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Instrumentos multidimensionais: aplicação dos cartões das qualidades da dor em crianças

Resumos

Estudo piloto, descritivo e exploratório de campo. O objetivo foi verificar a representatividade das qualidades da dor de crianças e adolescentes, aplicando os Cartões das Qualidades da Dor a 50 crianças e adolescentes no primeiro semestre de 2004, após obter a aprovação do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem, USP. Os resultados apontaram não haver correlação entre faixa etária e número de respostas afirmativas. A identificação dos cartões foi diferente para cada grupo, ou seja, 61,1% dos cartões foram identificados para o pré-escolar, 77,8% para o escolar e 27,8% para o adolescente. A utilização do instrumento mostrou ser factível e capaz de avaliar, discriminar e mensurar as diferentes dimensões da dor.

medição da dor; criança; enfermagem


This pilot, descriptive and field exploratory study aimed to verify the representative of the quality of pain, applying the Pain Quality Cards to 50 children and teenagers hospitalized in the first half of 2004, after being approved by the Ethic Commission. Results have shown that there is no relationship between the age group and the number of positive answers. The identification of the cards was different to each group, 61,1% of the cards were identified for the pre-scholar, 77,8% for the scholar and 27,8 for the teenagers. The use of the instrument has revealed itself successful and able to evaluate, discriminate and measure the different dimensions of pain.

pain measurement; child; nursing


Estudio piloto, descriptivo y exploratorio de campo. El objetivo fue verificar la representatividad de las cualidades del dolor de niños y adolescentes, aplicando las Tarjetas de las Cualidades del Dolor a 50 niños y adolescentes en el primero semestre de 2004, después de obtener la autorización del comité de ética de la escuela de la enfermería. Los resultados apuntaron no haber correlación entre grupo de determinada edad y número de respuestas afirmativas. La identificación de las tarjetas fue distinta para cada grupo, es decir, 61,1% de las tarjetas fueron identificadas para el pre-escolar, 77,8% para el escolar y 27,8% para el adolescente. La utilización del instrumento mostró ser factible y capaz de evaluar, discriminar y mensurar las distintas dimensiones del dolor.

dimensión del dolor; niño; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Instrumentos multidimensionais: aplicação dos cartões das qualidades da dor em crianças1 1 Projeto de Iniciação Científica financiado pelo CNPq

Instrumentos multidimensionales: aplicación de las tarjetas de las cualidades del dolor en niños

Lisabelle Mariano RossatoI; Fernanda Milani MagaldiII

IProfessor, e-mail: rossato@usp.br

IIGraduanda do Curso de Enfermagem. Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo

RESUMO

Estudo piloto, descritivo e exploratório de campo. O objetivo foi verificar a representatividade das qualidades da dor de crianças e adolescentes, aplicando os Cartões das Qualidades da Dor a 50 crianças e adolescentes no primeiro semestre de 2004, após obter a aprovação do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem, USP. Os resultados apontaram não haver correlação entre faixa etária e número de respostas afirmativas. A identificação dos cartões foi diferente para cada grupo, ou seja, 61,1% dos cartões foram identificados para o pré-escolar, 77,8% para o escolar e 27,8% para o adolescente. A utilização do instrumento mostrou ser factível e capaz de avaliar, discriminar e mensurar as diferentes dimensões da dor.

Descritores: medição da dor; criança; enfermagem

RESUMEN

Estudio piloto, descriptivo y exploratorio de campo. El objetivo fue verificar la representatividad de las cualidades del dolor de niños y adolescentes, aplicando las Tarjetas de las Cualidades del Dolor a 50 niños y adolescentes en el primero semestre de 2004, después de obtener la autorización del comité de ética de la escuela de la enfermería. Los resultados apuntaron no haber correlación entre grupo de determinada edad y número de respuestas afirmativas. La identificación de las tarjetas fue distinta para cada grupo, es decir, 61,1% de las tarjetas fueron identificadas para el pre-escolar, 77,8% para el escolar y 27,8% para el adolescente. La utilización del instrumento mostró ser factible y capaz de evaluar, discriminar y mensurar las distintas dimensiones del dolor.

Descriptores: dimensión del dolor; niño; enfermería

INTRODUÇÃO

A dor é uma sensação temida por pessoas de todas as faixas etárias, principalmente pelas crianças. No entanto, há forte crença popular de que essas não sentem dor. Embora esse conceito não tenha embasamento científico, muitos profissionais da saúde permanecem com essa crença.

Diversas razões explicam o porquê da dor em crianças não receber a mesma atenção que a do adulto, entre elas, a dificuldade que o profissional da saúde apresenta em mensurar a dor infantil, quer por não perguntar se sente dor, quer por desconhecer que a criança menor possui maior dificuldade em comunicá-la.

Dentre os argumentos para o subtratamento e subidentificação da dor, os mitos ocupam um lugar significativo, destacando os opióides como causadores de dependência física, tolerância, dependência psicológica e depressão respiratória. Além disso, limitações de conhecimento e treinamento de profissionais sobre dor, desinformação e confusão entre os conceitos de tolerância, dependência física e psicológica, depressão respiratória que impedem a comunicação eficaz acerca desse assunto, resultando numa avaliação e manejo inadequados e pouco precisos da dor infantil(1).

Até a década de 70, acreditava-se que as crianças não eram capazes de quantificar fenômenos abstratos como a intensidade da dor. Resultados de estudos mostraram que elas são capazes de indicar os níveis de seu sofrimento, caso o adulto proporcione um instrumento adequado à sua execução, como uma escala, diagrama, ou desenho(1).

Existem vários instrumentos que avaliam a dor. Os unidimensionais mensuram apenas sua intensidade, enquanto os multidimensionais avaliam suas qualidades, suas diferentes dimensões(2).

Instrumentos como escala visual analógica, escala numérica, escala de copos e escala de cores avaliam a intensidade dolorosa da criança e são relacionados ao seu nível de desenvolvimento. Para compreendê-los, faz-se necessário que a criança tenha noções de aritmética, seja alfabetizada, além de ser capaz de discriminar cores(3).

A escala de faces também se caracteriza por ser instrumento de avaliação da intensidade dolorosa e é constituída por seis faces, parecendo ser mais adequada à criança pré-escolar, que ainda não se alfabetizou, ou recebeu conhecimentos aritméticos(3).

Em nosso contexto, destaca-se o instrumento desenvolvido para a avaliação da intensidade da dor com a criança escolar. Trata-se de uma escala de faces composta por figuras familiares às crianças brasileiras, desenhadas pelo cartunista Maurício de Souza, autor consagrado de revistas em quadrinhos(4). A aplicação dessa escala com crianças hospitalizadas e apresentando queixa dolorosa foi realizada por meio de outra investigação nacional(1).

A avaliação da dor pediátrica é um dos problemas mais desafiantes com que se deparam os provedores de assistência à saúde. Acredita-se que o objetivo da avaliação da dor não seja apenas determinar sua intensidade, como mostram as escalas acima.

Autores ressaltam a necessidade de realização de pesquisas sobre a qualidade, duração, influência da dor na esfera psico-afetiva, possibilitando auxílio para o diagnóstico, escolha de terapia e avaliação de sua eficácia(5).

A utilização de instrumentos para avaliação da dor possibilita garantir que seja avaliado o que a criança esteja vivenciando, e não o que o profissional julgue que ela esteja sentindo. Para que haja melhor compreensão da dor, faz-se necessário considerar os processos que a criança vivencia, tanto os estágios de desenvolvimento físico quanto mental.

O desconhecimento de instrumentos adequados, associado à dificuldade da criança em expressar sua dor, pode ser considerado um dos obstáculos apresentados por enfermeiras em relação à avaliação da dor da criança(6).

A enfermeira encontra-se numa posição privilegiada para avaliar a dor da criança, podendo, sobretudo, influenciar no seu controle, ao ter autonomia para avaliar e medicá-la mediante a prescrição médica, se necessário. Deve, também, utilizar-se dessa posição para construir a abertura entre a pesquisa sobre dor infantil e a prática hospitalar, na tentativa de diminuir ou aliviar o sofrimento, aprendendo a avaliar a criança com dor através de uma variedade de abordagens.

Uma lacuna existente na avaliação quanto à qualidade da dor da criança ainda permanece devido à ausência de instrumentos adequados ao nível do desenvolvimento cognitivo da criança.

Faz-se necessário testar, portanto, instrumentos de avaliação da dor que possibilitem não apenas avaliar, mas também discriminar e mensurar as diferentes dimensões da experiência dolorosa na criança.

Foi utilizado nessa pesquisa, um instrumento de avaliação destinado a estimar as dimensões comportamental e perceptual da dor(7). Considera-se que as contribuições dos resultados para uma avaliação mais completa da dor da criança justifiquem seu desenvolvimento. Dessa forma, este estudo teve como objetivo verificar a representatividade das qualidades da dor de crianças e adolescentes hospitalizados.

METODOLOGIA

O estudo piloto teve caráter descritivo e exploratório de campo. A população foi constituída por crianças pré-escolares, escolares e adolescentes, contemplando a faixa etária de 3 a 16 anos de idade. O número total de participantes do estudo foi de 50 crianças internadas e apresentando queixa dolorosa, no primeiro semestre de 2004.

Os critérios para a seleção da população foram: estar na faixa etária pré-escolar, escolar ou adolescente; estar apresentando queixa dolorosa no momento da aplicação dos cartões ou ser criança com dor crônica, que estivesse sentindo dor, ou não, no momento da aplicação do instrumento, além de ser capaz de comunicar-se, bem como verbalizar ou indicar suas necessidades.

A coleta de dados foi realizada pela aluna bolsista, em unidade de internação pediátrica de um hospital público da cidade de São Paulo, após obter aprovação do projeto de pesquisa pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP.

Antes de iniciar a coleta de dados, as crianças e adolescentes foram esclarecidos a respeito do propósito do estudo, sendo garantido que suas identidades seriam preservadas e que se houvesse qualquer manifestação de dor, ou de desconforto, a entrevista seria interrompida imediatamente, podendo recomeçá-la ou desistir de colaborar em qualquer momento, sem que tivessem prejuízo no atendimento pelo hospital.

O presente trabalho foi desenvolvido a partir dos resultados de dois estudos, o primeiro, o Questionário para dor McGill(5) e o segundo(7) que foi a criação e aplicação de 18 descritores de dor encaminhados ao cartunista Maurício de Souza para criar as ilustrações da elaboração dos "Cartões das Qualidades da Dor", utilizando o personagem "Cebolinha". As ilustrações dos descritores de dor foram avaliadas por 4 juízes, para verificar a adequação entre o desenho e o descritor de dor. As ilustrações não aprovadas pelos juízes retornaram ao cartunista para readaptação.

Os "Cartões das Qualidades da Dor"(7), representando os 18 descritores de qualidade de dor, foram apresentados a 45 crianças sem dor com idade entre 3 e 6 anos, para avaliar se as crianças atribuíam à ilustração significado semelhante ao descritor de dor representado. As crianças compreenderam 11 cartões. Os cartões foram considerados aprovados por serem compreendidos por, no mínimo, 70% das crianças. Compreender os cartões significou atribuir às ilustrações o significado correspondente ao descritor de dor que se queria representar.

Neste estudo, os "Cartões das Qualidades da Dor"(7) foram aplicados às crianças que estavam apresentando queixa dolorosa aguda, isto é, após a realização de algum procedimento que provocasse dor e, também, às crianças que sofressem de dor crônica e que estivessem sentindo dor, ou não, no momento da aplicação do instrumento. Os cartões, representando os 18 descritores de qualidade de dor, foram apresentados às crianças para avaliar se atribuíam à ilustração significado semelhante ao descritor de dor representado.

As crianças foram entrevistadas e solicitadas a falar sobre cada um dos "Cartões das Qualidades da Dor"(7) a partir das questões motivadoras: "O Cebolinha está com dor" e "Conte-me como é a dor dele e o que ele sente". Na seqüência, foi solicitado às crianças selecionadas que apontassem os cartões que mais representassem a sua dor. Após as crianças terem escolhido um ou mais cartões, pediu-se que elas falassem sobre sua escolha a fim de compreender se as mesmas atribuíam à ilustração significado semelhante ao descritor de dor representado.

Os resultados foram organizados em gráficos e tabelas, com percentagem e número absoluto. Foram aplicados testes estatísticos aos resultados dos cartões das qualidades da dor julgados necessários segundo orientação estatística, com o objetivo de sumarizar as informações referentes aos escores obtidos para os "Cartões das Qualidades da Dor"(7), seguindo recomendação de(8).

RESULTADOS

Os resultados do estudo são apresentados abaixo, segundo a identificação e distribuição da população de acordo com a correlação entre os cartões e os descritores da dor.

Os sujeitos da pesquisa foram 50 crianças, sendo 24 (48%) do sexo masculino e 26 (52%) do feminino. Do total, 13 (26%) eram do grupo pré-escolar, 20 (40%) do grupo escolar e 17 (34%) do grupo adolescente.

Entre os entrevistados do sexo masculino, 7 (30%) pertenciam ao grupo pré-escolar, 11 (45%) ao grupo escolar e 6 (25%) ao grupo adolescente. Entre os entrevistados do sexo feminino, 6 (25%) eram do grupo pré-escolar, 9 (35%) do grupo escolar e 11 (40%) do grupo adolescente, como mostra a Figura 1.


Os resultados foram organizados em freqüências de similaridade e não similaridade das respostas dadas pelas crianças e o real significado de cada cartão. Além disso, foram separados por grupos (pré-escolar, escolar e adolescente) e analisados por meio de teste binomial para pequenas amostras. Nesse tipo de teste, a proporção entre dois níveis de um fator é analisada em uma amostra. A distribuição binomial indica, para uma relação entre tamanho da amostra N e o número de casos X do fator analisado, o respectivo valor de probabilidade que pode ser associado ao nível de significância estabelecido previamente. Foi estabelecido como nível de significância p < 0,01. Os resultados gerais desse tipo de análise estão descritos a seguir.

Observou-se que o número de cartões que foram positivamente identificados foi diferente para cada grupo (Figura 2). Não existe correlação entre faixa etária e número de respostas afirmativas. O teste chi-quadrado para as proporções de cartões corretamente identificados por grupo indica que os grupos e as respostas são independentes entre si (qui observado= 9,45, qui crítico= 5,991, graus de liberdade= 2).


Quanto ao número de respostas consideradas certas, ou não, estatisticamente, por grupos e num total de 18 cartões, no grupo pré-escolar, 5 (28%) cartões foram reconhecidos e 13 (73%) não reconhecidos. Já, no grupo escolar, 14 (78%) cartões foram reconhecidos e apenas 4 (22%) não foram reconhecidos pelo grupo. No grupo adolescente, 11 (62%) cartões foram reconhecidos, e 7 (38%) não obtiveram reconhecimento, como mostra a Figura 2.

A identificação dos cartões foi diferente para cada grupo (Tabela 1). Para o grupo pré-escolar, o teste binomial indicou que 61,1% dos cartões foram corretamente identificados, para o grupo escolar, 77,8% dos cartões foram identificados corretamente e para o grupo adolescente 27,8% dos cartões foram identificados.

A seguir, os cartões corretamente identificados por todos os grupos (aperto e mordida).

A maior parte dos cartões foi identificada por dois grupos, ou seja, os que representavam (agulhada, apavorante, atormenta, cansativa, dolorida, forte, enjoada, espalhada, formigamento, latejante e queimação). Somente dois cartões (enlouquecedora e repuxa) foram identificados por um grupo. Outros dois cartões (enlouquecedora e repuxa) não foram identificados por dois grupos: pré-escolar e escolar e pré-escolar e adolescente, respectivamente.

Os cartões aborrecida, fria e fisgada mostrados abaixo não foram identificados corretamente por nenhum dos grupos.

A Figura 3 demonstra o reconhecimento dos cartões, conforme os componentes sensoriais, afetivos, avaliativos e miscelânea por grupo. Dentre os cartões com componentes sensoriais, 4 (dolorida, formigamento, mordida e latejante) foram reconhecidos pelo grupo pré-escolar, 7 (repuxa, dolorida, formigamento, latejante, agulhada, queimação e mordida) por escolares e 3 (agulhada, queimação e mordida) pelos adolescentes. No componente afetivo, nenhum cartão foi reconhecido pelos pré-escolares, 4 (apavorante, atormenta, cansativa e enjoada) foram reconhecidos pelos escolares e 5 (apavorante, enlouquecedora, atormenta, cansativa e enjoada) pelos adolescentes. Dentro do componente avaliativo, também nenhum cartão foi reconhecido pelos pré-escolares, 1 (dor forte) pelos escolares e adolescentes. No componente miscelânea, apenas 1 (aperto) foi reconhecido pelos pré-escolares, 2 (espalhada e aperto) foram reconhecidos pelos escolares e adolescentes.


DISCUSSÃO

Os resultados do estudo mostraram que o objetivo dessa investigação foi alcançado, ou seja, foi realizada a verificação da representatividade das qualidades da dor de crianças pré-escolares, escolares e adolescentes hospitalizados e que apresentaram queixa dolorosa, ou que sofriam de dor crônica, mediante a aplicação dos "Cartões das Qualidades da Dor"(7).

Observa-se na Figura 2 o número de respostas consideradas certas ou não, estatisticamente, por grupos, e num total de 18 cartões, sendo que 5 (28%) cartões foram reconhecidos pelo grupo pré-escolar e 13 (73%) cartões não foram reconhecidos. No grupo escolar, 14 (78%) cartões foram reconhecidos e 4 (22%) não foram reconhecidos. No grupo adolescente 11 (62%) cartões foram reconhecidos e 7 (38%) cartões não tiveram reconhecimento.

Os resultados mostraram não haver correlação entre faixa etária e número de respostas afirmativas. Dos cartões, 61,1% foram identificados para o grupo pré-escolar, 77,8% para o escolar e 27,8% para o adolescente, dois cartões (enlouquecedora e repuxa) foram identificados somente por um grupo. Três cartões (aborrecida, fria e fisgada) não foram identificados corretamente por nenhum dos grupos.

O presente estudo vem acrescentar ao mostrar a consecução da aplicação dos "Cartões das Qualidades da Dor"(7) por contemplar maior número de componentes de dimensões da dor, auxiliando o profissional na determinação e avaliação no tratamento da dor, bem como a necessidade de sua utilização, confirmada pelas limitações dos instrumentos apresentados na introdução deste trabalho, por avaliar apenas a intensidade da dor da criança.

Para que o enfermeiro seja capaz de avaliar e mensurar a dor da criança é necessário compreender as características do desenvolvimento e comportamento infantil. Os autores do estudo advertem para a inexistência de um instrumento adequado para cada faixa etária da criança(9).

Para avaliar a dor em crianças pequenas, como pré-escolares, por exemplo, é necessário enfatizar a sua maneira de perceber a experiência dolorosa, pois a criança dessa faixa etária percebe a dor como uma experiência física, e convive com ela de maneira egocêntrica(10).

A Figura 3 mostra o reconhecimento dos cartões conforme os componentes sensoriais, afetivos, avaliativos e miscelânea por grupo. Dentre os cartões com componentes sensoriais, 4 (dolorida, formigamento, mordida e latejante) foram reconhecidos pelo grupo pré-escolar, 7 (repuxa, dolorida, formigamento, latejante, agulhada, queimação e mordida) por escolares e 3 (agulhada, queimação e mordida) pelos adolescentes.

No componente afetivo, ainda, segundo a Figura 3, nenhum cartão foi reconhecido pelos pré-escolares, 4 (apavorante, atormenta, cansativa e enjoada) foram reconhecidos pelos escolares e 5 (apavorante, enlouquecedora, atormenta, cansativa e enjoada) pelos adolescentes. Quanto ao componente avaliativo, também nenhum cartão foi reconhecido pelos pré-escolares e apenas 1 (dor forte) pelos escolares e adolescentes. No componente miscelânea, apenas 1 (aperto) foi reconhecido pelos pré-escolares e 2 (espalhada e aperto) foram reconhecidos pelos escolares e adolescentes.

Resultados de estudo mostram que palavras sensoriais-discriminativas foram identificadas com mais freqüência do que motivacionais-afetivas, ou cognitivo-avaliativas, por crianças de 5 a 6 anos de idade(11).

Comparando os resultados de duas investigações(1,12) para descritores de dor (sensorial-discriminativa, motivacional-afetiva e a cognitivo-avaliativa) com os achados deste estudo, nota-se que a classificação sensorial-discriminativa é apresentada como complemento de uma resposta, onde a criança emprega a palavra quente para se referir à sensação térmica, e apesar da classificação motivacional-afetiva não ser contemplada nas respostas das investigações(1,12), aparece nos resultados deste estudo. O conteúdo cognitivo-avaliativo indicado pelo uso de palavras que determinam um valor, ou grau de dor (bastante, pouco, nada, muito), apresentou seis respostas combinando com os achados deste trabalho.

Outro estudo estabeleceu a utilização de 17 palavras sensoriais-discriminativas e 1 cognitivo-avaliativa para descrição da dor por crianças de 9 a 15 anos de idade(13).

Paradigmas de análise estão sendo construídos, trazendo algumas considerações da autora, que apresenta argumentos resultantes de pesquisa na área de inteligência humana, indicando que são as experiências e não estruturas cognitivas que levam a pessoa ao maior refinamento de pensar(14).

Os resultados do estudo mostraram que todas as crianças envolvidas usaram ao menos um método próprio de alívio da dor, a distração, além de receber o auxílio das enfermeiras para o autocuidado e a presença dos pais(15).

A palavra dor foi definida claramente por crianças de 6 a 12 anos de idade como um sofrimento físico ou moral, como mágoa. As crianças conseguiram relacionar a dor do corpo com o medo de se machucar e dos exames invasivos, confirmando a hipótese de que são capazes de se expressar em a respeito da dor, mediante instrumentos adequados(16).

A necessidade de aumentar o controle da dor aguda da criança, fazendo uso de uma avaliação sistematizada e analgesia apropriada, faz-se premente em hospitais(17).

Considerando-se as limitações inerentes ao desenvolvimento da criança, novos estudos devem ser realizados objetivando identificar recursos que possam ajudar, do pré-escolar ao adolescente, a apresentar informações sobre sua dor.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos neste estudo permitiram concluir que:

- a identificação dos cartões foi diferente para cada grupo;

- apenas dois cartões (aperto e mordida) foram corretamente identificados por todos os grupos;

- dois cartões (enlouquecedora e repuxa) foram identificados somente por um grupo;

- três cartões (aborrecida, fria e fisgada) não foram identificados corretamente por nenhum dos grupos.

A utilização do instrumento "Cartões das Qualidades da Dor"(7) mostrou ser factível e capaz, não apenas de avaliar, mas, também, de discriminar e mensurar as diferentes dimensões da experiência dolorosa na criança e no adolescente, devendo sua utilização ser incentivada e acessível aos profissionais de saúde, visando a evolução da qualidade no cuidado à criança e ao adolescente com dor. Para que isso se concretize, é necessário que o tema dor seja inserido nos currículos de todas as escolas de medicina, enfermagem e áreas paramédicas.

Considera-se, como limitação deste estudo, o tamanho da população investigada. Portanto, recomenda-se a realização de novos estudos com maior número de participantes, visando ampliar os conhecimentos acerca da temática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 24.6.2005

Aprovado em: 29.5.2006

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  • 1
    Projeto de Iniciação Científica financiado pelo CNPq
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Recebido
      24 Jun 2005
    • Aceito
      29 Maio 2006
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