Open-access Fatores associados à infecção por SARS-CoV-2 entre profissionais da saúde de hospitais universitários *

Objetivo:  investigar fatores associados à infecção por SARS-CoV-2 entre profissionais da saúde de hospitais universitários.

Método:  estudo multicêntrico, de abordagem mista com estratégia incorporada concomitante, realizado com 559 profissionais na etapa quantitativa, e 599 na etapa qualitativa. Foram utilizados quatro instrumentos de coleta de dados, aplicados via formulário eletrônico. A análise quantitativa foi realizada com estatística descritiva e inferencial e os dados qualitativos por meio de análise de conteúdo.

Resultados:  os fatores associados à infeção foram: realização de teste “RT-PCR” (p<0,001) e unidades com atendimento a pacientes com COVID-19 (p=0,028). Ter sintomas aumentou em 5,63 vezes a prevalência de infeção e aderir ao distanciamento social na maior parte do tempo na vida particular reduziu em 53,9%. Dados qualitativos evidenciaram dificuldades enfrentadas pelos profissionais: escassez e baixa qualidade de equipamentos de proteção individual, sobrecarga de trabalho, distanciamento físico no trabalho, processos e rotinas inadequadas e ausência de uma política de triagem e testagem em massa.

Conclusão:  os fatores associados à infecção por SARS-CoV-2 entre profissionais da saúde foram em sua maioria relacionados a questões ocupacionais.

Descritores: Infecções por Coronavírus; Pessoal de Saúde; Riscos Ocupacionais; Controle de Infecções; Medidas de Segurança; Pandemias


Objetivo:  investigar los factores asociados a la infección por SARSCoV-2 en los profesionales de la salud de hospitales universitarios.

Método:  estudio multicéntrico, con abordaje mixto con estrategia incorporada concomitante, realizado con 559 profesionales en la etapa cuantitativa, y 599 en la etapa cualitativa. Fueron utilizados cuatro instrumentos de recolección de datos, aplicados a través un formulario electrónico. El análisis cuantitativo se realizó mediante estadística descriptiva e inferencial y los datos cualitativos mediante análisis de contenido

Resultados:  los factores asociados a la infección fueron: realización de la prueba “RT-PCR” (p<0,001) y unidades que atienden a pacientes con COVID-19 (p=0,028). Tener síntomas aumentó la prevalencia de infección 5,63 veces y cumplir la mayor parte del tiempo con el distanciamiento social en la vida privada la redujo un 53,9%. Los datos cualitativos mostraron las dificultades que enfrentaron los profesionales: escasez y baja calidad de equipos de protección personal, sobrecarga de trabajo, distanciamiento físico en el trabajo, procesos y rutinas inadecuados y la ausencia de una política de triage y testeo masivos.

Conclusión:  los factores asociados a la infección por SARS-CoV-2 en los profesionales de la salud se relacionaron mayormente con cuestiones laborales.

Descriptores: Infecciones por Coronavirus; Personal de Salud; Riesgos Laborales; Control de Infecciones; Medidas de Seguridad; Pandemias


Objective:  to investigate factors associated with the SARS-CoV-2 infection among health professionals from university hospitals.

Method:  a multicenter, mixed approach study with concomitant incorporated strategy, carried out with 559 professionals in the quantitative stage, and 599 in the qualitative stage. Four data collection instruments were used, applied by means of an electronic form. The quantitative analysis was performed with descriptive and inferential statistics and the qualitative data were processed by means of content analysis.

Results:  the factors associated with the infection were as follows: performance of the RT-PCR test (p<0.001) and units offering care to COVID-19 patients (p=0.028). Having symptoms increased 5.63 times the prevalence of infection and adhering to social distancing most of the time in private life reduced it by 53.9%. The qualitative data evidenced difficulties faced by the professionals: scarcity and low quality of Personal Protective Equipment, work overload, physical distancing at work, inadequate processes and routines and lack of a mass screening and testing policy.

Conclusion:  the factors associated with the SARS-CoV-2 infection among health professionals were mostly related to occupational issues.

Descriptors: Coronavirus Infections; Health Personnel; Occupational Risks; Infection Control; Security Measures; Pandemics


Destaques:

(1) Questões ocupacionais influenciaram a proteção de profissionais na pandemia.

(2) Alta adesão a precauções padrão e ao distanciamento não diminuíram os casos positivos.

(3) Baixa qualidade dos EPI’s e falhas na triagem dificultaram a proteção no trabalho.

(4) Infraestrutura dos hospitais não favoreceu o distanciamento físico entre as equipes.

Introdução

Com um pouco mais de dois anos de pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou a marca de 500 milhões de casos da doença pelo vírus SARS-CoV-2 (COVID-19) e mais de seis milhões de mortes, em todo mundo ( 1) . Ao longo desse tempo, o Brasil apresentou situações heterogêneas em relação à infecção pelo SARS-CoV-2, com períodos de aceleração e desaceleração da doença nos mais diversos estados e municípios. Em agosto de 2022, era o segundo país com maior número de mortes registradas, totalizando cerca de 680 mil, atrás apenas dos Estados Unidos ( 1) .

Nesse contexto de crise sanitária, os sistemas de saúde desempenharam um papel fundamental e os profissionais da saúde enfrentaram ambientes de trabalho extremamente desafiadores. Apesar do forte sentimento do dever ético de trabalhar, os profissionais da saúde sofreram com preocupações relacionadas à sua própria segurança ( 2- 3) .

A exposição ocupacional é uma importante forma de transmissão do SARS-CoV-2, sendo o ambiente hospitalar considerado de alto risco para contaminação, devido à internação de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, sintomáticos ou não ( 4) . O controle da disseminação do vírus entre profissionais da saúde tornou-se fundamental, tanto pelo potencial de perda de vidas, como pela sustentabilidade dos sistemas de saúde que dependem, em grande parte, do estado de saúde desses trabalhadores. Além disso, profissionais da saúde infectados podem se tornar vetores de transmissão para outros profissionais e para pacientes suscetíveis ( 5) .

Desde o início da pandemia, as principais medidas de proteção preconizadas pela OMS envolveram cuidados de higiene e distanciamento social, que passaram a ser recomendadas no mundo todo. Com relação aos serviços de saúde, destaca-se a utilização de precauções padrão (PPs), que são medidas que devem ser utilizadas no atendimento a todos os pacientes, independente do seu diagnóstico. As PPs são medidas historicamente adotadas para proteção de profissionais da saúde quanto ao risco biológico. Durante a pandemia, foram amplamente estimuladas como uma estratégia para prevenir a transmissão paciente-profissional. Estudos que analisaram o comportamento da transmissão do SARS-CoV-2 na China, no início da pandemia, sugerem que a adoção de medidas de proteção aliada a treinamentos e adequação da carga de trabalho são efetivos no controle da transmissão do SARS-CoV-2 entre os profissionais da saúde ( 4) .

Acredita-se que a investigação de fatores associados à infecção por SARS-CoV-2 entre profissionais da saúde é importante para entender o impacto da doença nessa população. Além disso, a identificação de dificuldades enfrentadas nesse período pode auxiliar na construção de estratégias futuras para mitigar o adoecimento e morte dos profissionais da saúde em períodos de crise sanitária semelhantes. A hipótese sob teste é de que condições laborais e medidas de proteção desfavoráveis associam-se à infecção por SARS-CoV-2 entre médicos e profissionais da enfermagem. Diante disso, questiona-se: (1) Quais fatores estão associados a infecção por SARS-CoV-2 entre médicos e profissionais da enfermagem de hospitais universitários? (2) Quais as dificuldades encontradas com relação às medidas protetivas durante a pandemia COVID-19 em hospitais universitários?

O presente estudo teve como objetivo principal: investigar fatores associados à infecção por SARS-CoV-2 entre profissionais da saúde de hospitais universitários. Como objetivos secundários buscou-se: avaliar a adesão às precauções padrão e identificar dificuldades enfrentadas quanto às medidas protetivas pelos profissionais da saúde durante a pandemia.

Método

Delineamento do estudo

Estudo multicêntrico, de abordagem mista com estratégia incorporada concomitante QUANT (qual), realizado de setembro de 2020 a outubro de 2021. Com essa estratégia de pesquisa, buscou-se a obtenção de perspectivas de análise dos diferentes tipos de dados, contemplando os objetivos do estudo, considerando o estudo quantitativo como o banco de dados principal da pesquisa e a etapa qualitativa com peso secundário. A fim de assegurar o rigor metodológico do estudo, foi utilizado o instrumento Mixed Methods Appraisal Tool (MMAT) ( 6) , e para o preparo do manuscrito foi seguido o guia SQUIRE, reconhecido internacionalmente.

Cenário

O cenário foi composto por cinco hospitais universitários de grande porte (com 151 até 500 leitos), todos referência para tratamento da COVID-19, localizados na região Sul do Brasil, nos estados do Rio Grande do Sul-RS, Santa Catarina-SC e Paraná-PR, sendo quatro deles vinculados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

População

Havia 10491 profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) trabalhando nesses hospitais, no início da coleta de dados.

Critérios de seleção

A etapa quantitativa, do tipo transversal, teve como critério de inclusão dos participantes: médicos e profissionais da enfermagem que atuassem na assistência direta aos pacientes, pelo menos desde fevereiro de 2020 (período de início da epidemia no Brasil). Foram excluídos trabalhadores que estivessem na modalidade de trabalho remoto, em trabalho administrativo apenas ou em afastamento total, durante o período de pandemia.

Na etapa qualitativa, do tipo exploratório-descritiva, além dos participantes da etapa quantitativa (médicos e profissionais da enfermagem assistenciais), também foram incluídos profissionais da saúde que atuavam como gestores dos serviços, chefes/coordenadores das unidades, e profissionais dos serviços de controle de infecção hospitalar (SCIH), saúde do trabalhador e serviço de educação permanente. Esses critérios foram informados, aos participantes, no momento do convite para participar da pesquisa.

Definição da amostra

Para a seleção dos participantes, utilizou-se amostragem por conveniência. Todos os trabalhadores que tinham um e-mail cadastrado, junto à sua instituição, foram convidados a participar do estudo. Aqueles que se dispuseram, voluntariamente, a preencher os instrumentos de coleta de dados compuseram a amostra final, totalizando 559 profissionais na etapa quantitativa.

Na etapa qualitativa, compuseram a amostra os médicos e profissionais de enfermagem que participaram da etapa quantitativa e responderam às questões abertas do instrumento (n=546). Também foram incluídos profissionais da saúde que atuavam como gestores, ou em serviços de controle de infecção, saúde do trabalhador e serviço de educação permanente, totalizando 599 profissionais. Assim, a amostra de dados qualitativos foi fechada por exaustão ( 7) , ou seja, todos os participantes que responderam às questões abertas foram incluídos no estudo.

Coleta de dados

A coleta de dados ocorreu nos meses de setembro de 2020 a outubro de 2021, de forma online, devido às restrições sanitárias em vigor durante a pandemia. O convite para a participação na pesquisa foi realizado por meio de contato por e-mail, que incluía uma breve apresentação da pesquisa e dois links de formulário eletrônico, pela plataforma Google Forms ® , um direcionado aos médicos e profissionais da enfermagem assistenciais e outro para os gestores e profissionais da CCIH, saúde ocupacional e serviço de educação permanente. O público-alvo era informado ao lado de cada link. Para os médicos e profissionais de enfermagem assistenciais, o questionário de dados qualitativos estava disponível na plataforma, logo após o instrumento de coleta de dados quantitativos, porém, as questões abertas não eram de preenchimento obrigatório. Foram enviados lembretes quinzenais de acompanhamento até o encerramento da coleta em cada instituição, que ocorreu somente após pelo menos três tentativas de coleta em cada centro.

Instrumentos utilizados para coleta das informações

Os dados foram coletados por meio de quatro instrumentos. O primeiro instrumento continha dados de caracterização sociodemográfica (idade, sexo, situação conjugal, filhos) e ocupacional (instituição, setor, função, vínculo, turno de trabalho predominante e tempo de experiência profissional em anos).

O segundo e terceiro instrumentos foram aplicados somente aos médicos e profissionais de enfermagem assistenciais (n=559). O segundo instrumento, elaborado pelos pesquisadores, era composto por 11 questões fechadas relacionadas à pandemia de COVID-19 e medidas protetivas. O terceiro instrumento foi a escala de Adesão às Precauções Padrão, composta por 13 itens, validada para uso no Brasil ( 8) . A escala é do tipo Likert, cuja pontuação varia de 1 (sempre) a 5 (nunca), sendo que seus itens são somados e é realizada uma média, a fim de fornecer uma pontuação final que varia entre 1-5. Quanto maior o valor da média, maior é a adesão às precauções padrão. Essa escala foi adaptada na redação de alguns itens, em que o termo “HIV” foi substituído pelo termo “COVID-19”, de forma a melhor contemplar o contexto da presente investigação. A adaptação foi realizada tendo em vista que não havia um instrumento devidamente validado disponível, em português, para mensurar a adesão às precauções padrão durante a pandemia. A escala adaptada passou por uma validação de conteúdo com nove juízes com experiência em pesquisas na área de saúde do trabalhador. Os itens e o instrumento como um todo, foram considerados válidos, com um Índice de Validade de Conteúdo (IVC) ≥0,80, considerado satisfatório ( 7) .

O quarto instrumento foi utilizado para coleta dos dados qualitativos. Para os médicos e profissionais de enfermagem assistenciais, foi um questionário incorporado ao protocolo de pesquisa quantitativo, com seis questões abertas, elaboradas pelos pesquisadores, relacionadas ao processo de assistência a pacientes com COVID-19 e à adesão a precauções padrão. Para os gestores e profissionais dos serviços de controle de infecção, saúde do trabalhador e serviço de educação permanente o questionário continha quatro questões abertas, elaboradas pelos pesquisadores, que versavam sobre o processo de organização das atividades de assistência a pacientes com COVID-19 e protocolos de segurança do trabalhador utilizados na instituição. Foi respondido por 546 profissionais assistenciais e por 53 gestores e profissionais dos serviços de controle de infecção, saúde do trabalhador e serviço de educação permanente.

Ressalta-se que, antes do início da coleta de dados, realizou-se um teste piloto com oito profissionais de enfermagem, que apontou a necessidade de uma pequena alteração nas opções de resposta de uma das questões fechadas do Questionário de variáveis relacionadas à pandemia da COVID-19. Após essa revisão, o instrumento foi enviado aos participantes do estudo.

Variáveis do estudo

A variável dependente deste estudo foi a infecção por SARS-CoV-2, definida por um exame positivo anterior e relatado no segundo instrumento de pesquisa. Os participantes tinham três opções de resposta: (1). Não fui testado/a (2) Sim, fui testado/a e o teste foi positivo e (3) Sim, fui testado/a e o teste foi negativo.

As variáveis independentes incluídas nas análises foram:

Variáveis sociodemográficas e ocupacionais: sexo, situação conjugal, filhos, instituição, função, setor de trabalho, vínculos de trabalho, turno de trabalho, carga horária semanal;

Variáveis relacionadas à pandemia de COVID-19 (segundo instrumento): atendimento de pacientes com COVID-19 no serviço em que atua; prestação de assistência direta a paciente com COVID-19; recebimento de orientações/capacitações; uso de EPIs durante atendimento a paciente com COVID-19; manifestação de sintomas de COVID-19; realização de teste diagnóstico, tipo e resultado; realização de distanciamento social; e pertencimento a grupo de risco para COVID-19.

Adesão às precauções padrão: esta variável foi medida pela escala de Adesão às Precauções Padrão (terceiro instrumento). Trata-se da média dos 13 itens que compõem a escala, sendo que quanto maior a média maior é a adesão às precauções padrão.

Tratamento e análise dos dados

Os dados quantitativos foram organizados em uma planilha eletrônica, sob a forma de banco de dados, utilizando-se o programa Excel/Windows e analisados no IBM-SPSS versão 25. As variáveis categóricas foram representadas pela frequência absoluta e relativa. A associação das variáveis categóricas estudadas com a variável “Infecção por SARS-CoV-2” foi realizada pelo teste qui-quadrado. A distribuição das variáveis quantitativas foi analisada pelo teste de normalidade de Shapiro-Wilk. Devido à distribuição não-normal, elas foram representadas por mediana e intervalo interquartílico e para a comparação com a variável “Infecção por SARS-CoV-2” foi usado o teste Mann-Whitney. A comparação da variável “Adesão às PP” e “Infecção por SARS-CoV-2” foi realizada pelo teste de Kruskal- Wallis. O nível de significância adotado foi de 0,05. Utilizou-se também o modelo de regressão de Poisson para estimar razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança (IC) 95%. A significância estatística das razões de prevalência obtidas nos modelos de regressão de Poisson, com variância robusta, foi avaliada pelo teste de Wald. As variáveis com significância menores que 0,20 foram incluídas no modelo múltiplo, e adotou-se um nível de significância de 5% para permanência no modelo final, com seleção backward das variáveis.

Os dados qualitativos foram submetidos à análise de conteúdo ( 9) . As seguintes etapas foram realizadas: 1°) pré-análise: organização do conjunto de dados a ser analisado com o intuito de tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais; 2°) exploração do material: a partir da leitura aprofundada do material de análise, buscando-se o estabelecimento de categorias e/ou subcategorias; 3°) tratamento dos resultados: quando as categorias foram trabalhadas com base nos autores da revisão de literatura, somando-se à interpretação de dados pelos pesquisadores ( 9) . O software MAXQDA ® foi utilizado para auxiliar na organização, categorização e análise dos dados.

Para garantir a confiabilidade da análise dos dados qualitativos, foram realizadas reuniões regulares entre a equipe de pesquisa e integrantes do grupo de pesquisa não envolvidos na investigação para apresentar a síntese dos principais achados obtidos e discutir possibilidades analíticas. Por meio dessa discussão das análises entre pares, foi possível zelar pela coerência entre os dados empíricos e as interpretações que estavam sendo construídas a luz da subjetividade dos pesquisadores e pertinência em relação à pergunta e aos objetivos da pesquisa ( 9) .

A integração dos dados quantitativos e qualitativos visou à complementaridade das informações, buscando explicações para os achados quantitativos a partir da análise dos dados qualitativos. Foi realizada na etapa de interpretação, por meio de incorporação, após a análise de cada uma das fontes de dados separadamente. A integração obtida foi representada por um diagrama ilustrativo de exibição conjunta ( 10) .

Aspectos éticos

Os Comitês de Ética em Pesquisa das cinco instituições participantes aprovaram o estudo (números de aprovação: 4.335.006, 4.466.661, 4.685.755, 4.348.898 e 4.501.805). Todas as determinações das resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridas. Para preservação da identidade dos participantes, os depoimentos foram identificados por códigos compostos pela letra “E” para enfermeiros, “M” para médicos, “TE” para técnicos de enfermagem, “AE” para auxiliares de enfermagem, e “G” para gestores e profissionais dos serviços de controle de infecção, saúde ocupacional e educação permanente, seguidas de números associados à ordem em que o questionário foi recebido.

Resultados

A Tabela 1 evidencia a caracterização dos participantes em cada uma das etapas do estudo, verificando-se uma predominância de profissionais do sexo feminino e com companheiro. Com relação ao trabalho, a maioria dos participantes era profissional da enfermagem e tinha seu vínculo regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Tabela 1 -
Caracterização sociodemográfica e ocupacional dos participantes do estudo. Paraná (PR), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Sul (RS), Brasil, 2020-2021

Foram identificados 132 (23,6%) profissionais com testes positivos para infecção por SARS-CoV-2 entre os participantes do estudo durante o período da pesquisa. Tiveram testes negativos 54,6% dos participantes e outros 21,8% não haviam sido testados ou estavam aguardando resultado do teste, no momento da coleta de dados.

Na Tabela 2 são apresentadas as variáveis sociodemográficas e ocupacionais por categorias de testagem para infecção por SARS-CoV-2. Com relação à categoria profissional, verificou-se que os profissionais da enfermagem tiveram mais testes positivos para SARS-CoV-2, em relação aos médicos, porém esta diferença não foi estatisticamente significativa.

Tabela 2 -
Análise descritiva das variáveis sociodemográficas e ocupacionais entre as categorias de testagem para infecção por SARS-CoV-2 (n=437). Paraná (PR), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Sul (RS), Brasil, 2020-2021

Na análise bivariada, o grupo de profissionais da saúde que testou positivo para SARS-CoV-2 teve associação significativa com as seguintes condições: realizou o teste de Reação em Cadeia da Polimerase por Transcriptase Reversa (RT-PCR) (p<0,001); trabalhou em unidades que tiveram atendimento a pacientes com COVID-19, independentemente de serem áreas exclusivas para enfrentamento à COVID-19 ou não (p=0,028); teve sintomas sugestivos de COVID-19, ou seja, foram sintomáticos (p<0,001); sempre fez distanciamento social recomendado pela OMS nas demais atividades de sua vida particular (p<0,001).

Foi analisada a associação entre adesão às PPs e infecção por SARS-CoV-2, sendo que não foi verificada diferença estatística entre os que tiveram ou não infecção (p=0,985).

A Tabela 3 mostra o modelo de regressão de Poisson, simples e múltipla, considerando um desfecho dicotômico com relação à infecção (casos positivos e negativos), sendo os casos negativos usados como a referência.

Tabela 3 -
Estimativa da razão de prevalência calculada pela Regressão de Poisson simples e múltipla (n=132). Paraná (PR), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Sul (RS), Brasil, 2020-2021

O modelo múltiplo permite inferir que ter sintomas aumentou em 5,63 vezes a prevalência de casos positivos em relação aos que não tiveram sintomas, quando ajustado para a variável relacionada ao distanciamento social. Aqueles que afirmaram fazer distanciamento social, na maior parte do tempo, tiveram uma redução de 53,9% na prevalência de casos positivos em relação aos que afirmaram que sempre fizeram distanciamento na vida particular, ajustado por sintomas sugestivos de COVID-19.

Os dados qualitativos trouxeram subsídios importantes para aprofundar a compreensão desses fenômenos, na medida em que foram identificadas algumas dificuldades enfrentadas para proteção dos profissionais da saúde, durante a pandemia, nesses hospitais.

A Figura 1 apresenta dados qualitativos que contemplam as dificuldades enfrentadas quanto às medidas protetivas durante a pandemia, por profissionais da saúde. No primeiro item, “Uso de equipamentos de proteção individual”, foram identificadas diversas questões relacionadas ao uso desses materiais. No item 2, “Processos de trabalho, organização e rotinas”, as mudanças frequentes e a falta de uniformidade das orientações foram algumas das dificuldades identificadas. “Distanciamento no ambiente de trabalho” foi o terceiro item e evidenciou os obstáculos para realização do distanciamento dentro dos hospitais. O quarto item, “Sobrecarga de trabalho”, demonstra condições que levaram a um aumento na carga de trabalho dos profissionais da saúde, durante a pandemia. No item 5, “Triagem e política de testagem”, foram evidenciadas algumas falhas com relação à triagem de pacientes e profissionais nas instituições, além de dificuldades quanto a testagem para COVID-19. A Figura 1 apresenta os depoimentos dos participantes representativos de cada item que compõe os resultados qualitativos.

Figura 1 -
Dificuldades enfrentadas para proteção dos profissionais da saúde durante a pandemia de COVID-19. Paraná (PR), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Sul (RS), Brasil, 2020-2021

A combinação das abordagens quantitativa (QUANT) e qualitativa (qual) por incorporação permitiu complementar a interpretação dos achados, conforme ilustrado na Figura 2. Apesar de a utilização de medidas protetivas, como a adesão às precauções padrão e o isolamento físico social, constituir-se em barreira eficiente e amplamente recomendada para contenção da disseminação do SARS-CoV-2, a proteção dos profissionais da saúde, durante a pandemia, envolveu questões complexas, que ultrapassam a dimensão individual. A incorporação dos dados qualitativos ressaltou a importância das questões ocupacionais como infraestrutura das instituições, disponibilidade de materiais de proteção e processos de trabalho.

Figura 2 -
Diagrama representativo da incorporação de dados: a complexidade da proteção do profissional da saúde durante a pandemia de COVID-19

Discussão

Neste estudo, avaliaram-se fatores associados à infecção por SARS-CoV-2 entre profissionais da saúde de cinco hospitais universitários. Verificou-se um percentual de infecção entre médicos e profissionais da enfermagem de 16,7% e 26,4%, respectivamente. Estes valores são inferiores aos identificados entre profissionais da saúde (44,2%) em hospital universitário na cidade do Rio de Janeiro, um dos estados mais afetados pela doença no Brasil ( 11) .

No estado do Ceará, um estudo realizado apenas com enfermeiros identificou uma prevalência de COVID-19 de 25%. Nesse mesmo estudo, enfermeiros hospitalares tiveram 1,66 mais chances de ter a infecção do que enfermeiros da Atenção Básica ( 12) .

Em 13 países europeus, a prevalência de SARS-CoV-2 entre profissionais da saúde, entre fevereiro e agosto de 2020, demonstrou uma forte heterogeneidade com taxas variando de 0,7% a 45,3% ( 13) . Os hospitais de Wuhan, na China, relataram taxas de infecção de 3,5 a 29% entre profissionais de saúde no início do surto da doença, quando as medidas de proteção ainda eram inconsistentes ( 14) .

Identificou-se que os profissionais da enfermagem tiveram mais casos positivos de SARS-CoV-2 quando comparados com os médicos. Dados oficiais do Ministério da Saúde, de agosto de 2020, apontaram a enfermagem como a categoria mais atingida pela COVID-19 no Brasil, sendo registrados 88.358 (34,4%) casos de infecção entre técnico/auxiliares de enfermagem; 37.366 (14,5%) entre enfermeiros; e 27.423 (10,7%) entre médicos ( 15) .

Estudos em diversos países têm demonstrado que os profissionais da enfermagem foram os mais infectados ( 16- 17) . Entre as possíveis razões para o elevado número de profissionais da enfermagem contaminados, destaca-se o contato mais próximo e mais longo com os pacientes, envolvendo atividades realizadas à beira do leito como administração de medicamentos e também, a realização de procedimentos de maior risco, como aspiração de secreções traqueais, além de serem a primeira linha de resposta em caso de complicações do paciente ( 16) .

Também se observou que o tipo de teste associado às infecções foi o RT-PCR. O método RT-PCR (que detecta o vírus) foi aprovado, pela OMS, como o “padrão ouro” para diagnóstico e detecção da doença. Contudo, testes de resposta imunológica também são importantes para determinar a imunidade protetora em várias categorias populacionais infectadas ( 11) .

Quanto aos sintomas, verificou-se que a maioria dos profissionais (86%) que tiveram teste positivo foram sintomáticos, sendo que ter sintomas aumentou em 5,63 vezes a prevalência de casos positivos. Ainda assim, é preciso considerar que 14% dos casos de infecção dessa investigação foram assintomáticos. Em uma análise baseada em 15 estudos, pesquisadores identificaram uma prevalência agrupada de 40% de profissionais da saúde com COVID-19, diagnosticados por RT-PCR, que não apresentaram sintomas no momento do diagnóstico ( 16) . Apesar de a transmissão assintomática ainda ser controversa, o potencial de transmissão silenciosa ainda é uma questão que precisa ser tratada de forma eficiente.

Apesar de não ter sido identificada uma maior taxa de infecção em profissionais que trabalhavam nas áreas exclusivas para enfrentamento da COVID-19, os profissionais que tiveram teste positivo para SARS-CoV-2 trabalhavam em unidades que tinham atendimento a casos de pacientes positivos para COVID-19. Isso sugere que profissionais de áreas não exclusivas para COVID-19 também estiveram expostos à infecção e sob maior risco devido à menor disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPIs) nesses locais ou pela menor adesão à utilização dos mesmos e de outras medidas de proteção. Essa hipótese é corroborada por uma revisão sistemática de 46 estudos que demonstrou que a maioria dos profissionais positivos para SARS-CoV-2, utilizando RT-PCR, trabalhava em enfermarias hospitalares, seguidas pelas salas cirúrgicas e serviços cirúrgicos ( 16) . Estudo realizado em hospital universitário de Verona, na Itália, identificou que quase dois terços dos profissionais da saúde com soroprevalência anti-SARS-CoV-2 eram trabalhadores com histórico de contato próximo anterior com um caso de COVID-19, no hospital ( 18) .

Com relação à origem da infecção, poucos estudos têm analisado a potencial fonte de transmissão por SARS-CoV-2, entre os profissionais da saúde. Apesar de a literatura evidenciar uma maior prevalência de infecção nessa população, quando comparado com dados da população geral, a possibilidade de avaliar o impacto da infecção nosocomial versus a adquirida pela comunidade ainda é limitada. Os resultados de uma revisão sistemática sugerem que os contatos domésticos podem desempenhar um papel significativo na infecção, especialmente devido à rápida circulação do vírus na comunidade. Além disso, a infecção de portadores assintomáticos poderia ter uma influência tendo em vista o elevado número de profissionais identificados com essa condição ( 16) .

No presente estudo, a dificuldade para manter o distanciamento entre os profissionais no ambiente de trabalho, durante a pandemia, foi um dos principais obstáculos para proteção apontados pelos gestores, o que pode ter um papel importante na transmissão do vírus nesses indivíduos. Os ambientes de convivência entre os profissionais, como refeitórios e áreas para descanso foram percebidos como os mais críticos para transmissão do vírus, em parte devido ao relaxamento das medidas de proteção nesses locais, mas também devido ao espaço físico pequeno que favorece a aglomeração.

Autores apontam que, estratégias de conscientização para modificação de rotina e hábitos são altamente relevantes, inclusive durante refeições e reuniões em grupo ( 4) . Além disso, a importância do distanciamento em situações potencialmente negligenciadas, como em elevadores, meios de transportes coletivos (ônibus ou vans) e reuniões clínicas precisa ser considerada ( 19) . Em hospitais universitários, manter esse distanciamento pode ser especialmente desafiador, tendo em vista o maior número de pessoas envolvidas na assistência e a necessidade de interação entre residentes e preceptores para discussão dos casos clínicos, situação que torna as demais medidas de controle ainda mais preponderantes.

Um resultado encontrado nesta investigação é o de que os profissionais que relataram adotar distanciamento social em suas atividades da vida particular, na maior parte do tempo (entre 50 e 95% do tempo), tiveram uma redução de 53,9% na taxa de prevalência para infecção por COVID-19 quando comparados aos que afirmaram ter realizado o distanciamento sempre (acima de 95% do tempo). Esse achado permite duas interpretações. A primeira é a de que mesmo realizando um isolamento social efetivo nos ambientes fora do trabalho, profissionais da saúde estão duplamente expostos à infecção por COVID-19 devido ao contato próximo com pacientes, e contato com os colegas de profissão, em ambientes que, muitas vezes, não favorecem o distanciamento.

Uma outra possível interpretação perpassa pelas questões relacionadas à saúde mental dos trabalhadores, durante a pandemia. Sabe-se que o isolamento, apesar de ser uma medida fortemente recomendada pela OMS trouxe um custo invisível relacionado a problemas de ordem emocional, o que pode levar a uma maior suscetibilidade dos indivíduos, especialmente para aqueles que precisam trabalhar diretamente com pessoas infectadas e sofrem mais com a ansiedade, o que poderia diminuir a capacidade de compreensão das orientações.

Diversas investigações têm analisado a saúde mental dos trabalhadores durante a pandemia. Nesse sentido, foi identificado um elevado nível de esgotamento, ansiedade, depressão e medo entre enfermeiros dos serviços de saúde americanos, sendo que entre os principais estressores estão as mudanças frequentes de políticas e procedimentos, além da falta de EPIs e outros suprimentos necessários para proteção ( 3) . No Canadá, enfermeiros de terapia intensiva de um hospital universitário também relataram sofrimento psicológico relacionado às mudanças frequentes nas políticas e informações relacionadas ao controle de infecção e EPIs, que ocorriam em resposta às novas informações sobre a transmissão do coronavírus. As atualizações das diretrizes, muitas vezes, eram conflitantes com as anteriores e/ou entre as diferentes fontes (departamentos, gerências e esferas do governo), gerando frustração no profissional, já sobrecarregado com o atendimento aos pacientes, que se sentia incapaz de se manter atualizado e sem saber qual informação seguir e qual a melhor prática ( 20) .

Neste estudo, a falta de EPIs em quantidade e qualidade adequada à proteção dos profissionais foi presente em inúmeros relatos. Com relação ao tipo de máscara a ser utilizado, o Ministério da Saúde brasileiro recomendou a máscara cirúrgica para assistência direta aos pacientes, e uso de máscara N95/PFF2 ou equivalente para o atendimento a pacientes suspeitos ou confirmados para COVID-19, durante a realização de procedimentos potencialmente geradores de aerossóis ( 21) . Essa recomendação justifica a conduta de fornecer a máscara N95/PFF2 apenas para as áreas COVID-19, adotada no início da pandemia pelas instituições que participaram dessa investigação. Entretanto, estudo realizado na China, com 493 profissionais da saúde, demonstrou que o risco de infecção de um grupo que utilizou máscaras cirúrgicas foi significativamente maior quando comparado ao grupo que fez uso de máscaras N95 (OR = 464,82, IC 95%: 97,73, infinito), apesar de este último grupo ter tido uma exposição significativamente maior a pacientes infectados ( 14) .

Dessa forma, apesar de ter sido uma recomendação oficial, a conduta de fornecimento de máscaras mais eficazes, apenas para áreas destinadas ao tratamento da COVID-19 ou para casos confirmados, pode ter contribuído para a exposição de diversos profissionais da saúde no atendimento a pacientes que, a princípio, não ofereciam risco de contaminação. Por outro lado, é preciso considerar que focar apenas no uso da máscara pode produzir uma falsa sensação de segurança, podendo ocasionar maior disseminação do vírus se não vier acompanhado de medidas mais fundamentais para o controle de infecção, como higienização das mãos, do ambiente e uso dos demais EPIs ( 19) .

A falta de EPIs, nos momentos de sobrecarga dos sistemas de saúde, foi um importante fator relacionado à infecção de profissionais da saúde, conforme investigações do período inicial da pandemia realizadas na China, na Itália, na Espanha e nos Estados Unidos ( 4) . No contexto brasileiro, existem evidências de que o déficit de EPIs antecede a situação de crise, sendo previsível que, em desastres globais, o país atravessaria por períodos de escassez e desabastecimento. Nesse sentido, garantir condições seguras para o exercício profissional, com barreiras físicas adequadas proporcionadas por EPIs, é condição sine qua non para a atividade de trabalho, o que não pode ser flexibilizado ou improvisado sob nenhuma circunstância ( 5) .

Este estudo identificou que a sobrecarga de trabalho é uma das dificuldades para a segurança dos profissionais. Durante uma pandemia, é comum que os profissionais da saúde trabalhem por muitas horas, sem pausas e sob grande pressão, aumentando a exposição ocupacional ao agente infeccioso e expondo o trabalhador a doenças e acidentes. Assim, é essencial que o profissional tenha tempo de repouso adequado e suficiente para se recuperar do desgaste físico e psíquico ( 5) .

Nos relatos dos participantes, identificou-se que pacientes suspeitos e confirmados de COVID-19 foram internados no mesmo local de pacientes com outras patologias. Esses relatos foram verificados, principalmente, em áreas de enfermaria e centros obstétricos, e, possivelmente, refletem o período de maior superlotação nas instituições, quando os leitos destinados em áreas para atendimento exclusivo para COVID-19 foram totalmente ocupados.

Diante disso, considera-se que a disseminação da infecção dentro das instituições poderia ser minimizada perante algumas medidas descritas na literatura, como: implementação precoce de precauções de contato e gotículas para todos os pacientes sintomáticos e, em caso de dúvida, errar pelo excesso; reavaliação diária de todos os pacientes internados para sintomas de COVID-19, tendo em vista casos em que a infecção estivesse no período de incubação no momento da admissão, ou mesmo no caso de uma exposição ao vírus no próprio ambiente hospitalar; e adoção de um limiar baixo para testar pacientes com sintomas leves, favorecendo a identificação precoce de casos positivos ( 19) .

Outras estratégias consideradas importantes para o controle da transmissão no ambiente hospitalar, incluem: o isolamento de casos de profissionais com sintomas, a testagem frequente dos mesmos, a comunicação clara e fácil e protocolos simples e acessíveis ( 4) . Médicos italianos, país fortemente atingido pela pandemia, recomendaram a triagem de profissionais da saúde no início do turno de trabalho e a realização de teste rápido em todos os que apresentassem quaisquer sintomas sugestivos da doença (mesmo que leves ou sem febre) e também para os contatos de casos suspeitos ou confirmados ( 22) .

A testagem dos profissionais da saúde em situações de pandemia é uma ferramenta importante para a manutenção da assistência à saúde, por proporcionar o tratamento sintomático precoce, possibilitando o retorno mais breve ao trabalho, reduzindo o absenteísmo ( 23) . Nesse sentido, o Ministério da Saúde brasileiro recomendou que os serviços de saúde implementassem políticas não punitivas, permitindo que o profissional com sintomas de infecção respiratória fosse afastado do trabalho para realizar o isolamento domiciliar ( 21) , medida que foi adotada pelas instituições que participaram desta investigação.

A OMS recomendou a testagem de todos os profissionais da saúde, mesmo sem sintomas, como uma das estratégias de contenção da infecção entre esses trabalhadores ( 24) . Entretanto, observou-se que um percentual elevado (21,8%) dos profissionais que participaram do estudo não haviam sido testados e/ou estavam aguardando resultados.

Problemas na triagem e realização de testes entre pacientes e profissionais também foram verificados em uma investigação que buscou analisar o ambiente de trabalho de enfermeiros de hospitais universitários no Brasil ( 25) . Estudo realizado em nível nacional, entre abril e junho de 2020, identificou que apenas 27% dos profissionais da saúde haviam sido submetidos a algum tipo de testagem para COVID-19 ( 23) . Tal situação decorreu, provavelmente, das limitações operacionais referentes à oferta de testes, considerando a escassez mundial de insumos durante determinado período da pandemia e devido à lentidão no processamento das análises ( 5) . Nesse sentido, a dificuldade de testagem, especialmente em grupos mais vulneráveis à infecção, como os profissionais da saúde, constituiu uma barreira significativa que impediu o real dimensionamento da magnitude da pandemia.

Como limitações deste estudo, pode-se apontar o delineamento transversal, que dificulta o estabelecimento de relações de causa e efeito. Além do mais, o período longo de coleta de dados também pode ser considerado uma limitação, especialmente perante as rápidas mudanças no cenário epidemiológico, além da vacinação que iniciou durante a realização do estudo.

Apesar disso, o estudo traz implicações importantes para a formulação de políticas públicas e para a gestão dos serviços de saúde visando um melhor planejamento de recursos com objetivo de reduzir a transmissão de SARS-CoV-2 e outras doenças infectocontagiosas nos hospitais. Assim, é possível citar como estratégias: fornecimento de EPIs adequados e em número suficiente a todos os profissionais que prestam assistência direta a pacientes ou que estejam sujeitos aos riscos biológicos gerados por eles; dimensionamento adequado de pessoal, com índice de segurança técnica; melhorias nas informações e nos processos que envolvem a segurança dos profissionais, com protocolos de assistência claros e acessíveis a todos; investimento em ambientes de trabalho adequados, com locais salubres para refeições, descanso, reuniões, dentre outros.

Ademais, a pesquisa traz contribuições para a área da saúde na perspectiva científica, tendo em vista utilização de um desenho misto de pesquisa, que é uma abordagem metodológica emergente com potencial para ampliação do escopo da construção de conhecimentos na área. Também pode-se apontar algumas direções de pesquisa futura, como o desenvolvimento de pesquisas que busquem intervir no ambiente de trabalho, buscando melhorias permanentes no que diz respeito à saúde do trabalhador nos hospitais.

Conclusão

Apesar da elevada adesão às precauções padrão e ao distanciamento social, recomendados pela OMS, o percentual de profissionais da saúde com testes positivos para SARS-CoV-2 foi alto. A maioria dos casos positivos foram sintomáticos. Os achados evidenciaram que a proteção desses profissionais foi dificultada por questões ocupacionais como, escassez e baixa qualidade de equipamentos de proteção individual, sobrecarga de trabalho, dificuldade para realizar o distanciamento físico no ambiente de trabalho, processos e rotinas de trabalho inadequadas e ausência de uma política de triagem e testagem em massa mais efetiva.

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  • *
    Artigo extraído da tese de doutorado “Adesão às precauções padrão e infecção por SARS-CoV-2 em profissionais da saúde de hospitais universitários durante a pandemia de COVID-19”, apresentada à Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.
  • Como citar este artigo
    Cunha QB, Freitas EO, Pai DD, Santos JLG, Lourenção LG, Silva RM, et al. Factors associated with the SARS-CoV-2 infection among health professionals from university hospitals. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2023;31:e3918 [cited ano mês dia]; Available from: URL . https://doi.org/10.1590/1518-8345.6482.3918
  • Todos os autores aprovaram a versão final do texto.

Editado por

  • Editora Associada:
    Maria Lucia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2022
  • Aceito
    14 Jan 2023
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