Problemas emocionais e comportamentais em adolescentes no contexto da COVID-19: um estudo de método misto

Peterle, Carolina Ferreira; Fonseca, Caroline Lima; Freitas, Bruna Hinnah Borges Martins de; Gaíva, Maria Aparecida Munhos; Diogo, Paula Manuela Jorge; Bortolini, Juliano

doi:10.1590/1518-8345.6273.3745

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Revista Latino-Americana de Enfermagem

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Sumário

Artigo Original • Rev. Latino-Am. Enfermagem 30 (spe) • 2022 • https://doi.org/10.1590/1518-8345.6273.3745 copiar

Problemas emocionais e comportamentais em adolescentes no contexto da COVID-19: um estudo de método misto^* * Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo nº 23108.067616/2021-09, Brasil.

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Resumo

Objetivo:

estimar a prevalência de problemas emocionais e comportamentais em adolescentes no contexto da pandemia de COVID-19 e explorar a percepção dos adolescentes sobre os problemas emocionais e comportamentais identificados.

Método:

estudo de método misto de desenho explanatório sequencial. Participaram 479 adolescentes de 15 a 18 anos de uma capital do Centro-Oeste brasileiro.

Resultados:

dos 479 participantes, a média de idade foi de 16,03 anos (DP=1,01). A prevalência de problemas emocionais e comportamentais foi de 61,17% e houve diferença em relação ao sexo (OR_b=2,93; p<0,01). As maiores prevalências foram relativas aos problemas de relacionamentos com os pares (54,49%) e aos sintomas emocionais (52,40%). Os adolescentes perceberam o aumento de solidão, ansiedade, tristeza, distanciamento dos amigos e dificuldades de socialização durante a pandemia.

Conclusão:

a maioria dos adolescentes foi classificada com problemas emocionais e comportamentais, sendo que as meninas apresentaram maior chance de manifestá-los em comparação aos meninos. Os depoimentos dos adolescentes reforçam os resultados quantitativos. Dessa forma, nota-se a necessidade de implementar ações de promoção e restabelecimento da saúde mental dos adolescentes, de modo a mitigar o impacto socioemocional da pandemia de COVID-19 junto a essa população.

Descritores:
Emoções; Comportamento; Saúde Mental; Adolescentes; Pandemia por Covid-19; Enfermagem

Destaques:

(1) A pandemia de COVID-19 repercutiu negativamente nas emoções e comportamentos. (2) 61,17% dos adolescentes foram classificados com problemas emocionais e comportamentais (PEC). (3) As meninas foram as que mais apresentaram PEC no contexto pandêmico. (4) Problemas de relacionamento com os pares e sintomas emocionais foram os mais prevalentes.

Itens do SDQ-Por*		n (%)
Sintomas emocionais	Muitas vezes tenho dor de cabeça, dor de barriga ou enjoo
	Normal	207 (43,22%)
	Limítrofe	120 (25,05%)
	Anormal	152 (31,73%)
	Tenho muitas preocupações, muitas vezes pareço preocupado com tudo
	Normal	62 (12,94%)
	Limítrofe	135 (28,18%)
	Anormal	282 (58,87%)
	Frequentemente estou chateado, desanimado ou choroso
	Normal	167 (34,86%)
	Limítrofe	123 (25,68%)
	Anormal	189 (39,46%)
	Fico nervoso quando tenho que fazer alguma coisa diferente, facilmente perco a confiança em mim mesmo
	Normal	92 (19,21%)
	Limítrofe	125 (26,10%)
	Anormal	262 (54,70%)
	Eu sinto muito medo, eu me assusto facilmente
	Normal	211 (44,05%)
	Limítrofe	137 (28,60%)
	Anormal	131 (27,35%)
Problemas de conduta	Eu fico muito bravo e geralmente perco a paciência
	Normal	91 (19,00%)
	Limítrofe	169 (35,28%)
	Anormal	219 (45,72%)
	Geralmente sou obediente e normalmente faço o que os adultos me pedem
	Normal	237 (49,48%)
	Limítrofe	205 (42,80%)
	Anormal	37 (7,72%)
	Eu brigo muito. Eu consigo fazer com que as pessoas façam o que eu quero
	Normal	287 (59,92%)
	Limítrofe	137 (28,60%)
	Anormal	55 (11,48%)
	Geralmente eu sou acusado de mentir ou trapacear
	Normal	335 (69,94%)
	Limítrofe	70 (14,61%)
	Anormal	74 (15,45%)
	Eu pego coisas que não são minhas, de casa, da escola ou de outros lugares
	Normal	445 (92,90%)
	Limítrofe	25 (5,22%)
	Anormal	9 (1,88%)
Hiperatividade	Não consigo parar sentado quando tenho que fazer a lição ou comer; me mexo muito, esbarrando em coisas, derrubando coisas
	Normal	240 (50,10%)
	Limítrofe	144 (30,06%)
	Anormal	95 (19,83%)
	Estou sempre agitado, balançando as pernas ou mexendo as mãos
	Normal	129 (26,93%)
	Limítrofe	105 (21,92%)
	Anormal	245 (51,15%)
	Facilmente perco a concentração
	Normal	79 (16,49%)
	Limítrofe	151 (31,52%)
	Anormal	249 (51,98%)
	Eu penso antes de fazer as coisas
	Normal	214 (44,68%)
	Limítrofe	209 (43,63%)
	Anormal	56 (11,69%)
	Eu consigo terminar as atividades que começo. Eu consigo prestar atenção
	Normal	125 (26,10%)
	Limítrofe	236 (49,27%)
	Anormal	118 (24,63%)
Problemas de relacionamento com os pares	Eu estou quase sempre sozinho. Eu geralmente jogo sozinho ou fico na minha
	Normal	137 (28,60%)
	Limítrofe	126 (26,30%)
	Anormal	216 (45,09%)
	Eu tenho pelo menos um bom amigo ou amiga
	Normal	331 (69,10%)
	Limítrofe	73 (15,24%)
	Anormal	75 (15,66%)
	Em geral, os outros jovens gostam de mim
	Normal	181 (37,79%)
	Limítrofe	214 (44,68%)
	Anormal	84 (17,54%)
	Os outros jovens me perturbam, ‘pegam no pé’
	Normal	335 (69,94%)
	Limítrofe	93 (19,42%)
	Anormal	51 (10,65%)
	Eu me dou melhor com os adultos do que com pessoas da minha idade
	Normal	159 (33,19%)
	Limítrofe	156 (32,57%)
	Anormal	164 (32,24%)
Comportamento pró-social	Eu tento ser legal com as outras pessoas. Eu me preocupo com os sentimentos dos outros
	Normal	359 (74,95%)
	Limítrofe	95 (19,83%)
	Anormal	25 (5,22%)
	Tenho boa vontade para dividir, emprestar minhas coisas (comida, jogos, canetas)
	Normal	198 (41,34%)
	Limítrofe	177 (36,95%)
	Anormal	104 (21,71%)
	Tento ajudar se alguém parece magoado, aflito ou sentindo-se mal
	Normal	354 (73,90%)
	Limítrofe	101 (21,09%)
	Anormal	24 (5,01%)
	Sou legal com crianças mais novas
	Normal	298 (62,21%)
	Limítrofe	139 (29,02%)
	Anormal	42 (8,77%)
	Frequentemente me ofereço para ajudar outras pessoas (pais, professores, crianças)
	Normal	240 (50,10%)
	Limítrofe	165 (34,45%)
	Anormal	74 (15,45%)

Domínios do SDQ-Por*		Sexo		Regressão Logística
Domínios do SDQ-Por*	Geral n (%)	Masculino n (%)	Feminino n (%)	OR_b ^†(IC_95% ^‡)	p-valor
Dificuldades totais
Não	186 (38,83%)	72 (58,06%)	114 (32,11%)	1
Sim	293 (61,17%)	52 (41,94%)	241 (67,89%)	2,93 (1,92; 4,46)	<0,01
Sintomas emocionais
Não	228 (47,60%)	91 (73,39%)	137 (38,59%)	1
Sim	251 (52,40%)	33 (26,61%)	218 (61,41%)	4,39 (2,79; 6,89)	<0,01
Problemas de conduta
Não	305 (63,67%)	88 (70,97%)	217 (61,13%)	1
Sim	174 (36,33%)	36 (29,03%)	138 (38,87%)	1,55 (1,00; 2,42)	0,05
Hiperatividade
Não	268 (55,95%)	87 (70,16%)	181 (50,99%)	1
Sim	211 (44,05%)	37 (29,84%)	174 (49,01%)	2,26 (1,46; 3,50)	<0,01
Problemas de relacionamentos com os pares
Não	218 (45,51%)	65 (52,42%)	153 (43,10%)	1
Sim	261 (54,49%)	59 (47,58%)	202 (56,90%)	1,45 (0,96; 2,19)	0,07
Comportamento pró-social
Sim	430 (89,77%)	108 (87,10%)	322 (90,70%)	1
Não	49 (10,23%)	16 (12,90%)	33 (9,30%)	0,69 (0,36; 1,31)	0,26

Domínio/Tema	Resultados quantitativos	Achados qualitativos	Análise integrada
Sintomas emocionais	251 (52,40%)	Solidão: “A partir do início da pandemia me senti solitário”	A maioria dos adolescentes foi classificada com sintomas emocionais, que foram intensificados no período de pandemia, principalmente entre as meninas.
		Ansiedade: “muito ansiosa, piorou mais por causa da pandemia”
		Tristeza: “eu começo a chorar, aí eu fico mal, triste”
		Sentimento de impotência: “eu me vi nessa situação de impotência”
		Sentimentos reprimidos: “Eu prefiro guardar para mim do que falar para as pessoas”
Problemas de conduta	174 (36,33%)	Impulsividade e agressividade: “não sei me controlar na hora da briga”; “eu sou muito grossa”	Boa parte dos adolescentes apresentou problemas de conduta. O contexto pandêmico gerou mais impulsividade, agressividade e sentimentos de raiva, além de maior dificuldade de socialização entre eles.
		Raiva: “fico com raiva da pessoa”
		Dificuldade de socialização: “eu não sou muito assim de socializar”; “eu evito falar com as pessoas”
Hiperatividade	211 (44,05%)	Agitação psicomotora: “tremendo a perna, a mão assim de nervoso, roendo as unhas”; “tremores tipo aqueles tiques de mexer as pernas, ficar mexendo a mão”	A prevalência do sintoma de hiperatividade foi alta entre os adolescentes, e a pandemia de COVID-19 influenciou a intensificação desse sintoma, principalmente diante do ensino remoto emergencial adotado nesse período. As meninas foram as mais atingidas por esses sintomas.
		Falta de atenção: “acabo me distraindo…”; “eu não consigo só sentar e, tipo, ir comer”; “falta de foco”
		Dificuldade de absorver aprendizados: “Tenho tido muita dificuldade em estudar”
Problemas de relacionamentos com os pares	261 (54,49%)	Distanciamento dos amigos: “eu me distanciei”; “me afastei de muitas amizades”; “tive muitos amigos que se afastaram”	A maioria dos adolescentes apresentou problemas de relacionamentos. A pandemia impactou esses relacionamentos e sintomas, gerando sofrimento emocional aos adolescentes.
Problemas de relacionamentos com os pares	261 (54,49%)	Renovação das amizades: “O meu ciclo de amizade mudou”
Comportamento pró-social	430 (89,77%)	Participação em movimentos sociais: “sempre participei em movimentos sociais”	Quase a totalidade dos adolescentes apresentam comportamento pró-social. Com a chegada da pandemia, os adolescentes passaram a valorizar ainda mais as ações para beneficiar outra pessoa.
		Cooperação familiar: “ajudo a minha mãe a cuidar da minha irmã”
		Ajuda socioeconômica: “A gente comprou cestas básicas”; “ajudou também na questão de chegar o acesso à internet também a muitos alunos”
		Apoio emocional: “eu ajudei todos os meus amigos” Compartilhamento de conhecimento: “ensinar outras pessoas”

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[1] Autor correspondente: Carolina Ferreira Peterle E-mail: carolsce18@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-3930-8080