento, os significados atribuídos ao cuidado. Importa que o cuidado humanizado prima pela essência do ser humano enquanto um ser único, indivisível, autônomo e com liberdade de escolha, isto é, na compreensão do ser humano enquanto um ser integral.

CONSTRUÇÃO DO MODELO TEÓRICO

A construção do modelo teórico explicativo do fenômeno do estudo procura estabelecer relação entre as categorias, a partir das condições causais, as condições intervenientes, o contexto, as estratégias de ação e interação e as conseqüências contidas nessas categorias, tendo em vista a identificação da idéia central(11).

Ao tentar representar um modelo teórico explicativo acerca dos valores e princípios que balizam a humanização no cenário da saúde, busca-se identificar a dinamicidade e complexidade do processo de humanização, expressos nas categorias: o trabalho como realização pessoal/profissional, aliando competência técnica e humana na prática dos profissionais e vivenciando o cuidado humanizado.

No decorrer da análise e interpretação sistemática comparativa dos dados, desde o início da codificação até a categorização e a conexão entre as categorias, verificou-se a necessidade da integralidade e interatividade na prática dos profissionais. As diferentes etapas demonstraram o processo de humanização enquanto um processo gradual, dinâmico e sistematizado, determinado pela busca incessante de valores e princípios éticos e socialmente responsáveis com a dignidade da pessoa humana. Ao buscarem a integração profissional e o crescente aprofundamento das competências humanas e relacionais, os profissionais da saúde contribuem para o desenvolvimento de novas competências que incorporem tanto os valores humanos quanto os valores técnico-científicos, ou seja, a inclusão do ser humano nos processos científicos e a possibilidade de convivência e de enfrentamento de uma lógica disciplinar fragmentada.

Assim, os profissionais estão: humanizando o cuidado pela valorização do ser humano, enquanto expressão da humanização hospitalar. Ao redor desse tema central estão as categorias que formam o modelo teórico representado na Figura 1.


Em síntese, os profissionais da saúde da instituição estudada vivenciam o cuidado humanizado, aliando a competência técnica e humana e se realizando pessoal e profissionalmente num processo dinâmico e contínuo de cuidar valorizando o ser humano. Seus valores e princípios experienciados nas relações de cuidado lhes possibilitam estar humanizando o cuidado pela valorização do ser humano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os participantes do estudo, na maioria, associaram os valores que norteiam a sua prática profissional, prioritariamente, à humanização. Valores e princípios voltados ao respeito, dignidade, valorização propriamente dita do ser humano. Entendem que os valores podem ser re-significados, ou seja, trabalhados e internalizados à medida que a pessoa se dispõe ou se propõe ao processo de transformação e socialização pessoal/profissional.

Logo, os valores humanizados representam um processo pessoal interno, estimulado por um espaço de reflexão, confronto e mobilização coletiva, capaz de compreender as partes no todo e o todo nas partes, ou seja, estimulado por um processo de humanização participativo.

Os integrantes sinalizaram, também, para a importância do processo de humanização hospitalar enquanto proposta inovadora e transformadora das relações e condições de trabalho. Demonstraram, ainda, o poder da influência de atitudes pessoais e/ou profissionais positivas, na dinamização e mobilização de práticas transformadoras da realidade. Os valores, nesse sentido, reforçam o compromisso pessoal e coletivo na concretização de práticas, capazes de resgatar a dimensão humana nas diferentes situações.

Em suma, a humanização requer um processo reflexivo acerca dos valores e princípios que norteiam a prática profissional, pressupondo, além de tratamento e cuidado dignos, solidários e acolhedores por parte dos profissionais da saúde ao seu principal objeto/sujeito de trabalho - o ser humano doente/ser fragilizado -, uma nova postura ética que permeie todas as atividades profissionais e processos de trabalho institucionais.

Este estudo mostrou que é possível desenvolver novas competências, capazes de provocar uma re-significação dos valores e princípios que balizam a humanização, visando o trabalho como realização pessoal/profissional, aliando competência técnica e humana na prática dos profissionais e vivenciando o cuidado humanizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 17.3.2006

Aprovado em: 10.7.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Aceito
    10 Jul 2006
  • Recebido
    17 Mar 2006
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