Resumos
A saúde global importa para os enfermeiros do mundo todo. Neste artigo, descrevemos o motivo. Destacamos algumas questões de saúde importantes que o mundo está enfrentando atualmente; exploramos como essas questões estão sendo abordadas; e consideramos as implicações para a Enfermagem. Descrevemos como os enfermeiros estão fazendo a diferença nos contextos desafiadores, destacamos a extensão e a complexidade dos trabalhos dos enfermeiros ao redor do mundo, e concluímos com um apelo à ação. Os enfermeiros podem influenciar, e se tornarem, elaboradores de política e políticos, e explicar para eles o motivo pelo qual os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável não podem ser alcançados sem fortalecer a Enfermagem. Neste Ano Internacional da Enfermagem e da Obstetrícia, a janela de oportunidade está aberta, mas não ficará aberta por muito tempo. Os enfermeiros e as parteiras devem estar prontos para atravessar essa janela, tanto em nível global quanto local. Pedimos que vocês deem as mãos e juntem-se a nós.
Descritores: Enfermagem; Liderança; Saúde Global; Saúde Pública; Política de Saúde; Desenvolvimento Sustentável
Global health matters to every nurse everywhere. In this article we outline why. We highlight some important health issues confronting the world today; explore how these issues are being tackled; and consider the implications for nursing. We describe how nurses are making a difference in the challenging contexts, range and complexity of nursing work round the globe, and we conclude with a call to action. Nurses can influence, and become, policy-makers and politicians, and explain to them why the Sustainable Development Goals cannot be reached without strengthening nursing. In this International Year of the Nurse and Midwife, the window of opportunity is open, but it will not stay open for long. Nurses and midwives globally and locally must be ready to jump through it. We ask you to join hands, and join us.
Descriptors: Nursing; Leadership; Global Health; Public Health; Health Policy; Sustainable Development
La salud global es importante para cualquier enfermera en cualquier lugar del mundo. En este artículo detallamos por qué. Destacamos algunos problemas de salud importantes que enfrenta el mundo actualmente, estudiamos de qué manera se están abordando estos problemas y consideramos las repercusiones para la Enfermería. Describimos de qué manera las enfermeras están marcando la diferencia en los contextos problemáticos, la amplitud y complejidad del trabajo de Enfermería en todo el planeta y concluimos con una convocatoria para la acción. Las enfermeras pueden influenciar a los encargados de elaborar normas y a los políticos (además de pasar a desempeñar esos roles) y explicarles por qué las Metas de desarrollo sustentable no pueden alcanzarse sin fortalecer la Enfermería. En este Año Internacional de las Enfermeras y Parteras la ventana de las oportunidades está abierta, pero no será así por mucho tiempo. Tanto a nivel global como local, las enfermeras deben estar preparadas para aprovecharla. Les pedimos que se tomen de las manos y que se sumen a nosotros.
Descriptores: Enfermería; Liderazgo; Salud Global; Salud Pública; Política de Salud; Desarrollo Sostenible
Introdução
Como profissionais da saúde comprometidos com nossa comunidade local e com nosso país, é tentador olhar apenas para nosso próprio entorno, onde sempre há tantas coisas que nos preocupam profundamente. Entretanto, esse enfoque puramente local não apenas se assemelha ao de uma ostra, mas é também perigoso: a saúde global é inseparável das questões de saúde locais e nacionais. As doenças infecciosas, por exemplo, não reconhecem fronteiras, e uma mistura de germes e genes resulta em doenças transmissíveis com potencial para rápida disseminação global. Compare a velocidade com que as infecções por coronavírus e a COVID-19 se disseminaram pelo mundo em relação aos quatro anos que a praga medieval levou para cruzar a Europa.
O conceito de “saúde global” não existia realmente até 20 anos atrás. Agora ele abarca um conceito complexo que envolve todos os países e inclusive a saúde do próprio planeta(1). Um número crescente de governos e organizações está adotando esse conceito como um tema central em suas políticas. Ao pensar sobre Enfermagem hoje e amanhã, todos nós devemos olhar além do nosso território e entender como aquilo que acontece em lugares distantes afeta a saúde e os cuidados de saúde em nossas comunidades, nossos entes queridos e nós mesmos - assim como o que acontece em nosso território afeta pessoas que nunca conheceremos. A COVID-19 com certeza aumentou a conscientização sobre isso. “Pense globalmente, aja localmente!”, como diz o slogan ambiental.
Pensar globalmente não é apenas um exercício acadêmico, mas um ponto de vista que enriquece perspectivas, aumenta o conhecimento e torna os enfermeiros mais motivados e eficazes como líderes, profissionais, gestores, professores, pesquisadores, elaboradores de políticas e ativistas. Além disso, nos ajuda a entender como nosso trabalho contribui para desfechos não apenas em setores da saúde, mas também na política, educação, relações econômicas e ativismo ambiental.
Os enfermeiros têm a obrigação profissional de entender o mundo em seu contexto mais amplo e basear as suas decisões em um entendimento ampliado de nós mesmos, nossos pacientes e nossas circunstâncias. “Isso começa com o entendimento das diretrizes e das políticas da globalização, a crescente interdependência do mundo das pessoas, [o que] significa que a política e a ação nacionais são moldadas cada vez mais por forças internacionais juntamente com outros aspectos de nossas vidas”(2). Dependemos cada vez mais dos mesmos grupos de trabalhadores e das mesmas tecnologias e enfrentamos as mesmas ameaças ambientais e epidemiológicas. Além disso, as políticas que mais afetam a saúde nem sempre são as políticas de saúde(3). Outras políticas têm impacto enorme sobre os determinantes e as soluções de saúde; portanto, a colaboração transversal na saúde global é crucial.
A riqueza de uma nação é seu povo - e sua saúde
Estamos vivenciando momentos desafiadores para a saúde do planeta, das nações e das comunidades. Os desafios apresentam grandes implicações para a Enfermagem como uma profissão global de aproximadamente 23 milhões de pessoas, de deter a pandemia a reduzir a mortalidade de mães e crianças, combater e mitigar os efeitos da mudança climática, e cuidar dos idosos. Desigualdades entre grupos de pessoas, e dentro e entre países e regiões, são fundamentais para entender esses desafios.
Existe um grande número de evidências da interação entre saúde e riqueza em todos os níveis, seja individual, familiar, relativo à comunidade ou ao país. Os enfermeiros sabem que o modo de vida dos seus pacientes e as condições nas quais eles vivem e trabalham influenciam fortemente a sua saúde e longevidade. Isso nos desafia a complementar os modelos biomédicos de cuidados com a saúde com modelos sociais e a enfocar muito mais na prevenção e na saúde pública.
Desde a década de 1990, há um entendimento cada vez maior a respeito da interação entre saúde e pobreza e da necessidade de cooperação e colaboração em escala global para combater as consequências da pobreza para a saúde e para as economias. Isso estimulou muitas organizações a desempenhar um papel maior na saúde global. Erradicar a pobreza em todas as suas formas e dimensões é o maior desafio global, dizem as Nações Unidas: “etapas ousadas e transformadoras [...] são urgentemente necessárias para transformar o mundo em direção a um caminho sustentável e resiliente”(4).
O quadro de ação para essas “etapas ousadas e transformadoras” para todos os países, independente do seu grau desenvolvimento ou de recursos, são os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2016-2030. Eles estão intrinsecamente interligados. A saúde é inerente a todos os objetivos além de ser influenciada pelos mencionados objetivos, e há um objetivo de saúde explícito. Eles fornecem um quadro global abrangente para a política e a prática de saúde e orientam o trabalho da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de outras organizações globais.
De fato, existem milhares de organizações de todos os tipos, tamanhos e ambições ativas na saúde global, tornando-as um terreno altamente complexo, muitas vezes competitivo, e politicamente controverso. Onde está a Enfermagem nesse cenário? A Enfermagem tem uma presença global muito mais duradoura do que a ONU ou a OMS: o Conselho Internacional de Enfermagem (CIE) foi fundado em 1899, ou seja, aproximadamente 50 anos antes da OMS, e financiou o primeiro posto de Enfermagem da OMS. O CIE tem três funções primárias: representar os enfermeiros em todo o mundo, avançar a profissão e influenciar a política de saúde. Ele continua sendo a principal voz global dos enfermeiros, embora suas ambições sejam dificultadas pela falta de fundos, e as dificuldades de modernizar e lidar com um grupo tão diverso de associações de membros. Recentemente, o CIE adotou uma abordagem mais explicitamente colaborativa, interprofissional e intersetorial, buscando uma maior influência sobre a saúde e os cuidados de saúde para complementar seu enfoque tradicional no avanço da profissão. Isso significa uma engajamento mais amplo com outras organizações, saindo da “casa dos enfermeiros” na qual os enfermeiros viveram por mais de um século(5).
Muitas outras organizações e redes de enfermagem estão ativas na área da saúde global, incluindo a rede global de Centros Colaboradores da OMS para Enfermagem e Obstetrícia, e aquelas ativas que dizem respeito a questões específicas e especialidades de enfermagem passando de atenção primária a enfermagem oncológica até mudança climática. Organizações não governamentais, serviços de saúde e universidades ao redor do mundo também apresentam uma rica diversidade de relações e projetos internacionais bilaterais e multilaterais que contribuem para a agenda da saúde global. Milhares de enfermeiros se reúnem regularmente em congressos internacionais em todo o mundo, compartilhando ideias e pesquisas.
Entretanto, a Enfermagem é seriamente sub-representada nas principais organizações de saúde globais, enquanto as organizações lideradas por enfermeiros são comparativamente fracas e com pouca influência, e não desempenham papel importante. Essa fraqueza, que levou a um grande e geralmente não reconhecido impacto negativo na saúde global, faz parte das desigualdades estruturais globais relacionadas a gênero, riqueza, raça, status e outras questões. A falta de uma voz forte global de enfermeiros é uma manifestação disso, juntamente com a falta de vozes fortes de países de baixa renda, povos indígenas e outros grupos menos favorecidos. Lamentavelmente, a pandemia do coronavírus demonstrou mais uma vez o silêncio a respeito dos enfermeiros: a cobertura na mídia da opinião de especialistas e dos óbitos entre os profissionais da saúde centrou-se quase totalmente nos médicos, e não nos enfermeiros que prestam atendimento 24 horas ao dia e falecem em quantidades muito maiores.
Políticas de saúde global
Muitos enfermeiros fazem suposições ingênuas sobre a saúde e os cuidados em saúde e não observam essas questões sob um ponto de vista sociopolítico(6). Entretanto, precisamos entender um pouco de história e de política se desejarmos ser líderes de mudança, em vez de seus servos.
A filosofia política e social “neoliberal”, baseada no mercado, que varreu o mundo na década de 1980 e que continua a dominá-lo, tem um profundo efeito sobre a saúde global e a política de saúde global. A poderosa influência dos interesses comerciais ocultos não pode ser subestimada, incluindo os grupos de enormes corporações conhecidos como Big Tobacco, Big Sugar e Big Pharma. A ação sobre a mudança climática é outro campo de batalha político: a silenciosa e pouco coordenada resposta dos governos à mudança climática e a ciência que a explica são mais um exemplo da natureza extremamente política da política de saúde global, fortemente influenciada pelas políticas nacionais.
As discussões políticas entre linhas partidárias em países têm consequências mais profundas e sérias para a saúde. Mudanças nacionais na filosofia política podem transformar rapidamente as condições de financiamento para a saúde global. A politica da saúde está repleta de interesses ocultos e prioridades contestadas, e a nível global essa complexidade se amplia exponencialmente. A grande questão é qual é o impacto de toda essa atividade - em que medida ela fomenta capacidades e é verdadeiramente sustentável e auxilia no desenvolvimento. A taxa de sucesso dos projetos internacionais é surpreendentemente baixa, e alguns causam mais prejuízo que benefício, o que levou a crescentes críticas ao establishment de saúde global e ao surgimento de movimentos sociais de base como o Movimento pela Saúde dos Povos (MSP). Essa rede global está comprometida em abordar os determinantes sociais, ambientais e econômicos da saúde e reúne ativistas de saúde, organizações da sociedade civil e instituições acadêmicas, especialmente de países de baixa e média renda. “O mundo está enfrentando uma crise global de saúde caracterizada pelo aumento da desigualdade dentro e entre as nações e por milhões de mortes evitáveis, especialmente entre os pobres”, diz o MSP; em grande devido às estruturas econômicas injustas que prendem as pessoas à pobreza e à saúde precária(7).
Política e enfermagem
A política determina não apenas a saúde das populações, mas também a própria Enfermagem: seu passado, presente e futuro. Ela molda profundamente a prática e os locais de trabalho dos enfermeiros nos níveis local, regional, nacional e internacional. Os enfermeiros que desejam influenciar e liderar a política em vez de serem espectadores devem entender não apenas o conteúdo relacionado a uma questão sanitária, mas também o processo da política, o contexto, assim como as partes envolvidas e seus interesses(8).
Representando globalmente, por uma ampla margem, a maioria da força de trabalho em saúde, os enfermeiros somos muitas vezes os únicos cuidadores disponíveis. Somos cruciais para assegurar que todas as pessoas e comunidades recebam os serviços de saúde que elas precisam sem dificuldade financeira. Os enfermeiros ocupam uma posição especial como uma interface entre o sistema de saúde e a comunidade; nós observamos, ouvimos e sabemos, como usuários finais das políticas de saúde, como a política afeta as pessoas e suas comunidades. Você deve pensar que o conhecimento seria recebido de braços abertos pelos elaboradores de políticas, mas tem sido muito difícil para os enfermeiros de todos os níveis produzir impacto na política, por vários motivos(3). Ao mesmo tempo em que os enfermeiros são reconhecidos como implementadores fundamentais de políticas - os pares de mãos, raramente cruciais para o desenvolvimento de políticas de saúde e sociais - na mesa principal(6).
Os enfermeiros envolvidos no trabalho de saúde global de alto nível aplicam suas lentes de enfermeiros para questões que podem passar despercebidas para outros. Eles trazem informações do campo para as reuniões de alto nível, explicam as complexidades da implementação dos programas e interpretam a ciência ou as recomendações dessas reuniões de volta para o campo de forma que possam ser traduzidas em ações. A enfermeira australiana Amanda McClelland, por exemplo, era a funcionária mais experiente na unidade de emergência da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. “Eu adicionei um aspecto de mobilização social e comunidade às discussões de estratégia global”, disse a enfermeira(9). “Como vou explicar isso para os voluntários e como eles vão explicar para a comunidade? Isso é ótimo, mas a comunidade nunca aceitaria. Isso é ótimo, mas não conseguiremos implementar o programa dessa forma. Precisaremos considerar fatores climáticos/culturais/religiosos ao lançar isso.”
Os enfermeiros do mundo todo se tornaram cada vez mais informados, qualificados e bem instruídos, como é o caso da enfermeira Amanda, mas isso não foi acompanhado de um aumento significativo na sua influência e no seu status. Fatores cruciais para isso são a exclusão de enfermeiros seniores das posições de liderança em organizações de saúde em todos os níveis, e até mesmo a própria existência de posições de liderança dentro da enfermagem. Os profissionais muitas vezes desafiam essa situação e, em certas ocasiões, fazem progressos, mas precisam recomeçar a batalha outra vez quando empregadores de saúde decidem que não precisam mais de um diretor de enfermagem, ou quando os governos não substituem seu enfermeiro-chefe. Mesmo em países que tradicionalmente contam com a liderança global em Enfermagem, o cargo de enfermeiro-chefe do governo foi abolido, rebaixado, ou nunca existiu. Até mesmo na OMS, que está agora se reinventando como uma defensora da Enfermagem e da Obstetrícia, o enfermeiro-chefe e os diretores de enfermagem nos seis escritórios regionais da OMS costumavam ter equipes e orçamentos muito maiores. Todos tiveram sua esfera de atuação e sua influência reduzidas, o que pode ser atribuído em parte aos cortes no orçamento da OMS, mas também a uma relutância de longa data em reconhecer o valor da contribuição dos enfermeiros.
Entendimento da formulação de políticas
Conseguir um lugar na mesa principal é uma coisa, ser efetivo uma vez lá, é outra. Os enfermeiros que ocupam posição sênior podem não ser influentes, por uma gama de motivos como discriminação de gênero e/ou falta de status. Muitos têm pouco ou nenhum preparo para essas funções e não sabem como influenciar e moldar a política. Além disso, “o espaço político é finito […]. A medicina organizada sabe quando e como apresentar um fronte unido [...]. A enfermagem é muito menos capaz politicamente e bem menos assertiva”(10).
Falar em uma voz e uma linguagem que atraia os decisores não foi uma das conquistas da Enfermagem(6). Ela nem tem a habilidade de persuadir os decisores para tomar medidas efetivas sobre questões de enfermagem. A história da Enfermagem em muitos países e nos níveis regional e internacional é repleta de revisões e relatos de políticas baseados em evidências que fazem recomendações excelentes que são em grande parte ignoradas. Reforçadas pelas desigualdades estruturais relacionadas a gênero e classe social, as tentativas dos enfermeiros de pressionar por reformas não ganharam a força necessária, e a mudança não ocorreu de forma rápida o suficiente nem foi ampla o bastante.
A liderança política é necessária no funcionamento cotidiano do governo nacional e local e dos sistemas de saúde. Uma competência fundamental em enfermagem é raramente reconhecida ou formalmente desenvolvida; a maioria dos enfermeiros aprende essa competência, quando a aprende, por meio de experiências dolorosas. A necessidade de que os enfermeiros desenvolvam essas competências tem sido ressaltada há muito tempo(11), mas não tem sido consistentemente desenvolvida na comunidade global dos enfermeiros. White defende a “liderança política e modelagem de exemplos” por líderes de enfermagem, que precisam das habilidades profissionais e políticas para agir efetivamente em cenários difíceis. Seja trabalhando no governo, na gestão, na educação, na prática avançada, na pesquisa ou no desenvolvimento, eles precisam saber como maximizar sua contribuição distintiva para moldar, influenciar e implementar decisões políticas(12). Isso exige que os enfermeiros apreendam o conceito de White relativo a um “novo padrão de conhecimento denominado conhecimento sociopolítico”(6) e, como Salvage há muito tem defendido, se tornem ativistas políticos sagazes politicamente(13).
A janela de oportunidade
Os relatos e recomendações sobre Enfermagem que não conseguiram ter força, políticas que ignoram ou prejudicam a Enfermagem e a ausência de enfermeiros nas decisões políticas conformam um padrão sombrio que está começando a mudar para melhor. Muitos enfermeiros estão se tornando empreendedores políticos: líderes que se posicionam para influenciar as políticas; que juntam problemas e políticas em um novo amálgama - uma nova política; e que suavizem o sistema apresentando aos participantes da rede (visível e invisível) representações alternativas das suas realidades. Isso leva à abertura de uma janela de oportunidade, conforme descreve Kingdon - o potencial para uma perspectiva política verdadeiramente nova(14).
Essa janela está se abrindo cada vez mais conforme cresce a demanda mundial por soluções para problemas agudos como a carência atual e futura de profissionais da saúde e a crescente necessidade de cuidados especializados para os idosos, juntamente com o grande interesse público pela Enfermagem. Há uma maior conscientização global a respeito da importância do investimento na saúde como um bem público e a respeito da imensa contribuição real e potencial dos enfermeiros na melhoria da saúde, na criação da igualdade de gênero e no fortalecimento das economias. Ao mesmo tempo, mais enfermeiros estão tendo coragem de “romper o silêncio” e participar da rede mundial de protestos contra a violência, o assédio sexual e outros comportamentos abusivos contra as mulheres(15).
A janela foi aberta um pouco mais por um apelo à ação em um influente relatório do Reino Unido que observou como questões nacionais e globais estão interconectadas e destacou explicitamente o impacto social e econômico da enfermagem(3). Ao defender um maior investimento na enfermagem para trazer retornos e recompensas enriquecedoras para a saúde global, o relato destacou o “impacto triplo” da enfermagem em todo o mundo, isto é, melhor saúde, maior igualdade de gênero e economias mais fortes. Com base no impacto positivo dessas novas formas de pensar sobre enfermagem, as recomendações do relatório foram adotadas pela campanha Nursing Now, em parceria com o CIE e a OMS. O Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, o primeiro Diretor-Geral da OMS que não é médico, indicou uma Diretora de Enfermagem em 2017, Elizabeth Iro - a primeira vez em 70 anos de história que um enfermeiro sentou-se à mesa principal da OMS. Em 2020, a OMS também produziu seu primeiro relatório State of the World’s Nursing, um passo importante; mas o fato de que a OMS levou 70 anos para lançá-lo é uma medida do seu fracasso histórico em incluir enfermeiros e a Enfermagem na sua mesa principal e a promover as agendas deles.
Uma nova história da enfermagem
As maiores mudanças necessárias para transformar a enfermagem não serão efetivadas através de uma série contínua de iniciativas políticas fragmentadas de curto prazo, por melhores que elas sejam. Mudanças profundas e sustentáveis dependerão de se obter um conhecimento honesto e compartilhado a respeito das barreiras para a mudança e as desigualdades estruturais e questões que mantêm essas desigualdades, e de combater a raiz do problema e as suas causas subjacentes.
Essas grandes questões não são resolvidas por dicas sobre como tirar partido do status quo, e paciência também não parece ser a resposta. Este é o momento para os enfermeiros mudarem o paradigma, serem levados a sério como grupo e individualmente, quando as velhas certezas e caminhos estão sendo abalados até o seu âmago. As organizações de enfermeiros, além de tentar ganhar influência nas mesas principais, estão fazendo alianças com movimentos sociais e estão considerando alternativas radicais.
Tudo isso poderia nos levar a uma nova história da saúde e dos cuidados em saúde(3). Os enfermeiros, como atores principais nessa história, estarão no coração dos sistemas de saúde sustentáveis que satisfaçam as necessidades individuais e da população e que sejam adequados para o presente e inovadores e adaptáveis para o futuro. Enraizados na realidade, embora buscando alcançar as estrelas, os enfermeiros trabalham para moldar serviços sustentáveis, de alta qualidade, efetivos, acessíveis e adequados para o futuro, que possam responder aos desafios de tempos turbulentos. Eles se concentram onde as necessidades são maiores e onde há um maior potencial para obter ganhos em saúde e reduzir desigualdades. Eles utilizam os conhecimentos e a experiência adquiridos na prática em todas as suas funções subsequentes, como clínicos, gestores, professores, pesquisadores, acadêmicos, elaboradores de políticas e líderes. Em todos os níveis, da enfermaria à diretoria de organizações internacionais, eles inspiram e lideram.
Começamos defendendo que “fazer saúde global” significa pensar globalmente e agir localmente: adotar uma mentalidade que busque entender as condições estruturais e políticas que sustentam o conflito armado, a pobreza, a desigualdade, a passividade a respeito da poluição ambiental e a saúde e o bem-estar precários das populações vulneráveis. Isso não significa viajar para fora do seu ambiente. Porém, talvez signifique trabalhar com a comunidade local desfavorecida e vulnerável. Pode significar ação política para obter ar e água puros, Pode significar pressão política para obter justiça e cobertura universal de saúde. Veja o Quadro 1 para sugestões sobre o que você poderia fazer (adaptado de(2)). “Pense globalmente e aja localmente” é sabedoria antiga, mas nunca foi tão necessária para os enfermeiros e a Enfermagem como agora.
Também afirmamos que os desafios que o planeta e a nossa própria comunidade estão enfrentando têm grandes implicações para a enfermagem e os enfermeiros, e compartilhamos nossa esperança de que os enfermeiros possam influenciar (e tornarem-se) políticos e elaboradores de políticas, demonstrando a eles que os ODS não podem ser alcançados sem o fortalecimento da enfermagem. Neste Ano da Enfermagem e da Obstetrícia, a janela de oportunidade está aberta, mas não ficará aberta por muito tempo. Os enfermeiros e as parteiras devem estar prontos para atravessar essa janela, tanto em nível global quanto local. Vocês darão as mãos e se juntarão a nós?
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Direitos autorais: Este artigo é adaptado do seguinte capítulo de livro, por gentil permissão do editor: Salvage J, White J. Think globally, act locally: nursing and global health. In Mason D, Dickson E, McLemore M, Perez G (eds). Policy and Politics in Nursing and Health Care. 8th ed. St Louis: Elsevier; 2020. p. 617-24.
Referências bibliográficas
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- 2 Oulton J. International health and nursing policy and politics today: a snapshot. In Mason D, Gardner D, Outlaw F, O’Grady E, editors. Policy and politics in nursing and health care. 7th ed. St. Louis: Elsevier; 2016.
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3 All-Party Parliamentary Group on Global Health. Triple impact: how developing nursing will improve health, promote gender equality and support economic growth. [Internet]. London: APPG; 2016 [cited Apr 28, 2020]. Available from: http://www.appg-globalhealth.org.uk
» http://www.appg-globalhealth.org.uk -
4 United Nations. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. [Internet]. 2015 [cited Apr 2, 2020]. Available from https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld
» https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld - 5 Robinson J. Power and policy-making in nursing. In: Salvage J, editor. Nurse practitioners: working for change in primary health care nursing. London: King’s Fund Centre; 1991.
- 6 White J. Through a socio-political lens: The relationship of practice, education, research and policy to social justice. In: Kagan P, Smith M, Chinn P, editors. Philosophies and Practices of Emancipatory Nursing: social justice as praxis. New York: Routledge; 2014.
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7 People's Health Movement. [Internet]. 2020 [cited Apr 2, 2020]. Available from: https://phmovement.org
» https://phmovement.org -
8 Walt G, Gilson L. Reforming the health sector in developing countries: the central role of policy analysis. Health Policy Plan. 1994 Dec;9(4):353-70. doi: 10.1093/heapol/9.4.353
» https://doi.org/10.1093/heapol/9.4.353 - 9 McClelland A. Emergencies Only. Crow’s Nest: Allen & Unwin; 2017.
- 10 Lewis S. So many voices, so little voice. Can Nurse. 2010 Oct;106(8):40.
- 11 Cohen S, Mason D, Kovner C, Leavitt J, Pulcini J, Sochalski J. Stages of nursing's political development: where we've been and where we ought to go. Nurs Outlook. 1996 Nov-Dec;44(6):259-66.
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12 International Council of Nurses. Nurses: a voice to lead. [Internet]. 2017 [cited Apr 2, 2020]. Available from: https://www.icnvoicetolead.com
» https://www.icnvoicetolead.com - 13 Salvage J. The Politics of Nursing. London: Heinemann; 1985.
- 14 Kingdon J. Agendas, Alternatives, and Public Policies. 2nd ed. New York: Longman; 2011.
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15 Salvage J, Stilwell B. Breaking the silence: a new story of nursing. J Clin Nurs. 2018 Apr;27(7-8):1301-3. doi: 10.1111/jocn.14306.
» https://doi.org/10.1111/jocn.14306
Editado por
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Editora Associada: Regina Aparecida Garcia de Lima
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Ago 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
02 Maio 2020 -
Aceito
02 Maio 2020