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Ações da equipe de saúde para gestantes e puérperas tabagistas1 1 Apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Brasil, processo nº 12-0260

Resumos

OBJETIVO:

identificar as ações desenvolvidas pela equipe de saúde para gestantes e puérperas tabagistas.

MÉTODO:

estudo transversal com amostra constituída por 135 membros da equipe de saúde que atendem gestantes e puérperas em um hospital universitário do Sul do Brasil. Os dados, coletados por meio de questionário, foram analisados no programa Statistical Package for Social Science.

RESULTADOS:

76 (56,3%) membros da equipe abordaram sempre a cessação do tabagismo, entretanto, a abordagem ocorreu em apenas dois momentos da internação e/ou das consultas do pré-natal, não incluindo os familiares. Ao avaliar a eficácia de suas ações, a equipe de saúde a considerou regular ou ruim, bem como referiu a necessidade de atualizar seus conhecimentos na área.

CONCLUSÕES:

a equipe de saúde não realiza a abordagem conforme preconizado pelas diretrizes de controle do tabaco, necessitando de capacitação para que possa intervir de forma qualificada e eficiente.

Abandono do uso de Tabaco; Equipe de Assistência ao Paciente; Educação em Saúde


OBJECTIVE:

to identify activities developed by the healthcare team for pregnant and postpartum women who smoke.

METHOD:

cross-sectional study with a sample of 135 healthcare team members who assist pregnant and postpartum women in a university hospital located in southern Brazil. The data was collected using questionnaires and analyzed using the Statistical Package for Social Sciences software.

RESULTS:

76 (56.3%) staff members reported that they always addressed smoking cessation; however, the approach occurred in only two periods of the hospitalization and/or prenatal consultations, not including family members. In regard to the effectiveness of their actions, the health team assessed it as fair or poor, and mentioned the need for updating knowledge regarding this issue.

CONCLUSIONS:

the health team did not perform the approach as recommended by the tobacco control guidelines, requiring training to offer a qualified and efficient intervention.

Tobacco Use Cessation; Patient Care Team; Health Education


OBJETIVO:

identificar las actividades desarrolladas por el equipo de atención médica para las mujeres embarazadas y en posparto que fuman.

MÉTODO:

estudio transversal con una muestra de 135 miembros del equipo de salud que ayudan a las mujeres embarazadas y en posparto de un hospital universitario situado en el sur de Brasil. Los datos fueron recolectados a través de cuestionarios y analizados mediante el paquete estadístico para el software de las Ciencias Sociales.

RESULTADOS:

76 (56,3%) de los miembros del equipo informaron que siempre sugerían el dejar de fumar; sin embargo, el acercamiento sucedió en sólo dos períodos de la hospitalización y/o en consultas prenatales, sin incluir a los miembros de la familia. En lo que respecta a la eficacia de sus acciones, el equipo de salud lo evaluó como regular o mala, y mencionó la necesidad de actualizar los conocimientos sobre este tema.

CONCLUSIONES:

el equipo de salud no realizó el acercamiento según las recomendaciones de las directrices de control del tabaco, lo que requiere la formación para ofrecer una intervención calificada y eficiente.

Cese del Uso de Tabaco; Grupo de Atención al Paciente; Educación en Salud


Introdução

No Brasil morrem, em média, 1.600 mulheres por ano, decorrente da gestação, parto e puerpério e 50 mil crianças de até um ano. Dentre as causas, encontram-se as complicações associadas ao consumo de substâncias psicoativas durante a gravidez, entre elas a nicotina( 11. Zhang L, González-Chica DA, Cesar JA, Mendonza-Sassi RA, Beskow B, Larentis N, et al. Tabagismo materno durante a gestação e medidas antropométricas do recém-nascido: Um estudo de base populacional extremo sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(9):1768-76. ).

Estudos do Sul do país revelaram prevalência de gestante tabagista de 23 a 27,5%, índices considerados elevados se comparados aos da população adulta feminina, que é de 15,9%. Gestantes tabagistas também apresentam menor nível de escolaridade e realizam menor número de consultas pré-natal do que aquelas não fumantes. Dentre as fumantes estudadas, apenas 1,19% recebeu algum tipo de ação/tratamento medicamentoso para parar de fumar( 22. Galão AO, Soder AS, Gerhardt M, Faertes TH, Krüger MS, Pereira DF, et al. Efeitos do fumo materno durante a gestação e complicações perinatais. Rev HCPA. 2009; 29(3):218-24. - 33. Barros AJD, Santos IS, Victoria CG, Albernaz EP, Domingues MR, Timm IK, et al. Coorte de nascimentos de Pelotas, 2004: metodologia e descrição. Rev Saúde Pública. 2006; 40(3):402-13. ).

Diante desses dados e sabendo-se que o período de gestação, parto e puerpério é um momento em que a mulher está mais propensa a interromper seu comportamento tabágico, pois o bebê a motiva a cuidar da sua saúde e ela passa a ter maior contato com profissionais da saúde( 44. Motta GCP, Echer IC, Lucena AF. Factors associated with smoking in pregnancy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(4):809-15. ), é preconizada a realização de abordagem cognitivo-comportamental à gestante e puérpera tabagista. Essa abordagem consiste em prepará-la para resolver seus problemas e resistir ao fumo, em prevenir a recaída e lidar com o estresse e, em casos de alta dependência à nicotina, fornecer suporte medicamentoso. A abordagem cognitivo-comportamental é considerada a intervenção-base, essencial para a cessação do tabagismo, havendo dados que apontam taxa de cessação diretamente proporcional ao tempo dedicado a ela( 55. Ministério da Saúde (BR). Abordagem e tratamento do fumante: Consenso 2001. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; Instituto Nacional do Câncer; 2001. - 66. Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM, Sales MPU, et al. Diretrizes para cessação do tabagismo: 2008. J Bras Pneumol. 2008; 34(10):845-80. ).

Estudo de revisão sistemática mostra que os profissionais da saúde utilizam instrumentos padronizados para conhecer o perfil tabagístico, a dependência à nicotina, a fissura, a abstinência e a motivação para a cessação, de forma a subsidiá-los para intervir no processo de educação em saúde desses pacientes( 77. Santos JDP, Silveira DV, Oliveira DF, Caiaffa WT. Instrumentos para avaliação do tabagismo: uma revisão sistemática. Ci Saúde Coletiva. 2011;16(12):4707-20. ).

Por outro lado, estudo do Sul do país, com pacientes clínicos e cirúrgicos, mostra que as ações desenvolvidas por enfermeiros eram voltadas apenas à orientação das normas de proibição do fumo na instituição e sobre a possibilidade de cessação do tabagismo sem o uso de instrumentos específicos ou com abordagem cognitivo-comportamental( 88. Ilha LHC, Teixeira CC, Boaz SK, Echer IC. Ações dos enfermeiros em relação ao paciente tabagista hospitalizado. Rev HCPA. 2013;32(4):427-35. ), o que aponta lacunas no conhecimento sobre esse assunto.

Assim, considerando-se a necessidade de aprimorar as ações para a cessação do tabagismo e a situação da gestação/puerpério, que pode desencadear motivação positiva para isso, o presente estudo teve por objetivo identificar as ações desenvolvidas pela equipe de saúde para gestantes e puérperas tabagistas. Para tanto, definiu-se como ações da equipe de saúde toda atividade, intervenção e orientação destinadas à promoção da saúde em relação à cessação do tabagismo a essa população.

Método

Trata-se de estudo com abordagem transversal, realizado em um hospital universitário do Sul do Brasil. A população foi constituída por membros das equipes multiprofissionais do ambulatório obstétrico, centro obstétrico e unidade de internação pré e pós-parto do hospital, que atendem gestantes e puérperas. A amostra foi de conveniência, não proporcional, composta por médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, assistentes sociais, técnicos de enfermagem, residentes e acadêmicos, que aceitaram participar do estudo.

O tamanho amostral foi calculado com base em estudo que evidenciou prevalência de 61,5% de profissionais que abordavam o tabagismo( 99. Desalu OO, Adekoya AO, Elegbede AO, Dosunmu A, Kolawole TF, Nwogu KC. Conhecimento e práticas para a cessação do tabagismo entre médicos nigerianos. J Bras Pneumol. 2009;35(12):1198-203. ) durante o atendimento aos pacientes. Considerando-se um intervalo de confiança de 95% e um erro aceitável de 10%, calculou-se um tamanho amostral de 91 participantes. Todavia, foram convidados a participar todos os 170 membros das equipes de saúde das áreas selecionadas, que preencheram os critérios de inclusão, sendo que 135 deles aceitaram participar e compuseram a amostra do presente estudo.

Os critérios de inclusão foram fazer parte da equipe de saúde das unidades de atendimento à gestante e à puérpera, no período de coleta de dados, e os acadêmicos a partir do segundo semestre do curso.

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário não validado, elaborado pelas pesquisadoras, que continha perguntas sobre anos de estudo e status tabagístico do participante, sobre ações desenvolvidas com pacientes tabagistas e sua eficácia. Uma última pergunta aberta solicitava sugestões de abordagens ou ações para serem realizadas com o público-alvo. O instrumento foi entregue aos participantes durante o seu horário de trabalho nos meses de agosto e setembro de 2012 e recolhido em envelope fechado, como forma de preservar a identidade dos pesquisados.

Os dados foram digitados e organizados em banco de dados e analisados com ajuda do programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 18. Foram realizadas a análise descritiva de frequência absoluta e relativa, a média, a mediana, o desvio-padrão e os percentis. Para as variáveis categóricas e contínuas, foi realizado o teste exato de Fisher, o qui-quadrado, o teste de Mann-Whitney e o teste de Kruskal-Wallis. Toda associação e diferença com valor de p<0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. A questão aberta foi analisada quantitativamente, tendo sido as respostas agrupadas pelo conteúdo abordado.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição sob CAAE 05182112.2.0000.5327 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Participaram da pesquisa 135 membros da equipe de saúde, conforme caracterização apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos membros da equipe de saúde atuantes nas áreas obstétricas. Porto Alegre, RS, Brasil, 2013

Entre os acadêmicos, 45 (91,8%) já haviam concluído mais da metade do curso de graduação, 15 (30,6%) estavam no 8º semestre de enfermagem, medicina ou psicologia, 11 (24,4%) cursavam o 12º semestre de medicina e 8 (17,8%) o 11º semestre de medicina.

Houve associação significativa (p>0,001) quando comparadas as médias de idade de fumantes, fumantes em abstinência e não fumantes. A mediana de idade dos grupos evidencia a significativa diferença etária no qual o grupo de fumantes e fumantes em abstinência foi de 54 anos [IQ=34-58,5], enquanto que a do grupo de não fumantes foi de 28 anos [IQ=25-42].

Com relação à abordagem que a equipe de saúde realiza sobre questões relacionadas ao tabagismo, 76 (56,3%) membros da equipe de saúde referiram fazê-la sempre, 46 (34,1%) fazem-na apenas às vezes e 13 (9,6%) não fazem abordagem com suas pacientes. Em 92 (78,6%) casos, a abordagem ocorreu até duas vezes durante a internação ou ao longo das consultas de pré-natal e em 25 (21,4%) ela ocorreu três vezes ou mais; 62 (45,9%) abordagens não incluíram os familiares, 53 (39,3%) os incluíram às vezes e 20 (14,8%) os incluíram sempre.

Ao analisar a abordagem realizada pelas diferentes categorias da equipe de saúde em relação ao tabagismo, destacaram-se médicos e enfermeiros com maior percentual para realizar a abordagem "sempre". Essa análise foi realizada apenas com os membros que obtiveram um N≥10, com vistas a preservar a identidade dos participantes (Tabela 2).

Tabela 2
Abordagem da equipe de saúde em relação à gestante e puérpera tabagista. Porto Alegre, RS, Brasil, 2013

A associação entre "aborda a paciente sobre questões relacionadas ao tabagismo" e os diferentes membros da equipe foi estatisticamente significativa (p=0,025), assim como a associação de "números de abordagens" e "membros da equipe" (p=0,008). As análises de resíduos mostraram que os técnicos de enfermagem fizeram menos abordagens do que o esperado para cada categoria (Tabela 2).

Quando questionados a respeito de sua atitude diante de uma gestante ou puérpera que se mostra resistente a deixar o comportamento tabagístico, obtiveram-se os seguintes resultados: 102 (80,3%) sujeitos afirmaram que reforçam com a paciente os prejuízos que o tabaco pode acarretar para a saúde da mãe e do bebê, assim como os benefícios associados à sua cessação; 15 (11,8%) referiram não insistir no assunto e preferir aguardar uma nova consulta para retomar o problema; 13 (10,2%) preferem respeitar a opção da paciente em permanecer fumando e não abordam mais essa questão e 10 (7,9%) agem com choques de ideias tentando sensibilizá-la a abandonar o comportamento tabagístico pelo medo e pressão.

Os questionamentos da equipe de saúde à gestante ou puérpera tabagista foram voltados principalmente para os status tabágicos [94 (26%) casos], para o número de cigarros consumidos por dia [93 (2,6%) casos] e para tempo de uso do tabaco [90 (25%) casos]. A equipe de saúde respondeu que a orientação à paciente para cessar o tabagismo ocorreu 103 (34,4%) vezes, para a paciente buscar ajuda de profissional/grupo especializado ocorreu 65 (22%) vezes e a orientação para diminuir o número de cigarros consumidos foi relatada em 47 (16%) vezes. Quanto ao que registram em prontuário, 89 (28,3%) responderam que os dados estão relacionados ao status tabágico da paciente, 82 (26%) ao número de cigarros consumidos por dia e 67 (21,3%) ao tempo de uso do tabaco (Figura 1).

Figura 1
Questionamento, orientação e registro da equipe de saúde no atendimento de gestantes e puérperas tabagistas. Porto Alegre, RS, Brasil, 2013

Quanto ao uso de instrumentos que auxiliam nas intervenções ao tabagismo, 103 (82,4%) sujeitos afirmaram não fazer uso de nenhum instrumento, 17 (13,6%) realizaram a abordagem cognitivo-comportamental, 5 (4%) utilizaram a Escala de Fagerström e 3 (2,4%) avaliaram o estágio de motivação conforme Proshaska e Di Clemente. Em apenas 8 (17%) casos, os acadêmicos referiram aplicar a Escala de Fargerström e os Estágios de Motivação para Cessação do Tabagismo.

Entre as barreiras que impedem a intervenção no processo de cessação do tabaco, 73 (61,9%) participantes apontaram a falta de tempo nas consultas, 32 (27,1%) o pouco incentivo institucional, 27 (22,9%) a falta de habilidade e conhecimento sobre a cessação do tabagismo e 23 (19,5%) a indisponibilidade de tratamento específico; 20 (16,9%) participantes indicaram outros impedimentos, como o breve vínculo com a paciente internada, a resistência das pacientes à abordagem e o esquecimento de fazê-la.

Cinquenta (38,8%) participantes disseram sentir dificuldade para orientar gestantes e puérperas quanto à cessação do tabagismo. Setenta e três (57%) afirmaram que as ações da equipe de saúde contribuem "às vezes" para a cessação do tabagismo entre as gestantes e puérperas, enquanto que 30 (23,4%) acreditam que elas "sempre" contribuem e 25 (19,5%) que "não" contribuem.

Noventa (70,3%) participantes avaliaram a eficácia de suas ações para o processo de cessação como regular, 29 (22,7%) como ruim e 9 (7%) como ótima e boa. Para 67 (51,1%) participantes, a discussão do tema "tabaco e gestação" não ocorre nos locais de atuação, e 105 (81,4%) referiram sentir necessidade de atualizar ou aprofundar seus conhecimentos nessa área para qualificar a sua assistência.

Trinta e seis (26,7%) participantes sugeriram ações que a equipe de saúde poderia pôr em prática para auxiliar as gestantes e puérperas a modificar o comportamento tabagístico. Desses, 21 (58,3%) referiram ações de prevenção, orientações e abordagem no nível primário de atendimento, ações de educação para redução de danos e produção de palestras e informativos; 10 (27,8%) sugeriram a formação de uma equipe multiprofissional especializada para o atendimento dessas pacientes; 6 (16,7%) propuseram intensificar as capacitações para a equipe multiprofissional e 3 (8,3%) a formação de mais grupos para atender as pacientes tabagistas e a disponibilização de mais fármacos de auxílio para a cessação. Os valores referidos ultrapassam 100%, uma vez que alguns participantes sugeriram mais de uma ação.

Discussão

As ações da equipe de saúde vêm sendo desenvolvidas parcialmente, sem a aplicação sistemática de escalas/instrumentos ou utilização da abordagem cognitivo-comportamental. Os resultados evidenciam uma realidade distante da preconizada pelo Ministério da Saúde, que orienta a realização da abordagem cognitivo-comportamental com as gestantes e as puérperas com base na avaliação inicial da dependência da paciente e apoio medicamentoso em situações especiais( 55. Ministério da Saúde (BR). Abordagem e tratamento do fumante: Consenso 2001. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; Instituto Nacional do Câncer; 2001. ).

Em outro estudo, as diretrizes do Ministério da Saúde referentes à abordagem à paciente tabagista foram seguidas parcialmente por pouco mais da metade da amostra( 55. Ministério da Saúde (BR). Abordagem e tratamento do fumante: Consenso 2001. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; Instituto Nacional do Câncer; 2001. ). A abordagem deficitária aqui observada se reflete nos resultados da autoavaliação da equipe de saúde em relação à cessação, em que mais de 90% avaliaram sua ação como regular ou ruim. Isso evidencia a necessidade de rever a capacitação das equipes para melhor abordar as pacientes e seus familiares.

Os profissionais médicos e enfermeiros foram os que por mais vezes prestaram assistência à paciente tabagista e incluíram o familiar. Esse achado vai ao encontro de estudo que refere serem esses profissionais e o familiar do paciente as principais fontes de intervenções e orientações sobre o tabagismo( 44. Motta GCP, Echer IC, Lucena AF. Factors associated with smoking in pregnancy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(4):809-15. ). No entanto, é sabido que a mudança de comportamento, para ocorrer, necessita de muito mais do que duas intervenções; por isso, é imperativo que elas ocorram de forma sistemática para, de fato, ajudar esse grupo de pacientes a abandonar o cigarro. Assim, os resultados apontam a necessidade da equipe de saúde rever e intensificar as abordagens com as pacientes e seus familiares.

Os técnicos de enfermagem foram os que realizaram o menor número de abordagens e os que afirmaram ter mais dificuldade para orientar, o que pode ser explicado pela sua formação, muitas vezes centrada no desenvolvimento de habilidades para a execução de determinadas tarefas e procedimentos( 1010. Conselho Federal de Enfermagem (BR). [Internet]. Decreto N 94.406/87. Lei 7498 de 25 de julho de 1986. [acesso 26 dez 2013]. Dispõe sobre o exercício da enfermagem e dá outras providências. Disponível em: http://novo.portalcofen.gov.br/decreto-n-9440687_4173.html
http://novo.portalcofen.gov.br/decreto-n...
). Levando-se em consideração que essa é a categoria mais numerosa na assistência hospitalar e a que tem maior contato com as pacientes na internação, sugere-se buscar estratégias para capacitá-los, visando auxiliar a mudar essa realidade.

Estudo mostra que a desvalorização ou a omissão do profissional de saúde ante o comportamento tabagístico pode ser interpretada pelo paciente/familiar como se ele não tivesse relação com o seu processo de doença e recuperação( 1111. Pamplona P. Fumador internado? - A intervenção apropriada. Rev Port Pneumol. 2007; 13(6):801-26. ). Outro estudo( 1212. Echer IC, Barreto SSM. Determination and support as successful factors for smoking cessation. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(3):445-51. ) evidencia que uma breve intervenção da equipe de saúde pode ser decisiva para o paciente tomar a decisão de parar de fumar. Portanto, é necessário que a intervenção aconteça em todas as oportunidades favoráveis e por todos os membros da equipe de saúde.

Os questionamentos, as orientações e os registros da equipe de saúde ficaram voltados principalmente para a identificação do status tabagístico, suas características e orientações para cessar o tabaco. Tais informações são imprescindíveis no contexto do processo de cessação, uma vez que é a partir delas que ocorre a escolha do tratamento mais adequado. No entanto, para que a cessação aconteça, não basta a coleta de informações, é necessário que as pacientes sejam acompanhadas e que ocorram intervenções ao longo da internação e/ou nas consultas de pré-natal com a utilização da abordagem cognitvo-comportamental e uso de medicamentos sempre que necessário.

As orientações ocorreram de forma breve, no entanto, os resultados reforçam a necessidade de que elas sejam realizadas de modo sistemático, segundo o nível de compreensão das pacientes para que, de fato, se obtenha êxito. Estudos( 44. Motta GCP, Echer IC, Lucena AF. Factors associated with smoking in pregnancy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(4):809-15. , 1313. Machado JB, Lopes MHI. Abordagem do tabagismo na gestação. Sci Med. 2009;19(2): 75-80. ) evidenciam que gestantes e puérperas fumantes têm menor grau de instrução, acreditam pouco nos malefícios que o tabaco traz ao feto, carecem de suporte social e estão submetidas a estresse, o que reforça a necessidade de apoio da equipe nesse processo.

As Escalas de Fagerström e de Motivação foram utilizadas somente por acadêmicos de medicina e enfermagem, o que pode estar relacionado ao fato de tais instrumentos não serem do domínio de conhecimento da maioria dos profissionais( 1414. Lotufo JPB. O conhecimento dos pediatras e pneumopediatras sobre tabagismo. Pediatria. 2007; 29(1):75-6. ). Com base nesse resultado, sugere-se a capacitação das equipes de saúde mediante distribuição desses instrumentos, que auxiliam na condução da escolha pelo melhor tratamento.

A ação mais realizada ante a paciente tabagista que não desejava parar de fumar foi orientá-la sobre os malefícios que o cigarro pode causar à mãe e ao bebê e sobre os benefícios da cessação. Essa atitude vai ao encontro das diretrizes do Ministério da Saúde, que recomenda a avaliação da motivação da paciente para parar ou não de fumar e a realização de intervenções motivacionais( 55. Ministério da Saúde (BR). Abordagem e tratamento do fumante: Consenso 2001. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; Instituto Nacional do Câncer; 2001. ). Essa abordagem é essencial para auxiliar a gestante e a puérpera tabagista a refletir sobre os riscos de continuar fumando e sobre os benefícios de parar de fumar.

A prevalência de tabagismo entre os membros das equipes de saúde foi baixa se comparada à da população geral, que é de 15%( 55. Ministério da Saúde (BR). Abordagem e tratamento do fumante: Consenso 2001. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; Instituto Nacional do Câncer; 2001. ). As equipes tabagistas e as em abstinência de fumo têm média de idade estatisticamente maior do que as não fumantes, o que pode ser explicado pelo fato de, ao longo das últimas três décadas, com a legislação e programas de amparo à cessação, houve regressão do uso do tabaco no país( 1515. Ministério da Saúde (BR), Instituto Nacional do Câncer [intranet]. INCA; 2005[acesso 6 fev 2012]. Programa Nacional de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Câncer. Disponível em: http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=jovem&link=namira.html
http://www.inca.gov.br/tabagismo/framese...
). Estudo internacional encontrou prevalência entre os acadêmicos de enfermagem de 33% de fumantes e evidenciou a necessidade de desencorajar o consumo de tabaco e trabalhar para implementar programas para capacitar os profissionais de saúde no controle do tabaco e sobre técnicas de aconselhamento de cessação eficazes( 1616. Patelarou E, Vardavas CI, Ntzilepi P, Warren CW, Barbouni A, Kremastinou J, et al. Tabacco Induce diseases. A. 2011;9(1):4. ). Os resultados deste estudo evidenciam que também existe a necessidade de capacitação constante das equipes sobre os aspectos teóricos e/ou práticos que envolvem a cessação do tabagismo, iniciando-se essa capacitação desde a graduação.

As barreiras apontadas pelas equipes de saúde no processo de cessação do tabaco são preocupantes, uma vez que estudo de revisão( 1313. Machado JB, Lopes MHI. Abordagem do tabagismo na gestação. Sci Med. 2009;19(2): 75-80. ) mostra que o melhor momento para abordagem dessas pacientes, e com a obtenção de melhores resultados, é a consulta pré-natal, quando é possível alcançar índices de abstinência de até 70%. Ao encontro dessa atitude, mais de 80% dos membros da equipe referiram interesse em atualizar e aprofundar seus conhecimentos na área, com vistas a melhor assistir essas pacientes. Portanto, urge que as equipes de saúde sejam capacitadas para atuar desde a prevenção, com orientação e abordagem de forma a prevenir a iniciação do tabaco desde a infância. Grupos especializados na cessação do tabagismo oportunizam uma melhor avaliação, tratamento e acompanhamento dos usuários de tabaco, aproximando as ações da equipe multiprofissional daquelas preconizadas pelas Diretrizes Nacionais de Controle do Tabaco( 66. Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM, Sales MPU, et al. Diretrizes para cessação do tabagismo: 2008. J Bras Pneumol. 2008; 34(10):845-80. , 1717. Ramos D, Soares TST, Viegas K. Auxiliando usuários de uma unidade de saúde a parar de fumar: Relato de experiência. Ci Saúde Coletiva. 2009;14(1):1499-505. ).

Apesar disso, resultados alcançados na atenção básica em programas de cessação do tabagismo estão em torno de 35%( 1717. Ramos D, Soares TST, Viegas K. Auxiliando usuários de uma unidade de saúde a parar de fumar: Relato de experiência. Ci Saúde Coletiva. 2009;14(1):1499-505. ), índice superior aos encontrados na literatura, o que reforça a importância da abordagem em todo e qualquer contato com o paciente tabagista, tanto na consulta da rede básica quanto na internação hospitalar. Esses momentos se caracterizam pela possível presença de doença relacionada ao comportamento tabagístico, constituindo-se em ocasião propícia para alterar a rotina do fumante( 44. Motta GCP, Echer IC, Lucena AF. Factors associated with smoking in pregnancy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(4):809-15. , 1111. Pamplona P. Fumador internado? - A intervenção apropriada. Rev Port Pneumol. 2007; 13(6):801-26. ).

Os resultados deste estudo evidenciam a necessidade do tabagismo ser avaliado, acompanhado e tratado pela equipe de saúde cotidianamente, com intervenções apropriadas e em momentos propícios e/ou necessários. Todavia, a equipe necessita ser capacitada para essas intervenções e à instituição cabe desenvolver políticas e protocolos que abranjam o tratamento e o cuidado aos pacientes fumantes, em especial às gestantes e às puérperas.

Este estudo apresenta algumas limitações como o fato de os membros da equipe terem respondido a um questionário impresso, o que pode ter levado a diferentes interpretações das perguntas, bem como o fato de que eles estavam respondendo sobre suas próprias ações com risco de um viés de superestimação de suas ações. Entretanto, entende-se que o processo de cessação que para algumas pessoas é longo, difícil e com recaídas requer uma relação saudável entre profissional/paciente para que tenha sucesso. Para isso é necessário conhecimento, disponibilidade e resolubilidade por parte da equipe de saúde, que poderá facilitar o processo de parar de fumar dos seus pacientes.

Conclusão

As ações preconizadas para o atendimento de gestantes e puérperas tabagistas estão sendo desenvolvidas parcialmente por parte dos membros da equipe de saúde estudada, predominantemente, por médicos e enfermeiros. Essa abordagem aconteceu em apenas duas ocasiões ao longo das internações e/ou consultas das gestantes/puérperas e não incluiu os familiares. As equipes de saúde não têm utilizado instrumentos de avaliação para a paciente tabagista, e os questionamentos, orientações e registros parecem estar voltados exclusivamente para a coleta de informações sobre o uso do fumo, sendo as intervenções incipientes. Portanto, conclui-se que é imperativa a mudança na abordagem da paciente tabagista, com reorganização das equipes de saúde para o desenvolvimento de ações que previnam e tratem o tabagismo. A despeito de estarem sensibilizados para a problemática, os membros da equipe dizem conhecer pouco sobre o assunto e não dispor de tempo na prática clínica para agir sobre esse grave problema de saúde pública. Entende-se que há de se estimular as equipes de saúde para abordarem de forma sistemática e respeitosa as gestantes e puérperas, com vistas ao processo de cessação do tabagismo. Para isso, é preciso capacitá-las não apenas para o manejo correto de fármacos, mas, também, para a orientação adequada sobre os malefícios do tabagismo, com o desenvolvimento de habilidades e técnicas de abordagem capazes de quebrar barreiras relacionadas à falta de tempo e desinformação para auxiliar essas mulheres a parar de fumar e se manterem em abstinência. Pois, a intervenção da equipe de saúde, mesmo que mínima, pode auxiliar a mudar o curso dessa história e fazer diferença para a qualidade de saúde do binômio mãe/bebê.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2013
  • Aceito
    20 Maio 2014
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