Resumos
Objetivo: validar o instrumento de avaliação da qualidade e melhoria do desempenho dos programas de transplantes dos Estados Unidos à realidade brasileira.
Método: estudo metodológico desenvolvido para a validação semântica e adaptação cultural do instrumento Quality assessment and Performance Improvement nas seguintes etapas: 1) tradução; 2) síntese; 3) retrotradução; 4) revisão por comitê de especialistas; 5) pré-teste e 6) validação de conteúdo. Para avaliar as concordâncias entre os cinco juízes, utilizou-se o coeficiente Kappa e para validação de conteúdo, o índice de validação de conteúdo.
Resultado: o coeficiente Kappa mostrou a concordância dos juízes para as equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual. Valores de índice de validação de conteúdo para relevância e sequência de itens de, pelo menos, 0,80 para todos os blocos.
Conclusão: o instrumento de Avaliação da Qualidade e Melhoria do Desempenho dos Programas de Transplantes mostrou-se válido e confiável. Este instrumento irá contribuir para o desenvolvimento de programas de garantia de qualidade para equipes de transplante no Brasil.
Descritores: Transplante; Gestão em Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde; Necessidades e Demandas de Serviços de Saúde; Estudos de Validação; Pesquisa em Enfermagem
Objective: To validate the quality assessment and performance improvement instrument of US transplant programs to the Brazilian reality.
Method: Methodological study developed for semantic validation and cultural adaptation of the Quality assessment and Performance Improvement instrument in the following steps: 1) translation; 2) synthesis; 3) back translation; 4) review by expert committee; 5) pretest and 6) content validation. To evaluate the agreement between the five judges, the Kappa coefficient was used and for content validation, the content validation index.
Results: Kappa coefficient showed the agreement of the judges for semantic, idiomatic, cultural and conceptual equivalences. Content validation index values for relevance and item sequence of at least 0.80 for all blocks.
Conclusion: The instrument of Quality Evaluation and Performance Improvement of Transplantation Programs proved to be valid and reliable. This instrument will contribute to the development of quality assurance programs for transplant teams in Brazil.
Descriptors: Transplantation; Health Management; Quality of Health Care; Health Services Needs and Demand; Validation Studies; Nursing Research
Objetivo: validar el instrumento de evaluación de la calidad y mejora del desempeño de los programas de trasplantes de los Estados Unidos a la realidad brasileña.
Método: estudio metodológico desarrollado para validación semántica y adaptación cultural del instrumento Quality assessment and Performance Improvement en las siguientes etapas: 1) traducción; 2) síntesis; 3) retrotraducción; 4) revisión por comité de especialistas; 5) pretest y 6) validación de contenido. Para evaluar las concordancias entre los cinco jueces, se utilizó el coeficiente Kappa y para la validación de contenido, el índice de validación de contenido.
Resultado: el coeficiente Kappa mostró la concordancia de los jueces para las equivalencias semántica, idiomática, cultural y conceptual. Los valores de índice de validación de contenido para relevancia y secuencia de ítems, de por lo menos, 0,80 - para todos los bloques.
Conclusión: el instrumento de Evaluación de la Calidad y Mejora del Desempeño de los Programas de Trasplantes se mostró válido y confiable. Este instrumento podrá contribuir para el desarrollo de programas de garantía de calidad para los equipos de trasplante en Brasil.
Descriptores: Trasplante; Gestión en Salud; Calidad de la Atención de Salud; Necesidades y Demandas de Servicios de Salud; Estudios de Validación; Investigación en Enfermeira
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos anos, desenvolveu e estimulou o desenvolvimento de programas de qualidade nas instituições de saúde com o princípio de que cada pessoa tem o direito a receber o melhor atendimento possível, de forma igualitária(1-2). Assim, a OMS tem assumido posição de liderança na facilitação e na ampliação de diferentes abordagens da qualidade no âmbito do sistema de saúde. Adicionalmente, na maioria dos países, a qualidade é considerada um componente estratégico, independentemente do nível de desenvolvimento econômico ou do tipo de sistema de saúde(1-2). Logo, é preciso superar a concepção que considera o discurso da qualidade como prerrogativa dos países ricos e com um sistema de saúde avançado. Dessa forma, a qualidade na atenção à saúde compõe hoje agenda nacional e internacional e está presente nos debates sobre a reforma dos sistemas de saúde.
Apesar de tal fato, o Brasil não possui um programa ou política de qualidade para o processo de doação e transplante de órgãos e tecidos que possa determinar as causas das perdas por subnotificação, manutenção e recusa familiar, como resultado do processo assistencial, e ainda indicadores de resultado do pré e pós-transplante, para além da sobrevivência do paciente(3). Mesmo assim, em 2017, o Brasil realizou 5.929 transplantes renais e 2.109 transplantes hepáticos(4), enquanto os Estados Unidos realizaram 19.849 transplantes renais e 8.082 transplantes hepáticos no mesmo período, segundo o United Network for Organ Sharing (UNOS).
Um estudo publicado em 2015 sobre a validação de instrumentos do Modelo de Gestão de Qualidade da Organização Nacional de Transplantes (ONT)(5) catalisou a implementação do modelo de qualidade no Estado de São Paulo como política de gestão. Tal modelo visa a evitar a perda de doadores nos hospitais do Estado por meio do preenchimento de relatório eletrônico. Assim, há rastreamento das equipes de doação de órgãos com possibilidade de melhoria. Em 2017, o Estado de Santa Catarina alcançou o maior índice de doação efetiva do país, com 40,8 partes por milhão de população (pmp), seguido pelo Estado do Paraná, com 38,0 pmp(4). Apesar dos avanços nacionais na doação e transplantes de órgãos, investimentos em pesquisa e auditoria do sistema de transplantes fazem-se necessários para a melhoria da qualidade nos processos envolvidos na doação e transplante de órgãos, aumento da qualidade de vida do paciente, redução de custos e aumento da segurança do paciente(6-7).
O transplante de órgãos e tecidos, financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que não possui restrição de teto orçamentário, também não é submetido à avaliação regular e, quando avaliado, são utilizados indicadores de qualidade baseados apenas na sobrevida do paciente e enxerto, deixando-se de lado avaliações importantes, como o custo-benefício. O Decreto no 9.175 da Casa Civil, de outubro de 2017, por exemplo, regulamenta, em seu artigo 8º, que as Centrais Estaduais de Transplante (CET) devem “definir, em conjunto com o órgão central do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), parâmetros e indicadores de qualidade para avaliação dos serviços transplantadores, laboratórios de histocompatibilidade, bancos de tecidos e organismos integrantes da rede de procura e doação de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano”.
Portanto, para a melhoria das políticas de transplante brasileiras, o Ministério da Saúde e os profissionais envolvidos nos processos de doação e transplantes devem repensar os indicadores de qualidade utilizados pelas equipes de transplante visando a indicadores que demonstrem a condição dos pacientes e o uso de processos assistenciais seguros, permitindo avaliações integrais futuras de custo-benefício, responsabilidade ética no processo e como forma de transparência do investimento público e social que este representa. Colaborações internacionais são benéficas para tal objetivo, pois contam com modelos de cuidado e avaliação que já foram utilizados em determinada população. A adaptação de tais modelos é uma prática comum que visa a utilizar a evidência científica gerada para a realidade brasileira, evitando a duplicação de estudos desnecessários e reduzindo os custos de pesquisa. Um modelo que poderia ser útil para a realidade brasileira é o instrumento de avaliação da qualidade e melhoria do desempenho dos programas de transplantes usado nos Estados Unidos da América (o modelo americano de avaliação e melhoria de qualidade(8)). Adaptá-lo à realidade brasileira contribuiria com a melhoria de desempenho do sistema brasileiro de transplantes. O instrumento Quality Assessment and Performance Improvement - QAPI é utilizado para determinar a conformidade dos programas de transplante com a legislação vigente e os regulamentos técnicos da área de transplante. Tal instrumento foi desenvolvido para verificar se as equipes de transplante compreendem a legislação e os regulamentos técnicos para alinhar as expectativas em relação aos órgãos nacionais às equipes de transplante e para fornecer ferramentas de avaliação da qualidade aos pesquisadores(8).
A seleção de dados para a análise de resultados e o processo de cada equipe para a avaliação da qualidade e melhoria do desempenho são visíveis no instrumento QAPI. Cada equipe pode utilizar o método mais eficaz e mais adaptado para si, pois não há obrigatoriedade do uso de ferramentas específicas para cada item analisado, uma vez que o foco é o resultado(8). Assim, este estudo tem por objetivo validar o instrumento de avaliação da qualidade e melhoria do desempenho dos programas de transplantes dos Estados Unidos à realidade brasileira.
Método
Trata-se de um estudo metodológico para a validade semântica e a adaptação cultural de um instrumento de medida por meio do processo de tradução, adaptação e validação de conteúdo do questionário. O instrumento utilizado para tradução foi o Quality Assessment and Performance Improvement (QAPI)(8). Tal instrumento possui 64 questões abertas acerca dos indicadores utilizados pelas equipes transplantadoras divididas nas seguintes partes: Identificação da equipe; 1 - Políticas e procedimentos dos programas; 2 - Avaliação e monitoramento do programa; 3 - Revisão de indicadores; 4 - Ações/Atividades de melhoria de desempenho e resolução de não conformidades, reclamações e efeitos colaterais; 5 - Políticas/Procedimentos e análise de eventos adversos do programa de transplante e final e 6 - Tomada de decisão da Avaliação da Qualidade e Melhoria do Desempenho.
O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sob o parecer 1571621 CEP 0570/2016. Em consulta ao Center for Clinical Sttandards and Quality Survey & Certification Group, a autorização formal para o uso do instrumento foi dispensada por se tratar de instrumento de domínio público.
Para a validação desse instrumento, foi utilizada a proposta de Beaton et al., que prevê as seguintes etapas metodológicas(9): tradução; síntese; retrotradução; revisão por comitê de especialistas; pré-teste e validação de conteúdo.
A tradução foi realizada a partir do instrumento original por dois profissionais com domínio do idioma português brasileiro, sendo um profissional em tradução e um profissional de saúde(9). A partir das duas versões, foi gerada a síntese pelo pesquisador e juízes.
Após a síntese, foi realizada a versão do instrumento da língua portuguesa para a língua de origem por dois tradutores, sendo um profissional de saúde americano e um nativo da língua inglesa e, assim, a nova versão em inglês foi equiparada à versão original (retrotradução)(9). Após o instrumento ter passado pela tradução, síntese e retrotradução, foi enviado por correio eletrônico e avaliado por um comitê de especialistas composto por cinco enfermeiros, referências nacionais na área de transplante e na área de avaliação de qualidade em saúde, para a realização da validação de conteúdo. Para serem considerados referências nacionais na área de transplante, foram selecionados profissionais com mais de dois anos de experiência na gestão do transplante de órgãos, com experiência na área acadêmica e em validação de instrumentos de pesquisa e domínio do idioma inglês americano.
Uma primeira avaliação foi realizada pelos especialistas acerca do conteúdo do questionário de modo descritivo e a partir das considerações dos mesmos. Em um segundo momento, foi realizada a validação de conteúdo por meio uma escala Likert,(10) com gradação de “um” a “cinco”, entre discordo totalmente a concordo totalmente, respectivamente. Avaliaram-se os itens: relevância quanto ao objetivo proposto; clareza na redação dos itens; precisão, ou seja, exatidão de cada questão; objetividade quanto à assertividade de cada item. A sequência de itens em que cada questão aparece no questionário também foi avaliada, além dos critérios de equivalência semântica, isto é, o significado das palavras e a equivalência idiomática no uso de expressões idiomáticas/coloquiais, equivalência cultural quanto a expressões utilizadas de forma coloquial próprias da cultura do lugar e, finalmente, a equivalência conceitual, ou seja, quanto ao conceito exigido no questionário(11-12).
Para se realizar a validação de conteúdo, empregou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), que avalia a proporção de concordância de juízes(12) sobre cada item e sobre cada parte do instrumento. O IVC de cada parte do instrumento (constituído, no mínimo, de dois itens e máximo de 26 itens) foi obtido via média dos valores de IVC de cada item. Analogamente, o IVC total corresponde à média dos IVCs de cada parte das equivalências representadas no instrumento. Para esta pesquisa, considerou-se como sendo relevantes as respostas acima de “quatro”, com variabilidade de “um” a “cinco” e itens acima de 0,8(12).
Após as avaliações do instrumento feitas pelos cinco juízes, foi gerada a versão final para o teste-piloto, adotando cada consideração feita, e realizada a análise estatística dos dados por meio do cálculo do coeficiente Kappa(13) para múltiplos juízes.
O questionário foi submetido a um teste-piloto(11) com dez profissionais de saúde especialistas e referências na área de transplante de diferentes Estados do Brasil (Brasília, Curitiba, Belém, Campo Grande, Botucatu, Sorocaba e São Paulo). Esse número de participantes é devido à complexidade da área e à dificuldade logística, considerando que o teste-piloto foi aplicado a pessoas com experiência comprovada na área e atuação decisiva na doação e transplantes no país. A escolha dos profissionais baseou-se, além da experiência de trabalho em transplante nas diferentes regiões brasileiras, no número de transplantes realizados pelas instituições nas quais os profissionais trabalhavam.
Os dez profissionais selecionados responderam ao instrumento QAPI e, ao final do teste-piloto, tendo como base todas as considerações feitas pelos especialistas, obteve-se a versão final do Instrumento de Avaliação da Qualidade e Melhoria do Desempenho dos Programas de Transplante para o Brasil.
Resultados
Na fase de tradução e síntese do questionário, não foram feitas grandes mudanças, pois se respeitou o layout original do questionário. Na fase de síntese, privilegiou-se a opção que se encaixava culturalmente aos padrões brasileiros das equipes de transplante, que apresentava uma linguagem mais clara e adaptada às equipes de transplante brasileiras.
O perfil dos juízes selecionados para esta pesquisa teve a média de idade de 35 anos, com tempo aproximado de experiência no processo de transplantes de cinco anos, sendo que 20% dos juízes trabalhavam diretamente no processo de transplantes e 40% atuavam também no ensino e pesquisa. Desses profissionais, 60% possuíam mestrado ou doutorado e 40% já haviam participado de trabalhos de validação de questionários/instrumento/escalas.
Durante a avaliação dos juízes, o uso da palavra “apenas” na identificação dos tipos de transplante realizados pelas equipes transplantadoras gerou dúvida e, por unanimidade, optou-se por retirar essa palavra, sem prejuízo de sentido na questão. A comissão de juízes também retirou “coração/pulmão” por ser a única opção de transplante duplo no questionário, e tais opções já apareciam individualmente em outros itens. Houve a substituição da palavra “advogado” por “apoiador”, termo já utilizado no Brasil pelas equipes transplantadoras.
A adaptação do instrumento QAPI apresentou 0,97 de equivalência semântica e idiomática e 0,99 de equivalência cultural e conceitual correspondentes à Identificação; Políticas e procedimentos dos programas; Avaliação e monitoramento do programa; Revisão de indicadores; Ações/Atividades de melhoria de desempenho e resolução de não conformidades, reclamações e efeitos colaterais; Políticas/ Procedimentos e análise de eventos adversos do programa de transplante e final.
Nenhum item relacionado à equivalência ficou abaixo de 80%, entretanto, foram respeitadas as considerações feitas pelos juízes na adequação do questionário. Embora o IVC atingisse acima de 80% para as equivalências, as considerações dos juízes foram sobre o layout dos quadros e espaços para responder aos apontamentos.
Para os blocos nos quais foi possível realizar o cálculo do Coeficiente de Kappa, as concordâncias mostraram que não houve variação na nota dos juízes, conforme a tabela 1. Entretanto, as concordâncias observadas entre os juízes sobre as adequações da equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual dos blocos de Identificação, Políticas e procedimentos dos programas, Avaliação e monitoramento do programa e final, bem como as adequações cultural e conceitual das partes Políticas e procedimentos dos programas, Avaliação e monitoramento do programa e Revisão de indicadores foram de 100,0%.
Coeficiente Kappa para múltiplos juízes segundo a equivalência. São Paulo, SP, Brasil, 2017.
Para os itens considerados equivalentes, segundo o IVC, com equivalência significativa igual ou acima de 0,8 de aprovação, não foi necessária nenhuma mudança, porém, para os itens abaixo de 0,8 de aprovação, foi necessária mudança, segundo as considerações feitas pelos juízes. Assim, os quadros dos indicadores de processo de transplante, resultados de transplantes, processo de doador vivo e resultado de doador vivo, ações e atividades do programa de transplante e resolução de não conformidade foram modificados, adicionando-se mais espaço para responder e os termos nome do coordenador médico e enfermeiro do Programa de Transplantes da Instituição, apoiador do doador vivo e notificação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Os valores de IVC para relevância, precisão, clareza, objetividade e sequência de itens foram de 0,97, 0,85, 0,82, 0,86, 0,93, respectivamente, para todos os blocos. O IVC total foi de 0,89 para todos os itens, demonstrando um índice de validade de itens do questionário de, pelo menos, 0,80 em cada bloco.
Uma concordância moderada (k=0,422; p<0,001) para a objetividade da parte um é observada na tabela 2, bem como a objetividade nas partes dois e cinco e boa sequência de tópicos para a identificação, parte dois e parte cinco.
Coeficiente Kappa para múltiplos juízes segundo a relevância, precisão, clareza, objetividade e sequência de itens por bloco. São Paulo, SP, Brasil, 2017.
Quanto às considerações dos dez profissionais que preencheram o instrumento Quality assessment and Performance Improvement (QAPI), foi mencionado o tamanho do questionário, pois 30% o classificaram como muito extenso para ser preenchido mensalmente e, como justificativa, atribuíram o grande número de atribuições que o enfermeiro coordenador de cada equipe precisa desenvolver.
Ainda se observou que 20% dos profissionais classificaram o instrumento como difícil de ser respondido no teste-piloto, porém, o objetivo do instrumento é fornecer indicadores para os programas de transplante realizarem a gestão da qualidade para a melhoria dos processos de transplante. Percebeu-se, também, nessa fase, a dificuldade das equipes em agrupar os dados de que dispunham. Algumas equipes estavam em fase de implantação de indicadores e outras não os tinham. Os profissionais do município de São Paulo e interior apresentaram maior facilidade em responder ao instrumento sem dúvidas. Entretanto, 20% dos profissionais não responderam às questões relacionadas a eventos adversos, pois o programa não dispunha dos dados.
Discussão
A gestão da qualidade é discutida na área da saúde atualmente como peça chave para resultados no transplante e começa a integrar as pesquisas e a agregar valor para o cuidado dos pacientes. Espera-se promover cuidado de qualidade na rotina dos centros transplantadores com práticas definidas pelo modelo de gestão da qualidade(14-15). Exemplos americanos são tidos como eficazes e favorecem a gestão para as equipes de transplantes(16).
Este estudo contou com profissionais qualificados para colaborar com a validação do instrumento QAPI, sendo que 80% dos profissionais opinaram que o instrumento é de grande relevância para o transplante no Brasil. Assim como outros estudos de validação de instrumentos internacionais(17-18), este estudo teve que adaptar a linguagem do instrumento para a realidade brasileira em doação e transplantes. Nos Estados Unidos da América, é comum que os pacientes tenham “advogados” que dão suporte ao paciente doador vivo em sua trajetória de doação(19). No Brasil, apesar de não existir essa nomenclatura, os doadores vivos contam com apoiadores das redes de saúde, tais como assistentes sociais e psicólogos, durante sua tomada de decisão para a doação. Então, os juízes sugeriram a alteração do termo de “advogado” para “apoiador”. Apesar de tais modificações terem sido necessárias, o questionário, de um modo geral, apresentou alta concordância, quando comparado a outros estudos similares(18,20) nas adequações de equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual dos blocos de identificação, Políticas e procedimentos dos programas, Avaliação e monitoramento do programa e final, bem como as adequações cultural e conceitual.
Observou-se, no pré-teste do estudo, uma discrepância entre o Estado de São Paulo e os demais Estados sobre a criação de indicadores e notificação de eventos adversos, o que caracteriza um ponto crítico para a educação e qualificação das equipes de transplante. Estudos neste sentido tendem a nortear o profissional enfermeiro a notificar e a organizar ações de prevenção a eventos adversos(21-22).
Os indicadores têm a finalidade de medir aspectos qualitativos e/ou quantitativos relacionados ao meio ambiente, à estrutura, aos processos e aos resultados. O indicador, por si só, não representa medida direta de qualidade, mas indica atenção para assuntos específicos de resultados dentro de uma organização de saúde(23). A gestão do processo de doação e transplante de órgãos no país é definida pelas Portarias nº 1.262, que aprovou o regulamento técnico para estabelecer as atribuições, deveres e indicadores de eficiência e do potencial de doação de órgãos e tecidos relativos às Comissões Intra-hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), e a Portaria nº 2.600, de 2009, que aprovou o regulamento técnico do SNT. Entretanto, a não exigência da apresentação de resultados, por meio de indicadores, pelas equipes transplantadoras no Brasil, pelos gestores públicos, para emitir e manter seus cadastros, pode explicar a baixa adesão a programas de qualidade nesta área da saúde.
A recente publicação do Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017, poderá mudar a história da doação e transplante no país, pela exigência de um processo de gestão da qualidade, que precisará ser incorporado pelos centros transplantadores, no qual instrumentos de avaliação de qualidade serão necessários para compilar informações dos processos assistenciais com a obrigatoriedade de transparência à sociedade que os financia.
Este estudo deixa como contribuição, ao avanço do conhecimento científico, um instrumento validado que visa a facilitar, aos profissionais de saúde, a gestão dos dados de suas equipes transplantadoras, de modo uniforme e eficaz, beneficiando pacientes e profissionais de saúde. Ainda possibilitará dar visibilidade à sociedade com a divulgação de resultados de um processo assistencial garantido pelo SUS.
Como limitação do estudo, o instrumento apresenta questões abertas sem escore, o que dificultou a análise estatística. Outra dificuldade encontrada, em função da organização das equipes transplantadoras, foi a de que nem todas as regiões do país participaram do estudo na fase do estudo piloto por não usarem de indicadores de avaliação de qualidade no período do estudo.
Conclusão
Este estudo concluiu a validação para a língua portuguesa do instrumento Quality assessment and Performance Improvement (QAPI) com sucesso. O instrumento mostrou-se eficaz ao propósito de compilar os dados dos programas de transplante à realidade brasileira. Futuros esforços para a aplicação de tal instrumento na realidade brasileira terão o potencial efeito regulatório do transplante na qualidade dos cuidados, incluindo o trabalho nas áreas de ajuste de risco, relatórios de resultados, acesso a cuidados e economia de saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Fev 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
19 Set 2018 -
Aceito
01 Nov 2019