Perfil sociodemográfico e de formação dos profissionais de Enfermagem do estado de São Paulo em relação às Práticas Integrativas e Complementares em Saúde

Objetivo:

analisar o perfil sociodemográfico e de formação dos profissionais de Enfermagem do estado de São Paulo em relação às Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.

Método:

estudo transversal, desenvolvido com 3.794 profissionais de Enfermagem do estado de São Paulo, provenientes de 645 municípios. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário online contendo as variáveis sociodemográficas e de formação profissional. Foi construído um modelo de regressão de Poisson múltiplo hierárquico, considerando a formação em práticas como variável dependente, com nível de significância de 5%.

Resultados:

dos 3.794 (100%) participantes, 479 (12,62%) tinham formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. As práticas mais frequentes foram a auriculoterapia, a Medicina Tradicional Chinesa/acupuntura e o Reiki . As modalidades de formação predominantes foram cursos livres, presenciais e teórico-práticos. As variáveis idade, sem religião formal, nível superior de formação e especialização, carga horária de trabalho e conhecimento e experiência prévia sobre práticas integrativas apresentaram significância.

Conclusão:

os resultados indicam a necessidade de incentivar e expandir a formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde dos profissionais de Enfermagem, a fim de fortalecer sua atuação nos serviços de saúde.

Descritores:
Enfermagem; Papel do Profissional de Enfermagem; Formação Profissional; Perfil Profissional; Terapias Complementares; Métodos Terapêuticos Complementares

Objective:

to analyze the sociodemographic and training profile of nursing professionals in the state of São Paulo in relation to Integrative and Complementary Practices in Health.

Method:

cross-sectional study, developed with 3,794 nursing professionals in the state of São Paulo, from 645 municipalities. To collect data, an online questionnaire was used containing sociodemographic and professional training variables. A hierarchical multiple Poisson regression model was constructed, considering training in practices as the dependent variable, with a significance level of 5%.

Results:

of the 3,794 (100%) participants, 479 (12.62%) had training in Integrative and Complementary Health Practices. The most frequent practices were auriculotherapy, Traditional Chinese Medicine/acupuncture and Reiki. The predominant training modalities were free, face-to-face and theoretical-practical courses. The variables age, no formal religion, higher education and specialization level, working hours and knowledge and previous experience on integrative practices were significant.

Conclusion:

the results indicate the need to encourage and expand the training of Integrative and Complementary Health Practices for nursing professionals, in order to strengthen their performance in health services.

Descriptors:
Nursing; Nurse’s Role; Professional Training; Job Description; Complementary Therapies; Complementary Therapeutic Methods

Objetivo:

analizar el perfil sociodemográfico y de formación de los profesionales de enfermería del estado de São Paulo en relación a las Prácticas Integrativas y Complementarias en Salud.

Método:

estudio transversal, desarrollado con 3.794 profesionales de enfermería del estado de São Paulo, provenientes de 645 municipios. Para la recolección de datos se utilizó un cuestionario online que contenía variables sociodemográficas y de formación profesional. Se construyó un modelo de regresión de Poisson múltiple jerárquico, considerando la formación en prácticas como variable dependiente, con nivel de significancia del 5%.

Resultados:

de los 3.794 (100%) participantes, 479 (12,62%) tenían formación en Prácticas Integrativas y Complementarias en Salud. Las prácticas más frecuentes fueron la auriculoterapia, la Medicina Tradicional China/acupuntura y el reiki. Las modalidades de formación predominantes fueron cursos libres, presenciales y teórico-prácticos. Las variables edad, sin religión formal, nivel superior de formación y especialización, carga horaria de trabajo, y conocimiento y experiencia previa sobre prácticas integrativas presentaron significancia.

Conclusión:

los resultados indican la necesidad de incentivar y expandir la formación en Prácticas Integrativas y Complementarias en Salud a los profesionales de enfermería, con el fin de fortalecer su actuación en los servicios de salud.

Descriptores:
Enfermería; Rol de la Enfermera; Capacitación Profesional; Perfil Laboral; Terapias Complementarias; Métodos Terapéuticos Complementarios

Destaques:

(1) 39% dos profissionais de Enfermagem desconhecem as PICS.

(2) Baixa proporção (14,5%) de profissionais de Enfermagem com formação em PICS.

(3) Auriculoterapia, MTC/acupuntura e Reiki são as formações mais frequentes.

(4) Cursos livres, presenciais e teórico-práticos são predominantes na formação.

(5) Há grande discrepância na carga horária de formação em PICS.

Introdução

As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são recursos terapêuticos empregados de forma complementar ao tratamento convencional, isoladamente ou como parte das racionalidades médicas, que são sistemas médicos complexos ^{( 1 )} compostos por conhecimentos e práticas integradas e estruturadas. Possuem caráter interdisciplinar, com foco na promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas a partir de mudanças no estilo de vida e autocuidado ^{( 1 )} . As PICS caminham na direção de um novo paradigma, cujo enfoque principal é a saúde, por meio da busca de equilíbrio do indivíduo em relação ao meio natural e social a que pertence.

Em 2013, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ^{( 2 )} adotou no documento de Estratégia da OMS sobre medicina tradicional 2014-2023, que foi prorrogado até 2025 ^{( 2 )} , a denominação Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI) para as modalidades que abrangem (1) racionalidades médicas, como Medicina Tradicional Chinesa, Ayurveda indiana, homeopatia e Medicina Antroposófica, entre outras; e (2) práticas terapêuticas, as quais incluem as intervenções mente e corpo, terapias de manipulação corporal, naturais e energéticas ^{( 1 , 3 )} . As diferentes práticas terapêuticas foram denominadas no Brasil como PICS, com a aprovação, pelo Ministério da Saúde, da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 2006 ^{( 4 )} .

Em 2018, o conjunto de práticas alcançou 29 modalidades terapêuticas reconhecidas pelo Ministério da Saúde e oferecidas pelo SUS ^{( 5 )} . Os princípios que regem as PICS são congruentes com os da Enfermagem, pois partem de uma visão centrada no ser humano para disponibilizar uma estrutura de cuidados integrais que possa ser oferecida em todos os ambientes clínicos, a fim de promover a saúde e o bem-estar, sendo este conceito denominado Enfermagem integrativa ^{( 6 )} .

As Terapias Holísticas e Complementares foram afirmadas como especialidade de Enfermagem por meio da Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) nº 581 de 2018 ^{( 7 )} , assegurando o respaldo para a atuação do profissional de Enfermagem nesse cenário, bem como para desenvolver pesquisas na área das PICS.

Observa-se uma crescente utilização das PICS no mundo ^{( 6 )} e no Brasil durante a última década, atingindo 5,2% da população maior de 18 anos ^{( 8 )} . Nas regiões Norte e Sul há uma predominância na população caracterizada pelo sexo feminino, cor/raça branca, com maior renda, escolaridade e faixa etária. Acupuntura, homeopatia, plantas medicinais, meditação e yoga são as PICS de maior prevalência no país ^{( 8 )} .

Numericamente, a Enfermagem é uma categoria que tem representatividade nacional dentre as profissões da saúde, contando com aproximadamente 2.873.087 de profissionais entre enfermeiros, técnicos de Enfermagem, auxiliares e obstetrizes. O estado de São Paulo tem 735.296 profissionais ^{( 9 )} , representando cerca de 26% do contingente da Enfermagem brasileira.

Um longo caminho ainda precisa ser percorrido para fortalecer a utilização das PICS pelos enfermeiros. O Cofen tem tido um papel fundamental na defesa das PICS no SUS, no sentido de regulamentar, fortalecer, estimular e difundir as diferentes práticas para benefício de usuários, trazendo maior autonomia e recursos terapêuticos para a Enfermagem ^{( 10 - 12 )} .

Com relação a São Paulo, as “Câmaras Técnicas” do Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo (Coren-SP) instituíram um Grupo de Trabalho PICS, para estudar a regulamentação da atuação do enfermeiro nesta área, fazer um levantamento daqueles que já trabalham nela e subsidiar novas propostas, fundamentando pareceres sobre as práticas para a categoria ^{( 13 )} .

A oferta de PICS na Atenção Primária à Saúde (APS) pela Enfermagem no estado de São Paulo foi recuperada em artigo publicado em 2022, evidenciando o registro crescente desses procedimentos que, entretanto, teve um declínio importante durante a pandemia da COVID-19 ^{( 14 )} . Os registros da aplicação de PICS por enfermeiros nos sistemas de informação em saúde oficiais (DATASUS) confirmam a atuação da Enfermagem, não havendo dados na literatura científica que orientem quanto ao perfil e ao preparo desses profissionais para os procedimentos realizados.

Diferentes formatos de capacitações em PICS têm sido oferecidos para os profissionais. Cursos gratuitos são disponibilizados pelo Ministério da Saúde em parceria com universidades para os profissionais de nível superior que atuam na APS ^{( 15 )} . Além destes, instituições públicas e privadas oferecem cursos gratuitos e pagos para capacitação nas diferentes PICS, não havendo um mapeamento oficial que congregue estas iniciativas.

Diante do exposto, o presente estudo buscou preencher uma lacuna de conhecimento sobre como tem se dado a inserção das PICS realizadas especialmente pela Enfermagem brasileira e nos diferentes estados, seja no âmbito assistencial ou formativo. Dessa forma, teve como objetivo analisar o perfil sociodemográfico e de formação dos profissionais de Enfermagem do estado de São Paulo em relação às Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.

Método

Tipo do estudo

Estudo observacional, transversal e descritivo, norteado pela diretriz STROBE - Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology( ^{( 16 )} .

Cenário

A pesquisa abrangeu os profissionais de Enfermagem do estado de São Paulo que possuíam registro de inscrição ativa no Coren-SP durante o período do estudo.

Período

A pesquisa foi realizada no período de 27 de julho a 17 de setembro de 2022.

População

A população foi constituída por profissionais de Enfermagem (auxiliares, técnicos, enfermeiros e obstetrizes) que atuam no estado de São Paulo.

Critérios de seleção

Foram considerados como critérios de inclusão: profissional de Enfermagem ativo registrado no Coren-SP, com idade mínima de 18 anos e acesso à internet, de ambos os sexos. Foram excluídos da amostra aqueles profissionais que não responderam a todas as questões do questionário de coleta de dados.

Definição da amostra

Cálculo do tamanho amostral com universo e prevalência desconhecidos (50%) e erros padronizados (2% alfa e 20% beta), sem pressupor erros e falhas, resultando em amostra esperada de, no mínimo, 2396 voluntários.

Recrutamento

O recrutamento dos profissionais de Enfermagem ocorreu de forma online . Foi realizada uma ampla divulgação da pesquisa, nos meios virtuais mais utilizados pela população-alvo, sendo postados links do questionário em diversos ambientes virtuais abertos como: site de Universidades, site do Coren-SP, redes sociais ( Whatsapp , Instagram e Facebook ) e e-mails , com possibilidade de compartilhamento para ampliar o alcance. Adicionalmente, todos os profissionais com licença profissional ativa no Coren-SP receberam o convite para participar do estudo por meio de correio eletrônico do próprio Conselho. No corpo do e-mail foi enviada mensagem de convite com as informações sobre a pesquisa e a participação, finalizada com um link que direcionava o profissional ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) eletrônico. Nessa página, após lerem as explicações sobre a pesquisa e sobre os aspectos éticos, aqueles que aceitaram participar expressaram a sua concordância pelo TCLE eletrônico.

Desta forma, iniciaram a pesquisa 6208 pessoas, sendo que 77 se recusaram a participar e 2337 não preencheram o questionário completamente, representando 38,88% de perdas. Portanto, a amostra foi constituída por 3.794 profissionais de Enfermagem de 645 municípios do estado de São Paulo.

Coleta de dados

Para a coleta de dados foi utilizado um questionário online autoaplicável, desenvolvido pelos autores do estudo (material suplementar). A coleta de dados ocorreu por meio da ferramenta de pesquisa Research Electronic Data Capture (REDCap), com a finalidade de auxiliar o processo de coleta e gerenciamento dos dados do estudo.

O questionário foi construído no REDCap para garantir que se considerasse apenas uma resposta por participante na análise dos dados, solicitando-se o e-mail do participante no ato do preenchimento. Apenas uma resposta com e-mails duplicados foi validada.

Variáveis do estudo

As variáveis de interesse para alcance dos objetivos do estudo foram as variáveis demográficas (idade, sexo, raça/cor, estado civil, renda familiar, religião, cidade onde reside) e as relacionadas à formação profissional (categoria profissional, tempo de formação, tempo de atuação na Enfermagem e nas PICS, local de atuação na Enfermagem e nas PICS, especialidade na Enfermagem, conhecimento e interesse nas PICS, formação em PICS).

Tratamento e análise dos dados

Os dados foram exportados do REDCap diretamente para uma planilha eletrônica estruturada do Microsoft Excel, por procedimentos automáticos próprios da plataforma, e analisados utilizando-se o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).

Foi realizada estatística descritiva e inferencial. A caracterização da amostra foi feita a partir de análise exploratória por meio de médias, frequência e porcentagem. Para as comparações entre os participantes que realizaram e não realizaram formação em PICS foi aplicado o teste de Mann-Whitney. A distribuição dos dados foi avaliada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Para avaliar as associações entre a variável referente à formação em PICS e as demais variáveis qualitativas foi aplicado o teste Qui-quadrado de Pearson.

Foi construído um modelo de regressão Poisson múltiplo modificado hierárquico, com variância robusta, considerando a formação em PICS como variável dependente. Nos resultados foram apresentadas as estimativas obtidas de razão de prevalência, assim como os seus respectivos intervalos de confiança e p-valores. Para a realização das análises foi utilizado o software estatístico SAS versão 9.4 e considerado um nível de significância de 5%.

Aspectos éticos

As normas e as diretrizes éticas foram respeitadas e o projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP) (CAAE 55755821.0.0000.5393). O projeto está em conformidade com a Resolução 466/12.

Resultados

Dos 3.794 (100%) participantes, a maioria era de mulheres (86,95%), com média de idade de 40,11 (DP 9,68) anos, 12,01 (DP 8,90) anos de formação e 11,77 (DP 9,26) anos de experiência profissional; 479 profissionais têm formação sobre PICS, o que corresponde a 12,62% dos respondentes. A distribuição das variáveis sociodemográficas e de formação dos profissionais de Enfermagem que têm ou não formação em PICS estão apresentadas na Tabela 1 . As variáveis categóricas estão expressas em números (percentuais) e as variáveis contínuas estão expressas em média (desvio-padrão).

A Tabela 2 mostra as características da experiência com PICS por profissionais de Enfermagem (n = 3794) com e sem formação em PICS. Observa-se que 93,95% dos profissionais com formação em PICS tiveram alguma experiência prévia com as PICS, prática ou teórico-prática, principalmente na instituição onde atuam. Essa experiência estava relacionada na qualidade de usuários dos serviços de saúde ou como profissionais de saúde. As variáveis categóricas estão expressas em números (percentuais) e as variáveis contínuas estão expressas em média (desvio-padrão).

Tabela 1 -
Distribuição das variáveis sociodemográficas e de formação dos profissionais de Enfermagem com e sem formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde no estado de São Paulo (N* = 3794). São Paulo, Brasil, 2022

Variáveis	Não (3315)		Sim (479)		p-valor
Idade	39,68	(9,57)	43,05	(9,92)	< 0,0001 †
Sexo					0,2177 ‡
Feminino	2874	87,12	425	12,88
Masculino	441	89,09	54	10,91
Raça/Cor					0,0001 ‡
Amarelo/Branca/Indígena	1965	85,47	334	14,53
Parda/Preta	1350	90,30	145	9,70
Estado Civil					0,2013 ‡
Sem parceiro	1044	88,40	137	11,60
Com parceiro	2271	86,91	342	13,09
Renda familiar					0,0001 ‡
Até 2 salários	770	94,59	44	5,41
Entre 2 e 4 salários	1293	91,18	125	8,82
Entre 4 e 10 salários	1053	81,75	235	18,25
Acima de 10 salários	199	72,63	75	27,37
Religião					0,0639 ‡
Não	393	84,70	71	15,30
Sim	2922	87,75	408	12,25
Regiões					0,4090 ‡
São Paulo	2079	87,35	301	12,65
Sorocaba/Campinas/São José dos Campos	712	86,51	111	13,49
Bauru/Marília/Presidente Prudente/Araçatuba	223	90,65	23	9,35
São José do Rio Preto/Ribeirão Preto/Araraquara		301	87,25	44	12,75
Formação					0,0001 ‡
Técnico	1300	96,58	46	3,42
Superior	760	92,57	61	7,43
Lato sensu	1104	79,37	287	20,63
Stricto sensu	151	63,98	85	36,02
Formação profissional na Enfermagem (anos)	11,48	8,62	15,72	9,85	0,0001 †
Anos de experiência profissional na Enfermagem	11,20	9,01	15,73	9,98	0,0001 †
Carga horária semanal					0,0001 ‡
= 40 horas	2341	85,56	395	14,44
40 horas	974	92,06	84	7,94
Vínculos empregatícios					0,7990 ‡
1	2164	87,12	320	12,88
2 ou mais	502	88,07	68	11,93
Sem vínculo	649	87,70	91	12,30

• As variáveis categóricas estão expressas em números (percentuais) e as variáveis contínuas estão expressas em média (desvio-padrão). Não: Sem formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS); Sim: com formação em PICS. *N = Número de participantes analisados
• ^†
  Teste de Mann-Whitney
• ^‡
  Teste Qui-quadrado

Tabela 2 -
Características da experiência com Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) de profissionais de Enfermagem com e sem formação em PICS no estado de São Paulo (N* = 3.794). São Paulo, Brasil, 2022

Variáveis	Não (3315)		Sim (479)		p-valor †
Informou saber o que são PICS					0,0001
Sim	1842	79,64	471	20,36
Não	1473	99,46	8	0,54
Vivência ou experiência com as PICS					0,0001
Sim	988	68,71	450	31,29
Não	2327	98,77	29	1,23
Experiência					0,0001
Teórica	375	87,01	56	12,99
Prática	453	70,67	188	29,33
Teórico-Prática	160	43,72	206	56,28
Não possui experiência	2327	98,77	29	1,23
Papel nesta primeira experiência:					0,0001
Usuário/a (uso próprio)	230	65,71	120	34,29
Acompanhante de família, amigos	79	91,86	7	8,14
Estudante (durante sua formação na Enfermagem)	248	81,05	58	18,95
Estudante (outra formação que não Enfermagem)	27	21,95	96	78,05
Profissional de saúde (contato na instituição onde atua)	404	70,51	169	29,49
Não possui experiência	2327	98,77	29	1,23

• As variáveis categóricas estão expressas em números (percentuais) e as variáveis contínuas estão expressas em média (desvio-padrão). Não: Sem formação em PICS; Sim: Com formação em PICS. *N = Número de participante analisados
• ^†
  p = Nível de significância analisado pelo Teste Qui-quadrado

A partir das características da experiência com PICS de profissionais de Enfermagem apresentadas, construiu-se um modelo do perfil dos profissionais de Enfermagem com formação em PICS ( Tabela 3 ). As variáveis idade, não ter religião formal, formação superior e especialização ( lato e/ou stricto sensu ), trabalhar em carga horária igual ou menor que 40 horas semanais, e informar o que são PICS apresentaram significância estatística.

As características da formação em PICS por profissionais de Enfermagem no estado de São Paulo são apresentadas na Figura 1 . As práticas mais identificadas foram a auriculoterapia, a Medicina Tradicional Chinesa/acupuntura e o Reiki . Quanto às características dos cursos realizados para formação, prevaleceram as modalidades de curso livre (educação profissional com carga horária reduzida, como oficinas e workshops ), presenciais e teórico-práticos.

A carga horária representa o número de horas dedicadas à formação teórico-prática em cada curso, oferecendo uma visão geral do tempo necessário despendido para adquirir conhecimentos e habilidades em cada uma das abordagens terapêuticas. Destacam-se a acupuntura, a naturopatia e a terapia comunitária como aquelas com maior carga horária média de formação, e biodança, arteterapia e osteopatia, com menor carga horária. Os valores de médias apresentados na Tabela 4 referentes à carga horária dos cursos em PICS mostraram desvio padrão significativamente alto, indicando que há uma variação considerável na carga horária dos cursos oferecidos, mesmo dentro de uma mesma modalidade de PICS.

Tabela 3 -
Perfil dos profissionais de Enfermagem com formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde no estado de São Paulo (N* = 3.794). São Paulo, Brasil, 2022

Variáveis	Passo 1				Passo 2				Passo 3
	RP †	I.C. ‡ (95%)		p-valor ¶	RP †	I.C. ‡ (95%)		p-valor ¶	RP †	I.C. ‡ (95%)		p-valor ¶
		L.I. §	L.S. ||			L.I. §	L.S. ||			L.I. §	L.S. ||
Idade	1,02	1,01	1,03	0,0001	1,02	1,01	1,02	0,0002	1,01	1,01	1,02	0,0004
Sexo feminino	1,23	0,95	1,60	0,1219
Raça/Cor (Amarelo/Branca/Indígena)	1,21	1,01	1,46	0,0389	1,10	0,92	1,32	0,3036
Renda familiar (Entre 2 e 4 salários**)	1,56	1,12	2,18	0,0084	1,08	0,78	1,51	0,6378	1,09	0,79	1,49	0,6048
Renda familiar (Entre 4 e 10 salários**)	3,02	2,21	4,13	0,0001	1,30	0,94	1,79	0,1129	1,15	0,84	1,58	0,3680
Renda familiar (Acima de 10 salários**)	4,16	2,90	5,96	0,0001	1,44	1,00	2,08	0,0505	1,16	0,82	1,63	0,4105
Religião (Não)	1,27	1,01	1,60	0,0373	1,25	1,01	1,56	0,0416	1,23	1,02	1,48	0,0342
Formação (Superior)					1,97	1,35	2,88	0,0004	1,46	1,02	2,09	0,0404
Formação ( Lato sensu )					4,88	3,54	6,71	0,0001	2,77	2,03	3,78	0,0001
Formação ( Stricto sensu )					7,39	5,16	10,58	0,0001	3,32	2,36	4,66	0,0001
Carga horária semanal (= 40 horas)					1,57	1,26	1,96	0,0001	1,40	1,14	1,71	0,0013
Informou saber o que são PICS †† (Sim)									4,84	2,35	10,01	0,0001
Vivência ou experiência com as PICS †† (Sim)									10,47	7,18	15,28	0,0001

• *N = Número de participante analisados
• ^†
  RP = Razão de prevalência. Foi estimada a probabilidade de apresentar o resultado “Sim”
• ^‡
  I.C. = Intervalo de confiança
• ^§
  L.I. = Limite inferior
• ^||
  L.S. = Limite superior
• ^¶
  p-valor = Nível de significância a partir do Modelo de Regressão de Poisson múltiplo modificado hierárquico, com variância robusta
• ^**
  Salário mínimo vigente = R$ 1.212,00, Brasil, 2022
• ^††
  PICS = Práticas Integrativas e Complementares em Saúde

Figura 1
- Características autorreferidas dos cursos de formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde realizados por profissionais de Enfermagem no estado de São Paulo (N* = 479). São Paulo, Brasil, 2022

Tabela 4
- Carga horária autorreferida dos cursos de formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde realizados por profissionais de Enfermagem no Estado de São Paulo (N* = 479). São Paulo, Brasil, 2022

PICS	N*	Média	Desvio-padrão	Mínimo	Q1 †	Mediana	Q3 ‡	Máximo
Antroposofia	7	167,14	180,44	30,00	40,00	120,00	220,00	540,00
Apiterapia	1	56,00	-	-	-	-	-	-
Aromaterapia	56	159,80	273,83	5,00	20,00	40,00	180,00	1744,00
Arteterapia	1	30,00	-	-	-	-	-	-
Auriculoterapia	165	124,45	211,10	0,00	30,00	75,00	100,00	1300,00
Ayurveda	6	298,67	401,93	12,00	60,00	200,00	220,00	1100,00
Biodança	3	10,00	8,66	5,00	5,00	5,00	20,00	20,00
Constelação	27	232,22	223,69	0,00	80,00	150,00	360,00	900,00
Cromoterapia	22	59,64	77,67	2,00	30,00	40,00	60,00	360,00
Dança Circular	7	94,00	137,77	16,00	20,00	40,00	90,00	400,00
Geoterapia	0	-	-	-	-	-	-	-
Homeopatia	6	400,00	301,70	42,00	58,00	450,00	600,00	800,00
Hipnoterapia	5	42,00	30,92	0,00	26,00	40,00	72,00	72,00
Imposição das mãos	7	64,57	44,22	20,00	24,00	50,00	120,00	120,00
MTC/Acupuntura	125	860,59	584,22	3,00	380,00	800,00	1200,00	3500,00
Meditação	24	94,54	86,94	2,00	30,00	50,00	170,00	300,00
Musicoterapia	4	35,00	32,72	4,00	12,00	28,00	58,00	80,00
Naturopatia	13	748,46	777,49	30,00	460,00	480,00	480,00	3000,00
Osteopatia	1	30,00	-	-	-	-	-	-
Ozonioterapia	31	218,32	382,79	20,00	120,00	120,00	200,00	2200,00
Quiropraxia	1	40,00	-	-	-	-	-	-
Plantas medicinais e fito	17	221,29	214,61	8,00	60,00	120,00	360,00	720,00
Reflexoterapia	19	252,89	458,21	8,00	40,00	100,00	288,00	2000,00
Reiki	93	125,37	394,17	1,00	16,00	30,00	60,00	2400,00
Shantala	8	39,25	58,38	8,00	8,00	19,00	36,00	180,00
Terapia Comunitária	10	409,80	583,06	8,00	30,00	210,00	500,00	1940,00
Terapia Floral	37	191,73	234,68	4,00	30,00	90,00	360,00	1200,00
Termalismo/Crenoterapia	0	-	-	-	-	-	-	-
Yoga	7	259,14	212,88	14,00	120,00	180,00	500,00	600,00
Outras	74	398,42	655,09	0,00	40,00	135,00	360,00	4138,00

• ^*
  N = Número de participantes analisados
• ^†
  Q1 = Primeiro quartil
• ^‡
  Q3 = Terceiro quartil

Discussão

A população com formação em PICS apresentou média de idade de 43,05 anos, com predomínio do sexo feminino, raça/cor branca, amarela e indígena, que vive com parceiro, sem declaração de religião, rendimento entre 4 e 10 salários-mínimos, com formação superior especializada e, em média, 15 anos de formação e experiência profissional. Observou-se uma diferença significativa no que se refere à média de idade e de tempo de formação, e experiência profissional, sendo maior entre a população que tem formação em PICS.

Quanto ao conhecimento, 39% (n=1481) informaram desconhecimento sobre PICS. Resultado similar foi identificado entre enfermeiras iranianas, cujo conhecimento sobre PICS foi avaliado como baixo ^{( 17 )} . Um estudo de mapeamento que trabalhou com uma amostragem de conveniência com retorno de dez países europeus não encontrou uma abordagem consistente na formação de enfermeiros em PICS, pois, apesar de serem ministrados cursos em institutos regulares de ensino, eles não são integrados ao ensino regular de graduação ^{( 18 )} . Embora os achados deste estudo sejam convergentes com o referido estudo, a interpretação dos dados deve considerar as características histórico-culturais dos diferentes países a respeito das racionalidades médicas e sistemas tradicionais de cura, bem como as características das políticas de formação e da atuação dos profissionais nas PICS.

No presente estudo, profissionais com formação em PICS mencionaram que as práticas mais frequentes foram auriculoterapia, Medicina Tradicional Chinesa/acupuntura e Reiki . Esse resultado está em discordância com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde, que indica acupuntura, homeopatia, plantas medicinais, meditação e yoga ^{( 8 )} . A auriculoterapia como a PICS mais frequente na população estudada pode estar relacionada à capacitação que vem sendo oferecida no Brasil, desde 2016, para profissionais de ensino superior que atuam na APS. Nesses cursos, participam profissionais da Enfermagem do sexo feminino, com média de idade de 36,8 anos ^{( 19 )} . Esse perfil assemelha-se aos profissionais de Enfermagem do estado de São Paulo investigados no presente estudo. Ao comparar com países europeus, observa-se que as principais PICS ofertadas para a formação em Enfermagem são massagem, meditação, mindfulness e técnicas de relaxamento ^{( 18 )} .

A formação, seja em âmbito nacional ou mundial, representa uma lacuna que merece esforços para ampliar o acesso à capacitação dos profissionais de saúde, sobretudo de Enfermagem, atendendo a resultados de investigações internacionais e nacionais que indicam a escassez de conhecimento como uma das principais fragilidades para a ampliação das ofertas das PICS ^{( 17 , 20 )} . Esse achado coloca em perspectiva a discussão sobre a formação inicial e continuada dos profissionais de Enfermagem no que se refere às PICS, pois observa-se que falta uma abordagem consistente tanto no Brasil quanto na Europa na educação dos enfermeiros em PICS e Enfermagem integrativa ^{( 18 )} . Para a Enfermagem europeia, assim como ocorre com a brasileira, são ministrados cursos. Contudo, não há uma diretriz nacional que integre as PICS ao currículo regular de ensino ^{( 18 )} .

Constatou-se, no presente estudo, que os profissionais com alguma formação em PICS também tiveram contato prévio com alguma prática, seja durante a sua formação como profissional ou na instituição onde atuam. Assim, destaca-se a importância de cursos formativos oferecerem disciplinas em seus currículos para sensibilizar os futuros profissionais sobre a temática e apresentar as PICS como uma abordagem de cuidado à saúde. No Brasil, observa-se que as graduações em Enfermagem, Medicina e Odontologia têm como característica a oferta de disciplinas sobre PICS eletivas, teóricas e não integradas às matrizes curriculares ^{( 21 - 22 )} .

Ainda com relação à formação, os achados refletem a variabilidade na carga horária para cada uma das diferentes formações. Esse resultado corrobora a ausência de diretrizes regulatórias a respeito de um currículo mínimo, com consequentes discrepâncias. Nesse sentido, urge a necessidade de serem estabelecidas resoluções que norteiem a categoria sobre a carga horária mínima para cada capacitação e para cada prática. Os resultados mostram que os profissionais compreenderam como sendo “formação” tanto cursos livres, de difusão, palestras e workshops , quanto cursos de capacitação, mostrando ausência de clareza sobre o que representa um processo formativo. A variabilidade na formação é um aspecto preocupante apontado na literatura, constituindo-se em uma fragilidade para a própria área das PICS, para a formação profissional e para os usuários dos serviços de saúde ^{( 17 )} .

Da formação à atuação também há desafios relativos à disputa por espaço entre categorias profissionais, à cultura institucional, e à disponibilidade de tempo e de recursos para a oferta das PICS ^{( 23 )} . Esses desdobramentos são observados em contratos empregatícios na Enfermagem, que frequentemente não abrangem ou reconhecem a oferta das PICS como parte de suas atribuições profissionais. Também há fragilidades na gestão dos serviços de saúde, o que dificulta a compreensão, o reconhecimento e a oferta de PICS, concretizada na falta de disponibilização de recursos materiais e na divulgação sistematizada. Essa questão reflete diretamente na discrepância entre a oferta real e aquela registrada nos sistemas de informação, evidenciando a problemática do registro subdimensionado das PICS ^{( 24 )} .

Por outro lado, a formação em PICS e a oferta entre os serviços vêm em uma crescente no território nacional ^{( 8 , 21 - 22 )}. Essa situação permite identificar os motivos que fazem profissionais de Enfermagem - maior força de trabalho do Sistema Único de Saúde - persistir no investimento para a formação e oferta de PICS nos serviços de saúde. Essa realidade convoca as entidades governamentais e órgãos de classe profissional a analisarem o arcabouço ético-legal e técnico que sustentam as ações.

Quanto à qualificação, constatou-se na população investigada que houve procura por qualificações nas 29 terapias complementares dispostas na PNPIC ^{( 4 )} , contudo, nas Resoluções específicas da Enfermagem, apenas dez práticas estão incluídas como especialidades da profissão ^{( 7 )} . A dimensão institucional inclui-se nessa problemática, a exemplo da elaboração e da disponibilização de Protocolos Clínicos e Procedimentos Operacionais Padrão que possibilitam a atuação da Enfermagem na oferta de PICS nos serviços de saúde.

Ressalta-se que as PICS estão ganhando protagonismo no cenário mundial. Em 2023 ocorreu a Primeira Cúpula Global de Medicina Tradicional, na Índia, paralelamente à reunião interministerial de saúde dos membros do Grupo dos 20 (G20). O objetivo da Cúpula foi registrar o compromisso político dos estados-membros em oferecer às suas populações a Medicina Tradicional baseada em evidências para atender as necessidades de saúde e bem-estar ^{( 25 )} . Por tratar-se de uma temática universal de saúde priorizada por entidade global, cabe à Enfermagem incorporar tais práticas no exercício de sua profissão.

Esse estudo tem limitações que se referem aos dados obtidos sobretudo com relação à formação. Observou-se um desvio padrão considerável na carga horária de formação entre os respondentes, indicando que possivelmente palestras foram consideradas pelos profissionais como atividade de caráter formativo. Nesse sentido, sugere-se que em futuros estudos a pergunta investigativa que norteie tal questão seja atrelada à prática exercida em PICS, como por exemplo, “Quantas horas foram investidas na sua formação para que esteja qualificado para aplicar esta PICS?”.

As contribuições do estudo referem-se ao levantamento dos aspectos relacionados à formação e à atuação da Enfermagem na unidade federativa do país que tem a maior concentração de profissionais, respondendo a uma lacuna científica internacional e nacional quanto ao perfil sociodemográfico e profissional da Enfermagem nas PICS. Com base nos achados, argumenta-se sobre a importância de políticas públicas na área da saúde e sua articulação e informação com as políticas de formação de recursos humanos.

Conclusão

No estado de São Paulo, embora haja um contingente considerável de profissionais de Enfermagem que têm interesse pelas PICS, quase metade dos profissionais desconhecem tais práticas. A formação na área se dá, principalmente, entre enfermeiras em torno de quarenta anos de idade, com especialização e, aproximadamente, quinze anos de experiência profissional.

Destaca-se que diretrizes mínimas com relação à formação devem ser consideradas para a capacitação dos profissionais de Enfermagem em PICS, bem como nas demais profissões da saúde. A padronização é fundamental para a continuidade e a ampliação do acesso da população às PICS, com garantia de profissionais devidamente qualificados para uma oferta segura dos recursos terapêuticos nos diversos cenários institucionais.

Agradecimentos

Ao Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo pelo apoio na realização da pesquisa.

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• Todos os autores aprovaram a versão final do texto.

• How to cite this article

  Gnatta JR, Domingos TS, Gherardi-Donato ECS, Fusco SFB, Kurebayashi LFS, Borges TP. Sociodemographic and training profile of nursing professionals in the state of São Paulo in relation to Integrative and Complementary Health Practices. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2024;32:e4203 [cited año mes día]. Available from: URL. https://doi.org/10.1590/1518-8345.7144.4203

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  10 Out 2023
• Aceito
  18 Fev 2024