Open-access Desenvolvimento do aplicativo TabacoQuest para informatização de coleta de dados sobre tabagismo na enfermagem psiquiátrica

RESUMO

Objetivo:  desenvolver aplicativo mobile para pesquisa sobre o uso de tabaco entre pacientes psiquiátricos e a população geral.

Métodos:  pesquisa aplicada com o desenvolvimento tecnológico de um aplicativo para coleta de dados em tablet Android. Para seu desenvolvimento, consideraram-se três critérios: segurança dos dados, benefícios para os participantes e otimização do tempo dos pesquisadores. Testes com 20 participantes fictícios e teste final com seis pilotos.

Resultados:  o aplicativo coleta os dados, armazena-os no banco de dados do tablet e os exporta para planilha Excel. Recursos: calculadora; cronômetro; funcionamento off-line, lógica de ramificação, validação de campos e tabulação automática.

Conclusão:  o aplicativo previne erros humanos e aumenta a qualidade dos dados ao validá-los durante a entrevista, permite realizar tabulação automática e torna as entrevistas menos cansativas. Seu sucesso poderá incentivar o uso desse e outros recursos computacionais pelos enfermeiros, como ferramenta de pesquisa.

Descritores: Software; Informática em Enfermagem; Saúde Mental; Enfermagem Psiquiátrica

ABSTRACT

Objective:  to develop a mobile app for research on the use of tobacco among psychiatric patients and the general population.

Method:  applied research with the technological development of an app for data collection on an Android tablet. For its development, we considered three criteria: data security, benefits for participants and optimization of the time of researchers. We performed tests with twenty fictitious participants and a final test with six pilots.

Results:  the app collects data, stores them in the database of the tablet and export then to an Excel spreadsheet. Resources: calculator, stopwatch, offline operation, branching logic, field validation and automatic tabulation.

Conclusion:  the app prevents human error, increases the quality of the data by validating them during the interview, allows the performing of automatic tabulation and makes the interviews less tiring. Its success may encourage the use of this and other computational resources by nurses as a research tool.

Descriptors: Software; Nursing Informatics; Mental Health; Psychiatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:  desarrollar aplicativo móvil para hacer investigación sobre el uso de tabaco entre pacientes psiquiátricos y la población en general.

Métodos:  investigación aplicada con el desarrollo tecnológico de un aplicativo para recolección de datos en tablet Android. Para su desarrollo, se consideraron tres criterios: seguridad de los datos, beneficios para los participantes y optimización del tiempo de los investigadores. Se realizaron pruebas con 20 participantes ficticios y un test piloto final.

Resultados:  los datos del aplicativo almacenados en el banco de datos del tablet son exportados para planilla Excel. Recursos: calculadora, cronómetro, funcionamiento off-line, lógica de ramificación, validación de campos y tabulación automática.

Conclusión:  el aplicativo evita errores humanos y aumenta la calidad de los datos al validarlos durante la entrevista, también permite realizar una tabulación automática y torna las entrevistas menos agotadoras. Su éxito incentivará su uso y el de otros recursos computacionales por parte de los enfermeros, como herramienta de investigación.

Descriptores: Programas Informáticos; Informática Aplicada a la Enfermeira; Salud Mental; Enfermería Psiquiátrica

Introdução

Pesquisas em saúde mental são essenciais para o planejamento do cuidado, para organização dos serviços de saúde, para desenvolvimento das políticas de saúde pública e, consequentemente, melhora da qualidade de vida dos pacientes1.

Estudos sugerem que portadores de transtornos mentais se sentem satisfeitos por participarem como voluntários de pesquisas, uma vez que acreditam que possam ajudar pessoas que passam por experiências semelhantes às suas, bem como em benefícios para si próprios (efeito terapêutico ao divulgar suas experiências)1-2.

Por outro lado, os pacientes psiquiátricos podem apresentar dificuldades devido às alterações no estado mental como anedonia, desatenção, dificuldade de memorização, falta de concentração, inquietação, entre outras. Após entrevista sobre suicídio, 79 esquizofrênicos relataram suas experiências como participantes da pesquisa. Queixaram-se de terem experimentado ansiedade, cansaço, dificuldade de memória, estresse, inquietação e nervosismo1.

Para minimizar os desconfortos do entrevistado, tem sido utilizada a coleta de dados informatizada (Entrevista Pessoal Assistida por Computador Móvel -MCAPI), a partir de aplicativos e softwares, desenvolvidos para smartphones e tablets, com questionários digitais atrativos, dinâmicos e interativos que motivam a participação no estudo3-5. Sentir-se ansioso durante uma entrevista é comum ao ser humano. Ao transferir sua atenção para o questionário digital, o entrevistado deixa de ser o principal foco, o que o ajuda a lidar com a situação. Isso ressalta a utilidade da MCAPI para todos os grupos da população e sua importância nas diferentes áreas de pesquisa. Com os pacientes psiquiátricos, contudo, a MCAPI tem especial importância porque a ansiedade pela entrevista se soma às dificuldades características de outras alterações no estado mental, próprias de transtornos mentais. Acredita-se que os questionários digitais, por permitirem maior interação durante a entrevista, possam estimular os pacientes psiquiátricos que se sintam desmotivados a participarem das pesquisas e favorecer a qualidade das respostas por aumentar a atenção/concentração, diminuir a ansiedade e o cansaço.

A rápida disseminação dos dispositivos móveis no mercado tem favorecido a inserção dessa tecnologia na área da saúde, tanto nas pesquisas quanto na assistência e gerenciamento do cuidado. Em estudo sueco, com 398 enfermeiros e estudantes de enfermagem, verificou-se que a maioria acreditava que os dispositivos móveis podem trazer benefícios para as ações de enfermagem, sem prejuízo para a qualidade do cuidado e aumentando a confiança do paciente nos profissionais6. Acredita-se que esse aumento da confiança possa ser estendido para os pesquisadores.

Além dos benefícios para o entrevistado, a coleta de dados informatizada diminui a possibilidade de erros humanos durante o registro das respostas, contribuindo para melhor qualidade e segurança dos dados e aumento da credibilidade científica dos resultados da pesquisa3,7-9.

A MCAPI tem sido introduzida nas pesquisas epidemiológicas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi premiado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) pelo primeiro censo populacional informatizado que garantiu qualidade dos dados, além de vantagens econômicas e ambientais.

O uso de tabaco por pacientes psiquiátricos é um tema que vem sendo destacado nas pesquisas científicas por retratar um grave problema de saúde pública. Enquanto a prevalência de fumantes na população mundial é de cerca de 20%, em alguns grupos de pacientes psiquiátricos, especialmente entre os esquizofrênicos, pode alcançar quase 85%10. Isso instiga os pesquisadores a investigarem o assunto, com a possibilidade de levantamento de uma diversidade de variáveis.

Diante da necessidade de entrevistar pacientes psiquiátricos e a população geral para um estudo epidemiológico transversal sobre tabagismo, com um número expressivo de variáveis, considerou-se a possibilidade de informatizar os questionários, tendo em vista seus benefícios para os participantes da pesquisa e para a qualidade dos dados.

Embora não tenham sido encontrados estudos sobre o desenvolvimento desse tipo de aplicativo para coleta de dados, sobre uso de tabaco entre pacientes psiquiátricos, acredita-se que o mesmo seja relevante por ser mais dinâmico, atrativo e interativo do que as pesquisas em papel.

Este estudo teve por objetivo desenvolver aplicativo móbile para pesquisa sobre o uso de tabaco entre pacientes psiquiátricos e a população geral.

Métodos

Trata-se de pesquisa aplicada com o desenvolvimento tecnológico de um aplicativo para coleta informatizada de dados em dispositivo móvel. A pesquisa aplicada caracteriza-se por sua utilidade prática, uma vez que se destina à criação de recursos que possam ajudar a solucionar problemas identificados. O aplicativo foi desenvolvido para a tese de doutorado "Prevalência e perfil do tabagismo entre portadores de transtornos mentais e a população geral", do Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

A proposta neste estudo sobre tabagismo, aprovado por Comitê de Ética (Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - EERP - 603/873-0, CAAE 21101113.3.3001.5413), foi a realização de entrevistas com 378 participantes, atendidos em três serviços de saúde de uma cidade do interior paulista: ambulatório de saúde mental (n=126), hospital psiquiátrico (n=126) e unidade básica de saúde (n=126). Previu-se a aplicação de nove questionários relacionados ao tema do estudo: 1) Questionário de identificação das pessoas que frequentam os serviços de saúde mental e de atenção básica (elaborado especialmente para o estudo), 2) Critério Classificação Econômica Brasil - CCEB-2014, 3) Escala de monitoramento de risco de suicídio, 4) Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica - BPRS-A, 5) Inventário de ansiedade-traço - IDATE, 6) Identificação do uso de tabaco (questões selecionadas da Pesquisa Especial de Tabagismo "PETab", protocolo padronizado da Organização Mundial de Saúde), 7) Teste de Dependência à Nicotina de Fagerström-FTDN11, 8) Ladder Scale12 e 9) Escala Razões para Fumar Modificada-ERPFM13.

O aplicativo foi desenvolvido em parceria com o grupo de pesquisa do Laboratório de Inteligência em Saúde, constituído por docentes e alunos do curso de Informática Biomédica Interunidades, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP).

Entre novembro e dezembro de 2013, foram realizadas reuniões de planejamento entre os enfermeiros pesquisadores e os cientistas da computação. Nessa etapa, foram definidas as características do aplicativo e os recursos que seriam inseridos, considerando-se três critérios: 1) segurança dos dados, 2) benefícios para os pacientes (aumento da motivação e da atenção durante as entrevistas) e 3) facilidade e otimização do tempo dos pesquisadores na aplicação dos questionários.

Optou-se pelo desenvolvimento de um aplicativo para dispositivo móvel, denominado TabacoQuest, utilizando o sistema operacional Android por ser uma plataforma distribuída ampla e gratuitamente pela Google, além da vasta experiência dos cientistas da computação em desenvolverem aplicativos com esse sistema.

Considerando-se a extensão e a complexidade dos questionários, definiu-se que as respostas seriam assinaladas no dispositivo móvel pelo próprio entrevistador, porém, os participantes acompanhariam o preenchimento. Para que os participantes acompanhassem a leitura das questões e suas alternativas de respostas, foi escolhido um dispositivo com tela maior, com boa resolução, contendo características de alta qualidade e que tivesse bateria com longa duração. Utilizou-se o tablet Samsung Galaxy Note(r), com tela de 10.1 polegadas, Quad Core 1.4 Ghz, sistema operacional Android 4.0, bateria de 7000 mAh e memória interna de 16 GB.

Na etapa de planejamento, definiu-se que o TabacoQuest teria três funções integradas: 1) coleta dos dados, 2) armazenamento local no banco de dados nativo do dispositivo e 3) exportação dos dados para visualização e análise (geração automática do banco de dados). Para tanto, previu-se a necessidade de um computador e de um cabo USB para que os dados pudessem ser transferidos (exportados) para o computador e visualizados em uma planilha Excel. Para a criação do banco de dados e planilha Excel, os cientistas da computação seguiram um dicionário de variáveis desenvolvido sob orientação de um estatístico.

Em janeiro de 2014, foi apresentada a primeira versão do TabacoQuest com as funções de coleta e de geração do banco de dados integradas. A fim de testar a acurácia das respostas assinaladas no tablet e as respostas transferidas para o banco de dados, foram criados 20 participantes fictícios para execução de testes.

Entre janeiro e fevereiro de 2014, as respostas dos participantes fictícios, preenchidas inicialmente nos questionários impressos, foram registradas diversas vezes no aplicativo. Depois de transferidas para a planilha Excel, os pesquisadores conferiam se as respostas do banco de dados eram as mesmas do papel. Para cada erro identificado, os cientistas da computação realizavam as correções necessárias de implementação no aplicativo e apresentavam uma nova versão corrigida. Com o banco de dados "limpo", as respostas dos 20 pacientes fictícios eram registradas novamente, dando-se sequência à conferência da acurácia dos dados. Esses procedimentos foram repetidos diversas vezes até que todos os erros puderam ser identificados e corrigidos (Figura 1).

Figura 1
Processo de testes do TabacoQuest para coleta de dados em pesquisa na saúde mental

Após correção dos erros de programação, em março de 2014, foram discutidas as melhores estratégias para melhorar o design do TabacoQuest, a fim de torná-lo mais atrativo e amigável. Em abril de 2014, a versão final do aplicativo foi testada com seis participantes-piloto, dois do ambulatório de saúde mental, dois do hospital psiquiátrico e dois da unidade básica de saúde. Após avaliação de sua segurança pelas pesquisadoras e pelos cientistas da computação, o aplicativo foi liberado para a coleta dos dados.

Resultados

Os resultados são apresentados em três tópicos: A) apresentação do aplicativo, B) principais recursos, finalidades e vantagens e C) limitações do aplicativo.

Apresentação do aplicativo

Visando tornar o aplicativo atrativo para os participantes da pesquisa, diferentes opções de interface foram cogitadas. Eliminou-se a possibilidade de fundo com cor clara devido ao maior consumo de bateria. Optou-se pela interface que melhor realçava o texto (fundo azul-escuro), além de ser atrativa (Figura 2). Utilizou-se fonte Arial Rounded MT Bold, cor amarela, para as perguntas e palavras que requeriam destaque e cor branca com efeito sombreado para as respostas. Na Figura 2, são apresentadas algumas telas do TabacoQuest (screenshots).

Figura 2
Telas (screenshots) do TabacoQuest: (a) - Registro automático do número do questionário e da data da entrevista,m (b) - Critério Econômico Brasil, (c), (d) e (e) - Interação: registro de respostas por toque na tela, (f) - Indicação de final da entrevista

A tela inicial do aplicativo possui uma funcionalidade que registra automaticamente o número do questionário e a data da entrevista (Figura 2a). Nessa tela, o enfermeiro/pesquisador deve inserir o local do estudo e selecionar o botão "próximo" para ser direcionado para a tela seguinte.

Foi idealizada e construída uma interface amigável, sem excesso de informações visuais ou necessidade de diversos comandos (touches) em uma única tela (Figura 2). As respostas eram todas preenchidas pelo mesmo enfermeiro, porém, a fim de promover interação com o entrevistado, em alguns momentos, ele seria incentivado, com a supervisão do entrevistador, a registrar sua própria resposta tocando na tela do tablet (Figura 2c e 2e). Os elementos gráficos eram atrativos e permitiram interação, proporcionando melhor atenção e motivação dos participantes.

Na última tela do aplicativo, aparece uma mensagem indicando que a entrevista foi finalizada (Figura 2f). O enfermeiro seleciona no menu a opção "salvar formulário" para que as respostas sejam armazenadas no banco de dados nativo do tablet. Para iniciar nova entrevista, seleciona-se "novo formulário". Para visualização dos dados, seleciona-se a opção "exportar banco" e todos os dados armazenados no tablet serão exportados para uma planilha Excel. Realiza-se a conexão, via cabo USB, ao computador e recupera-se o arquivo em formato Excel, contendo os dados.

Principais recursos, finalidades e vantagens

Na Figura 3, são apresentadas algumas telas do TabacoQuest que exemplificam os recursos inseridos. A fim de evitar respostas em branco, foi inserido o recurso validação de campos (Figura 3a e 3c). O aplicativo não permite que a entrevista seja prosseguida se alguma variável não for respondida, garantindo consistência e integridade dos dados que serão armazenados. Um alerta na cor vermelha é exibido, indicando a necessidade de selecionar uma alternativa.

Figura 3
Telas (screenshots) com exemplos inseridos no TabacoQuest: (a) e (c) - telas para validação de campos; (b) - lógica de ramificação: resposta automática da questão A8; (d) - recurso de calculadora: a relação entre D21 e D22 é lançada diretamente no banco; (e) e (f) - conversão de Unidades

As questões são apresentadas no aplicativo de acordo com a lógica de ramificação. Desse modo, as questões que não se aplicam a um determinado participante são preenchidas automaticamente ou, em alguns casos, omitidas. A Figura 3b exemplifica que, no caso de ser assinalado que o participante não tem filhos, a questão seguinte (número de filhos) é registrada automaticamente com zero. O mesmo ocorre com a variável "religião autorreferida". Se assinalado que o participante não tem religião, a variável "prática religiosa" é registrada, automaticamente, como "não se aplica".

Inicialmente, planejou-se que a lógica de ramificação seria aplicada em todos os questionários. Ao analisar os critérios para inserção dos recursos, admitiu-se que, embora a lógica de ramificação pudesse beneficiar os participantes (entrevistas menos cansativas) e otimizar o tempo do pesquisador, a segurança dos dados não poderia ser garantida se esse recurso fosse aplicado para o questionário PETab.

Como o PETab é um questionário complexo que apresenta condições para todas as respostas (exemplo, se respondeu "diariamente" para a questão D1, passe para a questão D4; se respondeu "menos que diariamente" para a questão D1, passe para a questão D2; se respondeu "nunca fumou" para a questão D1, passe para a questão D3). Considerou-se que não seria seguro o direcionamento automático para as perguntas seguintes, e que seria, então, conduzida manualmente pelo enfermeiro/pesquisador. A fim de orientá-lo durante as entrevistas, foram inseridas instruções na frente de cada resposta do PETab, assim como atalhos na parte superior da tela do aplicativo (Figura 3c). Com isso, se o enfermeiro assinala "diariamente" para a questão D1, há a instrução de que a próxima pergunta que deve ser respondida é a D4. O enfermeiro/pesquisador clica no atalho "D4" na parte superior e é direcionado para a tela dessa questão. Nesse caso, as questões não respondidas (D2 e D3) são registradas automaticamente como "não se aplica" no banco de dados.

Na Figura 3d é ilustrado o recurso calculadora. Por exemplo, na questão D22 interessa saber quanto a pessoa compromete de sua renda na compra de tabaco. Com base no valor da renda mensal, inserido na questão D22, bem como o montante que é gasto por mês com a compra de tabaco (inserido na questão D21), o aplicativo realiza automaticamente o cálculo do comprometimento, registrando-o no banco de dados.

Nas Figuras 3e e 3f, há exemplos de conversão de unidades de medidas. As respostas para as questões D14 e D19 devem ser registradas no banco de dados em "dias". No entanto, o enfermeiro/pesquisador tem a opção de inserir no aplicativo a resposta tal como o participante responde. Se respondeu em meses, insere-se a quantidade de meses na caixa de texto com a orientação "meses". No banco de dados, a resposta aparecerá como "dias".

Finalidades e vantagens dos recursos inseridos no TabacoQuest com o intuito de facilitar e otimizar o tempo das entrevistas, aumentar a validade das respostas e o interesse dos entrevistados:

-calculadora - converte unidades de medida. Se a variável "há quanto tempo parou de fumar" for registrada no banco de dados em anos, meses ou semanas, a calculadora faz a conversão automática para dias. Além disso, soma a pontuação final obtida nas escalas. Evita erros de cálculo, aumentando a precisão das respostas;

  • -cronômetro - cronometra o tempo de duração da entrevista;

  • -funcionamento independente de internet (off-line) - previne interrupção das entrevistas, se houver queda de sinal da internet. Evita perda de participantes;

  • -interface amigável com elementos gráficos interativos - aumenta o interesse e a atenção, proporcionado interação diferenciada com os entrevistados. Torna a entrevista menos cansativa;

  • -lógica de ramificação - mostra apenas perguntas que se aplicam ao entrevistado, de acordo com as respostas anteriores. Se for registrado que a pessoa não é fumante, as variáveis específicas para os fumantes são ocultadas. As questões que seriam assinaladas como "não se aplica" não são perguntadas, tornando a entrevista mais rápida e menos cansativa. Evita vieses, aumentando a acurácia das respostas;

  • -validação de campos - não permite o prosseguimento da entrevista se alguma questão não for respondida, eliminando a possibilidade de respostas em branco. Não permite a seleção de mais de uma resposta para perguntas de resposta única, o que anularia a questão. Garante a consistência e integridade dos dados armazenados;

  • -tabulação automática - transfere as respostas automaticamente para a planilha Excel. Evita erros de digitação e economiza tempo do pesquisador.

Durante a etapa de testes, foram identificadas diferenças em alguns cálculos realizados pelos pesquisadores nos formulários impressos dos pacientes fictícios, e as respostas foram registradas no banco de dados. Constatou-se que os erros de cálculos haviam sido cometidos pelos pesquisadores, tendo o aplicativo registrado o número correto, mostrando a precisão de suas respostas e o potencial para prevenir erros humanos.

Além das vantagens já mencionadas, verificou-se diferença pequena no custo que os pesquisadores teriam com a impressão dos questionários e o custo do tablet.

Limitações do aplicativo

A principal limitação do aplicativo refere-se ao seu funcionamento unidirecional. Quando iniciada uma nova entrevista, as respostas da anterior não podem mais ser recuperadas (visualizadas) na tela do aplicativo. Caso haja necessidade de alterar alguma informação, após a entrevista ser salva, o pesquisador deve realizá-la manualmente na planilha Excel. Quando uma entrevista for interrompida, o pesquisador não tem a opção de retomá-la em outro momento, se iniciar um novo formulário. Quando a entrevista for interrompida por um instante, se o pesquisador mantiver o formulário aberto pode retomá-la, porém, não existe a opção de pausar o cronômetro. Nesses casos, é necessário que se registre, à parte, o tempo de interrupção e, posteriormente, ajustar o tempo total no banco de dados do Excel.

Discussão

Quando se pensou na possibilidade de realizar uma coleta de dados informatizada para a pesquisa sobre tabagismo, foi realizada uma busca sobre as ferramentas disponíveis. Embora diversas opções tenham sido encontradas, a maioria requeria conexão com a internet no momento da entrevista, era paga ou não compreendia os recursos necessários para atender à complexidade de alguns questionários utilizados na pesquisa. Portanto, decidiu-se pelo desenvolvimento de um aplicativo.

Para o seu desenvolvimento, foram considerados três critérios: 1) segurança dos dados, 2) benefícios para os participantes (aumento da motivação e da atenção) e 3) facilidade e otimização do tempo dos pesquisadores na aplicação dos questionários. O atendimento dos três quesitos foi possível a partir da parceria entre profissionais da área da saúde e profissionais de ciências exatas, o que permitiu que os enfermeiros contribuíssem com suas experiências de pesquisa de campo, priorizando o que poderia favorecer os pacientes psiquiátricos e otimizar o tempo da pesquisa, e os cientistas da computação com o conhecimento de programação, garantindo a inserção de recursos seguros que não comprometessem a qualidade dos dados.

Ressalta-se que, embora os questionários digitais sejam preenchidos pelo entrevistador, optou-se por um dispositivo móvel com tela de 10 polegadas para favorecer a interação com os participantes da pesquisa. Além disso, quando o sujeito mostrava interesse, ele era incentivado a assinalar algumas das suas respostas na tela do dispositivo, com a supervisão do entrevistador.

Ao longo da coleta dos dados com o TabacoQuest, alguns pacientes aproximaram-se da entrevistadora, movidos pelo interesse em saber o que ela fazia no serviço com o tablet e o conteúdo do aplicativo. Várias pessoas ofereceram-se e até insistiram em participar da pesquisa. Com isso, entende-se que o uso de dispositivo móvel na coleta de dados pode tornar as pessoas mais acessíveis e motivadas a participarem da pesquisa, facilitando o primeiro contato com os pesquisadores4.

Estudos realizados nos Estados Unidos (n=49), na Índia (n=95) e em Fiji (n=120) mostram que os participantes, inclusive aqueles com idade mais avançada, preferem responder questionários informatizados a questionários impressos. Para eles, as pesquisas no papel requerem mais tempo, além de não serem dinâmicas3,8,14.

Um estudo sueco evidenciou uma das principais preocupações em relação ao uso de dispositivos móveis na área da saúde, o prejuízo da interação profissional/paciente6. Semelhante ao que ocorreu com o uso do TabacoQuest, ao relatar sua experiência com o uso de Palm OS, para coleta de dados informatizada, um pesquisador contou que o uso do dispositivo móvel favoreceu a interação com o paciente e possibilitou maior contato visual do que as entrevistas realizadas em papel4. O favorecimento do contato visual também foi relatado em um estudo chinês15.

Além de facilitar o contato visual entre entrevistador/entrevistado e aumentar o interesse das pessoas em participar da pesquisa, a coleta de dados informatizada tem outras vantagens, dependendo dos recursos que forem inseridos no aplicativo: 1) os dados são validados no momento da entrevista (elimina-se a possibilidade de respostas em branco ou a seleção equívoca de mais de uma resposta), 2) não é necessário tabular manualmente os dados, diminuindo os potenciais erros humanos, 3) questionários longos tornam-se menos cansativos (para cada participante são apresentadas apenas as perguntas que a ele se aplicam) e 4) a análise dos dados pode ser iniciada imediatamente após completar o número de participantes, visto que não é necessário tabulá-los3,8.

Estudo realizado em Fiji, Oceania, comparou entrevistas registradas no papel e em dispositivo móvel PDA (Personal Digital Assistant). Seis pessoas foram treinadas para entrevistarem 120 pessoas. Cada pessoa era entrevistada duas vezes, de forma randomizada, uma com papel e uma com o PDA. Ao avaliar a qualidade dos dados, verificou-se que 20,8% dos questionários impressos continham algum tipo de erro, enquanto nenhum questionário informatizado apresentou erros14. Em uma revisão sistemática da literatura científica sobre a comparação entre coleta de dados no papel e em dispositivos móveis identificou-se maior acurácia dos dados coletados em dispositivos móveis em relação ao papel16.

Diante da tendência atual do uso de dispositivos móveis para a coleta de dados das pesquisas científicas, é importante que os enfermeiros tenham conhecimento de informática, de modo que possam participar ativamente do planejamento e elaboração de ferramentas tecnológicas para a condução de suas pesquisas, bem como para a assistência e gerenciamento do cuidado. No Brasil, o ensino introdutório de informática é previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem17.

O presente artigo traz uma contribuição importante para os enfermeiros e demais pesquisadores ao apresentar todos os passos do planejamento do aplicativo, dos testes de sua acurácia e a versão final do TabacoQuest, com justificativa da escolha de cada recurso inserido. O presente artigo pode orientar os pesquisadores das diferentes áreas de pesquisa que almejam, pela primeira vez, desenvolver aplicativos, além de trazer uma reflexão sobre a importância desse recurso digital nas pesquisas com pacientes psiquiátricos.

Embora as limitações do TabacoQuest não tenham prejudicado a pesquisa, espera-se desenvolver alternativas para corrigi-las. Estudos futuros poderão comparar a aplicação dos questionários no papel e no tablet, de modo a avaliar a aceitação do aplicativo pelos participantes.

Conclusões

O TabacoQuest foi desenvolvido com sucesso, tendo mostrado, como principais potenciais, o estímulo à participação dos portadores de transtornos mentais e da população geral na pesquisa (despertou curiosidade nos pacientes que se encontravam nos serviços nos períodos da coleta dos dados), a condução de entrevistas menos cansativas (a interface amigável do aplicativo favoreceu maior interação com o entrevistado e sua participação no preenchimento de algumas respostas), vínculo entre entrevistador/entrevistado com favorecimento da confiança e sinceridade nas respostas (favorecimento de maior contato visual) e a prevenção de erros humanos com aumento da consistência e integridade dos dados registrados (validação dos dados no momento da entrevista, tabulação automática).

A parceria entre enfermeiros e cientistas da computação no desenvolvimento do TabacoQuest foi essencial para o alcance do equilíbrio entre segurança do aplicativo, garantia de benefícios para os participantes e otimização do tempo dos pesquisadores. O sucesso desse aplicativo como ferramenta de pesquisa poderá incentivar o uso desse e outros recursos computacionais pelos enfermeiros como ferramenta de pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2015
  • Aceito
    31 Out 2015
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