Acessibilidade / Reportar erro

Atenção integrada às doenças prevalentes na infância e o enfoque nos cuidadores: revisão integrativa da literatura

Resumos

A estratégia atenção integrada às doenças prevalentes na infância (AIDPI) aborda as doenças de maior prevalência na infância, o acolhimento da criança e família, a compreensão do problema e procedimentos eficazes. O objetivo foi identificar, entre 1998 e 2008, publicações relativas à estratégia AIDPI com enfoque no cuidador. Foi realizada revisão integrativa com evidências da literatura, nas bases de dados PubMed, LILACS e SciELO. Os cuidadores sabem um ou mais sinais de alarme para infecção respiratória aguda, mas não para diarreia. A pneumonia é percebida como grave doença infantil. As habilidades comunicativas entre os profissionais de saúde capacitados na estratégia AIDPI e os não capacitados são diferentes. O seguimento da saúde da criança é maior de acordo com a escolaridade do cuidador, os medicamentos fornecidos na consulta e o retorno. Na saúde da criança, é relevante enfocar a estratégia AIDPI, favorecendo vivências que incluam a família no cuidado.

Saúde da Criança; Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância; Cuidadores


The Integrated Management of Childhood Illness (IMCI) strategy addresses the diseases most prevalent in infancy, the reception of the child and family, and the comprehension the problem and effective procedures. The aim was to identify, between 1998 and 2008, publications relating to the IMCI strategy focusing on the caregiver. This study is an Integrative literature review in the Pubmed, Lilacs and Scielo databases. The caregivers knew one or more warning signs for acute respiratory infection, but not for diarrhea. Pneumonia was perceived as a serious childhood disease. Communication skills among health professionals trained in the IMCI strategy were different to those in untrained professionals. The follow-up of the health of the child is higher according to the education level of the caregiver, and according to the medications supplied in the consultation and in the follow-up. Regarding the health of the child it is relevant to focus on the IMCI strategy, favoring experiences that include the family in the care.

Child Health; Integrated Management of Childhood Illness; Caregivers


La estrategia Atención Integrada a las Enfermedades Prevalentes en la Infancia (AIEPI) aborda las enfermedades de mayor prevalencia en la infancia, el acogimiento del niño y de la familia, la comprensión del problema y los procedimientos eficaces. El objetivo fue identificar, entre 1998 y 2008, publicaciones relacionadas a la estrategia AIEPI con enfoque en el cuidador. Revisión integradora con evidencias en la literatura, en las bases de datos Pubmed, Lilacs y Scielo. Los cuidadores conocen una o más señales de alarma para infección respiratoria aguda, pero no para diarrea. La neumonía es percibida como una grave enfermedad infantil. Las habilidades comunicativas entre los profesionales de la salud capacitados en la estrategia AIEPI y los no capacitados son diferentes. El seguimiento de la salud del niño es mayor de acuerdo con la escolaridad del cuidador, los medicamentos ofrecidos en la consulta y el retorno. En la salud del niño es relevante enfocar la estrategia AIEPI, favoreciendo vivencias que incluyan a la familia en el cuidado.

Salud del niño; Atención Integrada a las Enfermedades Prévalentes de la Infancia; Cuidadores


ARTIGO DE REVISÃO

IAluna do Curso de Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. Bolsista de iniciação cientifica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: vaniadaniparanhos@gmail.com

IIEnfermeira, Mestre em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: jcoelho@eerp.usp.br

IIIEnfermeira, Livre Docente, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: defmello@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

A estratégia atenção integrada às doenças prevalentes na infância (AIDPI) aborda as doenças de maior prevalência na infância, o acolhimento da criança e família, a compreensão do problema e procedimentos eficazes. O objetivo foi identificar, entre 1998 e 2008, publicações relativas à estratégia AIDPI com enfoque no cuidador. Foi realizada revisão integrativa com evidências da literatura, nas bases de dados PubMed, LILACS e SciELO. Os cuidadores sabem um ou mais sinais de alarme para infecção respiratória aguda, mas não para diarreia. A pneumonia é percebida como grave doença infantil. As habilidades comunicativas entre os profissionais de saúde capacitados na estratégia AIDPI e os não capacitados são diferentes. O seguimento da saúde da criança é maior de acordo com a escolaridade do cuidador, os medicamentos fornecidos na consulta e o retorno. Na saúde da criança, é relevante enfocar a estratégia AIDPI, favorecendo vivências que incluam a família no cuidado.

Descritores: Saúde da Criança; Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância; Cuidadores.

Introdução

Os programas e diretrizes políticas, direcionados à saúde da criança têm tido como meta principal a redução da mortalidade infantil, considerada grande indicador do desenvolvimento social e econômico de um país ou região. Em termos mundiais, os documentos atuais mostram que, anualmente, ocorrem quase 11 milhões de mortes de crianças menores de cinco anos. Dessas, cerca de 4 milhões ocorrem no primeiro mês de vida e grande parte poderia ser evitada se todas as crianças tivessem cobertura de intervenções já existentes, mas que, em muitos países, não estão ao alcance da maioria das crianças, destacando a importância da equidade, tanto entre países quanto dentro de um mesmo país(1).

Nesse panorama, um conjunto de enfermidades infecciosas continua sendo a causa da mortalidade de 20 a 30% de crianças menores de cinco anos, mundialmente, e, em alguns países da América, ocasiona até 50% do total de mortes nessa faixa etária(1).

Considerando a integralidade das ações de atenção à saúde da criança, o seguimento da saúde infantil é processo amplo e complexo, implicando em medidas promocionais, preventivas, terapêuticas e de interações com a criança, a família, os serviços de saúde e outros setores sociais. Uma estratégia que envolva todos esses aspectos deve incluir a capacitação das equipes de saúde, a estruturação do sistema de saúde e a valorização das experiências familiares e da comunidade(2).

A estratégia atenção integrada às doenças prevalentes na infância (AIDPI) foi elaborada pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), criada em 1996 com os seguintes objetivos: redução da mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade; diminuição da incidência e/ou gravidade dos casos de doenças infecciosas, especialmente pneumonia, diarreia, parasitoses intestinais, meningites, tuberculoses, malária, sarampo e, também, distúrbios nutricionais; garantia de adequada qualidade da atenção à saúde dos menores de 5 anos, tanto nos serviços de saúde quanto nos domicílios e na comunidade; o fortalecimento da promoção à saúde e de ações preventivas na infância(3-4).

A estratégia AIDPI considera, de forma simultânea e integrada, o conjunto de doenças de maior prevalência na infância, propondo abordagem à saúde da criança com a sistematização do atendimento clínico e integração de ações curativas com medidas preventivas e de promoção à saúde(5). Tem por finalidade promover rápida e significativa redução da mortalidade infantil por meio da capacitação de profissionais da área da saúde. Segundo a estratégia, portanto, cabe ao profissional de saúde acolher a criança e seu acompanhante, compreender a extensão do problema que a aflige e propor procedimentos de fácil aplicação e comprovada eficácia. Para isso, considera-se extremamente importante o estabelecimento de um canal de comunicação com as famílias, de modo que apreendam as recomendações referentes ao tratamento e aos cuidados a serem prestados no domicílio, assim como memorizem os sinais indicativos de gravidade que exigem o retorno imediato da criança ao serviço de saúde(6).

No presente meio de divulgação científica, observam-se publicações recentes que abordam a satisfação materna com o cuidado prestado à criança(7) e o cuidado da criança, evidenciando o modo como os profissionais lidam com as mães(8); não sendo encontrados estudos específicos da estratégia AIDPI com enfoque nos cuidadores. Nesse sentido, o presente estudo pretende contribuir com subsídios para a reflexão sobre o enfoque no cuidador, conforme proposto pela AIDPI.

Muitas questões relacionadas à AIDPI vêm sendo discutidas na atualidade, abrindo possibilidades para melhor compreensão e identificação de lacunas no conhecimento. Este estudo tem como objetivo identificar, em periódicos nacionais e internacionais, entre 1998 e 2008, as publicações relativas à estratégia AIDPI, com enfoque no cuidador (mães e/ou familiares), caracterizando como essa temática está relacionada à atenção integral à saúde da criança.

Metodologia

Esta investigação configura uma revisão integrativa da literatura. A revisão integrativa da literatura é considerada um instrumento da prática baseada em evidências (PBE), tem o potencial de construir conhecimento fundamentado e uniforme para a realização de uma prática clínica de qualidade. As etapas que compõem esta revisão integrativa são: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa, busca nas bases de dados digitais, estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos, busca dos textos na íntegra, definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados, categorização e avaliação dos estudos incluídos, interpretação dos resultados e apresentação da revisão/síntese do conhecimento(9).

A questão norteadora adotada foi: qual é o conhecimento científico produzido acerca AIDPI nos últimos dez anos, enfocando os cuidadores (mães e/ou familiares)? Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: aidpi, imci, aiepi, aidpi e mãe, aidpi e família, aiepi e madre, imci and mother, imci and caregivers, imci and family, prevenção e doenças e infância, promoção e saúde e infância, junto às bases de dados PubMed, LILACS e SciELO.

Os trabalhos incluídos obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: resumo disponível nas bases de dados acima descritas; idioma de publicação português, inglês ou espanhol; período de publicação compreendido entre janeiro de 1998 a julho de 2008 e temáticas sobre AIDPI, atentando para a inclusão de cuidadores (mães e/ou familiares).

A partir da leitura dos resumos, os trabalhos que atendiam os critérios de inclusão foram selecionados e localizados na íntegra. Foram incluídos estudos com vários tipos de delineamentos e evidências científicas, devido à característica da questão norteadora, que não se relaciona à eficácia de uma intervenção, a qual, necessariamente, remeteria a estudos experimentais com níveis de evidência forte, mas, sim, à abrangência do conhecimento produzido acerca de determinada temática. Foram excluídos os estudos de revisões da literatura e estudos de entrevistas com profissionais de saúde, em que a temática deixava de ser a estratégia AIDPI com enfoque no cuidador.

A Figura 1 apresenta as bases de dados, ano, origem e autores dos estudos analisados.


Os estudos foram analisados segundo seu delineamento, metodologia empregada, resultados e conclusões. Buscou-se analisar se a metodologia era adequada aos objetivos propostos e que nível de evidência científica proporcionavam. Analisou-se de que forma os estudos enfocavam os cuidadores, no contexto da AIDPI - por exemplo, se o enfoque era nas orientações realizadas pelo profissional de saúde ao cuidador, na capacidade do cuidador em lembrar as orientações e praticá-las, ou na integração entre os saberes de profissional e cuidador. Também se buscou analisar se os resultados embasavam as conclusões expostas nos estudos.

Após a análise dos textos na íntegra, foi realizada uma síntese dos dados, contemplando título, autores, objetivo, metodologia, resultados e conclusões. A seleção e análise dos estudos foram realizadas por duas pesquisadoras e confrontadas, posteriormente, sendo selecionados e analisados, ao todo, 14 artigos. A apresentação dos dados foi realizada de forma descritiva, procedendo-se à categorização dos dados extraídos dos estudos selecionados em grupos temáticos, a partir da identificação de variáveis de interesse e conceitos chave, conforme proposto em literatura específica acerca de revisão integrativa de literatura(24).

Resultados

Na Figura 2 são apresentadas as referências analisadas nessa revisão integrativa da literatura.


Da análise dos resultados e conclusões dos estudos selecionados, os temas com maior regularidade foram: aquisição de conhecimentos em AIDPI e percepção dos cuidadores; capacitação de profissionais de saúde em AIDPI, relacionada aos cuidadores/mães ,e busca e adesão dos cuidadores aos serviços de saúde.

Aquisição de conhecimentos em AIDPI e percepção dos cuidadores

A partir de entrevistas, a maioria dos cuidadores/mães nomeia um ou mais sinais de alarme para infecção respiratória aguda e reconhece a prática de administração de líquidos e de manter a alimentação, durante o decorrer dessa enfermidade, e, também, da doença diarreica aguda, porém, sobre essa doença os cuidadores/mães entrevistados não sabiam um ou mais sinais de alarme(10). Mães tinham consciência da importância de oferecer líquidos, mas não sabiam da importância da oferta de alimentação durante a diarreia, conduta que precisa ser mantida de acordo com a estratégia AIDPI(11).

A pneumonia é percebida como uma das mais graves doenças infantis, com destaque para as seguintes características: alterações no tórax da criança, dificuldade para respirar, presença de febre e convulsão. Para os cuidadores, as alterações no tórax, febre, dificuldade em respirar começando à noite e convulsão são indicativos de doença grave, não sendo encontrado um termo para respiração rápida(12).

A apreensão de relatos sobre os cuidados, quando as crianças estão com infecções respiratórias e diarreia, em famílias de áreas de abrangência de serviços de atenção primária à saúde, permitiu observar que o nível de conhecimento maternal e familiar, de acordo com os propósitos da AIDPI, é semelhante nos dois modelos assistenciais, com e sem a implantação do programa saúde da família(11). A importância da comunicação detalhada com mães e familiares foi o ponto de destaque.

A desnutrição é relatada por mães como experiência concreta, pontuada por sentimentos de tristeza, culpa, medo e sofrimento por ver o corpo emagrecido do filho e por compará-lo a outras crianças ou outros filhos sadios e fortes, além da incerteza do adoecimento e morte. As mães ficam na expectativa de que a criança possa melhorar e recuperar o seu peso, já que seguem as orientações sobre a alimentação do filho, e apontam que a desnutrição está associada à falta ou à deficiência de alimentos(13).

Capacitação de profissionais de saúde em AIDPI, relacionada aos cuidadores/mães

No tocante às habilidades comunicativas e desempenho dos trabalhadores da saúde, há diferenças significativas entre equipes de saúde que receberam treinamento na estratégia AIDPI (grupo intervenção) e aquelas que não receberam (grupo controle)(14-16).

Quanto à alimentação infantil, mães do grupo de intervenção lembram significativamente melhor da recomendação dos profissionais de saúde e relatam práticas alimentares, mesmo após 180 dias da consulta. As ações, tais como alterações específicas nas práticas inadequadas e explicação do porquê as alterações devem ser feitas, foram significativamente mais frequentes no grupo de intervenção(14).

Médicos treinados na estratégia AIDPI foram mais propensos a dar aconselhamento nutricional, emitir pareceres mais extensos e utilizarem competências comunicacionais destinadas a melhorar e garantir o entendimento das mães, quanto ao aconselhamento nutricional. Em consonância, as mães do grupo de intervenção tinham melhor recordação das mensagens sobre alimentos específicos, práticas alimentares adequadas e preparação de alimentos, recomendados pelos médicos treinados. Na recordação sobre aleitamento materno, não houve diferença significativa entre os dois grupos(15).

O recordatório das mães e a satisfação com a consulta também foram maiores no grupo intervenção, assim como o aumento da ingestão dos alimentos recomendados e a tendência positiva no ganho de peso das crianças. Nesse grupo, também houve melhora da performance dos trabalhadores de saúde, utilizando boas habilidades comunicativas (cumprimentar o cuidador, perguntar e ouvir, utilizar linguagem adequada, elogiar as mães e verificar suas compreensões)(16-17).

Em consultas realizadas por enfermeiros, treinados na estratégia AIDPI, foi constatada sensível melhoria na avaliação dos sinais de risco de crianças doentes, avaliação de comorbidade, prescrição racional e início do tratamento em unidade local de saúde. Houve redução significativa da utilização inadequada de antibióticos, principalmente nas enfermidades respiratórias superiores e inferiores. No entanto, não houve mudança no tratamento da anemia ou na prescrição de vitamina A, ou no aconselhamento aos cuidadores acerca desse tratamento. Também, não houve mudança no conhecimento dos cuidadores em relação à compreensão sobre a forma de administrar a medicação prescrita ou quando retornar à unidade de saúde(18).

A recordação e compreensão dos cuidadores são importantes para a prevenção e tratamento da criança, bem como para a promoção de sua saúde, reforçando a relevância de capacitação eficaz dos profissionais da saúde e avaliação das informações fornecidas(19-20).

Busca e adesão dos cuidadores aos serviços de saúde

A busca por cuidados para crianças com sintomas sugestivos de infecções respiratórias agudas, diarreia, malária e sarampo foram analisados a partir do quanto seus cuidadores e/ou mães procuraram cuidados fora de casa. No início dos sintomas, a busca por cuidados fora de casa foi maior. Nas tentativas de automedicação em casa, aparecem uso de medicamentos tradicionais e cuidados provisórios(21).

Em situações de crianças com doenças prevalentes na infância, em serviços com a estratégia AIDPI, a maioria dos cuidadores estava preocupada com o problema de saúde da criança, sabia o dia e a hora do retorno de acompanhamento e estava satisfeita com a consulta, poucos não foram suficientemente capazes de mostrar como preparar e usar os medicamentos prescritos. No retorno, os motivos da não adesão às consultas agendadas, incluindo crianças com pneumonia, infecção aguda de ouvido, resfriado e diarreia, foram: a criança havia melhorado, outros compromissos familiares(17) e o custo do transporte(22).

A visita domiciliar constituiu estratégia para conhecer os motivos da não adesão ao retorno no serviço de saúde, mostrando que, embora a maioria das crianças tivesse melhorado, algumas tinham um novo problema de saúde e estavam doentes o suficiente para serem referenciadas(17). O seguimento da saúde das crianças é maior quanto mais alto o nível de escolaridade do cuidador, se os medicamentos são fornecidos durante a primeira consulta e se o agendamento do retorno é próximo (2 a 5 dias)(22).

No tratamento de enfermidades prevalentes na infância, de acordo com as diretrizes da AIDPI, ainda é identificada a prescrição indevida de antibióticos, sendo associada ao aumento da probabilidade de um retorno de acompanhamento(17).

Na referência para emergência hospitalar, em casos de doenças prevalentes na infância, referenciados de serviços de atenção primária, são destacados os seguintes fatores para o não acesso: percepção dos cuidadores e tomada de decisão (não viam sinais de severidade da doença, criança doente não o suficiente para ir ao hospital, custo da alimentação e alojamento durante a hospitalização, dinâmica familiar); interação com os serviços de saúde (trabalhadores não diziam "vá ao hospital imediatamente", insatisfação com avaliação hospitalar anterior, experiência negativa com o serviço); acesso ao hospital e barreiras físicas e financeiras (geografia, transporte e custos). Quando os cuidadores receberam dos trabalhadores do serviço de atenção primária a orientação para procurar o hospital imediatamente e o encaminhamento/referência, no início da consulta, houve redução do não acesso aos hospitais(23).

Discussão

As principais causas da mortalidade de crianças menores de cinco anos continuam sendo as afecções perinatais, a pneumonia e as complicações da doença diarreica e da desnutrição(2).

Nos trabalhos selecionados, identifica-se a aquisição de conhecimentos por parte dos cuidadores/mães, principalmente quanto aos sinais de alarme de enfermidades infecciosas e percepção de características de algumas doenças respiratórias, da diarreia e da desnutrição.

Alguns estudos destacaram conhecimentos e percepções inadequados da família que poderiam embasar condutas prejudiciais no cuidado domiciliar à criança doente, como diminuir a oferta de alimentos durante o curso da diarreia(11); deixar de buscar ajuda no serviço de saúde, por não reconhecer alguns sinais de pneumonia(12); e sinais de alarme na diarreia(10) e desmamar a criança precocemente por acreditar que a amamentação prolongada possa predispô-la à desnutrição(13).

Os estudos evidenciam que o treinamento em AIDPI melhora a performance das equipes de saúde, o entendimento e as práticas dos cuidadores, especialmente no que diz respeito ao aconselhamento do cuidador(14-17,20); avaliação dos sinais de risco de crianças doentes, avaliação de comorbidade, prescrição adequada de medicamentos e início do tratamento em unidade local de saúde(18).

A comunicação detalhada com mães e familiares é ponto de destaque na operacionalização da estratégia AIDPI(11). De acordo com o preconizado pela estratégia, é fundamental fazer várias perguntas à mãe ou cuidador, escutar cuidadosamente suas respostas para poder dar recomendações pertinentes, elogiar por ter seguido práticas apropriadas, orientar as práticas que precisam melhorar, empregar linguagem simples para que possa entender e elaborar perguntas de verificação para ter certeza que poderá cuidar do filho em casa(25).

A importância da comunicação também é destacada na adesão ao seguimento e referência da criança. Embora seja influenciada por fatores como a percepção dos cuidadores sobre os sinais de severidade da doença, a melhora da criança, o custo da alimentação, alojamento durante a hospitalização, as barreiras geográficas e a dinâmica familiar, a adesão também sofre influência da interação com os serviços de saúde, com destaque para a falta de clareza nas orientações de referência e seguimento, por parte dos trabalhadores, e insatisfação dos usuários com avaliação hospitalar anterior e experiência negativa com o serviço(17,21-23).

A relação entre profissionais e cuidadores, portanto, surge como cerne na presente revisão de literatura sobre prevenção, promoção e tratamento das enfermidades prevalentes na infância. Para que essa relação se configure como relação terapêutica efetiva, faz-se necessário utilizar as habilidades comunicativas preconizadas pela AIDPI, porém, não se restringindo ao protocolo. É preciso aproximação aberta e verdadeira dos cuidadores com os profissionais da saúde, marcada pela horizontalidade e pelo compartilhar de experiências.

Considerações Finais

A partir dos trabalhos analisados, é possível apreender a necessidade de compromissos profissionais com a saúde integral da criança, com enfoque no cuidado, para compreender as necessidades e direitos da criança e suas famílias, ressaltando a responsabilidade de disponibilizar atenção à saúde qualificada e humanizada.

A assistência prestada nos serviços de saúde pode ter impacto limitado se não se considerar que os responsáveis e cuidadores exercem papel fundamental na recuperação, manutenção e proteção da saúde da criança no domicílio. Na saúde da criança, é de extrema relevância enfocar a estratégia AIDPI, favorecendo discussões e vivências que incluam a família no cuidado, ampliando a comunicação, a compreensão e a intervenção no processo saúde/doença e cuidado.

A atitude empática e comunicativa dos profissionais, associada à estratégia AIDPI, contribui significativamente para a efetiva integração entre a sabedoria prática e a técnico-científica. Essa integração foi pouco explorada nos artigos analisados, pois, em sua maioria, são destacadas a performance do profissional em aconselhar e a capacidade do cuidador em relembrar e seguir as orientações, sem abordar os fatores envolvidos na qualidade da relação estabelecida e a influência dela no cuidado à criança. Tais aspectos merecem ser explorados em pesquisas futuras sobre a prevenção, promoção e tratamento das enfermidades prevalentes na infância.

Referências

  • 1. Pan American Health Organization, World Health Organization. Integrated Management of Childhood Illness (IMCI). In: Final report of the 26th Pan American Sanitary Conference; 23-27 September 2002; Washington, D.C, USA. Washington, D.C.: OPAS/OMS; 2002. p. 17-8.
  • 2. Cunha AJLA, Benguigui Y, Silva MASF. Atenção integrada às doenças prevalentes na infância: implantação e avaliação no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.
  • 3
    Ministério da Saúde (BR), Organização Pan-Americana da Saúde, Organização Mundial da Saúde. AIDPI Atenção integrada às doenças prevalentes na infância: curso de capacitação: introdução: módulo 1. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2003.
  • 4. Organização Pan-Americana da Saúde, Organização Mundial da Saúde. Melhorando a saúde das crianças: o enfoque integrado. Brasília, DF: OPAS/OMS; 2000.
  • 5. Benguigui Y. Perspectivas en el control de enfermedades en los niños: atención integrada a las enfermedades prevalentes de la infância. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2001;1(1):7-19.
  • 6
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Políticas de Saúde. AIDPI Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância: curso de capacitação: avaliar e classificar a criança de 2 meses a 5 anos de idade: módulo 2. 2. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2003.
  • 7. Flores-Peña Y, Gala SEVR, Cerda-Flores RM. Satisfação materna com o cuidado da enfermeira materno-infantil em Campeche, México. Rev. Latino-Am. Enfermagem [internet] 2009 [acesso: 28 jun 2010]; 17(5). Disponível em: www.eerp.usp.br/rlae
  • 8. Mello DF, Lima RAG, Scochi CGS. A saúde de crianças em situação de pobreza: entre a rotina e a eventualidade de cuidados cotidianos. Rev. Latino-Am. Enfermagem [internet]. 2007 [acesso: 28 jun 2010];15(número especial). Disponível em: www.eerp.usp.br/rlae.
  • 9. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2008; 17(4):58-64.
  • 10. Amorin CSC, Damasceno ACAD, Trindade CF, Aben-Athar SB. Conhecimento pelos pais sobre os sinais de alarme em infecção respiratória aguda e doença diarréica aguda em menores de 5 anos. Rev Paranaense Med. 2006;20(1):27-31.
  • 11. Prado SRLA, Fujimori E. Conhecimento materno/familiar sobre o cuidado prestado à criança doente. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):492-6.
  • 12. Irimu G, Nduati RW, Wafula E, Lenja J. Community understanding of pneumonia in Kenya. Afr Health Sci. 2008;8(2):103-7.
  • 13. Paulo IMA, Madeira AMF. Ter um filho desnutrido: o significado para as mães. Rev Min Enferm. 2006;10(1):12-7.
  • 14. Zaman S, Ashraf RN, Martines J. Training in complementary feeding counseling of healthcare workers and its influence on maternal behaviours and child growth: a cluster randomized controlled trial in Lahore, Pakistan. J Health Popul Nutr. 2008;26(2):210-22.
  • 15. Pelto GH, Santos I, Gonçalves H, Victora C, Martines J, Habicht J. Nutrition counseling training changes physician behavior and improves caregiver knowledge acquisition. J Nutr. 2004;134(2):357-62.
  • 16. Santos I, Victora CG, Martines J, Gonçalves H, Gigante DP, Valle NJ, et al. Nutrition counseling increases weight gain among Brazilian children. J Nutr. 2001;131(11):2866-73.
  • 17. Cunha AJLA, Santos SR, Martines J. Integrated care of childhood disease in Brazil: Mothers' response to the recommendations of health workers. Acta Paediatr. 2005; 94(8):1116-21.
  • 18. Chopra M, Patel S, Cloete K, Sanders D, Peterson S. Effect of an IMCI intervention on quality of care across four districts in Cape Town, South Africa. Arch Dis Child. 2005; 90(4):397-401.
  • 19. Kelly JM, Rowe AK, Onikpo F, Lama M, Cokou F, Deming MS. Care takers' recall of Integrated Management of Childhood Illness counseling messages in Benin. Trop Doct. 2007; 37(2):75-9.
  • 20. López-Flores F, Barquera-Cervera S, Kageyama-Escobar ML. Evaluación de una atención integrada contra la desnutrición infantil en áreas urbanas de Nayarit, México. Salud Pública Méx. 2004;46(2):158-63.
  • 21. Adegboyega AA, Onayade AA, Salawu O. Care-seeking behavior of caregivers for common childhood illnesses in Lagos Island Local Government Area, Nigeria. Niger J Med. 2005;14(1):65-71.
  • 22. Al Fadil SM, Alrahman SHA, Cousens S, Bustreo F, Shadoul A, Farhoud S, et al. Integrated Management of Childhood Illnesses strategy: compliance with referral and follow-up recommendations in Gezira State, Sudan. Bull World Health Organ. 2003;81(10):708-16.
  • 23. Kalter HD, Salgado R, Moulton LH, Nieto P, Contreras A, Egas ML, et al. Factors constraining adherence to referral advice for severely ill children managed by the Integrated Management of Childhood Illness approach in Imbabura Province, Ecuador. Acta Paediatr. 2003;92(1):103-10.
  • 24. Broome ME. Integrative literature reviews for the development of concepts. In: Rodgers BL, Knafl KA. Concept development in nursing: foundations, techniques and applications. 2. ed. Philadelphia: WB Saunders; 2000. p. 193-215.
  • 25
    Ministério da Saúde (BR). AIDPI Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância: curso de capacitação: aconselhar a mãe ou o acompanhante: módulo 5. 2.ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002.
  • Atenção integrada às doenças prevalentes na infância e o enfoque nos cuidadores: revisão integrativa da literatura

    Vania Daniele ParanhosI; Juliana Coelho PinaII; Débora Falleiros de MelloIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      30 Set 2009
    • Aceito
      04 Ago 2010
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br