Resumo
Objetivo
Avaliar a efetividade da versão traduzida para português europeu do mobile health game Fume (No Fume), no que diz respeito à literacia em saúde de adolescentes em contexto escolar sobre as questões relacionadas com o tabaco.
Método
Estudo quantitativo, quase-experimental, com avaliação pré-teste e pós-teste, com uma amostra por conveniência de 144 adolescentes, dividida por um grupo experimental e um grupo de controle, realizado em duas escolas públicas do 2º e 3º ciclo do ensino básico de uma cidade do distrito de Coimbra, região centro de Portugal.
Resultados
Verificou-se, nos adolescentes que utilizaram o No Fume (grupo experimental), uma evolução favorável, estatisticamente significativa, nas expetativas negativas sobre fumar (p = 0,033).
Conclusão
O No Fume revelou um efeito positivo nas expetativas negativas sobre fumar dos adolescentes. Deve investir-se no desenvolvimento do No Fume para maximizar o seu potencial de utilização pois, enquanto tecnologia educativa baseada na gamificação, poderá contribuir para o alargamento e disseminação de intervenções inovadoras promotoras da saúde mental dos adolescentes
Descritores:
Letramento em Saúde; Aplicativos Móveis; Adolescente; Tabaco; Autoeficácia; Enfermagem
Abstract
Objective
To evaluate the effectiveness of the version translated into European Portuguese of the Fume mobile health game (No Fume), with regard to the health literacy of adolescents in the school context on tobacco-related issues.
Method
A quantitative and quasi-experimental study, with pre-test and post-test evaluation, conducted with a convenience sample of 144 adolescents, divided into an experimental group and a control group, carried out in two public schools serving the 2nd and 3rd cycles of elementary education from a city in the district of Coimbra, central region of Portugal.
Results
Among the adolescents who used No Fume (experimental group), a statistically significant and favorable evolution was verified in the negative expectations about smoking (p = 0.033).
Conclusion
No Fume revealed a positive effect on the negative expectations about smoking among the adolescents. Investments should be made in developing No Fume in order to maximize its potential for use since, as an educational technology based on gamification, it may come to contribute to the expansion and dissemination of innovative interventions that promote adolescents’ mental health.
Descriptors:
Health Literacy; Mobile Applications; Adolescent; Tobacco; Self Efficacy; Nursing
Resumen
Objectivo
Evaluar la efectividad de la versión traducida al portugués europeo del mobile health game Fume (No Fume) en la alfabetización en salud de los adolescentes en un contexto escolar sobre temas relacionados con el tabaco.
Método
Estudio cuantitativo, cuasiexperimental, con evaluación pretest y postest, con una muestra por conveniencia de 144 adolescentes dividida en un grupo experimental y un grupo de control, realizado en dos escuelas públicas del segundo y tercer ciclo de educación básica de una ciudad en el distrito de Coímbra, región central de Portugal.
Resultados
Los adolescentes que utilizaron No Fume (grupo experimental), tuvieron una evolución favorable estadísticamente significativa en las expectativas negativas sobre fumar (p = 0,033).
Conclusión
No Fume reveló un efecto positivo sobre las expectativas negativas sobre fumar en los adolescentes. Se debe invertir en el desarrollo de No Fume para maximizar su potencial de uso porque, como tecnología educativa basada en la gamificación, puede contribuir a la expansión y difusión de intervenciones innovadoras que promuevan la salud mental de los adolescentes.
Descriptores:
Alfabetización en Salud; Aplicaciones Móviles; Adolescente; Tabaco; Autoeficacia; Enfermería
(1) O No Fume é a versão portuguesa do mobile health game Fume. (2) Avaliou-se o efeito do No Fume na literacia em saúde sobre o tabaco de adolescentes. (3) O No Fume revelou efeito nas expetativas negativas sobre fumar dos adolescentes. (4) De forma a maximizar o seu potencial de utilização, o No Fume deve ser aprimorado.
Introdução
A nível mundial, o consumo de tabaco apresenta-se como um grave problema de saúde pública, sendo todos os anos responsável por milhões de mortes e por uma grande carga de doença, avaliada em milhões de anos de vida ajustados à incapacidade em todo o mundo11 Stanaway JD, Afshin A, Gakidou E, Lim SS, Abate D, Abate KH, et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks for 195 countries and territories, 1990-2017: A systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1923-94. doi: http://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32225-6
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A situação é também, e particularmente, alarmante na população mais jovem, na medida em que, e apesar de a idade média de início de consumo em Portugal ser apontada como os 16 anos22 Balsa C, Vital C, Urbano C. IV Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, Portugal 2016/17. [Internet]. Lisboa: Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências; 2018 [cited 2021 May 4]. Available from: http://www.sicad.pt/PT/EstatisticaInvestigacao/EstudosConcluidos/Paginas/detalhe.aspx?itemId=170&lista=SICAD_ESTUDOS&bkUrl=/BK/EstatisticaInvestigacao/EstudosConcluidos
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, sabe-se que aos 13 anos cerca de 11,7% dos adolescentes já consumiram cigarros e que a maioria considera de pouco ou nenhum risco a ocorrência de um consumo esporádico33 Feijão F. Estudo sobre os Comportamentos de Consumo de Álcool, Tabaco e Drogas e outros Comportamentos Aditivos ou Dependências Portugal 2015. [Internet]. Lisboa: Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências; 2017. Available from: http://www.sicad.pt/PT/EstatisticaInvestigacao/EstudosConcluidos/Paginas/detalhe.aspx?itemId=170&lista=SICAD_ESTUDOS&bkUrl=/BK/EstatisticaInvestigacao/EstudosConcluidos[cited 2021 May 4].
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Assim, é essencial que se desenvolva a literacia em saúde na adolescência, a qual é definida como o conjunto de “competências cognitivas e sociais e a capacidade da pessoa para aceder, compreender e utilizar informação por forma a promover e a manter uma boa saúde”44 Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde (PT). Plano de Ação para a Literacia em Saúde 2019-2021. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2019. Available from: http://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/plano-de-acao-para-a-literacia-em-saude-2019-2021-pdf.aspx
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. ,A adolescência é um período-chave para desenvolver a literacia em saúde, já que é nesta fase que, a par do processo de construção da identidade, se consolidam também as bases para um estilo de vida saudável55 Parisod H. Building foundation for a healthy life with digital health literacy interventions. Rev Enf Ref. [Internet]. 2019 [cited 2021 May 4];4(21):3-9. Available from: https://www.redalyc.org/journal/3882/388260457001/388260457001.pdf
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A nível mundial, a utilização de jogos sérios, ou serious games, tem sido recorrente em várias faixas etárias e vários contextos, com resultados positivos no que toca, por exemplo, à aquisição de conhecimentos, ao desenvolvimento de competências afetivas e sociais e à mudança de comportamento66 Boyle E, Hainey T, Connolly TM, Gray G, Earp J, Ott M, et al. An update to the systematic literature review of empirical evidence of the impacts and outcomes of computer games and serious games. Comput Educ. 2016;94:178-92. doi: http://doi.org/10.1016/j.compedu.2015.11.003
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. Na área da saúde, os jogos sérios têm sido utilizados tanto na promoção e prevenção77 Barroso TM, Mendes AM, Rodrigues MA, Nogueira EO, Velloso BP, et al. Educational Game for Prevention of Alcohol Use and Abuse: Nursing Technological Production. J Nurs Health Sci. [Internet]. 2020 [cited 2021 May 4];6(4). Available from: https://www.rroij.com/open-access/educational-game-for-prevention-of-alcohol-use-and-abuse-nursing-technological-production.pdf
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, como na recuperação da saúde, demonstrando efeitos positivos nomeadamente no que diz respeito à saúde de crianças e adolescentes88 Parisod H, Pakarinen A, Kauhanen L, Aromaa M, Leppänen V, Liukkonen TN, et al. Promoting Children's Health with Digital Games: A Review of Reviews. Games Health J. 2014;3(3):145-56. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2013.0086
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-99 Rodriguez DM, Teesson M, Newton NC. A systematic review of computerised serious educational games about alcohol and other drugs for adolescents. Drug Alcohol Rev. 2014;33(2):129-35. doi: http://doi.org/10.1111/dar.12102
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. Os jogos sérios consistem em videojogos desenvolvidos com objetivos que vão para além do entretenimento, sendo as suas funções primárias a aprendizagem e a mudança de comportamento1010 Connolly TM, Boyle EA, MacArthur E, Hainey T, Boyle JM. A systematic literature review of empirical evidence on computer games and serious games. Comput Educ. 2012;59(2):661-86. doi: http://doi.org/10.1016/j.compedu.2012.03.004
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. Estudos têm demonstrado o efeito dos jogos sérios, nomeadamente, na melhoria dos conhecimentos dos adolescentes relacionados com álcool, tabaco e outras drogas99 Rodriguez DM, Teesson M, Newton NC. A systematic review of computerised serious educational games about alcohol and other drugs for adolescents. Drug Alcohol Rev. 2014;33(2):129-35. doi: http://doi.org/10.1111/dar.12102
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e na evolução favorável de outros determinantes da literacia em saúde relacionada com o tabaco1111 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Löyttyniemi E, Smed J, Salanterä S. Feasibility of mobile health game "Fume" in supporting tobacco-related health literacy among early adolescents: A three-armed cluster randomized design. Int J Med Inform. 2018;113:26-37. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2018.02.013
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Na Finlândia, na Universidade de Turku, desenvolveu-se, precisamente, um mobile health game dirigido para crianças e adolescentes, com o objetivo de melhorar a literacia em saúde relacionada com as questões do tabaco e prevenir o seu consumo nesta fase de desenvolvimento1212 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Danielsson-Ojala R, Smed J, Salanterä S. Designing a Health-Game Intervention Supporting Health Literacy and a Tobacco-Free Life in Early Adolescence. Games Health J. 2017;6(4):187-99. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2016.0107
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. O efeito deste jogo foi avaliado em comparação com um website com conteúdos semelhantes aos do jogo, mas não jogáveis e, para além da aceitabilidade do jogo por parte dos adolescentes ter sido melhor do que relativamente ao website, verificaram-se, a curto-prazo, mudanças favoráveis no que diz respeito às atitudes face ao uso de cigarros e às expetativas positivas e negativas em relação ao tabaco1313 Parisod H, Axelin A, Smed J, Salanterä S. Determinants of tobacco-related health literacy: A qualitative study with early adolescents. Int J Nurs Stud. 2016;62:71-80. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.012
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Ponderando a adolescência como um estádio desenvolvimental de intervenção prioritária nas questões ligadas ao consumo de tabaco, a grande adesão desta população-alvo às novas tecnologias e os efeitos positivos dos mobile health games na literacia em saúde dos adolescentes, considerou-se relevante a tradução do Fume1212 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Danielsson-Ojala R, Smed J, Salanterä S. Designing a Health-Game Intervention Supporting Health Literacy and a Tobacco-Free Life in Early Adolescence. Games Health J. 2017;6(4):187-99. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2016.0107
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, para português europeu, bem como a avaliação da sua efetividade, uma vez que não se verificou a existência de nenhum outro mobile health game para o mesmo efeito. Assim, realizou-se o presente estudo, cujo objetivo foi avaliar a efetividade da versão traduzida para português europeu do Fume (designada como No Fume), no que diz respeito aos determinantes da literacia em saúde sobre as questões relacionadas com o tabaco de adolescentes em contexto escolar.
Método
Tipo
O presente estudo apresenta-se como sendo um estudo quantitativo, quase-experimental, com um grupo controle (GC) e um grupo experimental (GE), com avaliação pré-teste e pós-teste
Local
O estudo foi realizado em duas escolas públicas do 2º e 3º ciclo do ensino básico, da mesma junta de freguesia, que pertencem a uma cidade do distrito de Coimbra, região centro de Portugal.
Período
A colheita de dados ocorreu nos meses de abril e maio de 2019.
População
O mobile health game Fume, na sua versão original, foi desenvolvido por Parisod e colaboradores para crianças e adolescentes entre os 10 e os 13 anos, no sentido de chegar até estes antes de uma possível primeira experiência com o tabaco1212 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Danielsson-Ojala R, Smed J, Salanterä S. Designing a Health-Game Intervention Supporting Health Literacy and a Tobacco-Free Life in Early Adolescence. Games Health J. 2017;6(4):187-99. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2016.0107
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. De igual forma, a sua versão traduzida para português europeu, o No Fume, tem como população-alvo os adolescentes da mesma faixa etária.
Critério de seleção
Foram selecionadas duas escolas públicas da mesma junta de freguesia de uma cidade do distrito de Coimbra, região centro de Portugal. O GE pertenceu a uma das escolas participantes e o GC à outra escola selecionada. Em cada um dos grupos participaram cinco turmas do 6º ano de escolaridade, com número de alunos por turma equivalente. Integraram a amostra todos os estudantes que apresentaram o consentimento.
Relativamente à versão portuguesa, para serem elegíveis para a participação no estudo de avaliação da efetividade desta, definiu-se que, como critérios de inclusão, as crianças e adolescentes tinham de: ter idade compreendida entre os 10 e os 13 anos; e perceber e serem capazes de comunicar em português.
Definição da amostra
O método de amostragem utilizado foi não probabilístico, do tipo por conveniência.
Variáveis do estudo
A versão traduzida do mobile health game Fume, a qual se designa como No Fume, constituiu a variável independente.
O mobile health game Fume, através da abordagem de vários determinantes de literacia em saúde, visa suportar a motivação e a capacidade para aceder, compreender e utilizar as informações relacionadas com o tabaco e promover uma vida livre do consumo deste na fase inicial da adolescência, procurando ir ao encontro das expetativas dos adolescentes1212 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Danielsson-Ojala R, Smed J, Salanterä S. Designing a Health-Game Intervention Supporting Health Literacy and a Tobacco-Free Life in Early Adolescence. Games Health J. 2017;6(4):187-99. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2016.0107
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. O Fume integra um quiz, composto por questões sobre conhecimentos acerca do tabaco, e quatro outros minijogos (minigames), os quais utilizam efeitos sonoros e visuais para salientar os efeitos positivos de uma vida sem consumo de tabaco e as consequências negativas do seu uso1212 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Danielsson-Ojala R, Smed J, Salanterä S. Designing a Health-Game Intervention Supporting Health Literacy and a Tobacco-Free Life in Early Adolescence. Games Health J. 2017;6(4):187-99. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2016.0107
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Os outros quatro minijogos presentes no jogo são: minijogo do autocarro, no qual o jogador escolhe entre diferentes personagens e tenta apanhar o autocarro com a personagem selecionada, sendo que dependendo da personagem escolhida e do desempenho do jogador, o jogo apresenta diferentes resultados que procuram demonstrar os efeitos do tabaco no desporto e na saúde; minijogo do ambiente, no qual o jogador tem de limpar o lixo do tabaco que existe no ambiente o mais rápido possível, sendo o objetivo deste jogo evidenciar os efeitos do tabaco no ambiente; minijogo do porquinho mealheiro, o jogador tem de proteger o mealheiro do personagem Mr. Nicotine Dependency, evitando que aquele seja atingido por um martelo, pretendendo-se, desta forma, demonstrar a dependência da nicotina e as consequências financeiras do consumo de tabaco; e o minijogo de aceitar e recusar tabaco, o jogador escolhe como agir numa situação em que lhe oferecem produtos de tabaco, sendo o objetivo deste jogo encorajar a resistência à pressão dos pares e a dizer não ao tabaco.
O No Fume manteve a estrutura geral semelhante à versão original (quiz e minijogos), tendo apenas sido realizadas pequenas alterações para adaptação ao contexto cultural. A Figura 1 refere-se às capturas de ecrã do jogo na versão portuguesa (No Fume).
Relativamente aos determinantes da literacia em saúde específica do tabaco, todos os minijogos se encontram dirigidos para as atitudes, crenças/perceções e experiências, pois os efeitos do tabaco são demonstrados através da utilização de uma abordagem baseada no conhecimento que apela às emoções para fornecer experiências e influenciar atitudes e crenças. Todos os jogos incluem também a interpretação de mensagens de saúde, uma vez que todos integram mensagens verbais e não verbais relacionadas com o tabaco que os adolescentes podem enfrentar. Com exceção do jogo de aceitar ou rejeitar tabaco, o quiz e todos os minijogos encontram-se dirigidos para os conhecimentos relacionados com tabaco. As expetativas face aos papéis são abordadas no jogo do ambiente, através de tarefas preventivas que os adolescentes podem praticar nas suas comunidades; a autoeficácia é abordada no jogo do autocarro e no jogo de aceitar ou rejeitar tabaco, uma vez que estes incluem tarefas relacionadas com o tabaco e com o dia-a-dia cuja dificuldade vai aumentando à medida que o jogo avança. Estas tarefas permitem ainda que os jogadores acompanhem o que acontece às personagens de acordo com as suas escolhas relacionadas com o tabaco, suportam sentimentos positivos e oferecem incentivos e scores que permitem a comparação entre jogadores. A motivação e a autoeficácia são abordadas tanto no jogo do autocarro como no jogo de aceitar ou rejeitar tabaco; e as expetativas face às responsabilidades e as habilidades sociais são abordadas, respetivamente, no jogo do ambiente e no jogo de aceitar ou rejeitar tabaco1212 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Danielsson-Ojala R, Smed J, Salanterä S. Designing a Health-Game Intervention Supporting Health Literacy and a Tobacco-Free Life in Early Adolescence. Games Health J. 2017;6(4):187-99. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2016.0107
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Assim, como variáveis dependentes consideraram-se os determinantes de literacia em saúde acerca do tabaco: atitudes face ao uso de tabaco; motivos para o uso de tabaco; motivação para recusar tabaco no futuro; conhecimento sobre o tabaco; expetativas positivas e negativas acerca do tabaco; e autoeficácia antitabaco.
As atitudes face ao uso de tabaco dizem respeito à forma como cada um se sente em relação ao tabaco e à opinião que cada um tem sobre o mesmo1313 Parisod H, Axelin A, Smed J, Salanterä S. Determinants of tobacco-related health literacy: A qualitative study with early adolescents. Int J Nurs Stud. 2016;62:71-80. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.012
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. No que diz respeito às expetativas positivas e negativas acerca do tabaco, estas encontram-se relacionadas com as perceções que cada indivíduo tem acerca do tabaco e com o tipo de argumentos que desenvolveu a favor e contra1313 Parisod H, Axelin A, Smed J, Salanterä S. Determinants of tobacco-related health literacy: A qualitative study with early adolescents. Int J Nurs Stud. 2016;62:71-80. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.012
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. As expetativas podem ser positivas, no sentido em que o indivíduo pode considerar que o tabaco tem consequências positivas, ou negativas, se o indivíduo considerar o tabaco como uma substância com consequências negativas.
Como variável dependente considerou-se, ainda, a autoeficácia, que consiste nas crenças que cada um tem acerca das suas próprias capacidades para realizar uma determinada ação, seja para realizar uma tarefa ou fazer uma escolha1313 Parisod H, Axelin A, Smed J, Salanterä S. Determinants of tobacco-related health literacy: A qualitative study with early adolescents. Int J Nurs Stud. 2016;62:71-80. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.012
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Instrumentos utilizados para a colheita das informações
As atitudes face ao uso de tabaco foram avaliadas através do item Atitudes Face ao Uso de Tabaco, resultante da tradução e adaptação da escala Attitudes Towards Tobacco Use1111 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Löyttyniemi E, Smed J, Salanterä S. Feasibility of mobile health game "Fume" in supporting tobacco-related health literacy among early adolescents: A three-armed cluster randomized design. Int J Med Inform. 2018;113:26-37. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2018.02.013
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. Os motivos para o uso de tabaco foram avaliados através da escala Motivos para Uso de Tabaco, traduzida do instrumento Tobacco-Use Motives1111 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Löyttyniemi E, Smed J, Salanterä S. Feasibility of mobile health game "Fume" in supporting tobacco-related health literacy among early adolescents: A three-armed cluster randomized design. Int J Med Inform. 2018;113:26-37. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2018.02.013
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. Relativamente à motivação para recusar a utilização de tabaco no futuro, esta foi avaliada através do item Motivação para Recusar a Utilização de Tabaco no Futuro, o qual resultou da tradução para português europeu da escala Motivation to Decline Tobacco Use in the Future1111 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Löyttyniemi E, Smed J, Salanterä S. Feasibility of mobile health game "Fume" in supporting tobacco-related health literacy among early adolescents: A three-armed cluster randomized design. Int J Med Inform. 2018;113:26-37. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2018.02.013
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O conhecimento sobre o tabaco foi avaliado através da questão de resposta aberta “O que é que sabes sobre as consequências de fumar cigarros?”, tendo as respostas sido analisadas através da dicotomização da variável em “sabe pelo menos uma consequência” ou “não sabe nenhuma consequência”.
A variável expetativas positivas foi avaliada através da Escala de Expetativas Positivas sobre Fumar e a variável expetativas negativas através da Escala de Expetativas Negativas sobre Fumar, as quais foram traduzidas e adaptadas para português europeu a partir das escalas originais POS-SOES (Positive Smoking Outcome Expetation Scale) e NEG-SOES (Negative Smoking Outcome Expetation Scale)1515 Chen CJ, Yeh MC, Tang FI, Yu S. The Smoking Outcome Expectation Scale and Anti-Smoking Self-Efficacy Scale for Early Adolescents: Instrument Development and Validation. J School Nurs. 2015;31(5):363-73. doi: http://doi.org/10.1177/1059840514560352
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Colheita de dados
A colheita de dados decorreu durante as atividades letivas, em horários definidos com o diretor de turma, de forma a perturbar o menos possível a dinâmica das mesmas. Nos procedimentos de colheita de dados estiveram envolvidos o investigador responsável pelo estudo e três investigadores juniores, com treino para o efeito.
Num momento inicial (pré-teste) cada um dos estudantes preencheu um questionário de dados gerais e as versões traduzidas dos instrumentos de colheita de dados (30 minutos).
Solicitou-se aos adolescentes que, no dia da intervenção, levassem o seu smartphone/tablet com a devida autorização dos encarregados de educação, existindo também dispositivos móveis com o jogo instalado, caso fossem necessários. Assim, ao GE foi então implementada a intervenção pelos investigadores (45 minutos, divididos em 20 minutos para o download do jogo e preparação da intervenção, 20 minutos para a intervenção com o jogo e 5 minutos para a conclusão da intervenção). A intervenção consistiu, assim, numa sessão guiada de jogo do No Fume durante 20 minutos e da recomendação para jogarem o mesmo nas 2 semanas seguintes, de acordo com o seu interesse. Após estas 2 semanas (pós-teste), foram aplicados a ambos os grupos, ao mesmo tempo, os mesmos instrumentos que no pré-teste, com a exceção do questionário de dados gerais e com a introdução de um questionário de aceitabilidade do No Fume para o GE (20 minutos).
Tratamento e análise dos dados
Todos os dados recolhidos foram organizados numa base de dados e analisados no software IBM SPSS Statistics, versão 25.0. Para a avaliação das diferenças entre os grupos, no pré-teste, no que diz respeito às variáveis sociodemográficas, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney, o teste do Qui-Quadrado e o teste exato de Fisher. Para a caracterização da amostra recorreu-se a uma análise descritiva, através da análise das frequências absolutas e frequências percentuais. Recorreu-se, ainda, à análise da média, enquanto medida de tendência central, e à análise do desvio-padrão, enquanto medida de dispersão. Para a análise dos dados relativamente às diferenças intragrupos e às diferenças entre grupos, no pré-teste e no pós-teste, recorreu-se à análise estatística e, tendo-se verificado que a amostra não seguia uma distribuição normal, optou pela utilização de testes não paramétricos. Para avaliar as diferenças entre os grupos para as variáveis em estudo, no pré-teste e no pós-teste, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney. Para analisar a evolução de cada grupo (intragrupo) entre o momento do pré-teste e o momento do pós-teste utilizou-se o teste de Wilcoxon, para assim comparar as variáveis em estudo dentro de cada um dos grupos entre dois momentos diferentes. Considerou-se estatisticamente significativo um p< 0,05.
No contexto das variáveis estudadas, entende-se como evolução favorável uma evolução promotora de comportamentos saudáveis. Neste sentido, no caso dos determinantes: atitudes face ao uso de tabaco; motivos para o uso de tabaco; motivação para recusar a utilização de tabaco no futuro; e expetativas positivas sobre fumar, uma evolução favorável diz respeito a uma diminuição. No caso dos determinantes conhecimentos sobre o tabaco, expetativas negativas sobre fumar e autoeficácia, uma evolução favorável traduz-se por um aumento.
Aspetos éticos
Para a realização do presente estudo foram seguidos todos os procedimentos éticos recomendados para o tipo de investigação desenvolvida, tendo este estudo sido submetido à Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e obtido um parecer favorável (P521-09/2018). Foi também solicitada autorização formal às entidades onde decorreu o estudo, tendo este sido autorizado por escrito, via e-mail, pelos Diretores dos dois agrupamentos de escolas participantes.
No caso de aceitarem participar, foi requerido um consentimento informado assinado, tanto pela criança ou adolescente como pelo seu encarregado de educação, que assegurava que a autorização para a participação era voluntária e não existiria qualquer penalização no caso de não participação, bem como que os dados seriam confidenciais e anónimos, e utilizados apenas para uso exclusivo do presente estudo, sendo os questionários codificados para permitir a avaliação antes e após a participação na intervenção e o emparelhamento dos dados, não havendo a identificação dos participantes.
Resultados
Relativamente à amostra do presente estudo, esta foi constituída por um GE e por um GC. Os resultados foram avaliados através da aplicação dos instrumentos autoadministrados mencionados anteriormente.
Considerando os consentimentos obtidos nas duas escolas, o GC integrou 87 adolescentes e o GE integrou 57, com média de idade de 11,43 anos (DP = 0,587). Relativamente à comparação entre o GC e o GE, verificou-se homogeneidade nas variáveis estudadas, com exceção da variável “nacionalidade”, encontrando-se na Tabela 1 a caracterização dos participantes em função do grupo.
Para avaliar as diferenças entre os grupos em relação às variáveis em estudo, no momento do pré-teste e no momento do pós-teste, utilizou-se o teste não paramétrico U de Mann-Whitney (Tabela 2).
Relativamente às atitudes face ao uso de tabaco, motivos para o uso de tabaco, motivação para recusar a utilização de tabaco no futuro e expetativas positivas sobre fumar, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre o GC e o GE, nem no momento do pré-teste nem no momento do pós-teste. Contudo, importa referir que o GC parte de uma posição mais favorável no que diz respeito a estas variáveis.
No que concerne às expetativas negativas sobre fumar, enquanto no pré-teste as diferenças entre o GC e o GE não foram estatisticamente significativas (p = 0,332), no pós-teste verificaram-se diferenças com significância estatística (U = 2035,500; p = 0,031). Verifica-se a evolução favorável no GE, sugerindo a efetividade da intervenção com o No Fume nesta variável.
Relativamente à autoeficácia antitabaco, no pré-teste o GC parte de uma posição mais favorável do que o GE. Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, tanto no pré-teste (p = 0,018) como no pós-teste (p = 0,020), embora a evolução seja favorável em ambos os grupos.
Relativamente ao conhecimento sobre o tabaco, todos os adolescentes do GE foram capazes de identificar pelo menos uma consequência do tabaco, tanto no pré-teste como no pós-teste. Relativamente ao GC, verificou-se que, tanto no pré-teste como no pós-teste, um adolescente não respondeu à questão, tendo os restantes sido capazes de identificar pelo menos uma consequência do tabaco.
Para avaliar a evolução em cada grupo entre os dois momentos de avaliação (pré-teste e pós-teste) em relação às variáveis em estudo, recorreu-se ao teste não paramétrico de Wilcoxon (Tabela 3).
Relativamente aos determinantes: atitudes face ao uso de tabaco, motivos para o uso de tabaco, motivação para recusar a utilização de tabaco no futuro e expetativas positivas sobre fumar, as diferenças entre o pré-teste e o pós-teste não foram significativas em ambos os grupos.
Relativamente às expetativas negativas sobre fumar, as diferenças foram significativas no GE (p = 0,033), o que sugere a efetividade da intervenção com o No Fume, como se pode verificar na Tabela 3, havendo uma proporção mais elevada de adolescentes no GE que apresenta uma evolução favorável do que no GC.
Relativamente à variável autoeficácia antitabaco, verificaram-se diferenças significativas em ambos os grupos entre o momento do pré-teste e do pós-teste (GC: p = 0,006; GE: p = 0,010), todavia verificou-se uma proporção mais elevada de adolescentes que apresentou uma evolução favorável no GE.
Discussão
Conforme já foi referido, o No Fume é o primeiro mobile health game relacionado com a literacia em saúde relacionada com as questões do tabaco em Portugal, dirigido especificamente para a etapa do início da adolescência, para a faixa etária particular dos 10 aos 13 anos, e com o objetivo específico de promover uma vida sem tabaco, ou seja, de prevenir o consumo desta substância.
No que concerne à efetividade do No Fume, não foram encontrados efeitos estatisticamente significativos na maioria das variáveis em estudo, à exceção das expetativas negativas sobre fumar, o que poderá ser indicador de algumas fragilidades da intervenção. Tal, poderá estar relacionado com o conteúdo do jogo, com o período de tempo muito curto em que o jogo foi jogado ou com a falta de uma sessão de debriefing.
TRelativamente às atitudes face ao uso de tabaco, de um modo geral, a maioria dos adolescentes revela uma atitude negativa em relação ao ato de fumar cigarros e ambos os grupos apresentavam atitudes negativas em ambos os momentos de avaliação, verificando-se que a utilização do No Fume não teve efeitos estatisticamente significativos para este determinante da literacia em saúde acerca do tabaco. Todavia, no estudo da versão original1414 Parisod H. A health game as an intervention to support tobacco-related health literacy among early adolescentes. [dissertation]. Turku: Faculty of Medicine, University of Turku; 2018 [cited 2021 May 4]. Available from: https://www.utupub.fi/bitstream/handle/10024/144897/AnnalesD1357Parisod.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, o Fume, a autora verificou um efeito estatisticamente significativo da utilização dessa versão nas atitudes face ao ato de fumar cigarros.
A análise deste aspeto é importante, visto que um indivíduo ao apresentar uma atitude negativa em relação a um determinado comportamento, por exemplo, é um fator protetor para a não adoção do mesmo, uma vez que o comportamento de uma pessoa tende a ser consistente com as atitudes que a pessoa apresenta. A este nível, a teoria do comportamento planeado dá importantes contributos para a explicação do comportamento social humano, ao considerar que as atitudes em relação a um determinado comportamento poderão ser usadas, com um elevado grau de precisão, para prever intenções comportamentais, considerando que estas intenções, em combinação com a perceção de controle do comportamento, poderão explicar as variações que se verificam1616 Ajzen I. The Theory of Planned Behavior. Organ. Behav. Hum. Decis. Process. 1991;50(2):179-211. doi: http://doi.org/10.1016/0749-5978(91)90020-T
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Apesar de as diferenças não terem sido estatisticamente significativas no caso do No Fume em relação às atitudes face ao tabaco, e de todos os minijogos incluídos no No Fume se encontrarem direcionados para este determinante1212 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Danielsson-Ojala R, Smed J, Salanterä S. Designing a Health-Game Intervention Supporting Health Literacy and a Tobacco-Free Life in Early Adolescence. Games Health J. 2017;6(4):187-99. doi: http://doi.org/10.1089/g4h.2016.0107
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, tanto no GC como no GE verificou-se que, no pós-teste, mais adolescentes assinalaram a opção “muito estúpido”, em comparação com o momento do pré-teste. Tal, significa que, mesmo sem a intervenção, as atitudes em relação ao tabaco alteraram-se, o que poderá estar relacionado por um lado com o simples facto de se abordar a temática e por outro com o preenchimento das escalas poder levar a que os adolescentes tenham o assunto mais presente, meditando sobre as próprias crenças acerca do tabaco, refletindo-se isso no momento do pós-teste.
Em relação aos motivos para o uso de tabaco, para este determinante não se verificou efetividade da intervenção com o No Fume. Estes resultados vão ao encontro dos verificados com o Fume1414 Parisod H. A health game as an intervention to support tobacco-related health literacy among early adolescentes. [dissertation]. Turku: Faculty of Medicine, University of Turku; 2018 [cited 2021 May 4]. Available from: https://www.utupub.fi/bitstream/handle/10024/144897/AnnalesD1357Parisod.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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. Todavia, decorrente da análise dos dados verificou-se que em ambos os grupos os adolescentes apresentavam, no momento do pré-teste, índices muito favoráveis no que diz respeito aos motivos para o uso de tabaco, isto é, indicadores da opção por comportamentos saudáveis. Os motivos sociais são um dos fatores reconhecidos na literatura como uma das principais influências para a adoção de comportamentos de risco entre os jovens, como o consumo de tabaco ou a ingestão de bebidas alcoólicas1717 Piko BF, Varga S, Wills TA. A study of motives for tobacco and alcohol use among high school students in Hungary. J Community Health. 2015;40(4):744-9. doi: http://doi.org/10.1007/s10900-015-9993-4
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, pelo que as intervenções de promoção da saúde em geral, e de prevenção do consumo de tabaco em particular, devem ter como foco capacitar os jovens de habilidades sociais que lhes permitam interpretar e lidar com as pressões sociais frequentes que surgem neste período do ciclo vital.
A análise da motivação para a recusa da utilização de tabaco no futuro, revelou que não se verificaram efeitos estatisticamente significativos resultantes da intervenção com o No Fume e, para este determinante de literacia em saúde acerca do tabaco, também não foram encontradas diferenças significativas com o Fume1414 Parisod H. A health game as an intervention to support tobacco-related health literacy among early adolescentes. [dissertation]. Turku: Faculty of Medicine, University of Turku; 2018 [cited 2021 May 4]. Available from: https://www.utupub.fi/bitstream/handle/10024/144897/AnnalesD1357Parisod.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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. Apesar disso, num estudo desenvolvido nesta área1313 Parisod H, Axelin A, Smed J, Salanterä S. Determinants of tobacco-related health literacy: A qualitative study with early adolescents. Int J Nurs Stud. 2016;62:71-80. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.012
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, este foi um determinante de literacia em saúde específica do tabaco valorizado, tendo os adolescentes considerado que no caso de um adolescente que tenha objetivos pessoais ou desportivos, por exemplo, estes poderão ser uma motivação para a recusa do uso de tabaco.
Tal, reforça a importância de os jovens estabelecerem objetivos e metas, já que alguns estudos consideram este um fator importante, por exemplo, enquanto indicador de resiliência1818 Dias PC, Cadime I. Protective factors and resilience in adolescents: The mediating role of self-regulation. Psicol Educ. 2017;23(1):37-43. doi: http://doi.org/10.1016/j.pse.2016.09.003
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. Atribui-se, também, importância ao estabelecimento de objetivos, na medida em que ao definirem metas, os indivíduos acabam por monitorizar mais os seus comportamentos1919 Bandura A. Health promotion from the perspective of social cognitive theory. Psychol Health. 1998;13:623-49. doi: http://doi.org/10.1080/08870449808407422
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e, por isso, estarem mais alerta para as consequências e influência que outros comportamentos poderão ter na concretização dos seus objetivos.
No que concerne à intervenção com o No Fume, eventualmente, talvez seja necessário estudar também quais os vários fatores que podem levar a que um adolescente recuse consumir tabaco para, dessa forma, otimizar o jogo nesse sentido e, assim, incluir mais minijogos ou questões que abordem esses vários fatores, para que mais adolescentes se possam rever nestes.
Em relação aos conhecimentos acerca do tabaco, todos os adolescentes do GE foram capazes de identificar pelo menos uma consequência do tabaco, tanto no momento do pré-teste como no momento do pós-teste. Os resultados mantiveram-se entre os dois momentos de avaliação no caso do GE, uma vez que todos foram capazes de identificar pelo menos uma consequência de fumar cigarros em ambos os momentos, o que é de grande importância destacar, pois revela que os adolescentes já apresentam conhecimentos sobre os malefícios desta substância. Assim, considera-se que as intervenções dirigidas aos adolescentes neste âmbito não devem ter apenas como objetivo a melhoria dos conhecimentos acerca do tabaco, mas devem ter também em conta os vários outros componentes da literacia em saúde relacionada com o tabaco, que poderão apresentar tanta ou mais importância que o conhecimento que o adolescente apresenta sobre a substância e as suas consequências.
Decorrente da relevância das expetativas positivas sobre fumar no comportamento em análise, importa realçar que o alívio do stress é um dos fatores identificados pelos jovens como um aspeto que consideram positivo no tabaco, sendo esta expetativa um fator que assume uma grande importância no que diz respeito à suscetibilidade para o início do consumo de tabaco2020 Creamer MR, Delk J, Case K, Perry CL, Harrell MB. Positive Outcome Expectations and Tobacco Product Use Behaviors in Youth. Subst Use Misuse. 2017;53(8):1399-402. doi: http://doi.org/10.1080/10826084.2017.1404104
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. Neste sentido, o alívio do stress enquanto expetativa positiva relacionada com o consumo de tabaco deverá ser um elemento a integrar em futuros jogos desta natureza, considerando-se que se devem procurar identificar as falsas crenças positivas mais comuns acerca do tabaco e estas devem ser mais exploradas e desmistificadas aquando da intervenção com os adolescentes.
Relativamente às expetativas negativas sobre fumar, verificou-se efetividade da intervenção No Fume, sendo estes resultados consistentes com o estudo do Fume1414 Parisod H. A health game as an intervention to support tobacco-related health literacy among early adolescentes. [dissertation]. Turku: Faculty of Medicine, University of Turku; 2018 [cited 2021 May 4]. Available from: https://www.utupub.fi/bitstream/handle/10024/144897/AnnalesD1357Parisod.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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. A análise deste determinante da literacia em saúde acerca do tabaco é um aspeto importante na medida em que as expetativas determinam o comportamento1919 Bandura A. Health promotion from the perspective of social cognitive theory. Psychol Health. 1998;13:623-49. doi: http://doi.org/10.1080/08870449808407422
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. Um estudo que procurou analisar numa amostra de jovens adultos a relação entre a perceção dos riscos para a saúde do consumo de tabaco e um comportamento de tabagismo, verificou que os indivíduos que consideravam que o consumo de tabaco era agradável, que ajudava a lidar com os problemas ou com o stress, que fazia relaxar ou que era algo que se poderia fazer quando se estava entediado, corriam o risco de ser fumadores e, por outro lado, os indivíduos que consideravam a existência de riscos para a saúde e de consequências negativas apresentavam menos risco de se tornarem fumadores2121 Aryal UR, Bhatta DN. Perceived benefits and health risks of cigarette smoking among young adults: Insights from a cross-sectional study. Tob Induc Dis. 2015;13(22):1-8. doi: http://doi.org/10.1186/s12971-015-0044-9
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.
O enfermeiro, conhecedor da adolescência enquanto processo de transição, detém um papel essencial na análise de todos os determinantes da literacia em saúde específica do tabaco e no desenvolvimento de programas de intervenção no sentido da prevenção do consumo de tabaco e, assim, na promoção da saúde mental dos adolescentes.
No que diz respeito à aceitabilidade do No Fume, a maioria dos adolescentes considerou este como sendo “fixe” ou “muito fixe”, o que se encontra em linha com os resultados do estudo do Fume1111 Parisod H, Pakarinen A, Axelin A, Löyttyniemi E, Smed J, Salanterä S. Feasibility of mobile health game "Fume" in supporting tobacco-related health literacy among early adolescents: A three-armed cluster randomized design. Int J Med Inform. 2018;113:26-37. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2018.02.013
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Relativamente às limitações, importa referir: o desenho de estudo desta investigação, uma vez que os estudos quase-experimentais apresentam como fragilidade o facto de os indivíduos não serem distribuídos de forma aleatória; a desproporcionalidade da amostra (GC: 87; GE: 57), todavia, através do estudo de comparabilidade verificou-se que os grupos eram equivalentes, com exceção da nacionalidade; e a intensidade muito curta da intervenção, pois esta consistiu apenas numa sessão guiada com o jogo. Relativamente a esta última limitação, reproduziu-se o modelo utilizado na Finlândia, com o Fume, e verificou-se que os adolescentes tinham algumas dúvidas em relação à temática do tabaco e que a sessão de 20 minutos com o jogo era insuficiente. Sentiu-se a necessidade de realizar um debriefing após a sessão do jogo, pelo que, no futuro, o planeamento desta intervenção poderá contemplar tempo para tal.
Apesar de os resultados obtidos não refletirem efetividade da intervenção No Fume nos determinantes de literacia em saúde: atitudes face ao uso de tabaco, motivos para o uso de tabaco, motivação para a recusa de utilização de tabaco no futuro, expetativas positivas sobre fumar e autoeficácia antitabaco, seria importante fazer um levantamento dos jogos que consideraram estas variáveis, analisar de que forma foram abordadas e quais os seus resultados no diz respeito à promoção da saúde dos adolescentes, no sentido de melhorar futuramente o No Fume, bem como para o desenvolvimento de futuras intervenções de enfermagem neste domínio.
Conclusão
A intervenção baseada no mobile health game No Fume mostrou apenas efeitos favoráveis nas expectativas negativas sobre fumar dos adolescentes, pelo que necessita de ser revista e atualizada em particular nos seus minijogos por forma a dar resposta ao objetivo proposto, melhorar a literacia em saúde relacionada com o tabaco nos adolescentes.
O No Fume, enquanto tecnologia educativa baseada na gamificação poderá contribuir para alargamento e disseminação de intervenções promotoras da literacia em saúde em áreas tão específicas como esta, relacionadas com os comportamentos em saúde.
Os enfermeiros, em particular os enfermeiros especialistas em saúde mental, devem estar envolvidos no desenvolvimento de tecnologias inovadoras para a promoção da saúde mental dos adolescentes. A utilização dos mobile health games, para além de permitir alcançar um maior número de adolescentes ao mesmo tempo, apresenta a particularidade de ter a capacidade para captar o interesse e, assim, aliar uma componente lúdica à componente educativa.
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Artigo extraído da dissertação de mestrado “Efeito da versão portuguesa do jogo de saúde Fume na literacia em saúde acerca do tabaco de adolescentes”, apresentada à Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Editado por
Editor Associado
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Mar 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
04 Maio 2021 -
Aceito
07 Out 2021