Atitudes de estudantes de enfermagem relacionadas ao comportamento suicida^*

RESUMO

Objetivo:

investigar, entre estudantes do último ano de enfermagem, as atitudes relacionadas ao comportamento suicida e fatores associados.

Método:

estudo transversal com 111 estudantes de enfermagem de uma instituição de ensino brasileira. Os dados foram coletados em 2017, pela autoaplicação de um questionário sociodemográfico e do Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida, e foram analisados por estatística descritiva, testes de comparação de média e correlação.

Resultados:

a maioria dos estudantes de enfermagem teve contato com alguém com comportamento suicida, mas não teve exposição educacional relacionada ao assunto. As atitudes mais negativas foram associadas ao sexo feminino: não ler materiais sobre prevenção do suicídio e menor autopercepção de competência profissional. Pensamentos suicidas foram associados ao contato com alguém com comportamento suicida e às atitudes menos moralistas/condenatórias.

Conclusão:

são necessárias investigações e intervenções para qualificação acadêmica e prevenção do comportamento suicida.

Descritores:
Atitude; Suicídio; Tentativa de Suicídio; Estudantes de Enfermagem; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Bacharelado em Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to investigate attitudes related to suicidal behavior and associated factors, among students in the last year of an undergraduate nursing course.

Methods:

a cross-sectional study with 111 nursing students from a Brazilian educational institution. The data were collected in 2017, by self-administration of a questionnaire with sociodemographic characteristics, and the Suicide Behavior Attitude Questionnaire, which were analyzed by descriptive statistics, comparison of means, and correlation tests.

Results:

most of the nursing students had contact with someone with suicidal behavior, but did not have education related to the subject. The most negative attitudes were associated with the female sex, lack of materials on suicide prevention, and lower self-perception of professional competence. Suicidal thoughts throughout life were associated with the contact with someone with suicidal behavior, and less moralistic/condemnatory attitudes.

Conclusion:

investigations and interventions are necessary for academic qualification and prevention of suicidal behavior.

Descriptors:
Attitude; Suicide; Suicide, Attempted; Students, Nursing; Health Knowledge, Attitudes, Practice; Education, Nursing, Baccalaureate

RESUMEN

Objetivo:

investigar, entre estudiantes del último año de enfermería, las actitudes relacionadas al comportamiento suicida y factores asociados.

Método:

estudio transversal con 111 estudiantes de enfermería, de una institución de enseñanza brasileña. Los datos fueron recogidos en 2017 con un cuestionario sociodemográfico autoaplicado y con el Cuestionario de Actitudes Frente al Comportamiento Suicida; los datos fueron analizados por medio de la estadística descriptiva, con pruebas de comparación de medias y correlación.

Resultados:

la mayoría de los estudiantes de enfermería tuvo contacto con alguien que tenía comportamiento suicida, pero no tuvo exposición educacional relacionada al asunto. Las actitudes más negativas fueron asociadas a: sexo femenino, no leer materiales sobre prevención del suicidio y menor autopercepción de competencia profesional. Los pensamientos suicidas a lo largo de la vida fueron asociados al contacto con alguien con comportamiento suicida y a actitudes menos moralistas y/o de condenación.

Conclusión:

son necesarias nuevas investigaciones e intervenciones para la calificación académica y prevención del comportamiento suicida.

Descriptores:
Actitud; Suicidio; Intento de Suicidio; Estudiantes de Enfermería; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Bachillerato en Enfermería

Introdução

O suicídio é considerado um sério problema mundial que precisa ser priorizado em políticas públicas e agendas de saúde. Estima-se que ocorra uma morte por suicídio a cada 40 segundos, e uma tentativa a cada 2 ou 3 segundos. Cerca de 75% dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda. O Brasil ocupa a oitava posição em números de suicídios nas Américas. A maioria dessas mortes é considerada evitável. Porém, o tema é complexo, estigmatizado e insuficientemente compreendido¹.

Os enfermeiros possuem importante papel na prevenção do suicídio^2-4. Todavia, frequentemente não se percebem suficientemente preparados para o cuidado³. A literatura tem demonstrado ainda a associação entre atitudes negativas relacionadas ao suicídio, despreparo de profissionais, estigma, discriminação e pior qualidade da assistência⁵. O conhecimento sobre fatores associados às atitudes de enfermeiros relacionadas ao comportamento suicida pode contribuir com a qualificação da formação acadêmica. Entretanto, o conhecimento sobre essas questões ainda é escasso⁶, especialmente entre estudantes de enfermagem.

Encontrou-se apenas um estudo brasileiro que investigou, entre graduandos de enfermagem, a associação entre a exposição a diferentes estratégias educativas e as atitudes relacionadas ao suicídio⁷. Tais atitudes estiveram associadas a sexo, ter cursado disciplina sobre enfermagem psiquiátrica, aula ou laboratório sobre suicídio, ler material específico sobre o suicídio e pensamentos suicidas⁷. Este artigo apresenta como diferencial o fato de trabalhar com uma amostra de estudantes do último ano de graduação, período que se caracteriza pelo encerramento da formação acadêmica e pela exposição recente aos diferentes saberes abordados na graduação. Assim, o objetivo desta pesquisa foi investigar, entre estudantes do último ano de enfermagem, as atitudes relacionadas ao comportamento suicida e fatores associados.

Método

Estudo com abordagem quantitativa, com delineamento transversal. Foram estabelecidas hipóteses de que as atitudes relacionadas ao comportamento suicida estariam associadas ao sexo, idade, exposição às diferentes estratégias educativas (aula, laboratório e eventos científicos), leitura prévia sobre suicídio e experiências pessoais (contato com pessoa que tentou suicídio e pensamentos suicidas).

A atitude é definida como a resposta a um estímulo que envolve componentes cognitivos, afetivos e comportamentais, estendendo-se a todos os aspectos de inteligência e comportamento. Trata-se de uma disposição interior ou propensão à ação que afeta a escolha da ação ou conduta a ser adotada⁸. Na avaliação de atitudes relacionadas ao comportamento suicida, são importantes os domínios a serem considerados: a percepção da própria competência profissional, os sentimentos negativos (raiva, distanciamento e impotência) em relação à pessoa com comportamento suicida, e as atitudes moralistas ou condenatórias em relação ao comportamento suicida⁹.

O estudo foi desenvolvido em 2017, em uma instituição de ensino superior pública localizada no interior do estado de São Paulo, Brasil. A amostra de conveniência, composta por um total de 111 estudantes de enfermagem, incluiu todos os estudantes elegíveis, de forma a incluir o maior número possível de participantes que atendessem aos critérios de seleção. Foi elegível a população de graduandos de enfermagem matriculados no último ano do curso de graduação em enfermagem da instituição investigada. Foram excluídos graduandos ausentes da instituição no período de coleta de dados.

Inicialmente, a equipe de pesquisa solicitou à instituição de ensino uma lista de alunos que atendessem aos critérios de inclusão. Um membro da equipe de pesquisa não pertencente ao corpo docente da instituição obteve a autorização de docentes para, em um período de aula previamente acordado, convidar os estudantes a participar da pesquisa, fornecer esclarecimentos sobre aspectos éticos, obter as assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e receber os instrumentos após o autopreenchimento. Destaca-se que não houve comunicação verbal entre os alunos durante a autoaplicação dos instrumentos.

Foi elaborado pela equipe de pesquisa um questionário sociodemográfico, com questões sobre sexo (feminino ou masculino), idade, exposição às diferentes estratégias educativas (aula/laboratório sobre suicídio, eventos ou palestras sobre o suicídio), leitura prévia sobre suicídio, contato prévio com pessoa que tentou suicídio e escolha de uma palavra para definir o suicídio (questão aberta). O tempo médio para a autoaplicação dos instrumentos foi de 15 minutos.

O Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida (QUACS) foi utilizado por permitir avaliar as atitudes dos profissionais e estudantes de saúde em seus componentes cognitivos, afetivos e comportamentais. Além disso, é o único instrumento disponível em língua portuguesa e validado no Brasil⁹. O QUACS contém 21 declarações, seguidas por linhas contínuas de 10cm que variam de “discordo plenamente”, em uma extremidade, a “concordo plenamente”, na outra⁹. Os entrevistados indicaram o ponto de cada linha que melhor refletisse suas opiniões, sentimentos ou reações. A pontuação em cada item do QUACS foi definida pelo ponto de intersecção entre a linha contínua do instrumento e a linha traçada pelo participante. As pontuações foram calculadas em centímetros e os valores transferidos com uma casa decimal para o banco de dados.

Os criadores do instrumento recomendam que os itens sejam analisados individualmente ou agrupados em três fatores. As pontuações em cada um dos três fatores podem variar entre 0 e 30 pontos. O fator 1 indica “sentimentos negativos em relação ao paciente”, e escores mais altos para esse fator indicam uma maior presença de sentimentos negativos. O fator 2 refere-se à “percepção da própria competência profissional” dos entrevistados, e uma maior pontuação nesse fator indica que os profissionais têm mais autoconfiança ao lidar com indivíduos com comportamento suicida. O fator 3 é definido como o “direito ao suicídio” e uma maior pontuação nesse fator representa uma atitude menos “moralista/condenatória”. O estudo que desenvolveu o QUACS demonstrou boas propriedades psicométricas⁹.

Após a autoaplicação dos instrumentos, os dados foram codificados e duplamente digitados em uma base de dados estruturada no formato de planilha, no programa Excel e, em seguida, os erros de codificação ou de digitação foram verificados, comparados e corrigidos. Posteriormente, os dados foram transportados e analisados no programa Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 21.5¹⁰.

As variáveis sociodemográficas, educacionais e relacionadas às atitudes frente ao comportamento suicida foram apresentadas por estatística descritiva. Posteriormente, o teste de normalidade Shapiro-Wilk foi aplicado aos subgrupos, para direcionar a opção por testes paramétricos ou não paramétricos. Em seguida, para investigar as hipóteses formuladas no estudo, foram empregados teste de correlação (entre as variáveis numéricas contínuas) e testes de comparação de médias em hipóteses relacionadas a variáveis categóricas. O nível de significância adotado foi de p <0.05.

Resultados

Um total de 111 estudantes de enfermagem participou da pesquisa. A idade dos participantes variou de 20 a 39 anos, com média de 22,6 anos. As características sociodemográficas e educacionais dos estudantes de enfermagem participantes estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas e educacionais dos estudantes de enfermagem participantes do estudo (n=111), 2017

Variável	N	%
Sexo
feminino	96	86,5
masculino	15	13,5
Cursou disciplina sobre saúde mental
sim	102	91,9
não	6	5,4
Missing	3	2,7
Participou de aula sobre prevenção do suicídio
sim	38	34,2
não	73	65,8
Participou de evento sobre prevenção do suicídio
sim	31	27,9
não	80	72,1
Leitura de material sobre prevenção do suicídio
sim	25	22,5
não	86	77,5
Teve contato com alguém em risco suicida
sim	73	65,8
não	38	34,2

Os escores mais elevados no QUACS foram obtidos no fator 3 “Direito ao suicídio”, e os menores escores foram obtidos no fator 1 “Sentimentos negativos”, o que indica, respectivamente, atitudes mais compreensivas e menos negativas dos estudantes em relação à pessoa com comportamento suicida (Tabela 2).

Tabela 2
Idade, escores obtidos nos fatores do QUACS* e pensamentos suicidas (n=111), 2017

Variável	Média	Erro Desvio	Mediana	Mínimo	Máximo
Idade	22,6	2,4	22,1	20,1	39,4
1-Sentimentos negativos (0 a 30)	9,3	5,7	9,6	0,0	24,9
2-Competência profissional autopercebida (0 a 30)	12,5	6,0	11,6	0,7	30,0
3- Direito ao suicídio (0 a 30)	16,7	6,7	16,7	0,1	30,0
Pensamentos suicidas (0 a 10)	2,4	3,3	0,2	0,0	10,0

• *QUACS - Questinário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida

Os estudantes foram convidados a indicar uma palavra que representasse o comportamento suicida. Os termos foram agrupados, e a maior parte dos estudantes associou o comportamento suicida a sofrimento mental ou desespero/desesperança (61,2%) (Tabela 3).

Tabela 3
Termos utilizados pelos estudantes de enfermagem para representar o comportamento suicida (n=111), 2017

Variável	N	%
sofrimento mental	42	37,8
desespero/desesperança	26	23,4
morte/fim	20	18,0
fuga/saída/liberdade	10	9,0
julgamento (coragem, covardia, irresponsabilidade)	3	2,7
outros	10	9,0

Testes de comparação de médias e testes de correlação foram utilizados para testar hipóteses de que as atitudes relacionadas ao comportamento suicida estariam associadas ao sexo, idade, exposição a diferentes estratégias educativas (aula, laboratório e eventos científicos), leitura prévia sobre suicídio e experiências pessoais (contato com pessoa que tentou suicídio e pensamentos suicidas), conforme disposto nas Tabelas 4 e 5.

Tabela 4
Características sociodemográficas e formação acadêmica segundo escores obtidos nos fatores do QUACS* (n=111), 2017

Variável	1- Sentimentos negativos		2- Competência profissional autopercebida		3- Direito ao suicídio		Pensamentos suicidas
	M † (ED ‡ )	p §	M † (ED ‡ )	p §	M † (ED ‡ )	p §	M † (ED ‡ )	p §
Sexo
Feminino	10,0(5,6)	,001	11,6(5,5)	,400	16,2(6,7)	,998	2,4 (3,3)	1,00
Masculino	4,8(4,4)		17,9(6,4)		19,8(6,5)		2,4 (3,4)
Aula
Sim	9,9(5,2)	,366	13,3(5,0)	,137	15,3(6,2)	,626	2,4 (3,6)	,640
Não	9,0(6,0)		12,0(6,4)		17,5(6,9)		2,4 (3,2)
Evento
Sim	9,9 (5,8)	,460	12,7(6,4)	,489	17,6(6,3)	,564	2,6 (3,5)	,535
Não	9,1(5,7)		12,4(5,9)		16,4(6,9)		2,3 (3,3)
Contato
Sim	9,6(5,6)	,372	12,8(5,8)	,701	16,6(6,6)	,890	3,1 (3,6)	<,001
Não	8,8(5,9)		11,9(6,3)		16,9(7,1)		1,0 (2,2)
Leitura
Sim	7,1(5,3)	,033	14,1(6,5)	,504	19,4(6,2)	,693	2,8 (3,9)	,786
Não	9,9(5,7)		12,0(5,8)		15,9(6,7)		2,2 (3,2)

• *QUACS - Questinário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida; ^†M - média; ^‡ED - erro desvio; ^§p - valor de p

Tabela 5
Correlação entre os escores obtidos nos fatores do QUACS*, pensamentos suicidas e idade (n=111), 2017

Variáveis	1- Sentimentos negativos	2- Competência profissional autopercebida	3- Direito ao suicídio	Pensamentos suicidas
	r † (valor de p)	r † (valor de p)	r † (valor de p)	r † (valor de p)
1-Sentimentos negativos	1
2-Competência profissional autopercebida	-,326 (<,001)	1
3- Direito ao suicídio	-,133 (,165)	-,155 (,105)	1
Pensamentos suicidas	,069 (,473)	-,028 (,771)	,196 (,040)	1
Idade	-,105 (,287)	,087 (,376)	,064 (,517)	,119 (,229)

• *QUACS - Questinário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida; ^†r - Coeficiente de Spearman

As pontuações no fator 1 do QUACS foram mais elevadas em mulheres e entre pessoas que não haviam lido materiais sobre prevenção do comportamento suicida, o que indica que pessoas com tais características manifestaram atitudes mais negativas. O fator 2 e 3 não estiveram associados aos fatores sociodemográficos e educacionais. Os pensamentos suicidas foram mais frequentes entre pessoas que referiram ter tido contato com alguém com comportamento suicida (Tabela 4).

O teste de correlação de Spearman foi utilizado para medir associações entre idade, pensamentos suicidas e escores dos fatores do QUACS. O fator 1 apresentou correlações negativas fracas com o fator 2, o que indica que os sentimentos negativos em relação à pessoa com comportamento suicida foram mais intensos quando o estudantes tinham menor autopercepção de competência profissional. O fator 3 apresentou correlações positivas fracas com os pensamentos suicidas, o que revela que estudantes que já pensaram em suicídio têm atitudes mais compreensivas e menos moralistas/condenatórias em relação a pessoa com comportamento suicida (Tabela 5).

Discussão

Neste estudo, a maioria dos estudantes de enfermagem que cursaram disciplina sobre saúde mental tiveram contato com alguém em risco suicida. Todavia, a maioria afirmou não ter participado de aula, eventos científicos, cursos ou palestras sobre prevenção do suicídio, e referiu não ter lido materiais sobre o assunto. A literatura revela que estudantes de enfermagem brasileiros têm baixa exposição educacional relacionada ao suicídio⁷, nem sempre estudam a prevenção do suicídio por iniciativa própria e priorizam estudar assuntos abordados nas avaliações realizadas no curso de graduação¹¹. É importante discutir a abordagem da prevenção do suicídio de forma sistematizada nos cursos de graduação, visto que esse é um problema frequente e impactante na sociedade^12-13.

A baixa exposição educacional relacionada ao suicídio também foi identificada entre profissionais de enfermagem de serviços de emergência brasileiros, considerando que a maioria tem experiência ou treinamento relacionados à saúde mental². Tal situação contrasta com resultados provenientes da Espanha, onde a maioria dos enfermeiros tinha treinamento (especialização em saúde mental ou cursos com mais de 30 horas de duração)¹². Comumente, os profissionais também se sentem despreparados para o manejo do comportamento suicida², e expressam a necessidade de treinamento adicional³. Nesse sentido, é importante investigar disparidades relacionadas à exposição educacional sobre a prevenção do suicídio em alguns contextos, apesar da relevância desse tema.

O treinamento e suporte qualificado para estudantes e profissionais de saúde é importante para aprimorar a prevenção do suicídio⁴, e está associado às atitudes mais favoráveis relacionadas à pessoa com comportamento suicida^13-17. Neste estudo, apenas a leitura de materiais sobre suicídio esteve associada a melhores atitudes, o que pode ter relação com o tamanho da amostra, com as características das estratégias de formação acessíveis aos estudantes investigados ou às características e experiências individuais daqueles que se interessam em ler sobre o tema.

Na literatura, há uma variedade de resultados em relação às atitudes sobre o comportamento suicida e fatores sociodemográficos¹⁸. Neste estudo, foi identificada associação apenas entre o sexo feminino e as atitudes mais negativas (raiva, distanciamento e impotência) em relação à pessoa com comportamento suicida. Este é um assunto que requer maior investigação. Contudo, uma pesquisa brasileira realizada com estudantes de enfermagem revelou que o distanciamento pode ser considerado uma alternativa para autoproteção frente à sobrecarga emocional relacionada ao contato com o comportamento suicida¹¹.

Neste estudo, as maiores e menores pontuações obtidas no QUACS estiveram relacionadas respectivamente às atitudes mais compreensivas e menos negativas em relação à pessoa com comportamento suicida. Esse mesmo padrão foi observado em uma amostra de estudantes brasileiros de enfermagem⁷ e contrasta com investigações realizadas com profissionais de saúde, nas quais há uma manifestação predominante de atitudes mais negativas¹², moralistas² e menor compreensão e empatia com pessoas com comportamento suicida¹⁴.

A literatura revela que o comportamento suicida é considerado reprovável, opcional, cercado por atitudes negativas e incompreensão, uma transgressão, por ser conflitante com os princípios de vida e a ética de profissionais de saúde^3,11,19-21. Contradizendo esses resultados^3,11,19-21, os principais termos utilizados para representar o comportamento suicida, neste estudo, estiveram associados a sofrimento mental, desespero ou desesperança. Destaca-se que a compreensão e atitude empática frente à pessoa com comportamento suicida parecem ser condições importantes para a prevenção, e precisam ser abordadas na formação de profissionais de saúde²¹.

Os pensamentos suicidas foram mais frequentes entre pessoas que tiveram contato com alguém com comportamento suicida, o que pode estar relacionado ao fenômeno do contágio²². É importante conversar sobre suicídio de forma cuidadosa com estudantes com experiências profissionais e acadêmicas relacionadas ao assunto, e também investigar o risco de suicídio de forma detalhada entre estudantes potencialmente vulneráveis, pois os pensamentos suicidas são relativamente comuns^23-24 e o risco de suicídio tende a ser flutuante^25-26. Outra pesquisa brasileira realizada com estudantes de enfermagem não encontrou associações entre contato prévio com pessoas em risco suicida e atitudes relacionadas ao suicídio⁸. Todavia, a literatura mostra que, na população universitária, o contato com casos de suicídio pode facilitar a ocorrência de pensamentos suicidas, temores, preocupações e sensação de vulnerabilidade²⁷.

Estudos sugerem que os sentimentos e atitudes negativas em relação ao comportamento suicida estão associados à falta de preparo profissional, podendo prejudicar a qualidade da assistência^5-6. Esses resultados corroboram com os resultados desta investigação, na qual os sentimentos negativos em relação à pessoa com comportamento suicida foram mais intensos quando o estudantes tinham menor autopercepção de competência profissional.

Uma limitação desta pesquisa é o delineamento transversal e o fato de ser restrita a uma única instituição de ensino de um território geográfico limitado. Outra limitação é o uso de uma amostra de conveniência que incluiu toda a população elegível para abranger o maior número possível de estudantes de enfermagem no período da coleta de dados. O tamanho da amostra é outra limitação. Pesquisas futuras devem incluir amostras maiores e representativas. O estudo não explorou crenças religiosas, e pode ter tido alguma imprecisão na avaliação do treinamento e da experiência em saúde mental (por autorrelato e sem duração detalhada). A despeito dessas limitações, esta é uma das poucas pesquisas brasileiras sobre a associação entre atitudes frente ao comportamento suicida e estratégias educacionais. Este conhecimento é relevante para o planejamento de intervenções e investigações relacionadas ao apoio, supervisão e formação dos estudantes de enfermagem.

Conclusão

Neste estudo, a maioria dos estudantes de enfermagem havia tido contato com alguém em risco suicida, tinha cursado disciplina sobre saúde mental, mas não havia participado de aula, eventos científicos, cursos ou palestras sobre prevenção do suicídio e não tinha lido materiais sobre o assunto. Os estudantes representaram o comportamento suicida principalmente por termos associados a sofrimento mental, desespero ou desesperança.

Foram testadas hipóteses de que as atitudes relacionadas ao comportamento suicida estariam associadas ao sexo, idade, exposição a diferentes estratégias educativas (aula, laboratório e eventos científicos), leitura prévia sobre suicídio e experiências pessoais (contato com pessoa que tentou suicídio e pensamentos suicidas). As atitudes mais negativas foram identificadas entre mulheres, pessoas que não haviam lido materiais sobre prevenção do suicídio e indivíduos com percepção de despreparo profissional para lidar com o comportamento suicida. Os pensamentos suicidas foram mais frequentes entre pessoas que tiveram contato com alguém com comportamento suicida, e os estudantes que já pensaram em suicídio tiveram atitudes mais compreensivas em relação a pessoa com comportamento suicida. É importante que estudos futuros investiguem essas variáveis em diferentes contextos. Além disso, são necessárias investigações que elaborem e investiguem diferentes estratégias para qualificação acadêmica e prevenção de comportamentos suicidas.

Destaca-se que o contato prévio com alguém em risco suicida esteve associado a pensamentos suicidas, mas não a melhores atitudes relacionadas ao comportamento suicida, o que sugere que o contato com a pessoa em risco suicida poderia ser de alguma forma mediado e complementado por outras estratégias de apoio, supervisão e formação. Além disso, é importante monitorar a saúde mental dos estudantes, para o desenvolvimento de ações de apoio apropriadas.

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  Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 400871/2016-5.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2019

Histórico

• Recebido
  04 Jul 2018
• Aceito
  18 Out 2018