Resumos
Objetivo: : analisar as vulnerabilidades da criança no acesso aos cuidados na atenção primária durante a pandemia da COVID-19 no Brasil e em Portugal.
Método: pesquisa documental baseada em diretrizes governamentais brasileiras e portuguesas, expedidas entre março e agosto de 2020, sobre o acesso de crianças à atenção primária. A análise temática fundamentou-se nos preceitos da vulnerabilidade em saúde.
Resultados: expediram-se 13 documentos nos dois países sobre acesso à vacinação e à puericultura. A restrição à circulação do SARS-CoV-2 nos ambientes sociais, serviços de saúde e de proteção social reduziu a demanda de atendimento. Mantiveram-se, nos dois países, os programas de promoção da saúde do lactente. O acompanhamento de puericultura presencial, para crianças de baixo risco, foi suspenso nos dois países. Portugal manteve a vacinação rotineira e o Brasil a interrompeu nos primeiros 15 dias da pandemia. Os países adotaram estratégias remotas de atenção - telemonitoramento, teleconsulta e aplicativos móveis - mantendo o vínculo da criança com os serviços de saúde.
Conclusão: a longitudinalidade foi afetada pela redução do acesso à promoção da saúde da criança, determinando maior vulnerabilidade programática. As vulnerabilidades individuais relacionaram-se à exposição a doenças evitáveis e sensíveis à atenção primária.
Descritores: Continuidade da Assistência ao Paciente; Assistência Integral à Saúde; Vulnerabilidade em Saúde; Enfermagem Familiar; Enfermagem de Atenção Primária; Serviços de Saúde da Criança
Objective: to analyze the vulnerabilities of children in the access to primary health care during the COVID-19 pandemic in Brazil and Portugal.
Method: documentary study based on Brazilian and Portuguese governmental guidelines issued between March and August 2020 regarding access of children to primary health care. Thematic analysis was based on the precepts of health vulnerability.
Results: 13 documents were issued in both countries addressing access to vaccination and childcare. Due to the SARS-CoV-2, restrictions were imposed on the circulation of people in social environments, health services, and social protection, decreasing the demand for health services. Both countries continued programs to promote the health of breastfeeding infants. In-person childcare consultations were suspended for low-risk children in both countries. Portugal maintained routine vaccination while Brazil interrupted vaccination in the first 15 days of the pandemic. The countries adopted remote care strategies - telemonitoring, teleconsultation, and mobile applications - to maintain the bond between children and health services.
Conclusion: longitudinality was affected due to restricted access of children to health promotion actions, determining greater programmatic vulnerability. Individual vulnerabilities are related to exposure to preventable and primary health care-sensitive diseases.
Descriptors: Continuity of Patient Care; Comprehensive Health Care; Health Vulnerability; Family Nursing; Primary Care Nursing; Child Health Services
Objetivo: analizar las vulnerabilidades del niño en el acceso a los cuidados en la atención primaria, durante la pandemia del COVID-19 en Brasil y Portugal.
Método: investigación documental basada en directrices gubernamentales brasileñas y portuguesas, expedidas entre marzo y agosto de 2020, sobre el acceso de niños a la atención primaria. El análisis temático se fundamentó en los preceptos de la vulnerabilidad en la salud.
Resultados: fueron encontrados 13 documentos, expedidos en los dos países, sobre el acceso a la vacunación y puericultura. La restricción de circulación del SARS-CoV-2 - en los ambientes sociales, servicios de salud y de protección social - redujo la demanda de la atención. En los dos países se mantuvieron los programas de promoción de la salud del lactante. El acompañamiento de puericultura presencial, para niños de bajo riesgo, fue suspendido en los dos países. Portugal mantuvo la vacunación de rutina y Brasil la interrumpió en los primeros 15 días de la epidemia. Los países adoptaron estrategias de atención a distancia (telemonitoreo, teleconsulta y aplicativos móviles) manteniendo el vínculo del niño con los servicios de la salud.
Conclusión: la longitudinalidad fue afectada por la reducción del acceso a la promoción de la salud del niño, determinando mayor vulnerabilidad programática. Las vulnerabilidades individuales se relacionaron a la exposición a enfermedades evitables y sensibles a la atención primaria.
Descriptores: Continuidad de la Atención al Paciente; Atención Integral de Salud; Vulnerabilidad en Salud; Enfermería de la Familia; Enfermería de Atención Primaria; Servicios de Salud del Niño
Introdução
O O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) divulgou a agenda de ação em defesa de crianças mais vulneráveis à COVID-19 (Coronavirus disease 2019) causada pelo Coronavírus (SARS-CoV2), no contexto da saúde global, destacando a necessidade de ações urgentes para evitar que a crise sanitária resulte em crise dos direitos da criança no seu sentido mais amplo(1).
Por vulnerabilidade compreende-se um contexto de relações sociais que limitam a capacidade de agir das pessoas, retirando suportes institucionais que lhes conferem segurança social. São situações que negam a possibilidade de a pessoa exercer efetivamente seus direitos de cidadania. Consequentemente, leva à insegurança no momento presente em que vive, podendo frustrar projetos futuros(2).
A COVID-19 gera um contexto de vulnerabilidades, mesmo que estatisticamente sejam mais baixas entre crianças quando comparadas a adultos e idosos. Em diferentes países, registra-se, na população infantil (um dia a 15 anos), uma prevalência inferior a 5%, com menor número de casos na lactância(3-4). Entretanto, não se sabe por que a morbidade pela COVID-19 é menos grave nesse grupo, uma vez que a transmissão do vírus pessoa a pessoa acontece quando alguém infectado o transmite a outro por meio de gotículas respiratórias ou por contato direto. Essa menor suscetibilidade vem sendo explicada pela menor chance de as crianças se aglomerarem e viajarem menos a países epidêmicos. Embora as taxas de morbimortalidade sejam baixas, é preciso estar alerta para a maior vulnerabilidade às outras doenças não associadas ao SARS-CoV-2, que podem aumentar a morbimortalidade indireta.
Outra justificativa refere-se à diferença na distribuição, maturação e funcionamento dos receptores virais. O SARS-CoV-2 usa a enzima conversora de angiotensina-2 (ACE2) como receptor celular, que, em pulmão de rato, diminui drasticamente com a idade. Além disso, verificou-se que ela protege de lesões pulmonares graves induzidas nas infecções causadas por vírus respiratório e lesões pulmonares agudas graves desencadeadas por sepse, aspiração ácida, Síndrome Aguda Respiratória Grave (SARG) e infecção letal do vírus influenza aviário. Essas descobertas sugerem que as crianças podem ser menos suscetíveis à COVID-19(5).
Em modelagem matemática, aplicada em cenários hipotéticos, associou-se ao tempo de duração da pandemia (3, 6 e 12 meses) com as restrições na oferta de serviços de saúde da criança. Estimou-se uma mortalidade, entre menores de cinco anos de idade, em 118 países com renda média ou baixa. Os achados indicaram maior vulnerabilidade do grupo infantil aos efeitos da pandemia da COVID-19 provocados pela redução do acesso e cobertura de serviços, entre eles, a vacinação. Em um cenário menos grave (seis meses), a redução do acesso entre 9,8 a 18,5% poderia causar 253.500 mortes infantis. No cenário mais grave, de 12 meses, com a redução de 39,3 a 51,9%, poderia provocar mais de 1.157.000 mortes. Essas mortes adicionais representariam um aumento mensal de 9,8 a 44,7% no quantitativo de mortes de crianças menores de cinco anos(6). Conclui-se que os efeitos prolongados da pandemia sobre a saúde infantil poderiam trazer danos graves e elevar os índices de morbimortalidade por causas evitáveis em proporções iguais ou superiores à COVID-19.
Além disso, observam-se maiores chances de cronificação de condições que afetam as crianças com necessidades de saúde que são especiais (CRIANES) devido à especificidade e diferenciação de cuidados, particularmente se houver a descontinuidade das consultas de seguimento e do atendimento de reabilitação(7). As vulnerabilidades do grupo infantil, em geral, implicam ainda maior exposição aos agravos de saúde mental, como a tristeza profunda e a ansiedade, que podem ser potencializadas com o isolamento social(8-11).
No enfrentamento dessas vulnerabilidades, em Portugal, o Plano Nacional de Saúde Infantil e Juvenil (PNSIJ) recomendou prosseguir com as ações de promoção do crescimento e do desenvolvimento da criança, por meio da Consulta de Vigilância de Saúde, por ser uma oportunidade privilegiada para a triagem, a avaliação, a intervenção e a orientação de situações problemáticas. O PNSIJ reforça a necessidade de identificar e proporcionar apoio continuado às crianças com doença crônica e/ou deficiência e suas famílias, a vacinação, os cuidados antecipatórios e a articulação com os vários intervenientes na prestação de cuidados(12). A detecção precoce de situações corrigíveis inclui o acompanhamento e o encaminhamento daquelas situações que interferem na saúde da criança(12).
No contexto brasileiro, tem-se vivido um dilema nesse período de pandemia. Desde que a crise sanitária foi decretada, no mês de março de 2020, o Ministério da Saúde emitiu nota técnica(13), corroborada por secretarias de saúde (estaduais e municipais), com restrições ao atendimento de crianças nas unidades de saúde. A intenção foi evitar aglomerações nas unidades de saúde, entretanto, expôs a criança à maior vulnerabilidade a internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP). Particularmente, aquelas que podem resultar da precária orientação da rede de atenção primária no acolhimento de famílias ou dificuldades de compreensão da população sobre o papel ampliado desse nível de atenção, centrado na criança, na família e na comunidade em vez de na queixa ou na doença(14).
Nesse sentido, o objetivo foi analisar as vulnerabilidades da criança no acesso aos cuidados na atenção primária durante a epidemia da COVID-19 no Brasil e em Portugal.
Método
Pesquisa documental cujas fontes de dados foram dispositivos regulatórios publicados sobre a atenção à criança no período da pandemia da COVID-19. Nesse tipo de pesquisa, toma-se o documento como objeto de investigação, ou seja: fontes de informações que elucidam questões e servem de provas para outras novas questões, mas cujo conteúdo analisável não recebeu tratamento analítico anterior. Portanto, constitui-se em fontes primárias para responder aos objetivos de pesquisa(15).
A pesquisa com documentos inicia-se com a localização de textos pertinentes, representativos e com credibilidade para registrar os fatos investigados. Sua implementação acontece em três etapas: avaliação preliminar, análise documental e interpretação. Na primeira etapa, buscam-se as dimensões do contexto no texto, os autores, a autenticidade e a confiabilidade, a natureza, as expressões-chave e a lógica do texto. Na análise documental, extraem-se os significados temáticos ou significantes lexicais, buscando-se os elementos mais simples do texto. Em seguida, sistematizam-se as palavras ou ideias em unidades de registro que se aproximam, codificando-as em unidades temáticas para formar temas, podendo-se aplicar o método de análise de escolha do pesquisador. A interpretação ou inferência apoia-se em referencial teórico para apreender os elementos significantes do conhecimento novo.
Na aplicação da primeira etapa, consideraram-se, como critério, as regulamentações governamentais expedidas ou em vigência no contexto da COVID-19. Para tanto, o quadro documental de análise (Figura 1) incluiu portarias (de organizações governamentais e não governamentais), notas técnicas, protocolos e recomendações.
Documentos orientadores da assistência à criança na atenção primária à saúde no período da pandemia da COVID-19. Brasil e Portugal, 2020
Geograficamente, elegeram-se Brasil e Portugal como cenários da pesquisa pelo fato de ambos os países possuírem sistemas universais de saúde e ampla rede de serviços e participação da Enfermagem no provimento de cuidados à criança na atenção primária. Em que pesem as particularidades de organização da oferta de atenção entre os dois países, para responder a dimensões territoriais e demográficas diferenciadas, o financiamento público do sistema de saúde cria o ambiente favorável à implementação de diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o enfrentamento da pandemia.
Ambos os sistemas de saúde estão fundamentados na saúde como um direito fundamental constitucionalmente determinado e em leis orgânicas que regulamentam o cuidado à criança com absoluta prioridade pela sua condição de vulnerabilidade. Cabe ao Ministério da Saúde a responsabilidade de formular políticas e planos nacionais de saúde com vistas a promoção à saúde, prevenção de doenças, redução de danos e reabilitação. Modelos de gestão - centralizado, em Portugal e descentralizado, no Brasil - operacionalizam estratégias e ações para atender às necessidades de saúde da população e de governança no território do cuidado, mesmo em contextos de subfinanciamento de ambos os sistemas(16-19).
Selecionaram-se documentos regulatórios publicados nos meses de março a agosto de 2020, correspondentes ao período de organização dos serviços para atender às demandas dos usuários do sistema de saúde na pandemia da COVID-19.
Com a leitura preliminar e exaustiva dos documentos (Figura 1), extraíram-se expressões-chave aplicadas para responder a questões analíticas (Figura 2) sobre as diretrizes programáticas de promoção e redução de danos à saúde infantil na atenção primária.
Perguntas e expressões-chave adotadas na extração das unidades de análise dos documentos. Brasil e Portugal, agosto de 2020
Documentos regulatórios de domínio público são fontes de informações cujas pesquisas não são apreciadas pelo Sistema CEP/CONEP (Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, artigo 1º, parágrafo único, inciso III).
Na etapa da análise documental, as respostas às perguntas foram organizadas em quadros analíticos. Em cada um deles, constou a fonte documental e as expressões-chave levaram à extração de textos para compor Unidades de Registro (UR). Em seguida, as UR foram aproximadas por convergência de significante lexical para formar unidades temáticas e estas reagrupadas por sentidos comuns e singulares em temas segundo as diretrizes previstas da análise temática. Nesse tipo de análise temática, determinam-se as relações entre conceitos extraídos dos dados, comparando-os com diferentes situações, para gerar possibilidades de interpretação à luz de um referencial teórico(20).
Com base nessas diretrizes, a codificação das unidades temáticas convergentes de cada país foi reagrupada em novos quadros, contendo conceitos comuns e singulares, os quais foram submetidos aos procedimentos de interpretação à luz do referencial teórico da vulnerabilidade(2,21).
O ser humano, ao experimentar situações socialmente vulnerabilizantes, torna-se resiliente porque persiste, afirma-se como pessoa e não deixa de reconhecer que a fragilidade é uma condição inerente ao ser vivo. A especificidade da resiliência define-se nos limites que as circunstâncias da vida permitem como parte de um percurso criativo ou inovador(2).
O conceito de vulnerabilidade no campo da saúde, na perspectiva dos direitos humanos, traz consigo duas dimensões coletivas (social e programática) e uma individual(21).
Aplicam-se, tomando-se como referência a dimensão coletiva social(21), ao campo da saúde infantil, normas sociais e referências culturais da família; o bem-estar da criança como resultado do acesso da família a emprego e renda; a defesa do melhor interesse da criança; o acesso a condições que assegurem os direitos fundamentais (vida, saúde, educação, cultura, lazer e esportes etc.). Incluem-se ainda o acesso à informação e o compromisso governamental com a saúde e o bem-estar social da família e da criança.
À dimensão coletiva programática, cabe aos governos o compromisso com as respostas à saúde das pessoas ao definir políticas públicas que protejam o melhor interesse da criança. Nesse sentido, é preciso haver planejamento e avaliação de cuidados, provimento de recursos materiais e humanos que favoreçam a implantação e a manutenção da política, assegurando governança, sustentabilidade política, institucional e material, conexões e atividades intersetoriais. A organização do setor saúde deve garantir acesso e qualidade dos serviços com equipes multidisciplinares atuando com abordagens interdisciplinares na prevenção e integração de cuidados. Inclui também a sensibilização de profissionais sobre os direitos humanos, o planejamento e a avaliação de serviços de saúde(21). Na dimensão individual, incluem-se valores, interesses, crenças, desejos, conhecimento, atitudes, comportamento, redes sociais e de amizades, relações conjugais e familiares, saúde mental e constituição física(21).
A interpretação dos dados apontou para dois temas centrais: vulnerabilidades programáticas a doenças evitáveis, síndrome gripal e COVID-19 na atenção primária à saúde e estratégias de enfrentamento às vulnerabilidades relacionadas à COVID-19.
Resultados
Os 13 documentos selecionados apresentavam diretrizes sobre a assistência à criança durante a pandemia da COVID-19, sendo sete no Brasil e seis em Portugal. No início da pandemia, regulamentou-se a forma de atuação no plano nacional nos dois países, aplicando-se as diretrizes da OMS de isolamento social para reduzir ou interromper o fluxo de circulação de pessoas em espaços públicos (escola, serviços de saúde e creches), limitando-se às necessidades de saúde mais urgentes.
Ao mesmo tempo em que essas medidas estabeleceram um cordão sanitário para evitar a propagação do SARS-CoV-2 e promover a contenção da COVID-19, em contrapartida, expuseram as crianças ao adoecimento por outras causas evitáveis e ao aumento de cronicidade para as condições pré-existentes.
Vulnerabilidades programáticas a doenças evitáveis, síndrome gripal e COVID-19 na atenção primária à saúde
Durante a pandemia da COVID-19, ambos os países desenvolveram diretrizes programáticas para a atenção primária relacionadas à promoção e redução de danos à saúde infantil. No Brasil, a vacinação de rotina, como uma das estratégias de promoção à saúde da criança, foi adiada por três semanas, em todo território nacional, como medida de redução de contatos.
Não buscar serviços de vacinação por pais e/ou responsáveis das crianças durante a 1ª fase (23/03 a 15/04) da campanha de vacinação contra a influenza. Para a redução de contato com idosos, por apresentarem maior risco de complicações da COVID-19, e de crianças por serem portadores assintomáticos e disseminadores de doenças respiratórias (Brasil-NT-MS_23/03/2020 p.1 e Anexo). Em caráter excepcional, para as crianças que apresentassem atraso da caderneta de vacinação da criança; busca pelo serviço de vacinação, desconhecimento do adiamento e atualização do esquema vacinal para aproveitar oportunidade. (Brasil-NT-MS_23/03/2020 p.1 e Anexo).
Cada estado da federação brasileira promoveu a adequação no seu calendário de vacinação para atender às especificidades epidemiológicas locais. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) recomendou, inicialmente, que as secretarias estaduais ampliassem a cobertura vacinal do H1N1 da população de acordo com os grupos prioritários e calendário definido pelo MS (Brasil. CONASS. 04/2020). Em agosto de 2020, o Guia Orientador para o enfrentamento da pandemia na Rede de Atenção à Saúde (Brasil. CONASEMS/ CONASS. 08/2020), do CONASS (estaduais) incluiu diretrizes para a atenção primária, destacando que no ponto de atenção, as unidades básicas de saúde deveriam assegurar a continuidade da vacinação, ou seja, os municípios desses estados.
Em Portugal, manteve-se a vacinação de rotina. No entanto, por medo da contaminação pelo SARS-CoV-2, houve baixa procura dos pais, levando a Direção-Geral da Saúde a alertar a população e os profissionais sobre a continuidade da vacinação, com recomendações para que regularizassem os esquemas dos faltantes. Nesse sentido, todas as vacinas do calendário obrigatório em Portugal permaneceram à disposição das famílias, como parte das ações de proteção da saúde, especialmente as que determinam maior morbimortalidade.
(...) informa que não devem ser adiadas a vacinação (...) para cumprimento do Programa Nacional de Vacinação (PNV). ...a vacinação recomendada no primeiro ano de vida, que confere proteção precoce contra onze doenças (...). Aos 12 meses, as vacinas contra o meningococo C, (...) sarampo, papeira [caxumba] e rubéola. (...) Às crianças que têm estas vacinas em atraso, recomenda-se a vacinação o mais brevemente possível. (Portugal-DGS_008/2020-26/03/2020, p. 1).
Na fase epidêmica da COVID-19, o CONASS buscou organizar e uniformizar a coordenação do cuidado pela atenção primária. Nesse sentido, recomendou o manejo e o controle das condições de saúde pelas Redes de Atenção. Quanto ao acompanhamento da vigilância do crescimento e desenvolvimento, à triagem neonatal e à consulta de Enfermagem de puericultura, indica-se que os estados mantenham, na unidade de saúde ou no domicílio, as consultas de puericultura para crianças de alto risco, a coleta da triagem neonatal entre o 3° e 5° dia de vida do RN; as "Ações do 5º Dia", preferencialmente no domicilio ou agendadas com hora marcada e intervalos; a consulta do Enfermeiro [com] foco na amamentação e ganho de peso (Brasil-CONASS. 04/2020). Um mês depois, as ações e atividades de atenção à saúde da criança permaneceram as mesmas, com exceção da cobertura da consulta de puericultura para incluir crianças de Médio Risco com fragilidade do cuidado família (...) foco no desenvolvimento e acompanhamento nutricional. (Brasil. CONASEMS/ CONASS. 08/2020).
Em Portugal, as recomendações envolveram também a não interrupção da vigilância neonatal e os procedimentos previstos no Programa Nacional do Rastreio Neonatal (Teste do pezinho). Estes testes deverão ser realizados entre o 3º e 6º dia após o nascimento, na maternidade ou na 1ª consulta médica programada (...) quando os critérios de elegibilidade para vacinação com a BCG. (Portugal-DGS_008/2020-26/03/2020, p. 2).
Tanto Brasil como Portugal adotaram as mesmas recomendações para a manutenção da amamentação determinadas pelo nível central. Em caso de infecção, o desejo da mulher e suas condições clínicas determinariam a não amamentação, recomendando-se a ordenha manual da mama e medidas de higienização.
A amamentação pode ser mantida para puérperas infectadas por este vírus, de acordo com o Protocolo do COVID19 do Ministério da Saúde. Se a lactante estiver na fase aguda da doença e a equipe sentir-se insegura de liberar o contato direto, o leite pode ser ordenhado e ofertado ao neonato. (...) Lavar as mãos antes de tocar no bebê na hora da mamada; usar máscara facial durante a amamentação. (Brasil-CONASS. 04/2020; Brasil. CONASEMS/ CONASS. 08/2020).
A mãe positiva deve amamentar com a utilização de máscara, após higiene das mãos e das mamas. (...) A extração mecânica de leite com a utilização de máscara, após higiene cuidada das mãos e das mamas. O leite pode ser administrado ao RN por um cuidador saudável. (Portugal-DGS_026/2020_19/05/2020, p. 8).
Em Portugal, priorizaram-se as consultas de rotina durante a crise sanitária para coincidir com os dias programados para as vacinas do calendário nacional de vacinação. As demais consultas de vigilância presencial foram suspensas. Na teleconsulta, profissionais de saúde (médico ou enfermeiro) avaliavam a criança e a necessidade de transformar este contato para presencial. Manteve-se a recomendação de realização de seis consultas no primeiro ano de vida.
Apesar da situação de exceção, a condição de vulnerabilidade da criança, não permite adiamento das consultas de vigilância no 1º ano de vida da criança, incluindo a dos 12 meses (...) as crianças que se atrasem deverão ser reconvocadas de imediato. Uma consulta entre os 18 meses e os 24 meses e outra aos 5 anos. (Portugal-DGS_008/2020_26/03/2020, p. 2)
Entre as crianças, as mais vulneráveis à síndrome gripal e COVID-19 são aquelas com necessidades de saúde específicas (CRIANES) e diferenciadas pelo maior risco de complicações.
Condições de risco para complicações. Crianças <5 anos (sendo que o maior risco de hospitalização é em menores de 2 anos, especialmente menores de 6 meses com maior taxa de mortalidade) (...) que apresentem pneumopatias, cardiovasculopatias, nefropatias, hepatopatias, doenças hematológicas, distúrbios metabólicos, transtornos neurológicos e do desenvolvimento que podem comprometer a função respiratória ou aumentar o risco de aspiração, imunossupressão associada a medicamentos, neoplasias, HIV/aids e obesidade. (Brasil-Protocolo COVID-19_APS_2020, p. 17).
As crianças com comorbidades apresentam mais vulnerabilidades individuais às síndromes gripais e à COVID-19, indicando a necessidade de aprofundamento na avaliação em centro de referência ou de atenção especializada. Dos enfermeiros que atuam nas unidades de saúde da atenção primária, essas vulnerabilidades requerem vigilância para os seguintes sinais e sintomas de gravidade para a síndrome gripal:
Déficit respiratório (...) saturação de oximetria de pulso <95% em ar ambiente; Déficit no sistema cardiovascular; Sinais e sintomas de alerta adicionais como a inapetência para amamentação ou ingestão de líquidos; piora clínica de doenças de base; alteração do estado mental, confusão, letargia e convulsão. (Brasil-Protocolo COVID-19_APS_2020, p. 13).
Estratégias de enfrentamento às vulnerabilidades relacionadas à COVID-19
O incentivo financeiro repassado pelo Ministério da Saúde às secretarias de saúde dos estados e municípios brasileiros destinou-se ao enfrentamento da COVID-19 e ao manejo das condições de saúde mais comuns na atenção primária, visando à ampliação de horário, acesso a medidas de controle, às ações e aos serviços.
(...) para assistência, diagnóstico, tratamento, prevenção, controle do surto e interrupção da cadeia de transmissão do COVID-19;(...) acesso às ações e serviços essenciais ofertados pelas equipes de Saúde da Família e equipes de Atenção Primária para o manejo das condições de saúde comuns e a oferta de ações e serviços clínicos e de vigilância em saúde. (Brasil-Portaria-MS-430_19/03/2020, art 2º).
As unidades de saúde da família ou unidades básicas de saúde deveriam se comprometer com a manutenção de profissionais em todos os turnos de atendimento, de modo a assegurar consultas médicas e de enfermagem, em todo o horário de funcionamento da unidade de saúde de 60 ou 75 horas semanais. (Brasil-Portaria-MS-430_ 19/03/2020, art 2º/artº 4º).
Em Portugal, com exceção da vacinação e para evitar a sobrecarga dos serviços de saúde, regulamentou-se, em caráter excepcional, a redução do fluxo de pessoas doentes. A implementação dessas medidas pelas instituições de saúde, no sentido de adiar os serviços não urgentes. (Portugal-DGS_Comunicado_160_80_v1-25/03/2020, p. 1). Ao mesmo tempo, aumentou-se a capacidade de resposta dos serviços à crescente demanda de pacientes com a COVID-19. Foi autorizada a contratação de profissionais de saúde pelo período de quatro meses (...) para o reforço (...) à prevenção, contenção, mitigação e tratamento da pandemia COVID-19. (Portugal-D-3331-E-15/03/2020).
Para o manejo da síndrome gripal na atenção primária, recomendaram-se medidas de higienização pessoal e ambiental, manejo clínico-terapêutico com medidas farmacológicas dos sinais de desconforto respiratório e dor. Entretanto, as crianças com doença pulmonar crônica da prematuridade deveriam ser encaminhadas para centro de atenção especializada. O CONASS recomendou estratégias de manutenção do atendimento de crianças nas redes de atenção primária e especializada. As crianças de alto e médio risco devem ser acompanhadas de forma presencial ou por telefone ou WhatsApp (...). (Brasil-CONASS. 04/2020; Brasil. CONASEMS/ CONASS. 08/2020).
Em Portugal, estabeleceram-se estratégias específicas para a população pediátrica em atenção à sua maior vulnerabilidade com a manutenção e monitorização da saúde da população infantil durante este período de exceção. (Portugal-DGS_008/2020_26/03/2020, p.1).
As equipes de família de cada unidade do serviço de saúde deveriam atualizar os contactos dos cuidadores, manter a atividade que envolve o levantamento e identificação das crianças com necessidades de saúde específicas, em situação de risco ou de maior vulnerabilidade nas áreas de abrangência (DGS_008/2020, de 26/03/2020, p. 1), alertando para que fossem alvo de especial atenção, bem como de medidas imprescindíveis e acompanhamento inadiável das necessidades de saúde decorrentes da sua situação específica. (Portugal-DGS_008/2020_26/03/2020, p. 1).
Critérios de monitorização e vigilância das crianças infectadas, em situação de internação hospitalar e de encaminhamento domiciliar, favoreceram a triagem diferenciada segundo as características e necessidades assistenciais da criança. Alguns dos (...) Critérios de Habitabilidade e Exequibilidade do Isolamento no domicílio incluem a existência de Telefone/Telemóvel acessível (...). (Portugal-DGS_004/2020, de 23/03/2020, p. 18).
Em síntese, os sistemas de saúde asseguraram a continuidade dos cuidados às crianças na atenção primária com limitações de acesso (Figura 3).
Síntese das estratégias de proteção à criança na pandemia da COVID-19. Brasil e Portugal, agosto de 2020
Discussão
No primeiro mês da crise sanitária, no Brasil, causada pela pandemia da COVID-19, inúmeras crianças deixaram de ser vacinadas, em um período de recrudescimento de surtos de sarampo, por exemplo.
Em Portugal, houve a continuidade da vacinação segundo o calendário previsto pelo plano nacional de vacinação, mas muitos familiares não levaram suas crianças para vacinar por medo da contaminação. Rapidamente, órgãos governamentais transmitiram alertas em todos os canais abertos da televisão portuguesa, sobre a importância de se cumprir o calendário vacinal, diante do risco de reaparecimento de doenças graves na infância como o sarampo. Também, cada unidade de saúde se responsabilizou pela convocação das crianças com vacinação agendada ou que estavam em atraso(22).
A vacinação é uma importante estratégia de promoção da saúde, que pode reduzir os casos de doenças por causas evitáveis e as internações por condições sensíveis à atenção primária, que podem coexistir com outras síndromes respiratórias agudas graves como é o caso da COVID-19(23). Na África, em um cenário de alto impacto da COVID-19, uma análise simulada, baseada em modelo matemático, para cada óbito causado pela infeção do SARS-CoV-2 adquirido durante as vacinações de rotina, evitar-se-iam 84 mortes infantis mantendo-se a imunização de rotina. A relação risco-benefício para as crianças vacinadas é de 85 mil; para seus irmãos (<20 anos), 75 mil; seus pais ou cuidadores (entre 20 e 60 anos), 769 e idosos, 96. Em um cenário de impacto mais baixo, os benefícios para a saúde aproximam-se daquelas mortes infantis evitadas quando há surtos de sarampo. A relação benefício-risco para as famílias de crianças vacinadas é três (0-10), mas se considerar apenas o risco para as crianças vacinadas, a relação benefício-risco é de 3.000. Mesmo diante de restrições logísticas, escassez de pessoal e realocação de recursos financeiros durante a pandemia da COVID-19, recomendou-se a vacinação infantil de rotina naquele país(24).
Evidências preliminares sugerem que, embora as crianças sejam tão susceptíveis quanto os adultos à infecção com SARS-CoV-2, é menos provável que sejam sintomáticas ou desenvolvam os casos mais graves. O papel das crianças na transmissão do vírus permanece incerto. Os sintomas gastrointestinais são mais comuns do que os respiratórios. A maioria das crianças com SARS-CoV-2 apresenta febre, tem um contato familiar documentado, geralmente mostrando sintomas antes deles(25).
Nesse sentido, quando há barreiras de acesso, sejam aquelas provocadas por diretrizes governamentais temporárias ou por medo dos familiares à exposição da criança à carga viral, há risco de aumentar as vulnerabilidades da criança a doenças evitáveis e internações por condições sensíveis à atenção primária(5). Em abril de 2020, o UNICEF alertou para o risco de mais de 117 milhões de crianças, de 37 países, deixarem de ser vacinadas para o sarampo com o surgimento da COVID-19(26). A OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) emitiram princípios orientadores e programas de imunização no contexto da pandemia, alertando para o risco de, no contexto da pandemia da COVID-19, elevarem-se os casos de morbidades evitáveis(26-27).
No Brasil, houve a interrupção do acompanhamento da vigilância do crescimento e desenvolvimento e o atendimento presencial para as consultas de puericultura. Priorizaram-se a manutenção dos cuidados do recém-nascido, particularmente a vacinação na maternidade, a proteção e a promoção do aleitamento materno e a triagem neonatal para as crianças com idade acima de 30 dias. A vacinação rotineira foi reiniciada depois de três semanas de suspensão.
Em Portugal, as diretrizes programáticas de promoção da saúde e redução de danos centraram-se na manutenção do rastreio neonatal e manutenção das consultas de seguimento nos dias coincidentes com o programa de vacinação. Esta programação síncrona rentabilizou os deslocamentos aos serviços da atenção primária, ampliando-se as teleconsultas durante a pandemia de COVID-19.
Quanto à puericultura, em ambos os países, observam-se vulnerabilidades programáticas associadas à restrição de acesso presencial a serviços da atenção primária, visando à redução da propagação da COVID-19. Consequentemente, tal medida afetou a longitudinalidade desse acompanhamento durante uma pandemia, sem previsão temporal para acabar, seja por decisão dos pais (no isolamento social) ou diretriz programática governamental.
Em ambos os países, devido à vulnerabilidade individual e à fragilidade clínica de CRIANES, esse grupo infantil recebeu atenção especial na detecção e no monitoramento de síndromes gripais pelo SARS-CoV-2. Para evitar as formas mais graves da COVID-19, recomendaram-se medidas de isolamento domiciliar por 14 dias; monitoramento telefônico de revisão a cada 24 horas; atendimento presencial com visita domiciliar; repouso; alimentação balanceada e boa oferta de líquidos. Para as demais crianças com síndrome gripal, um intervalo de monitoramento a cada 48 horas e as mesmas medidas para todos os grupos infantis.
As recomendações para os cuidados de saúde na atenção primária envolvem alertas para as equipes de saúde da família da rede de atenção básica para a incorporação do telecuidado no seguimento, em especial, de crianças cuja dimensão da vida social as expõe à maior vulnerabilidade que afeta a resolutividade da síndrome gripal(28).
Para a monitorização de casos de síndrome gripal e COVID-19, instituíram-se programas e atividades das equipes em estreita colaboração com outras entidades e organizações comunitárias. Nesse sentido, no Brasil, adotou-se a estratégia de repasse de incentivo financeiro do Ministério da Saúde às secretarias de saúde (estadual e municipal) para garantir a extensão do horário de funcionamento para consultas médicas e de Enfermagem e rearranjo dos espaços de atendimento da unidade. Como medida de enfrentamento da COVID-19, formas alternativas de atendimento foram viabilizadas pelo serviço para evitar aglomerações, intensa circulação de pessoas na unidade e cruzamento das crianças com grupos populacionais mais vulneráveis, por exemplo.
Em Portugal, a informatização do Serviço Nacional de Saúde, prévia à pandemia da COVID-19, facilitou a cooperação interinstitucional na saúde (Cuidados de Saúde Primários e Hospitalares, Farmácias Comunitárias), maximizando a eficiência do Sistema de Saúde em uma resposta integrada e articulada. A existência de reforço de serviços de atendimento não presencial, bem como a possibilidade de acesso à prescrição de medicação de uso contínuo sem deslocar-se às unidades de saúde, garantiu a vigilância em saúde da população por meio de teleconsultas.
A realidade portuguesa distancia-se da brasileira na medida em que o sistema de atendimento remoto na saúde foi criado no Brasil somente para o monitoramento da síndrome gripal e COVID-19. O uso de teleconsulta e telecuidado para síndromes gripais e COVID-19 e de puericultura de crianças com baixo peso foi recomendado pelo CONASS/CONASEMS, mas com limitações na maioria dos municípios brasileiros, cuja redução do streaming reduziu a qualidade de transmissão de dados nesse período. O limitado acesso à internet por grande parte da população brasileira(29), quando comparada à portuguesa(30), aumenta a vulnerabilidade programática das crianças na pandemia da COVID-19.
A análise documental em espaços de transparência pública dos órgãos governamentais pode ser uma limitação ao desenvolvimento da análise. Metodologicamente, as pesquisas documentais limitam o foco de análise ao conteúdo dos documentos acessados pelos pesquisadores, sem escuta de gestores e usuários do serviço.
Como implicações para o avanço do conhecimento, destacam-se a institucionalização do telecuidado e o rearranjo dos serviços para o reinício das consultas de puericultura. No território do cuidado, faz-se necessário realizar visitas domiciliares para a busca dos faltantes às vacinas e o cadastramento de novas crianças que nasceram durante a pandemia. Experiências bem-sucedidas de telecuidado(31), em outras condições, podem reduzir danos relacionados às vulnerabilidades individuais e sociais decorrentes das medidas de isolamento social.
A implantação do sistema nacional de telemonitoramento é uma lição aprendida com o sistema de saúde português que pode favorecer o acesso universal da população infantil aos serviços de saúde. No Brasil, o limitado acesso à internet pelas famílias com restrições econômicas aumenta as vulnerabilidades individuais das crianças, em particular, os lactentes, crianças pequenas, as CRIANES com deficiência, doenças crônicas ou outras comorbidades. A ausência de atendimento presencial nas unidades básicas de saúde pode aumentar o risco de exposição a complicações de uma síndrome gripal para uma Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Consequentemente, exige maior agilidade no acesso à rede de atenção especializada, tendo a atenção primária como coordenadora do cuidado em sistemas de saúde fundamentados no bem-estar social(32).
Conclusão
Em Portugal, as instituições de saúde organizaram o atendimento de crianças que apresentassem quadro respiratório sem interrupção da vacinação. As medidas particulares à realidade portuguesa foram a consulta de puericultura combinada ao dia da vacina, uso ampliado da capacidade instalada de teleconsultas por enfermeiros e médicos. No Brasil, a vacinação foi temporariamente suspensa por três semanas para reorganizar o atendimento às pessoas com a COVID-19 ou síndrome gripal. Além disso, houve a suspensão parcial das consultas de puericultura, a extensão do horário de funcionamento das unidades e o início dos serviços de teleatendimentos para o monitoramento da síndrome gripal e COVID-19.
Ambos os países asseguraram a universalização do acesso, a longitudinalidade, a integralidade, a descentralização da gestão e a participação social. Implementaram medidas para conter a disseminação do SARS-CoV-2 com a abordagem de casos, a manutenção da triagem/rastreio neonatal e a contratação de mais profissionais. Contudo, houve limitação à atenção integral à saúde da criança com a redução do acesso presencial aos serviços de atenção primária à saúde e aos insumos para o tratamento de doenças evitáveis e não associadas à COVID-19. Tais medidas afetaram os planos de vulnerabilidade programática, social e individual. A vulnerabilidade social decorreu do isolamento social como estratégia de enfrentamento à crise sanitária global da COVID-19.
Os incentivos e diretrizes para ampliar a cobertura e o acesso de crianças com síndrome gripal e COVID-19 à unidade de saúde, em contrapartida, afetaram a longitudinalidade do cuidado de promoção da saúde. Além disso, ampliaram-se a vulnerabilidade de crianças com necessidades de saúde específicas e a maior exposição a doenças e internações sensíveis à atenção primária. Durante a vigência das medidas sociais de isolamento ou afastamento, a baixa oferta de serviços de saúde pode afetar o acesso e a longitudinalidade dos cuidados de promoção de saúde, especialmente em razão da reduzida cobertura vacinal e vigilância do crescimento e desenvolvimento.
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Editado por
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Editor Associado:Pedro Fredemir Palha
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Jul 2021 -
Data do Fascículo
2021