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Transtorno bipolar e medicamentos: adesão, conhecimento dos pacientes e monitorização sérica do carbonato de lítio1 1 Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 575172/2008-8 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 01284-1-2007.

Resumos

OBJETIVOS:

este estudo teve como objetivo caracterizar pacientes com transtorno afetivo bipolar, em uso de lítio, atendidos no ano 2009 em um serviço ambulatorial do interior de São Paulo, Brasil; avaliar a adesão e conhecimento dos mesmos sobre medicamentos prescritos e verificar a proporção de litemias/ano realizadas, no serviço, para cada indivíduo.

MÉTODO:

trata-se de estudo descritivo, com abordagem quantitativa, do qual participaram 36 pessoas. Foram utilizadas entrevistas estruturadas e revisão de prontuários para coleta de dados e estatística descritiva para análise dos mesmos.

RESULTADOS:

entre os participantes, foram identificadas dificuldades em relatar a dose dos fármacos prescritos e alta taxa de não adesão. Em nenhum participante do estudo foi atingida a proporção de duas litemias/ano, que representa a quantidade mínima de litemias preconizada pela literatura para o tratamento de manutenção com carbonato de lítio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

este estudo aponta fatores críticos na promoção da segurança do paciente no seguimento da terapêutica medicamentosa com lítio.

Transtorno Bipolar; Carbonato de Lítio; Monitorização Fisiológica; Adesão à Medicação; Recusa do Paciente ao Tratamento


OBJECTIVES:

this study featured patients with affective bipolar disorder who were making use of lithium and received care at an outpatient care center located in a country town in the state of Sao Paulo in 2009; it assessed the adherence and knowledge of these patients in relation to the medication prescribed to them and verified the proportion of blood tests performed per year in the service, for each individual, to measure lithium levels in the blood.

METHOD:

descriptive study with quantitative approach, involving 36 participants. Structured interviews and review of medical records were used for data collection and descriptive statistics for data analysis.

RESULTS:

difficulties in reporting the dosage of the medication prescribed and a high rate of non-adherence were identified among the participants. None of the participants in the study was submitted to two tests a year to measure lithium levels in the blood, which is the minimum proportion of tests recommended by the literature for maintenance treatment using lithium carbonate.

CONCLUSION:

this study highlights the critical factors for the promotion of patients' safety in monitoring lithium drug therapy.

Bipolar Disorder; Lithium Carbonate; Monitoring, Physiologic; Medication Adherence; Treatment Refusal


OBJETIVOS:

este estudio caracterizó pacientes con trastorno afectivo bipolar, tratadas con litio, atendidos en el año de 2009 en un servicio de ambulatorio del interior del estado de Sao Paulo, en Brasil; evaluó la adhesión y conocimiento de los mismos sobre medicamentos prescritos y verificó la proporción de litemias/año realizadas, en el servicio, para cada individuo.

MÉTODO:

se trata de estudio descriptivo, con abordaje cuantitativo, del cual participaron 36 personas. Fueron utilizadas entrevistas estructuradas y revisión de fichas para recolección de datos y estadística descriptiva para análisis de los mismos.

RESULTADOS:

entre los participantes, fueron identificadas dificultades en relatar la dosis de los fármacos prescritos y una alta tasa de no adhesión. En ningún participante del estudio fue alcanzada la proporción de dos litemias/año, que representa la cantidad mínima de litemias preconizada por la literatura para el tratamiento de mantenimiento con carbonato de litio.

CONCLUSIÓN:

este estudio apunta factores críticos para la promoción de la seguridad del paciente en el seguimiento de la terapéutica medicamentosa con litio.

Trastorno Bipolar; Carbonato de Litio; Monitoreo Fisiológico; Cumplimiento de la Medicación; Negativa del Paciente al Tratamiento


Introdução

O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é grave, crônico e recorrente. Está presente em cerca de 1 a 2% da população. Para o espectro bipolar, as estimativas são mais altas, ao redor de 5%, pois são adotados critérios menos rigorosos e conservadores(11. Ferrari AJ, Baxter AJ, Whiteford HA. A systematic review of the global distribution and availability of prevalence data for bipolar disorder. J Affective Disorders. 2011;134(1-3):1-13.). O TAB tem importante impacto na vida do paciente, podendo ocasionar prejuízos funcionais, dificuldades para autocuidado, comportamentos não aceitos socialmente e problemas de relacionamento interpessoal(22. Miasso, AI, Cassiani SHDB, Pedrão LJ. Affective bipolar disorder and ambivalence in relation to the drug treatment: analyzing the causal conditions. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):433-41.).

Para controle desse transtorno, é necessário tratamento farmacológico contínuo. Desse modo, a adesão aos medicamentos é condição essencial para que a pessoa com TAB possa responder de forma satisfatória ao tratamento(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.-44. Pompili M, Serafini G, Del Casale A, Rigucci s, Innamorati M, Girardi P, et al. Improving adherence in mood disorders: the struggle against relapse, recurrence and suicide risk. Expert Rev Neurotherapeutics. 2009;9(7):985-1004.). Diversos fatores, entretanto, contribuem para a baixa adesão à farmacoterapia, dentre eles destaca-se o déficit de conhecimento sobre os medicamentos(55. Rosa AR, Kapczinski F, Oliva R, Stein A, Barros HMT. Monitoramento da adesão ao tratamento com lítio. Rev Psiquiatria Clín. 2006;33(5):249-61.-66. Vega P, Barbeito S, Azúa SR, Martínez Cengotitabengoa M, González Ortega I, Saenz M et al, González Pinto A. Bipolar disorder differences between genders: special considerations for women. Women's Health. 2011;7(6):663-76.). Portanto, o nível de conhecimento dos pacientes deve ser identificado no planejamento de ações de enfermagem para otimizar o tratamento(77. Rosa AR, Marco M, Fachel JMG, Kapczinski F, Stein A, Barros HMT. Correlation between drug treatment adherence and lithium treatment attitudes and knowledge by bipolar patients. Progress in Neuropsychopharmacol Biol. 2007;31:217-24.).

A adesão ao tratamento farmacológico constitui temática de interesse para a literatura, por ser fator potencialmente modificável na busca de se melhorar o prognóstico dos pacientes(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.,88. Miasso AI, Cassiani SHB, Pedrão LJ. Bipolar affective disorder and medication therapy: identifying barriers. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(4):739-45.).

Destaca-se que o tratamento do TAB conta com amplo arsenal terapêutico, mas a medicação "padrão-ouro" para o tratamento desse transtorno é o carbonato de lítio(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.,55. Rosa AR, Kapczinski F, Oliva R, Stein A, Barros HMT. Monitoramento da adesão ao tratamento com lítio. Rev Psiquiatria Clín. 2006;33(5):249-61.,99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.-1010. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.). Esse fármaco, embora eficaz, demanda cuidados específicos por ter estreita faixa terapêutica, elevado risco de intoxicação(99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.

10. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.

11. Severus WE, Kleindienst N, Seemuller F, Frangou S, Moller HJ, Greil W. What is the optimal serum lithium level in the long-term treatment of bipolar disorder - a review. Bipolar Disorders. 2008;10:231-7.
-1212. Nicholson J, Fitzmaurice B. Monitoring patients on lithium - a good practice guideline. Psychiatric Bull. 2002;26:348-51.), início de ação lento, por ser sujeito a variação sérica em virtude de interações farmacológicas, bem como por apresentar variação na eliminação e na relação dose-nível plasmático entre os indivíduos(77. Rosa AR, Marco M, Fachel JMG, Kapczinski F, Stein A, Barros HMT. Correlation between drug treatment adherence and lithium treatment attitudes and knowledge by bipolar patients. Progress in Neuropsychopharmacol Biol. 2007;31:217-24.). A monitorização sérica do carbonato de lítio é importante para a eficácia do tratamento e segurança do paciente(99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.

10. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.

11. Severus WE, Kleindienst N, Seemuller F, Frangou S, Moller HJ, Greil W. What is the optimal serum lithium level in the long-term treatment of bipolar disorder - a review. Bipolar Disorders. 2008;10:231-7.
-1212. Nicholson J, Fitzmaurice B. Monitoring patients on lithium - a good practice guideline. Psychiatric Bull. 2002;26:348-51.). Assim, é necessário investigar se ela está sendo realizada regularmente nos serviços de saúde mental.

Todo o contexto descrito aponta que a adesão ao tratamento(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.-44. Pompili M, Serafini G, Del Casale A, Rigucci s, Innamorati M, Girardi P, et al. Improving adherence in mood disorders: the struggle against relapse, recurrence and suicide risk. Expert Rev Neurotherapeutics. 2009;9(7):985-1004.,88. Miasso AI, Cassiani SHB, Pedrão LJ. Bipolar affective disorder and medication therapy: identifying barriers. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(4):739-45.), o conhecimento sobre a farmacoterapia(6-8) e a monitorização sérica do lítio(99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.,1010. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.

11. Severus WE, Kleindienst N, Seemuller F, Frangou S, Moller HJ, Greil W. What is the optimal serum lithium level in the long-term treatment of bipolar disorder - a review. Bipolar Disorders. 2008;10:231-7.
-1212. Nicholson J, Fitzmaurice B. Monitoring patients on lithium - a good practice guideline. Psychiatric Bull. 2002;26:348-51.) são fundamentais para a segurança do paciente que faz uso desse medicamento. Tais aspectos são estreitamente ligados à prática da enfermagem, que tem papel singular na educação do paciente, objetivando a promoção da adesão aos medicamentos e redução de danos provenientes do uso inadequado dos mesmos. Assim, o presente estudo traz contribuições relevantes para a assistência de enfermagem a pessoas com transtorno afetivo bipolar, em especial daquelas em litioterapia.

Objetivo

Neste estudo, objetivos foram: identificar e caracterizar pacientes com transtorno afetivo bipolar, em uso de carbonato de lítio, atendidos no ano 2009 em um serviço ambulatorial do interior de São Paulo, Brasil; avaliar, nos referidos pacientes, a adesão e o conhecimento (nome, dose e frequência de uso), relacionados a todos os medicamentos prescritos, e verificar a proporção de litemias/ano realizadas, no serviço, para cada indivíduo.

Método

Este é um estudo retrospectivo, transversal e descritivo, com abordagem quantitativa. Foi realizado em um serviço ambulatorial, pertencente ao sistema público de saúde e localizado no interior do Estado de São Paulo, Brasil. O projeto foi desenvolvido após aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo nº0206/CEP-CSE-FMRP-USP) e todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram elegíveis para o estudo todos os pacientes que tiveram consulta médica agendada no local do estudo, no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2009, e que preencheram os seguintes critérios de inclusão: ter diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (estabelecido pelo médico responsável pelo diagnóstico ambulatorial); ter prescrição de uso contínuo de carbonato de lítio; ter idade igual ou superior a 18 anos e ser capaz de se comunicar verbalmente em português. Apenas 36 pessoas atendidas nesse período respondiam a esses critérios de inclusão do estudo.

Para a coleta dos dados foram realizadas a revisão de prontuários e entrevista estruturada, guiadas por um roteiro elaborado pelas autoras do estudo, contendo questões sobre dados sociodemográficos e tratamento dos pacientes, um teste que avalia a adesão do indivíduo à farmacoterapia(1313. Morisky DE, Levine DM, Green LW, SMITH CR. Health education program effects on the management of hypertension in the elderly. Arch Internal Med. 1982;142(10):1835-8.), incluindo o carbonato de lítio, e uma escala que permite avaliar o conhecimento do entrevistado sobre a terapêutica medicamentosa prescrita(1414. Stape DDB. O conhecimento do paciente com alta hospitalar sobre a continuidade do seu tratamento [Dissertação de Mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 1979. 118 p.). Os participantes do estudo foram entrevistados no serviço de saúde estudado, em ambiente privativo.

O grau de adesão foi definido pela aplicação do teste de Morisky e Green(1313. Morisky DE, Levine DM, Green LW, SMITH CR. Health education program effects on the management of hypertension in the elderly. Arch Internal Med. 1982;142(10):1835-8.). Esse teste permite identificar o grau de adesão do paciente e discriminar se a eventual não adesão é atribuída a comportamento intencional (questões: "quando você se sente bem, alguma vez, você deixa de tomar seu remédio?" e "quando você se sente mal, com o remédio, às vezes, deixa de tomá-lo?") e/ou não intencional (questões: "você, alguma vez, se esquece de tomar o seu remédio?" e "você, às vezes, é descuidado quanto ao horário de tomar seu remédio?"). O teste foi validado, traduzido e aplicado no Brasil(1515. Strelec MAAM, Pierin AMG, Mion D Júnior. A influencia do conhecimento sobre a doença e a atitude frente à tomada de remédios no controle da hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol. 2003;81:349-54.).

Foi atribuído a cada resposta o valor de (0) zero ou (1) um, sendo o valor 1 (um) destinado a respostas negativas ou às respostas positivas em que a frequência admitida foi de uma vez por mês ou menos, e o valor 0 (zero) para as respostas positivas com outras possibilidades de frequência. Foram classificados como "aderentes" os pacientes que obtiveram quatro pontos no teste de Morisky e Green(1313. Morisky DE, Levine DM, Green LW, SMITH CR. Health education program effects on the management of hypertension in the elderly. Arch Internal Med. 1982;142(10):1835-8.) e "não aderentes" aqueles que obtiveram de zero a três pontos.

Para identificar o grau de conhecimento do paciente sobre os medicamentos prescritos, foi adotada a escala de Stape(1414. Stape DDB. O conhecimento do paciente com alta hospitalar sobre a continuidade do seu tratamento [Dissertação de Mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 1979. 118 p.). O referido instrumento indica como traduzir, para porcentagens, a quantidade (números) de informações que o paciente possui e direciona a categorização desse conhecimento.

Esse instrumento pressupõe que o grau de conhecimento de uma pessoa sobre cada aspecto relacionado às medicações (nome, dose e frequência de utilização) pode ser pontuado de 0 a 100% e classificado em intervalos regulares, que representam as seguintes classes: sem conhecimento (0%), muito pouco conhecimento (0% ┤ %25%), pouco conhecimento (25% ┤ %50%), conhecimento regular (50% ┤ %75%) e bom conhecimento (75% - %100%).

As respostas dos pacientes foram comparadas com os dados contidos no prontuário. A resposta a cada pergunta foi classificada como certa ou errada, considerando-se os itens avaliados para cada um dos medicamentos prescritos. A resposta "não sei" foi classificada como errada. Assim, se fossem prescritas 10 medicações para uma pessoa que soubesse informar corretamente o nome de 5 delas, seu grau de conhecimento sobre os nomes dos fármacos seria de 50% e estaria incluído na categoria "pouco conhecimento" que corresponde ao intervalo de pontuação 25% ┤ %50%. Procedeu-se dessa forma para cada variável relacionada aos medicamentos prescritos.

O número de litemias realizadas desde o início do tratamento do paciente no local do estudo foi identificado por meio da revisão de prontuários. Após dupla digitação dos dados em planilha do Excel, foi utilizada estatística descritiva para análise dos mesmos.

Resultados

Caracterização dos sujeitos do estudo

No ano 2009, foram atendidas no local do estudo 36 pessoas com TAB, em uso contínuo de lítio. Todas atendiam os critérios de inclusão e aceitaram participar do estudo. A caracterização dos participantes do estudo encontra-se disponível na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização das pessoas com transtorno afetivo bipolar participantes do estudo. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2009

Na ocasião da coleta dos dados, 3 (8,3%) pessoas já haviam manifestado ideação suicida e 3 (8,3%) tinham histórico de tentativa de suicídio. O número de internações variou entre 0 e 12. Destaca-se que 8 (22,2%) pessoas nunca haviam passado por internações, 19 (52,8%) pacientes ficaram internados entre 1 e 4 vezes, 6 (16,7%) foram internados entre 5 e 8 vezes e 3 (8,3%) sujeitos passaram por mais de 8 internações.

De acordo com as entrevistas, antes do tratamento medicamentoso, 10 (27,6%) pacientes ingeriam bebida alcoólica e, no período da coleta dos dados, essa quantidade estava reduzida a 2 (5,6%) indivíduos.

Entre os participantes do estudo, 20 (55,6%) possuíam renda mensal inferior a quatro salários-mínimos. Embora 35 (97,2%) pacientes adquirissem algum medicamento na rede pública, foi possível identificar 2 (5,56%) indivíduos que possuíam gastos mensais destinados à compra de algum psicotrópico e 5 (13,9%) à compra de não psicotrópicos. Em caso de falha no fornecimento das medicações pelo sistema público, 24 (66,7%) pessoas afirmaram que compraram ou comprariam o medicamento.

Farmacoterapia prescrita

Em relação aos tipos de medicamentos prescritos, foi possível apreender que 11 (30,6%) pacientes estavam em monoterapia com o lítio. Entre os demais, 12 (33,3%), utilizavam 2 tipos de medicamentos, 8 (22,2%) pessoas usavam 3 tipos de medicações e 5 (13,9%) indivíduos possuíam prescrição de 4 fármacos diferentes.

Na prescrição dos entrevistados, a quantidade de comprimidos a serem ingeridos diariamente variou de 1 a 13, sendo que 17 (47,2%) utilizavam mais de 4 comprimidos ao dia. Destaca-se que 21 (58,3%) participantes do estudo ingeriam medicamentos 3 vezes ao dia.

Foi possível identificar que 21 (58,3%) pacientes referiram conviver com algum efeito colateral ocasionado pelo(s) fármaco(s) prescrito(s). Os efeitos colaterais mais citados foram: aumento de peso, cefaleia, sonolência, letargia, tremor, tontura, desconforto gastrointestinal e boca seca.

Adesão ao tratamento medicamentoso

A adesão em relação a todos os medicamentos prescritos, incluindo o lítio, foi avaliada pelo teste de Morisky e Green(1313. Morisky DE, Levine DM, Green LW, SMITH CR. Health education program effects on the management of hypertension in the elderly. Arch Internal Med. 1982;142(10):1835-8.).

Do total de entrevistados, apenas 8 (22,2%) aderiam ao tratamento medicamentoso prescrito, 15 (41,7%) não aderiam por comportamento não intencional, enquanto 13 (36,1%) foram considerados não aderentes por comportamento intencional e não intencional. Destaca-se que entre os 11 pacientes em monoterapia com carbonato de lítio, 6 (54,5%) foram considerados não aderentes.

Conhecimento dos sujeitos do estudo relacionado à terapêutica medicamentosa

O grau de conhecimento dos pacientes referente ao nome, dose e frequência das medicações prescritas, está apresentado na Figura 1.

Figura 1
Distribuição dos sujeitos do estudo de acordo com o grau de conhecimento sobre o nome, frequência e dose dos medicamentos prescritos

Verificou-se, a partir da Figura 1, que o nome dos fármacos prescritos foi o item mais conhecido entre os entrevistados, pois 29 (80,6%) deles apresentaram "bom conhecimento" a esse respeito, ou seja, estavam no intervalo de 75 a 100% da escala que avalia o grau de conhecimento. Para avaliação do conhecimento sobre os nomes dos medicamentos aceitou-se como correta a resposta que identificasse a medicação prescrita, tanto pelo nome genérico como por qualquer nome comercial.

No que diz respeito à frequência de administração dos medicamentos, identificou-se que a metade dos indivíduos possuía "bom conhecimento" sobre o assunto.

Verificou-se que 19 (52,8%) pacientes tiveram conhecimento pouco satisfatório em relação à dose diária dos medicamentos utilizados, por ter o conhecimento categorizado entre as classes "sem conhecimento" (0%), "muito pouco conhecimento" (0%┤25%) ou "pouco conhecimento" (25%┤50%).

Na avaliação das informações referidas sobre a dose dos fármacos, foram consideradas corretas as respostas que identificavam a quantidade, em unidades de medida (grama, miligrama e mililitro), a ser administrada em cada horário ou no período de 24 horas, de acordo com a prescrição médica.

Proporção de litemias realizadas por ano no serviço de saúde mental

Para identificar a proporção de litemias por ano, realizadas no serviço de saúde mental, o número de litemias realizadas em cada paciente foi dividido pelo número de anos de tratamento com lítio do mesmo paciente, no serviço de saúde investigado.

Em nenhum dos participantes da pesquisa foi atingida a proporção de duas litemias por ano, realizadas no serviço de saúde mental estudado. Apenas em 7 (19,4%) pacientes foi atingida a proporção de uma litemia por ano.

De todos os entrevistados, 14 (38,9%) iniciaram o tratamento com lítio em período anterior à época em que começaram a fazer acompanhamento no serviço de saúde mental.

Discussão

No que se refere à caracterização dos sujeitos do estudo, identificou-se que a maioria era do gênero feminino. A literatura aponta que homens e mulheres são igualmente propensos a desenvolver o transtorno. O fato de ser encontrada maior quantidade de mulheres em tratamento para controle do TAB pode ser justificado pela maior busca de atendimento em saúde e maior adesão ao tratamento no gênero feminino(8).

O presente estudo identificou igual proporção entre indivíduos casados e solteiros com diagnóstico de TAB. A literatura indica que há menos pessoas casadas na população com TAB do que na população em geral, o que pode ser consequência da sintomatologia do transtorno(1616. Shippee ND, Shah N, Williams MD, Moriarty JP, Frye MA, Ziegenfuss JY. Differences in demographic composition and in work, social, and functional limitations among the populations with unipolar depression and bipolar disorder: results from a nationally representative sample. Health Qual Life Outcomes. 2011;9(90) .).

Observou-se que apenas 6 (16,7%) sujeitos declararam possuir vínculo empregatício. Estudo sugere que pessoas com TAB possam ter menor produtividade no trabalho, menor desempenho cognitivo e situação econômica menos favorável do que pessoas depressivas ou sem transtornos psiquiátricos(1616. Shippee ND, Shah N, Williams MD, Moriarty JP, Frye MA, Ziegenfuss JY. Differences in demographic composition and in work, social, and functional limitations among the populations with unipolar depression and bipolar disorder: results from a nationally representative sample. Health Qual Life Outcomes. 2011;9(90) .). Todavia, se comparadas a indivíduos com outros transtornos, as pessoas com TAB demonstram elevado desempenho acadêmico e desejo de trabalhar, embora se deparem com o problema do desemprego(1717. Jones MM. The experience of bipolar Disorder at work. Int J Psychosoc Rehabilitation. 2005;10(1):60-70.).

No período da coleta dos dados, foi identificado consumo de bebida alcoólica em 2 (5,6%) pacientes. A literatura afirma que o uso de bebida alcoólica é maior em pacientes com TAB do que na população geral(1818. Kessler RC. The epidemiology of dual diagnosis. Impact of Substance Abuse on the Diagnosis, Course, and Treatment of Mood Disorders. Biol Psychiatry. 2004,56(10):738-48.), e salienta que esse comportamento está ligado ao pior prognóstico e à baixa adesão aos medicamentos(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.,1919. Vega P, Alonso M, Alberich S, Barbeito S, Ruiz de Azúa S, Ugarte A et al. Why do bipolar men not comply with treatment? The Spanish Cibersam data. Eur J Psychiatry. 2009;23:63-9.).

O suicídio é uma das consequências mais danosas do TAB(99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.,2020. Müller-Oerlinghauser B, Berghöfer A, Bauer M. Bipolar disorder. Lancet. 2002,359:241-27.). Neste estudo, foram identificados 3 (8,3%) pacientes que já tentaram suicídio em algum momento da vida, enquanto outros 3 (8,3%) apresentaram ideação suicida. Destaca-se que a porcentagem identificada na presente pesquisa é inferior à mencionada na literatura, a qual aponta que entre metade e um quarto dos pacientes com TAB tentam suicídio(99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.,2020. Müller-Oerlinghauser B, Berghöfer A, Bauer M. Bipolar disorder. Lancet. 2002,359:241-27.). O fato de todos os participantes estarem em uso de lítio pode ser uma possível explicação para tal resultado, pois o referido medicamente atua como importante redutor do risco de suicídio em pacientes com TAB(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.,99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.).

A maior parte dos entrevistados adquiria medicamentos na rede pública e 24 (66,7%) entrevistados afirmaram que comprariam os medicamentos se houvesse falha no fornecimento. A garantia de acesso aos fármacos na rede pública é de suma importância para favorecer a adesão ao tratamento(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.) e é alvo de preocupação para pacientes e familiares, especialmente quando existem limitações financeiras que impossibilitam a compra do fármaco prescrito(2121. Monteschi M, Vedana KGG, Miasso AI. Terapêutica medicamentosa: conhecimento e dificuldades de familiares de pessoas idosas com transtorno afetivo bipolar. Texto Contexto Enferm. 2010;19(4):709-18.).

No que tange ao esquema terapêutico, 25 (69,4%) indivíduos utilizavam outro(s) fármaco(s) além do lítio. A maioria dos pacientes utilizava seus medicamentos três vezes ao dia e ingeria três ou mais comprimidos diariamente.

A literatura revela que pacientes bipolares utilizam, em média, três psicofármacos e tal aspecto aumenta as chances de interações farmacológicas(77. Rosa AR, Marco M, Fachel JMG, Kapczinski F, Stein A, Barros HMT. Correlation between drug treatment adherence and lithium treatment attitudes and knowledge by bipolar patients. Progress in Neuropsychopharmacol Biol. 2007;31:217-24.). O uso simultâneo de fármacos pode ser um problema no seguimento do tratamento medicamentoso, pois eleva a probabilidade de efeitos colaterais, as dificuldades para a autoadministração de medicamentos prescritos e, consequentemente, aumenta a possibilidade de não adesão(2222. Cruz LP, Miranda PM, Vedana KGG, Miasso AI. Medication therapy: adherence, knowledge and difficulties of elderly people from bipolar disorder. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(4):944-52.).

A maioria dos participantes do estudo relatou conviver com efeitos colaterais decorrentes do(s) fármaco(s) prescrito(s). De fato, o lítio provoca efeitos colaterais, tais como sedação, fadiga, letargia, problemas cognitivos, aumento de peso, distúrbios gastrintestinais, tremor fino, queda de cabelo, poliúria, polidipsia entre outros(1010. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.). Tais efeitos podem comprometer a qualidade de vida dos pacientes e ser importante obstáculo para a adesão ao tratamento farmacológico(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.,2323. Sachs GS. Unmet clinical needs in bipolar disorder. Journal of Clinical Psychopharmacology. 2003;3(1):2-8.).

A maior parte dos pacientes com TAB não aderia à prescrição medicamentosa, como já identificado em estudos prévios(33. Busby KK, Sajatovic M. Review: Patient, treatment, and systems-level factors in bipolar disorder nonadherence: A summary of the literature. CNS neuroscience & therapeutics. 2010;16(5):308-15.,2222. Cruz LP, Miranda PM, Vedana KGG, Miasso AI. Medication therapy: adherence, knowledge and difficulties of elderly people from bipolar disorder. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(4):944-52.,2424. Miasso AI, Monteschi M, Giacchero KG. Bipolar affective disorder: medication adherence and satisfaction with treatment and guidance by the health team in a mental health service. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(4):548-56.). A maioria dos não aderentes adotava esse comportamento de forma não intencional, o que também é corroborado com a literatura(2424. Miasso AI, Monteschi M, Giacchero KG. Bipolar affective disorder: medication adherence and satisfaction with treatment and guidance by the health team in a mental health service. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(4):548-56.).

A adesão ao tratamento está intimamente ligada ao modo como o indivíduo segue as recomendações dos profissionais da saúde(2525. Santin A, Cereser K, Rosa A. Adesão ao tratamento no transtorno bipolar. Rev Psiquiatria Clín. 2005; 32 Suppl 2:105-9.). A baixa adesão aos medicamentos está associada a pior prognóstico, elevadas taxas de recaídas(99. Mc-Allister-Williams RH, Ferrier IN. Pharmacological management of bipolar affective disorder. Psychiatry. 2009;8(4):120-4.), hospitalizações e suicídio(44. Pompili M, Serafini G, Del Casale A, Rigucci s, Innamorati M, Girardi P, et al. Improving adherence in mood disorders: the struggle against relapse, recurrence and suicide risk. Expert Rev Neurotherapeutics. 2009;9(7):985-1004.), além de propiciar a ineficácia do tratamento e prejuízos socioeconômicos(77. Rosa AR, Marco M, Fachel JMG, Kapczinski F, Stein A, Barros HMT. Correlation between drug treatment adherence and lithium treatment attitudes and knowledge by bipolar patients. Progress in Neuropsychopharmacol Biol. 2007;31:217-24.). No caso do lítio, a não adesão não intencional pode favorecer a administração dos medicamentos em horários aleatórios, o que eleva o risco de intoxicação por sobreposição de doses.

O conhecimento do paciente sobre o esquema terapêutico é condição básica para a condução do tratamento, se o paciente for responsável pela autoadministração dos medicamentos(2222. Cruz LP, Miranda PM, Vedana KGG, Miasso AI. Medication therapy: adherence, knowledge and difficulties of elderly people from bipolar disorder. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(4):944-52.). No presente estudo, foi possível apreender que os pacientes manifestaram dificuldades em mencionar adequadamente a dose dos fármacos prescritos, podendo comprometer sua segurança na utilização dos mesmos.

Tal aspecto é agravado pelo fato de familiares de pessoas com TAB também possuírem déficit de conhecimento sobre os medicamentos prescritos para o paciente, o que limita sua possibilidade de intervenção para auxiliá-lo a manter o fármaco em níveis terapêuticos(2121. Monteschi M, Vedana KGG, Miasso AI. Terapêutica medicamentosa: conhecimento e dificuldades de familiares de pessoas idosas com transtorno afetivo bipolar. Texto Contexto Enferm. 2010;19(4):709-18.).

A falta de conhecimento sobre a dose dos fármacos pode facilitar a ineficácia do tratamento pela utilização dos medicamentos abaixo dos níveis terapêuticos e pode elevar o risco de toxicidade, especialmente quando se trata do lítio que é um fármaco com estreita faixa terapêutica e efeitos tóxicos graves. Desse modo, o nível de conhecimento sobre o esquema terapêutico e sobre o lítio está relacionado à maior adesão e menor risco de toxicidade(55. Rosa AR, Kapczinski F, Oliva R, Stein A, Barros HMT. Monitoramento da adesão ao tratamento com lítio. Rev Psiquiatria Clín. 2006;33(5):249-61.).

O nível sérico do lítio considerado terapêutico varia de 0,6 mEq/l a 1,2mEq/l, representando estreita faixa terapêutica. Em níveis acima dessa faixa começam a aparecer os sinais e sintomas de toxicidade, como náusea, vômito, diarreia, tremor grosseiro, visão turva, contrações musculares, letargia e confusão(1010. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.). O paciente precisa ser informado pela equipe de saúde para distinguir esses efeitos tóxicos de efeitos colaterais, pois a toxicidade causada pelo lítio acarreta sérias complicações e pode ser fatal(55. Rosa AR, Kapczinski F, Oliva R, Stein A, Barros HMT. Monitoramento da adesão ao tratamento com lítio. Rev Psiquiatria Clín. 2006;33(5):249-61.,1010. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.,1212. Nicholson J, Fitzmaurice B. Monitoring patients on lithium - a good practice guideline. Psychiatric Bull. 2002;26:348-51.).

Nesse contexto, o enfermeiro pode intervir de maneira efetiva por meio de estratégias psicoeducativas. A psicoeducação, além de elevar a compreensão sobre o tratamento, pode promover melhor manejo do transtorno, a adesão ao tratamento, aumento do insight, reconhecimento precoce de sintomas, promoção de hábitos de vida saudáveis, manejo de situações estressantes e coibição de drogas de abuso. Essa abordagem terapêutica também favorece a redução de recaídas e de internações e melhor funcionamento social(2626. Figueiredo AL, Souza L, Dell´Áclio JC, Argimon, IIL. O uso da psicoeducação no tratamento do transtorno bipolar. Rev Bras Terapia Comportamental e Cognitiva. 2009;11(1):15-24.).

No serviço de saúde investigado, a avaliação da proporção de litemias, realizadas por ano em cada entrevistado, revelou que nenhum dos participantes do estudo atingiu uma proporção de duas litemias por ano, sendo que, na maioria dos indivíduos, não foi atingida a proporção de uma litemia por ano. A litemia de pacientes em tratamento com lítio deve ser realizada, no mínimo, de seis em seis meses, se o paciente apresentar quadro estável(1010. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.). Desse modo, em nenhum participante do estudo a frequência de litemias esteve adequada, de acordo com a quantidade mínima preconizada na literatura.

Um agravante para esses achados é que, em 22 (61,1%) entrevistados, o lítio foi inserido quando os pacientes já eram acompanhados no local do estudo. Embora, em alguns casos, o medicamento possa ter sido introduzido em internações hospitalares, é possível que alguns pacientes tenham iniciado o uso de lítio no serviço estudado.

Para pessoas em início de tratamento, o número de litemias preconizado é ainda maior, para possibilitar o ajuste de dose com segurança(77. Rosa AR, Marco M, Fachel JMG, Kapczinski F, Stein A, Barros HMT. Correlation between drug treatment adherence and lithium treatment attitudes and knowledge by bipolar patients. Progress in Neuropsychopharmacol Biol. 2007;31:217-24.,1010. American Psychiatric Association. Pratice Guideline for the Treatment of Patients with Bipolar Disorder. 2.ed. Washington: APA; 2010.). Além disso, a depender do quadro do paciente, o tratamento com lítio pode ser iniciado com doses elevadas, requerendo monitorização rigorosa para não ultrapassar o limite terapêutico(77. Rosa AR, Marco M, Fachel JMG, Kapczinski F, Stein A, Barros HMT. Correlation between drug treatment adherence and lithium treatment attitudes and knowledge by bipolar patients. Progress in Neuropsychopharmacol Biol. 2007;31:217-24.).

A monitorização sérica do lítio possibilita verificar a adesão ao tratamento, facilita o ajuste de doses e a detecção de variações nas concentrações séricas desse medicamento. A provisão das litemias nos serviços de saúde é conduta importante para garantir a segurança dos pacientes que utilizam o lítio.

Considerações Finais

Este estudo caracterizou 36 pacientes com transtorno afetivo bipolar, usuários de lítio, acompanhados em um serviço ambulatorial de saúde mental. Nesta pesquisa, a amostra contempla apenas pessoas com TAB pertencentes a um único serviço público de um município do interior de São Paulo, Brasil, mas é possível que os problemas aqui identificados sejam comuns a pacientes de outros contextos.

Neste estudo, muitos pacientes eram submetidos a regimes terapêuticos complexos, tinham conhecimento restrito sobre os fármacos prescritos, especialmente no que se refere à dose e apresentavam baixa adesão ao tratamento farmacológico. Em nenhum dos participantes do estudo foi atingida a proporção mínima de litemias por ano, preconizada pela literatura, para o tratamento de manutenção com lítio.

Essas limitações sinalizam riscos no seguimento da terapêutica medicamentosa, especialmente tratando-se de medicamentos com estreita faixa terapêutica como o lítio, podendo comprometer consideravelmente o prognóstico dos indivíduos.

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar, deve investir em estratégias nos serviços de saúde para minimizar tais limitações. Dentre as possíveis estratégias, destaca-se a abordagem psicoeducativa individual ou em grupo, para pacientes e familiares. Tal abordagem pode contribuir para a ampliação do conhecimento do paciente sobre o tratamento farmacológico, promoção da adesão e participação ativa do mesmo no tratamento. Com maior conhecimento e corresponsabilização, o paciente pode colaborar na administração correta das medicações, manutenção da regularidade das litemias, manejo de efeitos colaterais do lítio e reconhecimento precoce de intoxicações.

Desse modo, o presente estudo traz contribuições para a prática e pesquisa na área da enfermagem e saúde mental, ao apontar fatores que podem comprometer a segurança da pessoa com TAB no seguimento da terapêutica medicamentosa. Recomendam-se estudos que implementem e avaliem estratégias de gestores e equipe de saúde voltadas para a educação, supervisão, motivação para a adesão e garantia das litemias para a clientela que faz uso do lítio.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2012
  • Aceito
    25 Jan 2013
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