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Modelo teórico de cuidado à criança com síndrome congênita pelo vírus Zika no contexto familiar* * Artigo extraído da tese de doutorado “Compreendendo o cuidado da mãe à criança com síndrome congênita pelo zika vírus no contexto familiar”, apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Enfermagem, Natal, RN, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Resumos

Objetivo:

elaborar um modelo teórico acerca do cuidado à criança com Síndrome Congênita pelo Zika vírus no contexto familiar.

Método:

utilizou-se a Teoria Fundamentada nos Dados Straussiana, e referencial teórico/filosófico de Callista Roy e Leonardo Boff. Foi realizada no nordeste brasileiro, com 19 participantes, em quatro grupos amostrais. Os dados foram coletados e analisados simultaneamente, pelo método de comparação constante.

Resultados:

o modelo teórico compreendendo o cuidado da mãe à criança com Síndrome Congênita pelo Zika vírus no seu contexto familiar é formado por cinco categorias: revelando o cuidado da família, de forma centrada na mãe, à criança com a síndrome; identificando a vinculação materna que determina o cuidado à criança com a síndrome no contexto familiar; identificando os fatores que dificultam o cuidado da mãe à criança com a síndrome; reconhecendo a evolução da criança com a síndrome diante do cuidado de estimulação precoce; reconhecendo prejuízos em virtude da ausência do estímulo precoce à criança com a síndrome.

Conclusão:

o fenômeno perpassa pelo cuidado à criança com Síndrome Congênita pelo Zika vírus, no contexto familiar, centrado na mãe e se depara com a necessidade de responsabilidade compartilhada entre os membros da família.

Descritores:
Microcefalia; Infecção pelo Zika Vírus; Relações Familiares; Mães; Família; Teoria Fundamentada


Objective:

to develop a theoretical model about the care of children with Congenital Zika Virus Syndrome in the family context.

Method:

the Straussian Grounded Theory and the theoretical/philosophical framework of Callista Roy and Leonardo Boff were used. It was carried out in northeastern Brazil, with 19 participants, in four sample groups. The data were collected and analyzed simultaneously, using the constant comparison method.

Results:

the theoretical model comprising the mother’s care for the child with Congenital Zika Virus Syndrome in the family context is formed by five categories: revealing family care, centered on the mother, to the child with the syndrome; identifying the maternal bond that determines the care for children with the syndrome in the family context; identifying the factors that hinder the mother’s care for the child with the syndrome; recognizing the evolution of the child with the syndrome in the face of early stimulation care; and recognizing harms due to the absence of early stimulus to children with the syndrome.

Conclusion:

the phenomenon runs through the care of the child with Congenital Zika Virus Syndrome, in the family context and centered on the mother, and is faced with the need for shared responsibility among the family members.

Descriptors:
Microcephaly; Zika Virus Infection; Family Relations; Mothers; Family; Grounded Theory


Objetivo:

desarrollar un modelo teórico sobre el cuidado de niños con Síndrome Congénito por el Virus del Zika en el contexto familiar.

Método:

Se utilizó la Teoría Fundamentada en los Datos de Strauss y el marco teórico/filosófico de Callista Roy y Leonardo Boff. Se llevó a cabo en el noreste de Brasil, con 19 participantes, en cuatro grupos de muestra. Los datos fueron recolectados y analizados simultáneamente, utilizando el método de comparación constante.

Resultados:

el modelo teórico que comprende el cuidado de los niños con Síndrome Congénito por el Virus del Zika por parte de la madre en su contexto familiar está conformado por cinco categorías: revelar el cuidado familiar del niño con el síndrome, centrado en la madre; identificar el vínculo materno que determina el cuidado del niño con síndrome en el contexto familiar; identificar los factores que dificultan el cuidado materno del niño con el síndrome; reconocer la evolución del niño con el síndrome frente a los cuidados de estimulación temprana; reconocer daños causados por falta de estimulación temprana a los niños con el síndrome.

Conclusión:

el fenómeno pasa por el cuidado del niño con Síndrome Congénito por el Virus del Zika, en el contexto familiar, centrado en la madre y se enfrenta a la necesidad de corresponsabilidad entre familiares.

Descriptores:
Microcefalia; Infección por el Virus Zika; Relaciones Familiares; Madres; Familia; Teoria Fundamentada


Introdução

Em 2015, iniciou, no Brasil, um aumento anormal de crianças com microcefalia associado ao vírus Zika recém-chegado no país(11 Sá SAAG, Galindo CC, Dantas RS, Moura JC. Family dynamics of children with congenital Zika syndrome in Petrolina, Pernambuco State, Brazil. Cad Saude Publica. 2020;36(2):1-11. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00246518
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2 Quirino EMB, Pinho CM, Silva MAS, Dourado CARO, Lima MCL, Andrade MS. Epidemiological and clinical profile of microcephaly cases. Enferm Global. 2020;19(57):167-208. doi: https://doi.org/10.6018/eglobal.19.1.366701
https://doi.org/10.6018/eglobal.19.1.366...
-33 Mocelin HJS, Catão RC, Freitas PSS, Prado TN, Bertolde AL, Castro MC, et al. Analysis of the spatial distribution of cases of Zika virus infection and congenital Zika virus syndrome in a state in the southeastern region of Brazil: Sociodemographic factors and implications for public health. Int J Gynaecol Obstet. 2020;148(Suppl 2):61-9. doi: https://doi.org/10.1002/ijgo.13049
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). A microcefalia é a anomalia congênita em que o Perímetro Cefálico (PC) da criança nascida a termo é igual ou inferior a 32 cm(44 Oliveira JV, Carvalho TCX, Giovanetti M, Jesus JG, Santos CS, Pessoa LB, et al. Neonatal surveillance for congenital Zika infection during the 2016 microcephaly outbreak in Salvador, Brazil: Zika vírus detection in asymptomatic newborns. Int J Gynaecol Obstet. 2020;148(Suppl. 2):9-14. doi: https://doi.org/10.1002/ijgo.13042
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). Com o avanço de casos em 2016 e das pesquisas sobre o fenômeno entre recém-nascidos, observou-se que na transmissão vertical do vírus também ocorriam outras malformações além da microcefalia, denominando-se de Síndrome Congênita pelo Zika Vírus (SCZV)(55 Gulland A. Zika virus may be linked to several birth defects, expert warns. BMJ. 2016;3;352:i1322. doi: http://doi.org/10.1136/bmj.i1322
http://doi.org/10.1136/bmj.i1322...
).

A SCZV é a anomalia congênita associada à infecção pelo Zika vírus, caracterizada por calcificações intracranianas; volume cerebral diminuído; anomalias cerebrais graves; anomalias oculares e auditivas; retardo no desenvolvimento cognitivo, motor e fala; paralisia cerebral; epilepsia; disfagia; irritabilidade, ou seja, a síndrome pode se manifestar por meio de uma ampla gama de anormalidades, além do perímetro cefálico diminuído(66 Adebanjo T, Godfred-Cato S, Viens L, Fisher M, Staples E, Kuhnert-Tallman W, et. al. Update: Interim Guidance for the Evaluation and Management of Infants with Possible Congenital Zika Virus Infection - United States, October 2017. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2017 Oct;66(41):1089-99. doi: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6641a1External
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7 Teixeira GA, Dantas DNA, Carvalho GAFL, Silva AN, Lira ALBC, Enders BC. Analysis of the concept of the Zika Virus congenital syndrome. Cienc Saúde Coletiva. 2020 Feb;25(2):567-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020252.30002017
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-88 Eickmann SH, Carvalho MDCG, Ramos RCF, Rocha MAW, Linden VVD, Silva PFS. Zika virus congenital syndrome. Cad Saude Publica. 2016 July;32(7):e00047716. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00047716
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).

Trata-se de uma anomalia complexa com impacto marcante na saúde e no crescimento e desenvolvimento da criança, na vida familiar e nos serviços de saúde, em função da complexidade do cuidado que a condição demanda. Além disso, existem as incertezas sobre as limitações funcionais, as implicações futuras e as demandas de cuidado por vir, ainda em estudo(99 Bailey DB, Ventura LO. The Likely Impact of Congenital Zika Syndrome on Families: Considerations for Family Supports and Services. Pediatrics. 2018 Feb;141(2):e20172038. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2017-2038G
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).

Devido à grande possibilidade de limitações severas de cognição e motricidade, há necessidade de cuidado de saúde coordenado e centrado na família(99 Bailey DB, Ventura LO. The Likely Impact of Congenital Zika Syndrome on Families: Considerations for Family Supports and Services. Pediatrics. 2018 Feb;141(2):e20172038. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2017-2038G
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-1010 Duarte JS, Santos LOF, Sette GCS, Santos TFC, Alves FAP, Coriolano-Marinus MWL. Children's needs with congenital syndrome related to Zika virus in the domiciliary context. Cad Saude Coletiva. 2019;27(3):249-56. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201900030237
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). Há evidências de que o cuidado centrado na família para crianças de necessidades especiais tem melhores resultados(1111 Kuhlthau KA, Bloom S, Cleave JV, Knapp AA, Romm D, Klatka K, et al. Evidence for Family-Centered Care for Children With Special Health Care Needs: A Systematic Review. Acad Pediatr. 2011;11(2):137-43. doi: 10.1016/j.acap.2010.12.014
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).

Nessa perspectiva, a assistência à criança com SCZV deve ser multiprofissional de apoio à família no cuidado integral para o desenvolvimento biológico, psicológico e social da criança. Além do cuidado diário da família para atender às suas necessidades relacionadas às limitações funcionais, inclui a estimulação precoce na rotina de cuidados em família(1010 Duarte JS, Santos LOF, Sette GCS, Santos TFC, Alves FAP, Coriolano-Marinus MWL. Children's needs with congenital syndrome related to Zika virus in the domiciliary context. Cad Saude Coletiva. 2019;27(3):249-56. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201900030237
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,1212 Ministério da Saúde (BR). Diretrizes de estimulação precoce crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: MS; 2016.). A estimulação precoce, principalmente nos primeiros anos de idade, período em que o desenvolvimento do cérebro ocorre mais rapidamente, maximiza o potencial de crescimento físico e maturação neurológica, comportamental, cognitiva, afetiva e social(1212 Ministério da Saúde (BR). Diretrizes de estimulação precoce crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: MS; 2016.).

Portanto, há a necessidade de que a equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF) ofereça uma atenção que apoie a família e proporcione à criança o estímulo precoce, no seu convívio familiar, conforme a orientação da equipe especializada que assiste à criança. Esse cuidado desenvolvido pela família é imprescindível, pois a equipe de profissionais especializados estimula o crescimento e desenvolvimento da criança, mas requer a continuidade pela família no seu cotidiano, para boa evolução da criança.

Contudo, há pouca ação dos profissionais da ESF, dentre eles o Enfermeiro, devido ao desconhecimento das ações adequadas para assistência às crianças com SCZV, no contexto domiciliar, sendo mais conhecido o envolvimento de outros profissionais nessa prática assistencial(11 Sá SAAG, Galindo CC, Dantas RS, Moura JC. Family dynamics of children with congenital Zika syndrome in Petrolina, Pernambuco State, Brazil. Cad Saude Publica. 2020;36(2):1-11. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00246518
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,1010 Duarte JS, Santos LOF, Sette GCS, Santos TFC, Alves FAP, Coriolano-Marinus MWL. Children's needs with congenital syndrome related to Zika virus in the domiciliary context. Cad Saude Coletiva. 2019;27(3):249-56. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201900030237
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).

Embora alguns estudos abordem a criança com SCZV e suas repercussões na dinâmica familiar, estes se apresentam de forma descritiva(11 Sá SAAG, Galindo CC, Dantas RS, Moura JC. Family dynamics of children with congenital Zika syndrome in Petrolina, Pernambuco State, Brazil. Cad Saude Publica. 2020;36(2):1-11. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00246518
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,1010 Duarte JS, Santos LOF, Sette GCS, Santos TFC, Alves FAP, Coriolano-Marinus MWL. Children's needs with congenital syndrome related to Zika virus in the domiciliary context. Cad Saude Coletiva. 2019;27(3):249-56. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201900030237
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,1313 Santos DBC, Prado LOM, Silva RS, Silva EF, Cardoso LCC, Oliveira CCC. Sensibilización de las madres de niños con microcefalia en la promoción de la salud de sus hijos. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03491. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2018022903491
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). O cuidado à criança com SCZV, no contexto familiar, como processo no contexto da enfermagem na assistência primária a saúde, tem sido pouco estudado. Essa lacuna pode estar relacionada ao fato dos primeiros casos da SCZV, em nível mundial, terem surgido no Brasil, em 2015(44 Oliveira JV, Carvalho TCX, Giovanetti M, Jesus JG, Santos CS, Pessoa LB, et al. Neonatal surveillance for congenital Zika infection during the 2016 microcephaly outbreak in Salvador, Brazil: Zika vírus detection in asymptomatic newborns. Int J Gynaecol Obstet. 2020;148(Suppl. 2):9-14. doi: https://doi.org/10.1002/ijgo.13042
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,77 Teixeira GA, Dantas DNA, Carvalho GAFL, Silva AN, Lira ALBC, Enders BC. Analysis of the concept of the Zika Virus congenital syndrome. Cienc Saúde Coletiva. 2020 Feb;25(2):567-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020252.30002017
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) e, portanto, modelos teóricos que expliquem o processo e os conceitos de cuidado da criança com SCZV no contexto familiar podem estar ainda em processo de desenvolvimento.

Dessa forma, esse estudo se propõe a desenvolver uma teorização do cuidado à criança com SCZV no contexto familiar, e os seus conceitos para que venha nortear os profissionais de saúde acerca desse cuidado. Espera-se que os conceitos possam ser utilizados pelas disciplinas da saúde, bem como a da Enfermagem, e deste modo seja possível orientar a assistência no processo de cuidado multiprofissional. Dessa forma, o objetivo deste estudo é elaborar um modelo teórico acerca do cuidado à criança com Síndrome Congênita pelo Zika Vírus no contexto familiar.

Método

Trata-se e um estudo de abordagem qualitativa, norteada pela Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) Straussiana. Esse método de TFD proporciona um meio sistemático de coletar dados para descrever, explicar e prever a prática profissional(1414 Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Análise de dados: comparação entre as diferentes perspectivas metodológicas da Teoria Fundamentada nos Dados. Rev Esc Enferm USP. 2018;52(4):e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
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).

A teoria fundamentada quer dizer: “a teoria foi derivada de dados, sistematicamente reunidos e analisados por meio de processo de pesquisa”, ou seja, o pesquisador começa com uma área de estudo e permite que a teoria surja a partir dos dados. Com isso, a teoria derivada dos dados tende a oferecer melhor entendimento - e fornecer um guia para ação na prática - do que as teorias derivadas da reunião de conceitos, por meio de especulação ou experiência, pois a teoria derivada dos dados se aproxima da realidade vivenciada pelos participantes(1414 Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Análise de dados: comparação entre as diferentes perspectivas metodológicas da Teoria Fundamentada nos Dados. Rev Esc Enferm USP. 2018;52(4):e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
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).

O estudo foi desenvolvido em um Centro de Reabilitação Infantil (CRI), localizado em uma capital do nordeste brasileiro. É um órgão pertencente à Secretaria da Saúde Pública do Estado e presta assistência a pessoas com qualquer tipo de deficiência, seja ela física, mental, sensorial e/ou múltiplas, na faixa etária de 0 a 18 anos. A escolha da instituição se deu em virtude de ser um centro de referência na capital do estado para assistência a crianças com SCZV, como estratégia para identificação das famílias de crianças com esse diagnóstico e a abordagem para participar do estudo.

A seleção dos participantes obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: familiares que prestavam cuidados diretos a crianças com SCZV; com idade ≥ a 18 anos de idade e com tempo mínimo de seis meses em convívio com a criança com SCZV. Os critérios de exclusão foram os familiares em que as crianças tenham diagnósticos de outras malformações além da SCZV, os familiares sem condições cognitivas para conduzir a conversação, os familiares em que as crianças tenham vindo a óbito.

O estudo então contou com a participação de 19 informantes que vivenciam o cuidado à criança com SCZV. Formaram-se quatro grupos amostrais: Grupo I, o maior, com doze mães; Grupo II foi composto por três pais; Grupo III, por duas fisioterapeutas do CRI, e Grupo IV formado por duas enfermeiras da ESF. Os dados coletados determinaram a necessidade de formar grupos amostrais além dos compostos por familiares em virtude dos questionamentos levantados ao longo da coleta(1414 Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Análise de dados: comparação entre as diferentes perspectivas metodológicas da Teoria Fundamentada nos Dados. Rev Esc Enferm USP. 2018;52(4):e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
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). Os grupos foram formados conforme as hipóteses acerca do cuidado foram levantadas durante as entrevistas e precisavam ser verificadas.

A determinação do número de informantes em cada grupo atendeu ao princípio da saturação teórica; ou seja, à medida que ocorreu a coleta fez-se a análise dos dados simultaneamente, a fim de identificar as propriedades (características de uma categoria) e dimensões (semelhanças e diferenças), até não surgirem nos dados novas propriedades e dimensões que caracterizaram a saturação.

A coleta de dados ocorreu no período de abril a outubro de 2018, por meio de entrevista gravada realizada em local privativo e de escolha do informante. As entrevistas iniciais ocorreram predominantemente no CRI e algumas na residência. Nas entrevistas com as mães, utilizou-se um roteiro que solicitava informações sociodemográficas e a discursar sobre o cuidado realizado à criança com SCZV, por meio do seguinte direcionamento “Gostaria que você me falasse como tem sido para você cuidar do seu filho (a) com esse problema”.

Conforme se realizavam as entrevistas, bolsistas de iniciação científica treinadas em transcrição de áudio transcreviam as gravações e a pesquisadora principal conferia a transcrição e iniciava a análise dos dados antes de proceder à entrevista seguinte.

Outrossim, fizeram parte da coleta de dados, simultaneamente à entrevista, a observação e os memorandos. O memorando consiste no registro do que foi visualizado e interpretado pelo pesquisador durante as entrevistas(1212 Ministério da Saúde (BR). Diretrizes de estimulação precoce crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: MS; 2016.). Neste estudo, as observações de timidez, tristeza, choro, como também as reflexões e os questionamentos levantados pelo pesquisador que surgiram durante o estudo foram registrados nos memorandos. Entre os registros dos memorandos encontraram-se os questionamentos que emergiram ao longo da coleta e análise comparativa dos dados e auxiliaram no desenvolvimento das categorias, ou conceitos, e suas dimensões. Os registros contêm pontos sobre o cuidado que devem ser esclarecidos no transcurso do estudo, por exemplo, quem e como é o cuidado da vida diária da criança, que ações terapêuticas se realizam, quais os profissionais de saúde envolvidos no cuidado, sentimentos dos cuidadores, entre outros.

As questões que emergiram da análise dos dados também auxiliaram na definição dos grupos amostrais. O fato de o primeiro grupo amostral ser formado pelas mães ocorreu devido a elas serem as principais acompanhantes das crianças aos atendimentos especializados no serviço de referência. Com a análise dos dados surgiram novos questionamentos tais como: de que forma os pais participam do cuidado à criança com SCZV? Como os pais se sentem em relação à responsabilidade do cuidado à criança com SCZV? E assim, a necessidade de confrontar os dados das entrevistas maternas com a vivência dos pais deu origem ao segundo grupo amostral. Da mesma forma, as informações relatadas pelas mães sobre o envolvimento de profissionais no cuidado levantaram questionamentos acerca da forma como o cuidado profissional/família ocorre e que precisam ser esclarecidos: Como os fisioterapeutas do CRI promovem a estimulação precoce da criança com SCVZ? Como os enfermeiros realizam a consulta de crescimento e desenvolvimento da criança com SCZV?

Diante desses questionamentos, ocorreram as entrevistas individuais com todos os entrevistados dos demais grupos amostrais, em ambientes privativos. Aquelas realizadas com os fisioterapeutas e enfermeiros ocorreram nos seus locais de trabalho, por indicação das mães e agendamento prévio. Os fisioterapeutas participantes desse estudo atuavam na estimulação precoce do crescimento e desenvolvimento das crianças no CRI. As enfermeiras assistiam essas crianças na ESF desde os primeiros dias de vida, desenvolvendo cuidados voltados ao acompanhamento do crescimento e desenvolvimento. As entrevistas realizadas com os pais foram agendadas nos domicílios respectivos pela dificuldade de encontrá-los nos serviços de saúde. Já as mães foram entrevistadas no serviço de referência, conforme sua disponibilidade.

A análise dos dados ocorreu utilizando-se da análise comparativa concomitantemente à coleta de dados, utilizando-se dos procedimentos da codificação aberta, axial e seletiva, processos que permitem a construção de categorias e subcategorias, demonstrando os conceitos e as dimensões elaborados a partir dos dados, segundo Strauss e Corbin. Essas etapas metodológicas são permeadas por idas e vindas, indicando processo necessário para relacionar conceitos e categorizar os dados na definição da categoria central. A categoria central explica o fenômeno sob estudo, ou seja, é a interpretação do tema da pesquisa(1414 Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Análise de dados: comparação entre as diferentes perspectivas metodológicas da Teoria Fundamentada nos Dados. Rev Esc Enferm USP. 2018;52(4):e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
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).

Na codificação aberta, os conceitos foram identificados, a partir dos dados, com as suas propriedades e dimensões. A seguir, foram verificadas as diferenças e similaridades entre os dados já codificados das entrevistas anteriores e agruparam-se aos conceitos provisórios. Esse processo de codificação permitiu a efetivação da etapa de codificação axial, onde se iniciou o processo de reagrupamento dos dados fragmentados durante a codificação aberta. E ao longo desse processo de reagrupamento desenvolveu-se a etapa da codificação seletiva em que as categorias foram refinadas com conceitos mais abstratos, integrando as subcategorias originadas dos conceitos/códigos advindos das entrevistas, dando origem à categoria central. Formou-se assim o modelo teórico com as categorias/componentes de ações-interações, condições e consequências.

No processo de construção, utilizou-se a perspectiva filosófica de Leonardo Boff sobre cuidado para posicionar o entendimento do autor acerca do aspecto afetivo da relação família/criança/cuidado com SCZV. Nessa perspectiva, o cuidado é uma atitude muito mais do que um ato, pois representa uma ocupação, preocupação, exige responsabilização e requer envolvimento afetivo com o outro(1515 Boff L. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes; 1999.). Já o modelo de Adaptação de Roy serviu para visualizar a criança com SCZV como um ser holístico, e a sua família empreendendo o caminho de adaptação afetado pelos estímulos da vida, em consequência das anomalias e o envolvimento dos cuidadores na procura da capacidade adaptativa(1616 Roy SC, Andrews HA. The Roy adaptation model. 2. ed. Stanford: Appleton & Lange; 1999.).

A pesquisa respeitou os princípios éticos, seguindo o parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 14/07/2017, com o CAAE n° 69859717.1.0000.5537. Para manter o anonimato dos participantes eles foram enumerados de acordo com a ordem de entrevistas e grupo amostral.

Resultados

As famílias dessas crianças com SCZV residem no interior ou na periferia de uma capital do nordeste brasileiro, com dificuldade de transporte para os serviços de referência de assistência à criança. A renda familiar média é de cerca de 1 salário mínimo, procedente do auxílio-doença, pois o cuidado da criança demanda atenção integral das mães, o que inviabiliza o retorno materno ao mercado de trabalho. Além dessas condições de vulnerabilidade há o baixo nível de escolaridade dessas famílias.

Os significados do cuidado à criança com SCZV no contexto familiar construídos neste estudo foram realizados com base nos conceitos levantados a partir dos dados das vivências, percepções e sentimentos das mães e pais de crianças com SCZV acerca do cuidado no âmbito familiar. Isso permitiu a descrição da ocorrência do fenômeno e a demonstração esquemática da sua estrutura e organização das conexões enquanto processo.

Desta forma, durante o processo de análise dos dados nos diversos níveis, aberta, axial e seletiva, ocorreu a descoberta dos três componentes do modelo teórico: ações-interações; condições e consequências. As relações entre os dados desses elementos surgem como categorias e subcategorias, cada um contendo elementos e dimensões próprias que lhe identificam. Em conjunto, esses elementos estruturais descrevem e explicam o processo do fenômeno abordado.

A estrutura do modelo teórico elaborado neste estudo é representada na Figura 1, com as cinco categorias e suas respectivas subcategorias que sustentam a categoria central do fenômeno: Compreendendo o cuidado da mãe à criança com SCZV no contexto familiar. Nessa figura, mostra-se que a categoria central identifica a mãe como o membro principal protagonista do cuidado à criança com SCZV no âmbito familiar. Embora receba algum apoio do pai, é a mãe que atende, com abnegação, às demandas do cuidado diário, enquanto vivenciando sentimentos de sobrecarga ao enfrentar dificuldades e a ausência de apoio de outros.

Essa referida figura foi validada. Na etapa de validação foi apresentada a ilustração do modelo e sua síntese às mães de crianças com SCZV, que acompanham seus filhos em terapia no CRI, as quais se reconheceram e reiteraram as categorias e subcategorias do modelo teórico: Compreendendo o cuidado da mãe à criança com SCZV no seu contexto familiar.

Figura 1
Componentes do modelo teórico: Compreendendo o cuidado da mãe à criança com SCZV no contexto familiar, e as categorias e subcategorias que a integram. Natal, RN, Brasil, 2018

Para apresentação do modelo teórico, foi construída uma figura ilustrativa acerca do cuidado à criança com SCZV, no seu contexto familiar, centrado na mãe, apesar de as famílias dessas crianças serem compostas por pai, mãe e irmãos. Nesse modelo há a presença do pai, no entanto, apenas como auxílio, especialmente no brincar com as crianças nas horas em que não há compromissos profissionais e pessoais. Portanto, a mãe é quem assume a responsabilidade por todo o cuidado à criança com SCZV e em tempo integral, pois o pai não se sente parte responsável por esse cuidado. Ele auxilia quando lhe convém, conforme explica um pai: Quando a mãe está em casa, a gente como pai não se preocupa. Só quando a mãe sai de casa, é que a gente como pai se preocupa e tenta fazer o máximo possível. Eu vejo a mãe cuidando e cuido do jeito que ela cuida (Pai 03).

Figura 2
Modelo teórico compreendendo o cuidado da mãe à criança com SCZV no seu contexto familiar. Natal, RN, Brasil, 2018

SCZV = Síndrome Congênita pelo Zika Vírus; CRI = Centro de Reabilitação Infantil; ESF = Estratégia de Saúde da Família


Dessa forma, a família, sobretudo a mãe, é quem observa, identifica e busca atender às necessidades da criança com SCZV. Essas crianças demandam cuidados de rotina (alimentação, higienização) comuns a toda criança; cuidados específicos para situações de irritabilidade, convulsões, alterações no sono, dependência física e emocional; e cuidados de estimulação precoce do crescimento e desenvolvimento.

Portanto, o acolhimento e resolução das necessidades das crianças com SCZV dependem das mães, com auxílios esporádicos, para alguns cuidados, dos pais e irmãos da criança. Muitas vezes, os cuidados dos membros da família se resumem em brincar, por alguns instantes, enquanto a mãe providencia o banho e a comida da criança, e os cuidados com o lar.

As mães são sobrecarregadas para tudo: é pra atendimento, é pra cuidar de criança, de casa. Não por conta do menino, porque em todo canto que chego ele é bem-vindo, até mesmo minha família me chama para trazer ele, mas sobrecarga de responsabilidade no cuidado com a criança. O pai passa o dia trabalhando, só vai até ele uma vez perdida, uma vez no século (Mãe 12).

Conforme percebido nessa fala anterior, reforça-se que a responsabilidade do cuidado à criança com SCZV é sobre as mães, pois o pai se coloca como provedor do lar e ajudante da mãe, não se sentindo como responsável pelo cuidado.

Portanto, tanto em decorrência da rede de apoio fragilizada, quanto pela dependência afetiva e física da criança com a mãe, e da comunicação não-verbal compreendida quase que exclusivamente pela mãe, ocorrem consequentemente cansaço e exaustão maternos, porque além dos cuidados comuns a uma criança padrão, essas crianças em estudo demandam intensificação da atenção da mãe para compreender e atender suas necessidades.

O banho tem que ser mais delicado porque ela é molinha; a questão da comida tem que dar na postura correta porque ela engasgava muito; a questão do sono também que ela tem refluxo, tem que ficar sempre atenta porque ela acorda tossindo querendo se engasgar. Pelo fato de ser tão limitada são cuidados bem delicados, a gente se dedica mais profundo (Mãe 09).

Com essas necessidades diferenciadas, demandam a presença das mães para o cuidado da criança pelos membros da família, ou as mães só conseguem confiar e sentir-se seguras em ausentar-se da residência, por um momento de necessidade, conforme o desenvolvimento da criança possibilite menor dependência.

Diante desses fatores que provocam a sobrecarga materna de cuidados com o lar e com a criança, ocorre redução no tempo da mãe para a estimulação precoce do crescimento e desenvolvimento da criança com SCZV, ocasionando redução na qualidade de vida de ambos.

Nesse direcionamento, as mães mesmo com as perdas no seu autocuidado, renúncias social e de trabalho, do cansaço físico e mental enfrentam essa sobrecarga de responsabilidade e cuidados em virtude do envolvimento e amor incondicional entre mãe e criança com SCZV. Isso porque há um envolvimento integral entre o binômio mãe-filho em que os dois se juntam por inteiro expandindo os limites maternos e diferenciando-se de todos os outros membros da família. Como podemos observar a seguir pela fala do participante: hoje ela é tudo pra mim, não tenho como falar, tanto eu como ela somos tudo uma pra outra! Eu sou as pernas, os braços, eu sou os olhos, eu sou tudo dela e ela é muito pra mim, mesmo com as limitações, com o jeito dela. Como eu tenho outro filho o gostar e o amor é o mesmo, mas o cuidado maior é com ela, porque como ela não sabe de nada sozinha, eu sou a cabeça, eu sou os braços, eu sou as pernas, eu sou tudo dela (Mãe 10).

Além disso, a mãe tem uma capacidade resiliente pela esperança de que com seus cuidados a criança com SCZV venha se desenvolver e andar. E sobre essa motivação as mães têm relatado a participação dos profissionais fisioterapeutas do CRI e das enfermeiras da ESF como apoiadores na estimulação precoce do crescimento e desenvolvimento da criança com SCZV.

Os fisioterapeutas estimulam e demonstram os exercícios a serem executados pela família no domicílio e as enfermeiras da ESF durante as consultas de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento reforçam a importância da continuidade dessa estimulação pela família no cotidiano da criança com SCZV.

Portanto, as crianças que são inseridas no meio familiar, e simultaneamente são assistidas pela equipe especializada que incentiva a continuidade da estimulação precoce no convívio familiar, e por sua vez, recebem em seu domicílio, cuidados de estimulação pela família apresentam melhor evolução de habilidades das suas potencialidades existentes. Deitada no chão a gente ficava fazendo movimento no bracinho e na perna. Numa caixa d’água de 1000 litros o pai dela coloca água e fica dentro com ela brincando. Em cima da cama é levantando os bracinhos dela, as pernas, emborcando para um lado e para o outro, brincando com ela. E com as escovinhas, que a mãozinha dela era fechada, passando por cima da mão pra ela sentir cosquinha e tentar abrir a mão. A gente pegava uma fralda botava embaixo do bracinho dela, segurava pra ela ir tentando andar, se ela não conseguisse a gente firmava o pé dela e começa a falar, ela olhava pra gente rindo e tentando. Graças a Deus hoje ela já está andando normalmente (Mãe 05).

Entretanto, percebe-se retardo no desenvolvimento das habilidades das crianças com SCZV, por apresentarem dificuldades de acesso à assistência especializada que promova uma rotina de estimulação precoce do seu crescimento e desenvolvimento a ser realizada rotineiramente por sua família.

Discussão

As famílias das crianças com SCZV participantes residem no interior ou na periferia da cidade onde se realizou o estudo e referiram dificuldade de transporte para os serviços de referência de assistência à criança. Esse problema reflete as inequidades e as dificuldades de acesso dos serviços de saúde no Brasil por crianças com deficiências(1717 Albuquerque MSV, Lyra TM, Melo APL, Valongueiro AS, Araújo TVB, Pimentel C, et al. Access to healthcare for children with Congenital Zika Syndrome in Brazil: perspectives of mothers and health professionals. Health Policy Plan. 2019;34:499-507. doi: https://doi.org/10.1093/heapol/czz059
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), e os problemas enfrentados pelas famílias cuidadoras, devido a políticas institucionais que dificultam a coordenação de serviços e a comunicação(1818 Ray LD. The Social and Political Conditions That Shape Special-Needs Parenting. J Fam Nurs. 2003;9(3):281-304. doi: https://doi.org/10.1177/1074840703255436
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). Apesar do fortalecimento dos serviços de saúde brasileiros pelo governo federal, para o cuidado em saúde de crianças com SCZV, a dificuldade de acesso aos serviços especializados do Sistema Único de Saúde (SUS) e a fragmentação do cuidado continuam(1717 Albuquerque MSV, Lyra TM, Melo APL, Valongueiro AS, Araújo TVB, Pimentel C, et al. Access to healthcare for children with Congenital Zika Syndrome in Brazil: perspectives of mothers and health professionals. Health Policy Plan. 2019;34:499-507. doi: https://doi.org/10.1093/heapol/czz059
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).

A pobreza constitui outro fator que afeta a acessibilidade e equidade dos serviços(1010 Duarte JS, Santos LOF, Sette GCS, Santos TFC, Alves FAP, Coriolano-Marinus MWL. Children's needs with congenital syndrome related to Zika virus in the domiciliary context. Cad Saude Coletiva. 2019;27(3):249-56. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201900030237
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,1717 Albuquerque MSV, Lyra TM, Melo APL, Valongueiro AS, Araújo TVB, Pimentel C, et al. Access to healthcare for children with Congenital Zika Syndrome in Brazil: perspectives of mothers and health professionals. Health Policy Plan. 2019;34:499-507. doi: https://doi.org/10.1093/heapol/czz059
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). No estudo, a renda familiar das famílias é de cerca de 1 salário mínimo, procedente do auxílio-doença - Benefício de Prestação Continuada (BPC) - pois o cuidado da criança demanda atenção integral das mães e com isso elas não retornam ao mercado de trabalho. Somado a esses fatores de vulnerabilidade há o baixo nível de escolaridade das famílias.

Assim, as mães de crianças com SCZV encaram cotidianamente dificuldades e desafios de cuidar de crianças com alterações no seu desenvolvimento e crescimento. Partindo dessa premissa, as categorias e subcategorias emergentes dos dados descrevem e explicam de forma inter-relacionada o cuidado à criança com SCZV no contexto familiar. Com isso, os significados originados orientam o cuidado dos profissionais de saúde, principalmente dos enfermeiros das ESF, sobre a promoção do fortalecimento da rede de apoio materno e compartilhamento do cuidado.

Percebe-se que o cuidado à criança com SCZV no contexto familiar, centralizado na mãe, causa sobrecarga materna que, ao se posicionar como o cerne do processo de cuidar, em tempo integral, ocasiona prejuízo à sua qualidade de vida. Com as atribuições do cuidado dos filhos inerentes à mulher, em virtude das desigualdades de gênero, surge como consequência o cansaço, a exaustão e tempo insuficiente para seu autocuidado, bem como para estimulação precoce do crescimento e desenvolvimento da criança com SCZV. Dessa forma, estudo que objetivou examinar como os pais vivenciam seu trabalho como cuidadores de seu filho com deficiência crônica, reforça a hegemonia e compromisso diário significativo da mãe(1919 Ranehov L, Håkansson C. Mothers' experiences of their work as healthcare assistants for their chronic disabled child. Scand J Occup Ther. 2019;26:121-34, doi: 10.1080/11038128.2018.1483427
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). As tarefas são realizadas fundamentalmente por elas, com apoio ocasional de outras mulheres da família, como avós, enquanto os pais realizam atividades logísticas e brincam com as crianças(2020 Cantero-Garlito PA, Moruno-Miralles P, Flores-Martos JA. Mothers Who Take Care of Children with Disabilities in Rural Areas of a Spanish Region. Int J Environ Res Public Health. 2020;17:2920. doi: 10.3390/ijerph17082920
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).

Segundo o Ministério da Saúde brasileiro, a estimulação precoce do crescimento e desenvolvimento da criança é indispensável durante os 3 primeiros anos de vida, devido ser o período em que ocorre a maturação neurológica, comportamental, cognitiva, afetiva e social(1212 Ministério da Saúde (BR). Diretrizes de estimulação precoce crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: MS; 2016.). No entanto, observam-se nos dados que com a sobrecarga de cuidados maternos não tem sido possível disponibilizar o tempo necessário para estimulação precoce no âmbito familiar.

Portanto, torna-se imprescindível o olhar profissional para o cuidado à criança e a sua família, analisando a estrutura familiar como um todo: por quais membros essa família é composta, o seu contexto, os vínculos afetivos envolvidos e a interação entre os indivíduos, os papéis desempenhados por cada membro familiar, como também, compreender a reorganização das famílias frente ao nascimento e as necessidades das crianças com SCZV(2121 Dias BC, Marcon SS, Reis P, Lino IGT, Okido ACC, Ichisato SMT, et al. Family dynamics and social network of families of children with special needs for complex/continuous cares. Rev Gaucha Enferm. 2020;41:e20190178. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190178
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).

Segundo Sister Callista Roy e o modelo de Adaptação, o estímulo gerado pelo meio familiar, social e do ambiente é a melhor forma de promover desenvolvimento e adaptações nas crianças(1616 Roy SC, Andrews HA. The Roy adaptation model. 2. ed. Stanford: Appleton & Lange; 1999.). Apesar disso, a partir dos dados desse estudo foi possível perceber que o acesso à assistência especializada para crianças com SCZV é tão deficitário quanto a estimulação precoce dessas crianças no âmbito domiciliar.

Nesse contexto, o enfermeiro, como profissional da ESF, que observa a criança com SCZV no seu domicílio, deve atuar junto às famílias, a fim de promover a inserção familiar e social dessas crianças, potencializando o seu desenvolvimento, bem como também fortalecer a rede de apoio e o cuidado compartilhado.

Para mais, o cuidar de pessoas é a forma de se fazer enfermagem(2222 Silva MJP. Nursing Science. Acta Paul Enferm. 2012 Jul;25(4):i-ii. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-21002012000400001
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). Ao se referir ao cuidado, transpassa-se o ato de cuidar e refere-se a uma atitude, o que significa uma responsabilidade afetiva com o outro ou uma forma de complacência e serviço(1515 Boff L. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes; 1999.). Assim, amplia-se o conceito de cuidado em família, o que exige de todos, sejam pais, mães, tios, tias, avós, avôs, o envolvimento, responsabilização e senso de competência para desenvolver as habilidades da criança.

De tal modo, estudo aponta que a inserção do pai na assistência pré-natal, parto e pós-parto, como participante do processo, contribui para a reconstrução da identidade masculina de provedor do lar e suporte da mãe para tornar-se parte da tríade mãe-família-bebê, pois a participação do homem no processo de gestar e parir promove envolvimento, vínculo e responsabilização no cuidado do filho(2323 Braide ASGB, Brilhante AV, Arruda CN, Mendonça FAC, Caldas JMP, Nations MK, et al. Sou homem e pai sim! (Re)construindo a identidade masculina a partir da participação no parto. Rev Panam Salud Publica. 2018;42:e190. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.190
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).

Além do cuidado diário da família para atender às necessidades básicas inerentes à infância, nas crianças com SCZV há os cuidados relacionados às limitações funcionais, e a necessidade de estimulação precoce na rotina de cuidados em família. Dessa forma, estudo realizado no Canadá com famílias de crianças com doenças crônicas e/ou deficiência assemelha-se à necessidade das crianças com SCZV, de cuidados da família em tempo integral. No entanto, esse mesmo estudo no Canadá diverge por apresentar a participação paterna ao compartilhar a responsabilidade de cuidados dos filhos com doenças crônicas e/ou deficiência(2424 Woodgate RL, Edwards M, Ripat JD, Boston B, Rempel G. Intense parenting: a qualitative study detailing the experiences of parenting children with complex care needs. BMC Pediatr. 2015;15:97. doi: https://doi.org/10.1186/s12887-015-0514-5
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).

Nesse sentido, o profissional de enfermagem, ao sensibilizar os familiares para partilhar o cuidado com a mãe, tornando a forma de preocupação e cuidado como compartilhada entre os membros da família, permite que a mãe (cuidadora) reduza suas sobrecargas e possibilite o autocuidado materno, como também, a estimulação precoce da criança com SCZV, com vistas à necessidade de desenvolvimento de suas habilidades.

A pesquisa, mesmo seguindo todo o rigor metodológico, apresenta como limitação o fato de abordar a vivência de um único cenário. Dessa forma, sugerem-se novos estudos que venham explorar os contextos em outros serviços. Além disso, recomenda-se a realização de estudos posteriores que possam contemplar crianças que estejam ausentes dos serviços de assistência especializada por diversas razões, para assim incluir outras possibilidades do cuidado à criança com SCZV no contexto familiar.

Portanto, espera-se que este estudo contribua com as disciplinas da saúde e a ciência da enfermagem, no despertar para formulação de políticas públicas e ampliação de discussões entre gestores e profissionais da saúde, sobretudo, da enfermagem para qualificar a equipe de saúde no processo do cuidado que busque promover o fortalecimento da rede de apoio e sensibilização da necessidade de responsabilização do cuidado compartilhado entre os membros da família. A cogestão com a família, especialmente com a figura materna, na construção de saberes e ações, potencializa a participação ativa e orienta condutas específicas no processo terapêutico da criança com SCZV.

Conclusão

O fenômeno perpassa o cuidado com a criança com SCZV no contexto familiar, centrado na mãe e se depara com a necessidade de responsabilidade compartilhada entre os membros da família. Além disso, o modelo teórico que explicou o fenômeno Compreendendo o cuidado da mãe à criança com SCZV no seu contexto familiar orienta o cuidado de enfermagem nesse processo, por meio do fortalecimento da rede de apoio ao cuidado dessas crianças e sensibilização quanto à necessidade de reconstrução da identidade masculina.

Agradecimentos

Agradecemos a Sarah Valentina Cruz da Silva e Adeleide Cristina Melo dos Santos pela grande contribuição nas transcrições das entrevistas, sem cujo auxílio não teria sido possível a execução do projeto.

  • *
    Artigo extraído da tese de doutorado “Compreendendo o cuidado da mãe à criança com síndrome congênita pelo zika vírus no contexto familiar”, apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Enfermagem, Natal, RN, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    Bolsista da Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte (FAPERN/UFRN), Brasil.
  • 4
    Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.

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Editado por

Editora Associada: Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    8 Ago 2020
  • Aceito
    7 Dez 2020
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