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Importância da comunicação nos cuidados paliativos em oncologia pediátrica: enfoque na Teoria Humanística de Enfermagem

Resumos

OBJETIVO:

investigar e analisar a comunicação nos cuidados paliativos em oncologia pediátrica, sob o ponto de vista de enfermeiros, com base na Teoria Humanística de Enfermagem.

MÉTODO:

trata-se de pesquisa de campo, com abordagem qualitativa, da qual participaram dez enfermeiros atuantes em oncologia pediátrica, de um hospital público brasileiro. Para a coleta dos dados, foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada. Os depoimentos foram analisados qualitativamente, à luz da Teoria Humanística de Enfermagem, e nas cinco fases da Enfermagem Fenomenológica.

RESULTADOS:

da análise do material empírico do estudo, emergiram duas categorias temáticas: "estratégia para humanizar o cuidar em enfermagem, com ênfase no alívio do sofrimento da criança" e "estratégia para fortalecer o vínculo de confiança entre enfermeiro e criança".

CONCLUSÃO:

a comunicação se configura como um elemento eficaz no cuidado com a criança com câncer e é de suma importância para a promoção dos cuidados paliativos quando alicerçada na Teoria Humanística de Enfermagem.

Enfermagem; Cuidados Paliativos; Comunicação; Neoplasias; Criança


OBJECTIVE:

to investigate and analyze communication in palliative care contexts from the perspective of nurses, based on Humanistic Nursing Theory.

METHOD:

this is a field study with a qualitative approach, in which ten nurses working in the pediatric oncology unit of a Brazilian public hospital participated. Semi-structured interviews were used to collect data. The testimonies were qualitatively analyzed using Humanistic Nursing Theory and based on the five phases of Nursing Phenomenology.

RESULTS:

two thematic categories emerged from the analysis of the study's empirical material: "strategy to humanize nursing care, with an emphasis on relieving the child's suffering" and "strategy to strengthen ties of trust established between nurse and child."

CONCLUSION:

communication is an efficacious element in the care provided to the child with cancer and is extremely important to promoting palliative care when it is based on Humanistic Nursing Theory.

Nursing; Palliative Care; Communication; Neoplasms; Child


OBJETIVO:

investigar y analizar la comunicación en los cuidados paliativos en oncología pediátrica, bajo el punto de vista de los enfermeros, con base en la Teoría Humanística de Enfermería.

MÉTODO:

se trata de una investigación de campo, con abordaje cualitativo, de la cual participaron diez enfermeros actuantes en oncología pediátrica en un hospital público brasileño. Para la recolección de los datos, fue utilizada la técnica de entrevista semiestructurada. Las declaraciones fueron analizadas cualitativamente, bajo el marco de la Teoría Humanística de Enfermería, y de las cinco fases de la Enfermería Fenomenológica.

RESULTADOS:

del análisis del material empírico del estudio, surgieron dos categorías temáticas: "estrategia para humanizar el cuidar en enfermería, con énfasis en el alivio del sufrimiento del niño", y "estrategia para fortalecer el vínculo de confianza entre el enfermero y el niño".

CONCLUSÍON:

la comunicación se configura como un elemento eficaz del cuidado en el niño con cáncer y es de suma importancia para la promoción de los cuidados paliativos cuando fundamentada en la Teoría Humanística de Enfermería.

Enfermería; Cuidados Paliativos; Comunicación; Neoplasias; Niño


Introdução

Os cuidados paliativos constituem abordagem de cuidado diferenciada, destinada a melhorar a qualidade de vida do paciente com doença avançada, sem possibilidade de cura, e dos seus familiares, por meio de avaliação e tratamento adequados para o alívio da dor e dos sintomas. Trata-se de um suporte psicossocial e espiritual( 11. Araújo MMT, Silva MJP. A comunicação com o paciente em cuidados paliativos: valorizando a alegria e o otimismo. Rev Esc Enferm. 2007;41(4):668-74. ). No entanto, esses cuidados encontram-se em processo de construção e, por isso, suas estratégias de ação, como, por exemplo, a comunicação, consistem em verdadeiro desafio para as equipes de saúde, principalmente para a de enfermagem, cujos profissionais permanecem junto do leito do paciente, em tempo integral( 22. Araújo MMT, Silva MJP. A. Estratégias de comunicação utilizadas por profissionais de saúde na atenção à pacientes sob cuidados paliativos. Rev. Esc. Enferm.USP. 2012:46(3):626-32. ).

No campo da enfermagem, a comunicação representa ferramenta sobremaneira importante para a prática dos cuidados paliativos com o paciente sem possibilidade terapêutica de cura, especialmente quando se trata de criança com câncer. Nesse contexto, quando uma criança adoece de câncer, ocorrem mudanças de hábitos, restrições, isolamento, afastamento das atividades de rotina, as internações recorrentes, que causam intenso sofrimento( 33. Chico CE, Nascimento EC, Castanheira L, Lima RAG. Children and adolescents with cancer: experiences with chemotherapy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(5):864-72. ).

A comunicação eficaz é considerada instrumento fundamental para o cuidado integral e humanizado porque, por meio dela, é possível reconhecer e acolher, empaticamente, as necessidades do paciente (em particular, as da criança com câncer). Quando o enfermeiro utiliza esse instrumento de forma verbal e não verbal, permite ao paciente participar das escolhas e dos cuidados específicos relacionados à sua doença, visando a obtenção de tratamento digno( 44. Mullan BA, Kothe EJ. Evaluating a nursing communication skills training course: The relationships between self-rated ability, satisfaction, and actual performance. Nurse Education in Practice. 2010;10(6):374-8. ). Em estudo realizado em Sydney, na Austrália, relata-se que a comunicação eficaz é um componente vital dos cuidados de enfermagem, e, quando subsidiada por uma relação de sentimento, atitude, cooperação e sensibilidade, esse instrumento é importante impulsionador da relação entre o enfermeiro e a criança com câncer( 44. Mullan BA, Kothe EJ. Evaluating a nursing communication skills training course: The relationships between self-rated ability, satisfaction, and actual performance. Nurse Education in Practice. 2010;10(6):374-8. ).

Nessa perspectiva, a comunicação nos cuidados paliativos vai muito além das palavras e do conteúdo, pois contempla a escuta atenta, o olhar e a postura, para que se possa obter assistência pautada na humanização. O emprego adequado desse recurso é medida terapêutica comprovadamente eficaz para pacientes que dele necessitam( 11. Araújo MMT, Silva MJP. A comunicação com o paciente em cuidados paliativos: valorizando a alegria e o otimismo. Rev Esc Enferm. 2007;41(4):668-74. ). Nesse tipo de comunicação, há relacionamento e troca de ideias e de saberes, geradores de uma nova consciência capaz de produzir mudanças no ser humano e no mundo( 22. Araújo MMT, Silva MJP. A. Estratégias de comunicação utilizadas por profissionais de saúde na atenção à pacientes sob cuidados paliativos. Rev. Esc. Enferm.USP. 2012:46(3):626-32. ). Para tanto, tal comunicação deve ter como base a Enfermagem Humanística.

A Enfermagem Humanística é considerada um diálogo vivo, que envolve o encontro, em que há a expectativa de alguém para atender e alguém para ser atendido, a presença, na qualidade de ser receptivo e recíproco para outra pessoa, o relacionamento, por meio do qual um vai em direção ao outro, o que promove uma presença autêntica e um chamado e uma resposta, que se apresentam na forma de comunicação verbal e não verbal( 55. Paterson JG, Zderad LT. Enfermería humanística. México: Editorial Limusa; 1979. ).

Para utilizar o suporte teórico da Enfermagem Humanística, é necessário recorrer às acepções acerca da metodologia da Enfermagem Fenomenológica, que emana da interação dialógica das experiências articuladas e compartilhadas por enfermeiros investigadores que abstraem e conceituam, propiciando a investigação do evento da enfermagem em si, por meio do desenvolvimento do processo dialógico( 55. Paterson JG, Zderad LT. Enfermería humanística. México: Editorial Limusa; 1979. ), através do qual o enfermeiro vivencia o fenômeno da enfermagem e estuda a maneira como ele ocorre na vida real, embebido no contexto humano. Portanto, a Enfermagem Humanística é dialogal, em seus aspectos teórico e prático, e o significado da enfermagem tem o ato intersubjetivo existencial.

A metodologia da Enfermagem Fenomenológica pode ser aplicada no cuidado, na docência e na pesquisa em enfermagem e ser desenvolvida em cinco fases( 55. Paterson JG, Zderad LT. Enfermería humanística. México: Editorial Limusa; 1979. ), que serão explicitadas na metodologia deste estudo.

Portanto, os cuidados paliativos de enfermagem em relação à criança com câncer, norteados pela Teoria Humanística, significam preservar sua integridade física, moral, emocional e espiritual, por meio de cuidados objetivos e flexíveis que valorizem os mundos distintos: um mundo interno (EU) e outro externo (TU), onde o TU se faz presente. Ambos descrevem as características especiais de se relacionar com o outro: as relações EU-TU (sujeito-sujeito), EU-ISSO (sujeito-objeto) e EU-NÓS (sujeito-comunidade)( 55. Paterson JG, Zderad LT. Enfermería humanística. México: Editorial Limusa; 1979. ).

A relação EU-ISSO é expressa como uma reflexão do homem acerca de suas relações EU-TU anteriores. Ao refletir sobre essas relações, ele as valoriza como objetos a serem conhecidos - o ISSO. A relação EU-NÓS possibilita ao homem adquirir sua identidade, por meio de sua situação relacional, aliviar os sintomas e promover o crescimento pessoal do doente, da família e do próprio enfermeiro( 66. Trovo MM, Silva MJP. O conhecimento de estratégias de comunicação no atendimento à dimensão emocional em cuidados paliativos. Texto contexto - enferm. [periódico na Internet] . 2012 Mar [citado 2012 Set 16];21(1):121-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
http://www.scielo.br/scielo.php?script=...
).

Apesar da relevância da comunicação para os cuidados paliativos, consta em relato da literatura nacional, em particular na área de enfermagem, que são poucos os estudos a abordar o processo de comunicação com pacientes sem prognóstico de cura( 66. Trovo MM, Silva MJP. O conhecimento de estratégias de comunicação no atendimento à dimensão emocional em cuidados paliativos. Texto contexto - enferm. [periódico na Internet] . 2012 Mar [citado 2012 Set 16];21(1):121-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
http://www.scielo.br/scielo.php?script=...
). Esse fato atesta a relevância de novos estudos que possam contribuir para a socialização de conhecimentos acerca da importância da comunicação para a promoção de cuidados paliativos, relacionados à criança com câncer, embasados em teorias de enfermagem.

Nesse contexto, o estudo proposto contribui para preencher a lacuna do conhecimento existente acerca da importância da comunicação nos cuidados paliativos em oncologia pediátrica. Para tanto, teve como fio condutor a seguinte questão de estudo: qual a importância da comunicação nos cuidados paliativos em oncologia pediátrica, na perspectiva de enfermeiros?

Diante do exposto, este estudo objetivou investigar e analisar a comunicação nos cuidados paliativos em oncologia pediátrica, sob o ponto de vista de enfermeiros, com base na Teoria Humanística de Enfermagem.

Método

Trata-se de pesquisa de campo, de natureza qualitativa, embasada no referencial teórico sobre cuidados paliativos e na Teoria Humanística de Enfermagem. O cenário da investigação foi a unidade de pediatria de um hospital público, localizado na cidade de João Pessoa, PB, considerado como de referência nesse Estado no tratamento do câncer de crianças e adolescentes de zero a dezenove anos, além de adultos.

Os participantes da pesquisa foram dez enfermeiros assistenciais. Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: que o profissional atuasse há pelo menos um ano na referida unidade, estivesse em atividade profissional durante o período de coleta de dados e tivesse disponibilidade para participar da pesquisa. A coleta de dados ocorreu durante o período de abril a junho de 2010 e só foi iniciada após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (Protocolo nº062/10). Foram consideradas as diretrizes éticas que norteiam a pesquisa com seres humanos.

No que se refere à coleta de dados, o material empírico foi obtido por meio da técnica de entrevista semiestruturada, utilizando-se o sistema de gravação, com questões pertinentes ao objetivo proposto: O que você acha da comunicação como instrumento para assistir a criança com câncer em fase terminal? Como você utiliza a comunicação ao assistir a criança com câncer em fase terminal? Essa fase do estudo só foi realizada depois que os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os enfermeiros foram contatados no hospital, e as entrevistas realizadas em suas dependências, em local e hora apropriados para os profissionais.

Convém mencionar que, para manter o anonimato dos enfermeiros inseridos no estudo, os depoimentos oriundos das entrevistas foram identificados pela letra E, seguida de números de um a dez. Exemplo: o primeiro enfermeiro entrevistado foi codificado da seguinte maneira: E1; o segundo profissional, E2 e assim sucessivamente.

Os dados empíricos, oriundos das entrevistas, foram sistematizados qualitativamente, mediante a quarta fase da Enfermagem Fenomenológica e, em seguida, foram categorizados.

Da análise, emergiram as seguintes categorias: "estratégia para humanizar o cuidar em enfermagem, com ênfase no alívio do sofrimento da criança" e "estratégia para fortalecer o vínculo de confiança entre enfermeiro e criança".

O conteúdo expresso nas referidas categorias foi analisado qualitativamente, à luz da Teoria Humanística de Enfermagem e nas cinco fases da Enfermagem Fenomenológica( 55. Paterson JG, Zderad LT. Enfermería humanística. México: Editorial Limusa; 1979. ) (aplicadas na descrição do diálogo vivenciado, existencialmente, entre a pesquisadora e os enfermeiros participantes do estudo), elucidadas a seguir.

- Preparação da pesquisadora para se conhecer - A pesquisadora buscou refletir sobre sua maneira de ser e de agir, integrando o universo de suas vivências e de sua subjetividade, mediante leitura de obras literárias, conhecimento de filmes que versavam sobre a essência do ser humano e diversas formas de perceber o mundo e de se relacionar com ele.

- A pesquisadora conhece intuitivamente o outro - Inserida no campo de estudo, a pesquisadora dedicou-se ao processo de autoconhecimento, a partir da relação EU-TU com os enfermeiros da unidade de pediatria. Ao refletir sobre sua prática, procurou estar consciente da própria concepção e, ao mesmo tempo, aberta aos pontos de vista dos outros, escutando os enfermeiros falarem acerca de diversos assuntos do próprio cotidiano, direcionados à prática do cuidado em enfermagem, à sua pessoa e à família.

- A pesquisadora conhece, cientificamente, o outro - Nessa fase da Enfermagem Fenomenológica, foi empregada a técnica de entrevista, para a qual foi utilizado um roteiro semiestruturado, com questões que lhe propiciaram ir ao encontro do fenômeno estudado.

- A pesquisadora sintetiza, de forma complementar, as realidades conhecidas - Nessa etapa, procedeu-se à leitura minuciosa de cada depoimento, porém, sem intenção de compreender e interpretar o conteúdo ali expresso, mas de conhecer, oportunamente, a sua essência. Após essa fase de distanciamento da intenção de compreender, a pesquisadora realizou diversas e sucessivas leituras dos discursos transcritos, a partir de uma observação minuciosa e individual, e codificou cada depoimento, com a finalidade de interpretar, categorizar e acrescentar o conhecimento das experiências vivenciadas nas fases anteriores, comparando suas conformidades e distinções, e sintetizou-as, a fim de apreender com mais abrangência o fenômeno experienciado.

- Sucessão do múltiplo para a unidade paradoxal como processo interno da enfermeira - A pesquisadora expandiu o seu próprio ponto de vista, consciente das múltiplas realidades apresentadas, considerando suas relações, mediante reflexão e análise, para compreender bem mais o fenômeno investigado, tendo também como base a literatura específica para o estudo.

Resultados e discussão

Tendo como diretriz os propósitos deste estudo, procurou-se investigar e analisar, de forma atenta, a comunicação como estratégia utilizada pelos enfermeiros para humanizar o cuidar em enfermagem, pautadas nos cuidados paliativos e subsidiadas pela Teoria Humanística de Enfermagem por meio de suas ações relativas ao cuidado.

Estratégia para humanizar o cuidar em enfermagem, com ênfase no alívio do sofrimento da criança

No que diz respeito a essa categoria, os entrevistados resgataram a importância da relação humana, mostrando que a comunicação (verbal ou não verbal) com a criança que vivencia o processo de terminalidade é considerada o alicerce de um bom relacionamento interpessoal, em busca do seu estar-melhor, como mostram os discursos abaixo.

A comunicação é importante demais nos cuidados paliativos. [...]. Criança, às vezes, em fase inicial da doença, que não tenha comunicação da palavra, mas ela tem a comunicação do olhar, com o toque. Tem que compreender isso! É um chamado que ela nos apresenta. [...], comunicação não é só com palavras: é um gesto, é um olhar, é um acordar, é um bom dia que ela lhe dá. É um sorriso que ela transmite para você; é saber reconhecer esses sinais (E1).

Na comunicação com criança, a gente tem que estar atenta a todos os canais de comunicação (verbal e não verbal). Então, a gente tem que aprender a ler o sexto sentido da criança. [...]. Nesse sentido, se ela está na fase terminal, ela já vai percebendo que vai mudando, já vai permitindo mais coisas. [...]. Se você chega um pouco mais séria, ela já sabe que vai vir alguma coisa que vai causar sofrimento; tem que transmitir alegria (E2).

Se a criança está consciente, eu falo: fique tranquila, vai dar tudo certo, procure relaxar, respire normal, fique quietinho, procure dormir. [...]. Assim, o ato de se comunicar tem que ser direcionado para todos os sentidos (E3).

A gente procura ter uma visão geral: como é que ela está e procura, também, saber o que ela está sentindo, se comunicando (E4).

Você ter uma criança que está em fase terminal e leva seu apoio através da comunicação [...], até tranquiliza a criança [...]. É gratificante, é necessária a comunicação correta, seja ela verbal ou não verbal. E assim, você sai com a consciência tranquila, do seu trabalho benfeito; e você não tem medo do que vier para você, diante das coisas que você faz (E5).

Diante dos depoimentos supracitados, a comunicação entre os enfermeiros e a criança com câncer é percebida como uma presença autêntica, disponível para estar com o outro, compreendê-lo e ajudá-lo. Por conseguinte, é essencial que o enfermeiro estabeleça relacionamento franco e aberto com a criança para compreender a sua vivência e, assim, desenvolver a assistência em toda a sua plenitude, com base nos cuidados paliativos, pautados na demonstração de afetuosidade, na atenção e na sensibilidade de estar, verdadeiramente, com o outro, a partir da comunicação verbal e não verbal, para tranquilizá-lo.

Estudo realizado na Austrália( 77. Monterosso L, Kristjanson LJ. Supportive and palliative care needs of families of children who die from cancer: an Australian study. Palliat Med. 2008;22(1):59-69 ), no período de 2003 a 2005, com 24 pais de crianças já falecidas vítimas de câncer, demonstrou que os genitores correlacionaram os cuidados paliativos com o conforto da criança, a comunicação e o relacionamento franco entre profissionais, pais e criança. O enfermeiro destacou-se como profissional com mais aproximação, vinculação e atendimento das necessidades da díade criança/família.

Por sua vez, pesquisadores canadenses investigaram a opinião dos pais de crianças sob cuidados paliativos acerca das suas perspectivas de apoio profissional, para as tomadas de decisão, e identificaram depoimentos expressivos do apoio recebido, da relevância da comunicação sincera e do cuidado holístico( 88. Tomlinson D, Capra M, Gammon J, Volpe J, Barrera M, Hinds PS, et al. Parental decision making in pediatric cancer end-of-life care: using focus group methodology as a prephase to seek participant design input. Eur J Oncol Nurs. 2006;10(3):198-206. ). Em outro estudo realizado em 22 centros oncológicos do Reino Unido, do qual participaram 185 crianças e 126 famílias, os resultados apontaram a importância dos cuidados paliativos e do trabalho em equipe no processo de morte( 99. Vickers J, Thompson A, Collins GS, Childs N, Hain R. Place and provision of palliative care for children with progressive cancer: a study by the paediatric oncology nurses'forum/United Kingdom children's cancer study group palliative care working group. J Clin Oncol. 2007;25(28):4472-6. ).

A literatura esclarece que o ato de cuidar (verbal, não verbal ou ambos), o olhar silencioso ou a presença física, sugere certo grau de intersubjetividade que assegura o reconhecimento do cuidado por parte daquele que o recebe. Para que o enfermeiro seja mais consciente e possa explorar o cuidar de modo pleno, é imperativo que ele busque centrar-se nos modos de estar na situação dos participantes( 33. Chico CE, Nascimento EC, Castanheira L, Lima RAG. Children and adolescents with cancer: experiences with chemotherapy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(5):864-72. ).

A participação no cuidado de maneira verbal, não verbal ou de ambas as formas, depende da abertura estabelecida entre as pessoas envolvidas, de maneira que isso permita a sua proximidade no relacionamento existencial, e elas apresentem sua própria unicidade( 33. Chico CE, Nascimento EC, Castanheira L, Lima RAG. Children and adolescents with cancer: experiences with chemotherapy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(5):864-72. ). Assim, é essencial que o enfermeiro tenha habilidade e sensibilidade, diante de suas próprias ações, para desenvolver o cuidado de modo interativo, estabelecendo relação pautada no encontro verdadeiro com as crianças que vivenciam o processo de finitude, em que a intencionalidade do agir e o conhecimento do que se espera de cada profissional, no processo de cuidar, sejam manifestos( 1010. Oliveira ME, Fenili RM, Zampiere MF, Martins CR. Um ensaio sobre a comunicação no cuidado de enfermagem utilizando os sentidos. Enfermería Global [periódico na Internet]. 2006 [citado 2011 out 15]; 8: [7p]. Disponível em : <htt://www..um.es/eglobal/8/pdf/08e02p.df>.
<htt://www..um.es/eglobal/8/pdf/08e02p.d...
).

Estratégia para fortalecer o vínculo de confiança entre enfermeiro e criança

A comunicação é um processo de envolvimento que se estabelece, dentre outras formas, através do diálogo entre as pessoas. Trata-se de um processo ativo, de atenção e de escuta ativa. Esse aspecto é referenciado pelos enfermeiros e alude ao estabelecimento de vínculo com a criança, como expressam as falas abaixo.

Nessa questão da comunicação, eu procuro sempre, assim, passar muita confiança, principalmente na questão da dor. Procuro falar com ela, me dirigir a ela [...] você olha no olho daquela criança, ela está lhe olhando, ela vai sentir confiança em você. [...] é um toque, é um olhar; você tem que mostrar confiança (E6).

Na minha comunicação com a criança, eu procuro me tornar uma pessoa mais próxima possível, porque a gente sabe que tem o receio da criança, quando vê a gente de branco, ela não quer conversa. [...]. Então, quando você passa um pouquinho de confiança, brinca, sai um pouquinho da sua rotina, tem um tempinho [...]. A comunicação correta é aquela quando você consegue que a criança (que já está fragilizada com a doença) adquira confiança em você, no desenvolvimento da relação do cuidado. Então, você tem que saber o que vai falar (E7).

A comunicação verbal e não verbal é muito importante porque, diante de um paciente terminal, você nunca pode, visualmente, demonstrar o que está sentindo, porque ele sabe [...]. Não podemos, jamais, chegar com aquele olhar de sofrimento. Por mais que você veja o estado dela, às vezes, está num pré-coma [...], ela não fala, mas ela vê e ouve (E8).

A partir dos depoimentos acima, pode-se perceber que, nesse processo interativo do cuidar, a comunicação autêntica estimula a expressão dos pensamentos, dos sentimentos e das expectativas da criança, estabelece relação de confiança, haja vista que enfermeiro e criança se expõem e se comprometem mutuamente, num movimento de ir e vir constante, no desenvolvimento da assistência prestada.

Na comunicação, como veículo para o estabelecimento de uma relação de confiança, o enfermeiro, ao prestar sua assistência ao paciente (abrangendo a sua totalidade), atende a suas necessidades e se fortalece diante do enfrentamento de perdas, de doença, de incapacidades e de morte. Esse fortalecimento advém do resultado do cuidado, pela promoção do conforto, do alívio da dor e da preservação da autoestima do paciente e de seus pais( 1111. Buisan R, Delgado JC. El cuidado del paciente terminal. Anales Sis San Navarra. 2007;30(supl.3):103-12. ).

Essa premissa foi investigada na Holanda, por meio de inquérito do qual participaram 54 pais de crianças assistidas no Centro Médico de Nijmegen. Os pesquisadores concluíram que as crianças e seus pais apresentaram necessidades físicas e psicológicas afetadas durante a fase de cuidados paliativos e recomendaram aos profissionais que dispensassem mais atenção às necessidades afetadas na perspectiva do cuidado integral( 1212. Theunissen JMJ, Hoogerbrugge PM, Van Achterberg T, Prins JB, Vernooij-Dassen MJFJ, Van Den Ende CHM. Symptoms in the palliative phase of children with cancer. Pediatr Blood Cancer. 2007;49(2):160-5. ).

O discurso de E6 enfatiza a sua maneira de se comunicar com a criança e ilustra tal fato com a situação vivenciada por uma delas acerca da dor. É nítida a sua preocupação de sempre se dirigir primeiro à criança, quantas vezes forem necessárias, pois não é pelo fato de ser criança que ela não tem condições de expressar o que está sentindo. No discurso de E6, reconhece-se que a comunicação é o caminho para se realizar o vínculo com a criança, para que o cuidado adquira dimensões significativas, por meio de trocas e do compartilhamento de emoções e de sentimentos.

Consta, em revisão da literatura, que o sintoma mais evidenciado na oncologia pediátrica é a dor; essa, no entanto, recebe pouca atenção dos profissionais da saúde em relação às ações efetivas que auxiliem a criança que a sente( 1313. Merighi MAB, Jesus MC, Santin KR, Oliveira DM. Caring for newborns in the presence of their parents: the experience of nurses in the neonatal intensive care unit. Rev. Latino-Am. Enferm. 2011;19(6):1398-1404. ).

Diante da situação de fragilidade da criança que vivencia a terminalidade da vida, o discurso de E7 assevera o quanto é preciso utilizar a comunicação correta, saber o que se vai falar nesse momento tão singular da criança, para que ela adquira confiança no desenvolvimento da relação do cuidado.

A importância da comunicação, como estratégia para humanizar o cuidar, também apareceu na fala de E8, quando afirmou que não se deve demonstrar o que realmente se está sentindo diante da criança porque, por mais que ela esteja gravemente enferma, vai perceber os sentimentos e a conduta do profissional.

Destarte, a assistência que o enfermeiro dá à criança com câncer deve estar voltada para o cuidado com o bem-estar e com o estar-melhor, posto que ele atribui à vida dessas crianças a possibilidade de ser-mais. Logo, na enfermagem, o encontro permite atender o pedido de ajuda de quem recorre a ele( 55. Paterson JG, Zderad LT. Enfermería humanística. México: Editorial Limusa; 1979. ). Assim, estabelece-se uma relação pautada pela presença genuína do cuidado, o que conduz à comunicação efetiva e de confiança entre os enfermeiros e as crianças referenciadas, como nos cuidados paliativos.

Nessa linha de pensamento, ao estabelecer relação com o paciente, alicerçada na confiança, o enfermeiro favorece um vínculo de cuidado com ele que embasa o relacionamento interpessoal, tem a sensação de missão cumprida e sente-se realizado e satisfeito. Outrossim, como fica o mais próximo possível da criança, o enfermeiro pode reforçar a importância da comunicação como estratégia para humanizar o cuidado, respeitando o seu tempo e abrindo espaço para a interação, como ilustrado na fala de A7. Acrescente-se que o desenvolvimento do vínculo, associado às necessidades da criança, pode ser um meio de se facilitar a conquista de sua adesão ao tratamento( 88. Tomlinson D, Capra M, Gammon J, Volpe J, Barrera M, Hinds PS, et al. Parental decision making in pediatric cancer end-of-life care: using focus group methodology as a prephase to seek participant design input. Eur J Oncol Nurs. 2006;10(3):198-206. ).

Segundo a metodologia da Enfermagem Humanística, fundamentada na relação dialógica intersubjetiva, devem-se encontrar potenciais humanos que propiciem o bem-estar e o estar-com. Tal metodologia é entendida como um processo comunicacional entre o ser que cuida e o ser que é cuidado. Em seus depoimentos, os enfermeiros reconhecem o diálogo como essencial para criar vínculos e desenvolver o processo de cuidar pautado no desvelo, na atenção e na sensibilidade e em sentimentos como amor, alegria e solicitude, estabelecendo confiança( 44. Mullan BA, Kothe EJ. Evaluating a nursing communication skills training course: The relationships between self-rated ability, satisfaction, and actual performance. Nurse Education in Practice. 2010;10(6):374-8. ).

Nos depoimentos destacados, evidencia-se que o vínculo se desenvolve na proximidade do cuidado e adquire dimensões significativas, devido às trocas e ao compartilhamento de emoções e de sentimentos, com a presença de cuidado autêntico. Essa presença é caracterizada como o encontro mediado por uma relação intersubjetiva de chamados e respostas, que envolvem a condição humana dos seres que vivenciam a relação do cuidado em toda a sua experiência de vida por meio do diálogo. Portanto, ao admitir tais sentimentos, os enfermeiros consideram suas potencialidades para modificá-los, através do estabelecimento de uma relação intersubjetiva autêntica, em condições de ser-mais. Esse fato tem como consequência tornar os profissionais mais humanos( 44. Mullan BA, Kothe EJ. Evaluating a nursing communication skills training course: The relationships between self-rated ability, satisfaction, and actual performance. Nurse Education in Practice. 2010;10(6):374-8. ).

Observa-se, nas duas categorias analisadas, que essa forma de cuidar aponta para a necessidade de se promover para o paciente uma assistência humana e holística, desenvolvida através do afago, do olhar, da palavra e da escuta, para atender as suas necessidades, por considerá-lo um ser único, a partir da relação EU-TU, estabelecida nesta pesquisa entre enfermeiros e crianças, mediante o encontro, e que antecipa o chamado delas. Nessa relação, está presente o estar-com, representado pela abertura dos enfermeiros aos chamados das crianças, que se colocam à disposição para atendê-las, em suas especificidades, mediante as habilidades da atenção verbal (caracterizada como forma dialogal da enfermagem) e da não verbal, considerando o paciente como um ser único nas relações interpessoais do cuidado, a partir do estabelecimento de uma relação de confiança.

Considerações finais

O cuidar, em enfermagem, é um processo de relação mútua entre seres humanos. Nessa relação, a comunicação apresenta-se como eixo para o seu desenvolvimento, porquanto é concebida pelos próprios enfermeiros como um dos instrumentos mais relevantes nos cuidados paliativos.

Neste estudo, o referencial teórico utilizado propiciou o alcance do objetivo proposto, visto que, no envolvimento do cuidado com o próximo, a Teoria Humanística de Enfermagem propõe uma relação de confiança, que confere significado único ao ser humano, anunciante da condição de ser, da permanência e do grau de presença dele nos outros, em um processo de interação humana, que respeita a singularidade de cada um nas relações que envolvem o cuidado.

A evidência desse fato apareceu na discussão das categorias por meio das afirmativas de um cuidar que tem como base a demonstração de afetuosidade, de atenção e de sensibilidade em estar, verdadeiramente, com o outro, por meio da comunicação verbal e não verbal com as crianças acometidas de câncer e que vivenciam a terminalidade da vida. Nesse sentido, a comunicação foi apontada pelos enfermeiros pesquisados como um instrumento terapêutico entre eles e essas crianças, porquanto lhes ajuda a entender as informações sobre a doença e a ter mais controle psicológico na situação vivenciada.

Os resultados apontaram que a comunicação autêntica entre o enfermeiro e a criança pode ocorrer, bem como entre todos os envolvidos no processo de cuidados paliativos. E que, de forma direta ou indireta, configura-se como um elemento eficaz do cuidado com a criança que vivencia o processo de finitude e é fundamental para a promoção da assistência de Enfermagem Humanística.

O estudo apresenta algumas limitações, tais como número pequeno de participantes, o que impede a generalização dos resultados. Igualmente, a incipiência de dados empíricos semelhantes da enfermagem brasileira impossibilitou que os dados gerados fossem comparados com mais profundidade.

Assim, recomendam-se estudos futuros, para que novos elementos possam emergir, de forma a suscitar a ampliação do conhecimento sobre a comunicação como uma estratégia fundamental para respaldar a prática dos cuidados paliativos, direcionada à criança com câncer.

References

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2012
  • Aceito
    27 Mar 2013
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