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Percepções de enfermeiros sobre liderança em hospitais brasileiros na COVID-19 pela concepção de Kotter* * *Artigo extraído da tese de doutorado “Estratégias de liderança dos enfermeiros em hospitais universitários federais brasileiros durante a pandemia de COVID-19: na perspectiva do modelo de John Kotter”, apresentada à Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 402392/2020-5, Brasil.

Resumo

Objetivo:

conhecer as percepções de liderança de enfermeiros durante a pandemia da COVID-19 em hospitais universitários brasileiros, pela concepção dos conceitos do referencial de John Kotter e seu modelo de mudança de oito etapas.

Método:

pesquisa multicêntrica de natureza qualitativa e delineamento analítico. A amostra foi constituída por 139 enfermeiros atuantes na COVID-19 entrevistados mediante um roteiro de entrevistas semiestruturadas, categorizadas por meio de análise de conteúdo de Bardin com base nos conceitos de John Kotter e seu modelo de mudança de oito etapas.

Resultados:

os achados resultaram em importantes percepções dos enfermeiros acerca da liderança durante o enfrentamento da COVID-19, que apresentaram características condizentes com os preceitos de Kotter. Evidencia-se uma liderança baseada na busca pelo conhecimento, pautada em uma comunicação polida, facilitando o trabalho em equipe por meio de uma relação de confiança e respeito. O reconhecimento da complexidade e dificuldade que é exercer a liderança do enfermeiro, principalmente, em contextos de crise.

Conclusão:

as percepções dos enfermeiros reforçam elementos essenciais para a prática da liderança, como a importância pela busca de conhecimentos múltiplos, comunicação polida, relação baseada na confiança e respeito, e o reconhecimento da complexidade em liderar, apresentando, assim, características acerca dos preceitos de Kotter.

Descritores:
Enfermagem; Liderança; Enfermeiras e enfermeiros; COVID-19; Gestão de mudança; Pandemias

Abstract

Objective:

to understand nurses’ leadership perceptions during the COVID-19 pandemic in Brazilian university hospitals, through the lens of John Kotter’s concepts and his eight-step change model.

Method:

a multicenter qualitative research with an analytical design. The sample comprised 139 nurses working in COVID-19 settings, interviewed using a semi-structured interview guide. Data were categorized through Bardin’s content analysis based on John Kotter’s concepts and his eight-step change model.

Results:

the findings yielded significant insights into nurses’ perceptions of leadership during the COVID-19 response, which exhibited characteristics consistent with Kotter’s principles. There is evidence of leadership based on the pursuit of knowledge, grounded in polished communication, facilitating teamwork through a relationship of trust and respect. The recognition of the complexity and difficulty of exercising nursing leadership, particularly in crisis contexts, is apparent.

Conclusion:

nurses’ perceptions reinforce essential elements for leadership practice, such as the importance of seeking diverse knowledge, polished communication, relationships based on trust and respect, and recognition of the complexity of leadership, thus presenting characteristics in line with Kotter’s principles.

Descriptors:
Nursing; Leadership; Nurses; COVID-19; Change Management; Pandemics

Resumen

Objetivo:

comprender las percepciones sobre liderazgo de los enfermeros durante la pandemia de COVID-19 en hospitales universitarios brasileños, a través de la concepción de los conceptos del marco de John Kotter y su modelo de cambio de ocho pasos.

Método:

investigación multicéntrica de carácter cualitativo y diseño analítico. La muestra estuvo compuesta por 139 enfermeros que trabajaban durante la pandemia de COVID-19 entrevistados mediante una guía de entrevistas semiestructuradas; categorizadas a través del análisis de contenido de Bardin basándose en los conceptos de John Kotter y su modelo de cambio de ocho pasos.

Resultados:

los hallazgos revelaron importantes percepciones de los enfermeros sobre el liderazgo en la lucha contra el COVID-19, que presentó características consistentes con los preceptos de Kotter. Se observa un liderazgo basado en la búsqueda del conocimiento y una comunicación respetuosa, que facilita el trabajo en equipo por medio de una relación de confianza y respeto. Se reconoce lo complejo y difícil que es ejercer el liderazgo como enfermero, especialmente en contextos de crisis.

Conclusión:

las percepciones de los enfermeros destacan elementos esenciales para la práctica del liderazgo, como la importancia de adquirir múltiples conocimientos, tener una comunicación respetuosa, relaciones basadas en la confianza y el respeto, y reconocer la complejidad del liderazgo, que representa las características de los preceptos de Kotter.

Descriptores:
Enfermería; Liderazgo; Enfermeras y enfermeros; COVID-19; Gestión del Cambio; Pandemias

Destaques:

(1) Evidenciadas percepções de enfermeiros sobre liderança na COVID-19.

(2) A COVID-19 intensificou a complexidade no exercício da liderança de enfermeiros.

(3) A liderança de enfermeiros foi consolidada no conhecimento, comunicação, confiança.

(4) Atuar no enfrentamento da COVID-19 enquanto enfermeiro-líder tornou-se árduo.

(5) Preceitos de Kotter auxiliam em reflexões na liderança de enfermeiros.

Introdução

A liderança é indispensável à prática do enfermeiro, sendo importante que ele busque desenvolvê-la. Embora as definições frente à liderança sejam complexas, reconhecemos uma grande liderança quando a encontramos1Oliveira L, Andrade JC, Ferreira TDM, Balsanelli AP, Gasparino RC. Liderança ideal: percepção de estudantes de enfermagem. Rev Baiana Enferm. 2022;36:e44829. https://doi.org/10.18471/rbe.v36.44829
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)-(2Salvage J, White J. Our future is global: nursing leadership and global health. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3339. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4542.3339
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. Na enfermagem, a liderança pode ser caracterizada como uma competência profissional fundamental no exercício de sua prática clínica e administrativa, na qual o enfermeiro direciona, apoia e orienta sua equipe de saúde, possibilitando alcançar resultados positivos na assistência ao cuidado do paciente3Harrington A. Understanding effective nurse leadership styles during the covid-19 pandemic. Nurs Stand. 2021;5(36):45-50. https://doi.org/10.7748/ns.2021.e11601
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)-(4Roe E, Decker S, Marks K, Cook J, Garno K, Newton J, et al. Nurse experience during the covid-19 pandemic: implications for nurse leaders. Nurs Manage. 2022;1(53):8-17. https://doi.org/10.1097/01.numa.0000829268.46685.bb.
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.

Os enfermeiros representam o maior grupo de força de trabalho global em saúde, e em algumas situações são os únicos provedores disponíveis2Salvage J, White J. Our future is global: nursing leadership and global health. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3339. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4542.3339
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. Assim, eles desempenham papéis cruciais na prática, educação e pesquisa em saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS)5Tosta S, Moreno K, Schuab G, Fonseca V, Segóvia FMC, Kashima S. Global SARS-CoV-2 genomic surveillance: What we have learned (so far). Infect Genet Evol. 2023;108:105405. https://doi.org/10.1016/j.meegid.2023.105405
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)-(6Robazzi MLDCC, Rocha FLR, Marziale MHP. The post-COVID-19 pandemic: perspectives of professional practice in nursing. Rev Bras Enferm. 2023;76(Suppl 1):e76Suppl101. https://doi.org/10.1590/0034-7167.202376Suppl101
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enfatiza o fortalecimento da liderança dos enfermeiros para influenciar políticas e decisões de saúde. Destarte, em tempos normais e durante pandemias, os enfermeiros desempenham um papel fundamental na linha de frente do cuidado de saúde e, portanto, contribuindo significativamente para o combate à doença5Tosta S, Moreno K, Schuab G, Fonseca V, Segóvia FMC, Kashima S. Global SARS-CoV-2 genomic surveillance: What we have learned (so far). Infect Genet Evol. 2023;108:105405. https://doi.org/10.1016/j.meegid.2023.105405
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)-(6Robazzi MLDCC, Rocha FLR, Marziale MHP. The post-COVID-19 pandemic: perspectives of professional practice in nursing. Rev Bras Enferm. 2023;76(Suppl 1):e76Suppl101. https://doi.org/10.1590/0034-7167.202376Suppl101
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.

A COVID-19 iniciou em 2019, em Wuhan, na China, conseguindo causar desde um simples resfriado até a síndrome respiratória aguda (SARS-Cov-2), conhecida como Coronavirus Disease 2019 (COVID-19)7Sawicka B, Aslan I, Della Corte V, Periasamy A, Krishnamurthy SK, Mohammed A, et al. The coronavirus global pandemic and its impacts on society. Coronavirus Drug Discovery. 2022;267-311. https://doi.org/10.1016/B978-0-323-85156-5.00037-7
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. Rapidamente, tornou-se uma das piores catástrofes de saúde, impactando os sistemas de saúde globalmente8Nimako K, Kruk ME. Seizing the moment to rethink health systems. Lancet. 2021;9. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(21)00356-9
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. Em março de 2020, a OMS declarou pandemia de COVID-19. Em 5 de maio de 2023, a OMS anunciou que a COVID-19 não era mais uma emergência de saúde pública, devido à redução nas taxas de internação, admissões em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e mortalidade mundial9Santos BMPD, Gomes AMF, Lourenção LG, Cunha ICKO, Cavalcanti AJCA, Silva MCN. Profile and essentiality of Nursing in the context of the COVID-19 pandemic. Cien Saude Colet. 2023;28(10):2785-96. https://doi.org/10.1590/1413-812320232810.09772023
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)-(10Sarker R, Roknuzzaman ASM, Nazmunnahar Hossain MJ, Islam MR. Benefits and probable ill effects of WHO’s declaration of end of COVID-19 pandemic: a way back to pandemic-free normal life. Ann Med Surg (Lond). 2023;85(6):3199-201. https://doi.org/10.1097/MS9.0000000000000848
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.

Contudo, as consequências de uma pandemia são preocupantes e podem ser observadas em diversos setores. Dentre esses, abruptamente, os hospitais foram desafiados a ampliar leitos de terapia intensiva, promover treinamentos de profissionais de saúde para atendimento de pacientes com COVID-19 e adquirir maior quantidade de equipamentos de proteção individual. Lidava-se com um vírus desconhecido, com alto contágio e grande letalidade. Os hospitais universitários federais (HUFs) brasileiros foram elencados como referências de média e alta complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS) para assistência de pacientes com COVID-199Santos BMPD, Gomes AMF, Lourenção LG, Cunha ICKO, Cavalcanti AJCA, Silva MCN. Profile and essentiality of Nursing in the context of the COVID-19 pandemic. Cien Saude Colet. 2023;28(10):2785-96. https://doi.org/10.1590/1413-812320232810.09772023
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),(11Santos JL, Lanzoni GM, Costa MF, Debetio JO, Sousa LP, Santos LS, et al. How are university hospitals coping with the COVID-19 pandemic in Brazil? Acta Paul Enferm. 2020;33:eAPE20200175. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO01755
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No âmbito da gestão, os enfermeiros líderes compuseram comissões com fins de planejamento e rápida organização de fluxos assistenciais, ajustes na infraestrutura das UTIs e elaboração de protocolos relacionados à assistência aos pacientes internados por consequência da COVID-19. Outro elemento de destaque na atuação destes profissionais durante a pandemia foi a articulação entre a equipe multiprofissional, para promover ajustes necessários à promoção de um cuidado holístico, com procedimentos operacionais padronizados, checklists de segurança e atualização das orientações de prática clínica, sempre que disponíveis12Alves LJF, Passos JR, Gomes MCC, Silva TTF, Santos BC, Queiroz PSS, et al. Atuação do enfermeiro na unidade de terapia intensiva no contexto de covid-19. CONJ [Internet]. 2021 [cited 2023 Oct 26];21(5):451-66. Available from: Available from: https://conjecturas.org/index.php/edicoes/article/view/268
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.

Essa pandemia, portanto, ocasionou uma crise mundial e, no contexto da enfermagem, oportunizou destacar a liderança do enfermeiro para seu enfrentamento13Anders RL, Jackson D, Davidson PM, Daly JP. Nursing Leadership for the 21st Century. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2021;29:3472. https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3484
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. Estudo14Ding S, Deng S, Zhang Y, Wang Q, Liu Z, Huang J, et al. Experiences and needs of front-line nurses during the COVID-19 pandemic: A systematic review and qualitative meta-synthesis. Front Public Health. 2022;10:805631. https://doi.org/10.3389/fpubh.2022.805631
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) assinalou que os enfermeiros demonstraram forte sentimento de responsabilidade e brio por prestarem os cuidados de enfermagem aos pacientes com COVID-19. Enfermeiros gestores e especialistas desempenharam papéis fundamentais na coordenação durante a pandemia, e a liderança de enfermagem se destacou como elemento crucial nessa manutenção, inclusive, no sentido de manter uma boa relação entre enfermagem e paciente14Ding S, Deng S, Zhang Y, Wang Q, Liu Z, Huang J, et al. Experiences and needs of front-line nurses during the COVID-19 pandemic: A systematic review and qualitative meta-synthesis. Front Public Health. 2022;10:805631. https://doi.org/10.3389/fpubh.2022.805631
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Neste contexto de extremas incertezas, a dedicação da enfermagem assumiu um valor imensurável. As habilidades de liderança dos enfermeiros, globalmente, foram colocadas à prova, suas ações mostraram-se essenciais para futuras gerações15Nascimento AAA, Ribeiro SEA, Marinho ACL, Azevedo VD, Moreira MEM, Azevedo IC. Repercussions of the COVID-19 pandemic on Nursing training: A Scoping Review. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2023;31:e3911. https://doi.org/10.1590/1518-8345.6414.3911
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) e ficou notória a necessidade de preparo destes profissionais para lidar com essas situações, que podem, inclusive, acontecer novamente, ainda que por diferentes causas15Nascimento AAA, Ribeiro SEA, Marinho ACL, Azevedo VD, Moreira MEM, Azevedo IC. Repercussions of the COVID-19 pandemic on Nursing training: A Scoping Review. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2023;31:e3911. https://doi.org/10.1590/1518-8345.6414.3911
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. Dessa forma, estudos que evidenciem elementos capazes de contribuir com o desenvolvimento da liderança por enfermeiros são importantes e prementes, principalmente em cenários de crise, em que esta competência se revela fundamental.

Nesse sentido, foi proposto o presente estudo, que se mostra capaz de fortalecer ainda mais as contribuições deste tipo de pesquisa, por trazer um olhar voltado para os conceitos do referencial teórico de John Kotter e seu modelo de mudança de oito etapas. O autor, reconhecido internacionalmente pelo estudo de liderança e mudanças em organizações, afirma que a liderança é um conjunto de processos intrínsecos das organizações adaptáveis para modificar consideravelmente as circunstâncias, visando ao futuro, alinhando e motivando pessoas16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p..

Kotter é criador do modelo de “processo de mudança de oito etapas”, conceituado em sua obra “Leading Change” (Liderando Mudanças). A adoção de tal modelo permite que o líder não cometa os oito erros mais comuns em um processo de mudança e consiga implementá-la eficazmente. O modelo consiste na oposição a esses oito erros identificados durante as seguintes etapas: Senso de Urgência (razões da mudança); Coalizão Administrativa (agentes da mudança); Visão e estratégia (visão de futuro clara e objetiva); Comunicação (devidamente comunicada); Empowerment (empoderamento das pessoas); Conquistas a curto prazo (motivar o progresso); Consolidação dos ganhos (manter o foco); e Novos métodos na cultura (incorporação da mudança)16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p.)-(18Aziz AM. A change management approach to improving safety and preventing needle stick injuries. J Infect Prevent. 2017;18(5). https://doi.org/10.1177/1757177416687829
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O modelo de oito etapas de Kotter é uma ferramenta fortalecedora para os líderes efetuarem mudanças de forma eficaz, que pode ser aplicada ao contexto de saúde. Para tanto, é importante que líderes de enfermagem busquem compreender e aplicar o modelo acerca dos processos de mudança e contribuam com melhorias na qualidade da assistência ao cuidado. Trata-se de etapas interligadas e que se complementam para assegurar uma mudança efetiva, assim, dependendo do cenário, algumas etapas podem acontecer ao mesmo tempo. Desse modo, o autor reforça a importância de não se pular nenhuma etapa do processo de mudança e, quando todos os estágios são bem conduzidos, obtém-se um resultado de sucesso. Porém, em um mundo complexo em que vivemos, alguns casos não seguem rigorosamente o fluxo de oito passos, mas o padrão das oito etapas é o paradigma básico que se observa em processos de mudança bem-sucedidos16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p.)-(18Aziz AM. A change management approach to improving safety and preventing needle stick injuries. J Infect Prevent. 2017;18(5). https://doi.org/10.1177/1757177416687829
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Nesse ínterim, foram encontrados estudos internacionais19Keller J, Tomaine S, Schlotter C, Hennessey A, Birnbaum S. Reimagining flu vaccine clinics. Am Nurs J. 2021;16(7):20-3. Available from: https://www.myamericannurse.com/reimagining-flu-vaccine-clinics/
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)-(21Dhahri AA, Iqbal MR, Pardoe H. Agile Application of Video Telemedicine During the COVID-19 Pandemic. Cureus. 2020;12(11):e11320. https://doi.org/10.7759/cureus.11320
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, na Região Metropolitana da Filadélfia, na África e Reino Unido, que aplicaram o modelo de John Kotter no contexto de saúde mediante líderes de enfermagem e demais profissionais de saúde, durante a pandemia da COVID-19. Emergiram resultados positivos do modelo de mudança de Kotter e seus conceitos de liderança, embora em alguns casos os profissionais tenham necessitado mudar suas crenças, valores, comportamentos e atitudes inerentes, para, dessa maneira, desenvolverem continuamente novas compreensões, possibilitando, assim, a adoção bem-sucedida da mudança pela maioria dos profissionais19Keller J, Tomaine S, Schlotter C, Hennessey A, Birnbaum S. Reimagining flu vaccine clinics. Am Nurs J. 2021;16(7):20-3. Available from: https://www.myamericannurse.com/reimagining-flu-vaccine-clinics/
https://www.myamericannurse.com/reimagin...
)-(21Dhahri AA, Iqbal MR, Pardoe H. Agile Application of Video Telemedicine During the COVID-19 Pandemic. Cureus. 2020;12(11):e11320. https://doi.org/10.7759/cureus.11320
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. Contudo, não foram encontrados estudos no contexto da enfermagem na América Latina.

Diante do exposto, surgiu o seguinte questionamento: quais as percepções de liderança de enfermeiros durante a pandemia da COVID-19, em hospitais universitários brasileiros, sob os conceitos de John Kotter? Deste modo, para respondê-la, apresentou-se o seguinte objetivo: conhecer as percepções de liderança de enfermeiros durante a pandemia da COVID-19, em hospitais universitários brasileiros, pela concepção dos conceitos do referencial de John Kotter e seu modelo de mudança de oito etapas.

Método

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo multicêntrico de natureza qualitativa e delineamento analítico respaldado nos construtos teóricos de John Paul Kotter e seu modelo de oito etapas de mudança. O desenho qualitativo foi considerado o mais adequado para se compreender e identificar as percepções de liderança de enfermeiros no contexto da pandemia. Para assegurar o rigor metodológico do estudo, foram utilizados os itens do checklist para pesquisas qualitativas conforme as diretrizes do Consolidated Criteria For Reporting Qualitative Research (COREQ)22Du KJ, Li GS, Zhang K, Lin Y, Yang F, Hannes K. Prof. Karin Hannes: COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Studies). Ann Transl Med. 2022;10(19):1073. https://doi.org/10.21037/atm-2022-23
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Local do estudo

O estudo foi desenvolvido em dez hospitais universitários brasileiros, os quais são campos práticos para diferentes cursos no contexto de saúde, incluindo a enfermagem. Estes atendem casos de média e alta complexidade para o Sistema Único de Saúde (SUS)23Ministério da Educação (BR). Sobre os Hospitais Universitários Federais [Internet]. Brasília: MS; 2021 [cited 2021 Oct 31] Avaliable from: Brasília: MS; 2021 [cited 2021 Oct 31] Avaliable from: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/sobre-os-hospitais-universitarios-federais
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, e oito deles são ligados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Tais hospitais estão localizados nas Regiões Sul (dois hospitais, incluindo a instituição matriz); Sudeste (dois); Nordeste (dois hospitais, um dos quais a instituição proponente do pesquisador); Norte (dois); e Centro-Oeste (dois). A escolha por esses dez hospitais universitários se deu, primeiramente, de forma intencional, mediante a interação entre os grupos de pesquisas, docentes e pesquisadores vinculados às instituições de ensino integradas a estes hospitais universitários, assim como por estes representarem as cinco Regiões do Brasil e por terem sido referências no atendimento ao paciente com COVID-19 pelo SUS, durante a pandemia. Deste modo, o primeiro contato com os hospitais universitários se deu pelos docentes que eram referência na coordenação do projeto multicêntrico de cada uma das instituições de ensino.

O estudo foi desenvolvido em dez hospitais universitários brasileiros, os quais são campos práticos para diferentes cursos no contexto de saúde, incluindo a enfermagem. Estes atendem a casos de média e alta complexidade para o Sistema Único de Saúde (SUS)23Ministério da Educação (BR). Sobre os Hospitais Universitários Federais [Internet]. Brasília: MS; 2021 [cited 2021 Oct 31] Avaliable from: Brasília: MS; 2021 [cited 2021 Oct 31] Avaliable from: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/sobre-os-hospitais-universitarios-federais
https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitai...
, e oito deles são ligados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

Tais hospitais estão localizados nas Regiões: Sul (dois hospitais, incluindo a instituição matriz); sudeste (dois); Nordeste (dois hospitais, um dos quais a instituição proponente do pesquisador); norte (dois); e Centro-Oeste (dois).

A escolha por esses dez hospitais universitários se deu, primeiramente, de forma intencional mediante a interação entre os grupos de pesquisas, docentes e pesquisadores vinculados às instituições de ensino integradas a estes hospitais universitários, assim como por estes representarem as cinco Regiões do Brasil. Além disso, essas são referências no atendimento do paciente com COVID-19 pelo SUS, durante a pandemia. Deste modo, o primeiro contato com os hospitais universitários se deu pelos docentes que eram referências na coordenação do projeto multicêntrico de cada uma das instituições de ensino.

Período

A coleta de dados ocorreu entre os meses de março de 2021 a abril de 2022.

População, critérios de seleção, definição da amostra

A amostra se compôs de um total de 139 entrevistados, e os participantes da pesquisa foram enfermeiros atuantes na assistência ao paciente com COVID-19, sem qualquer vínculo empregatício. Constituíram-se critérios de elegibilidade: ser enfermeiro atuante com pacientes com COVID-19, por no mínimo três meses, tempo determinado por se acreditar na possibilidade de se criar uma experiência acerca do fenômeno abordado.

Cabe salientar que devido a este estudo estar vinculado a um projeto multicêntrico que utilizou métodos mistos, primeiramente, o projeto maior realizou a etapa quantitativa, por meio de uma amostragem por conveniência, em que todos os enfermeiros atuantes em suas unidades foram convidados a participar. E estes respondiam se tinham interesse em seguir para a segunda etapa, mediante entrevistas semiestruturada.

Nesse sentido, a etapa qualitativa ocorreu concomitantemente: 1) por meio dos respondentes da etapa quantitativa já listados no macroprojeto e que aceitaram participar da fase qualitativa; 2) os participantes também foram recrutados por e-mail, WhatsApp ® institucional, e por agentes da pesquisa in loco (docentes de enfermagem, estudantes da graduação, bolsistas de iniciação científica e pós-graduação em Enfermagem e das instituições vinculadas ao macroprojeto, que foram treinados e capacitados para realizarem as entrevistas); 3) mediante o aceite, foram solicitadas aos entrevistados indicações de outros enfermeiros.

Os participantes que aceitaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e participaram das entrevistas sob dois formatos: por meio de videochamadas realizadas pelo aplicativo Google Meet ® e/ou em um espaço reservado do local de trabalho dos mesmos, ambos realizados individualmente.

É válido mencionar que houve um instrumento padronizado para a abordagem aos participantes, o qual apresentava os pesquisadores aos participantes, explicitava sobre o projeto matriz, e duração das entrevistas (20 a 50 min), tempo esse seguido.

Foram realizadas reuniões online e mediadas pelos coordenadores do projeto matriz, para a capacitação dos coletadores e padronização dos instrumentos de coleta de dados, em que foram baseadas no Manual de Coleta Qualitativa frente à Gestão do Cuidado, Liderança de Enfermagem e Ambiente de Prática.

Desde modo, nas reuniões realizadas com a coordenação do projeto matriz e seus pesquisadores envolvidos das instituições de ensino vinculadas, determinou-se uma data para iniciar as entrevistas, sendo realizado um teste-piloto no HUF vinculado ao projeto matriz, em que contou com a participação de um enfermeiro. Destaca-se que essa entrevista não foi contabilizada. Durante as reuniões realizadas com a coordenação e seus pesquisadores foi discutido em conjunto acerca da saturação dos dados para se definir uma data de finalização das entrevistas.

Incluiu-se a opção da entrevista remota porque, na época, ainda vivenciávamos um cenário crítico da pandemia de COVID-19.

Coleta de dados

As entrevistas foram individuais e semiestruturadas, compostas por nove questões acerca das mudanças, estratégias de liderança e gestão do cuidado de enfermagem durante o enfrentamento desta pandemia. Em face das questões de caracterização dos participantes, essas foram respondidas pelos participantes no início das entrevistas, sendo compostas pelas questões: iniciais do nome; sexo; idade; nível de formação; tempo de atuação profissional; tempo de atuação ao paciente com COVID-19.

Os dados foram coletados pelos pesquisadores envolvidos no projeto matriz de cada localidade. O formato do aplicativo Google Meet ® permitiu realizar a gravação das entrevistas e, quando presenciais, utilizou-se um gravador ou celular na função de gravador de voz (mp3). Em seguida, as entrevistas foram transcritas integralmente pelos pesquisadores de cada localidade e finalizadas quando alcançados os objetivos propostos, após acordo em reunião virtual (Google Meet ® ) com todos os pesquisadores envolvidos, delimitando a data final para o encerramento de todas as entrevistas em todos os hospitais.

Análise dos dados

Para a análise das informações obtidas nas entrevistas, utilizou-se o método de análise de conteúdo de Bardin24Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016. 281 p., com as seguintes fases: primeiramente a pré-análise, em que se realizou uma “leitura flutuante” e a exploração do conteúdo; em segundo, a exploração do material, em que há leitura mais intensa dos achados, seguida da escolha das unidades de codificação, ocorrendo a construção das categorias; e a terceira fase é o tratamento dos resultados obtidos mediante análise e inferência24Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016. 281 p..

Para tanto, após uma leitura minuciosa das entrevistas, optou-se por elaborar uma tabela no programa Word da Microsoft Office 365, na qual se destacaram as percepções de liderança dos enfermeiros atuantes na COVID-19, e relacionar os achados conforme os conceitos e o modelo de oito etapas de mudança de Kotter. Sendo que essa análise foi realizada individualmente para os HUFs, existindo, portanto, um documento em Word para cada uma das instituições hospitalares. É válido sinalizar que foi realizada uma revisão por pares pelos coautores, contribuindo para a qualidade dessa pesquisa.

Optou-se também pelo uso do software webQDA ® , versão 3.0, na busca de fortalecer o estudo, por ser um aplicativo para pesquisas qualitativas que auxilia o pesquisador nas etapas de organização, edição e visualização das categorias e subcategorias, por permitir o armazenamento ordenado das informações25Costa PA. Cloud Computing em Investigação Qualitativa: Investigação Colaborativa através do software webQDA. J Soc Tech Environ Sci. 2016;5(2):153-61. https://doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i2.p153-161
https://doi.org/10.21664/2238-8869.2016v...
. Para preservar o anonimato dos participantes, estes foram identificados com as iniciais de cada universidade a que pertenciam, seguidas de um numeral em ordem crescente, por exemplo: “UFBA01; UFSC 01; UFRJ 01...”.

Aspectos éticos

Foram atendidos todos os preceitos éticos que envolvem estudos com seres humanos, conforme determina a Resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil26Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº466, de 12 de dezembro de 2012. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. 2013 Jun 13; seção 1. Avaliable from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
. Salienta-se que o estudo teve a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do macroprojeto, referente ao projeto matriz, sob Parecer CAAE: 38912820.3.1001.0121, e também aprovação do CEP da instituição proponente deste estudo, com o CAAE: 38912820.3.2011.0049, ambos por meio da Plataforma Brasil.

Resultados

Em relação à amostra deste estudo, foram incluídos 139 enfermeiros, todos atuantes no atendimento a pacientes com COVID-19. A idade dos participantes manteve-se na faixa entre 23 anos e 65 anos, com média de 32 anos. Eram do sexo feminino 118 participantes (87,41%) e 17 do masculino (12,59%). Quanto ao tempo de experiência profissional, o mínimo identificado foi de um ano de serviço e o máximo, de 36 anos. Por fim, no que diz respeito ao nível de titulação, quatro participantes possuíam doutorado e havia 36 com mestrado.

No que se refere à análise temático-categorial dos dados emergidos nas entrevistas, foram identificadas quatro categorias: Desenvolvimento de elementos essenciais para liderar mudanças: conhecimento, trabalho em equipe, comunicação; Relação de confiança e respeito; Motivação da equipe, direcionando para o objetivo; e A complexidade da liderança e visão ampliada. Os dados componentes de cada uma delas são apresentados a seguir.

Desenvolvimento de elementos essenciais para liderar mudanças: conhecimento, trabalho em equipe, comunicação

Nos depoimentos abaixo, os enfermeiros destacaram a importância do conhecimento, tanto acerca de suas competências e habilidades que compõem o cuidado de enfermagem, quanto de suas capacidades de liderar as equipes. Segundo eles, este conhecimento permite que todos se preparem para conduzir adequadamente ações em prol do alcance de objetivos em comum. Assim, essa categoria está relacionada a alguns elementos-chave do modelo de Kotter, como a primeira etapa de senso de urgência no qual o conhecimento das competências e habilidades necessárias para o cuidado de enfermagem e liderança de equipes é fundamental para criar uma conscientização sobre a necessidade de mudança; a segunda etapa de coalizão sendo importante reunir pessoas com diferentes conjuntos de habilidades e conhecimentos para liderar a mudança eficazmente; a quarta etapa de comunicar a visão assegurando que todos compreendam os objetivos da mudança e estejam alinhados com eles.

Liderar é um processo no qual você aprende a desenvolver habilidade [...] Você precisa ter humildade para ir aprendendo com as pessoas [...] e a comunicação é um dos pilares mesmo da liderança. Um líder que não se comunica não tem uma liderança boa, porque você não faz uma liderança sozinho. Se você faz uma liderança sozinho, você não é líder, você é chefe. (UFBA 1)

[...] minha condição como liderança é sempre coparticipar com a equipe, sempre estar junto, e não é só no motivacional, também não apenas no educacional; temos que trocar conhecimento, pois ninguém sabe de tudo. É um ganho de conhecimentos, é uma troca, e muitos colegas meus que são técnicos, fazem parte da minha equipe [...]. (UFSC 09)

Existem três coisas essenciais para que a liderança seja eficiente: conhecimento, postura e a outra é o que você faz com o seu trabalho com sua equipe. A maneira como você se comporta com a equipe é o que torna você um líder. Então, diante da pandemia, o ponto que levou ao bom desenvolvimento no cuidado foi o conhecimento. Para se tornar um líder, tem que ter conhecimento. (UFAM 09)

O enfermeiro precisa ter conhecimento, conhecimento das suas ações, conhecimento das suas competências, da competência específica da equipe de enfermagem, porque a gente precisa saber delegar. Então, se a gente não tem esse conhecimento, não consegue delegar as ações importantes para o exercício dessa assistência. Ele precisa ter conhecimento também das rotinas, dos protocolos de segurança do paciente, porque, se ele não conhece, não consegue enxergar isso na prática [...] ele precisa ter atitude, aquelas três características: conhecimento, habilidade e atitude [...]. (UFRN 03)

Não conheço nenhum enfermeiro que não seja líder. Eu não conheço, se você está na prática clínica e está ali, você tem que gerenciar aquela equipe [...] Cada vez mais conhecer sua equipe, cada vez mais ter conhecimento científico, o qual é algo que alguns enfermeiros esquecem da parte do conhecimento [...]. (UNIFESP 02)

Não tenho problema nenhum em conversar com as pessoas, em me comunicar. Isso faz um bem muito grande para o paciente, porque a gente se comunica [...]. Na minha equipe, vejo isso, que é um problema que existia e que hoje não existe mais, essa questão de comunicação, e também dou essa liberdade aos técnicos, chegarem para mim e conversar[...]essa grande articulação, acho que está muito boa [...]. (UFRJ 10)

Relação de confiança e respeito

Nessa segunda categoria, emergiu novamente a importância do trabalho em equipe, mas agora baseado em uma relação de confiança e respeito. Segundo os participantes, sem esses elementos, dificilmente um líder conseguirá exercer a liderança. Vale destacar, ainda, a menção à empatia nas falas, sobretudo, diante desse cenário de pandemia, no qual o respeito e a colaboração foram fundamentais. Desse modo, é possível relacionar os achados com os preceitos de Kotter e seu modelo, devido ao autor destacar esses elementos de confiança e respeito mútuos. Por exemplo, na segunda etapa de coalizão, são necessários a confiança e o respeito entre o líder e sua equipe para trabalharem de forma mais colaborativa e eficaz para alcançar os objetivos comuns da mudança.

Em relação às características de um líder: a primeira coisa é confiar na equipe que ele tem; ter empatia; vestir a camisa com a equipe; trabalhar com a equipe para ajudar e estar na linha de frente com os demais [...] ser o primeiro a colocar o pé em uma linha de combate e o último a tirar [...] tem que estar na batalha junto, de mão dada, ou na frente, ou dando retaguarda atrás, ter uma inteligência emocional bem preparada [...] porque, se o líder desesperou, acabou, acabou a equipe, acabou tudo, acabou a confiança; ter a confiança no técnico e passar a confiança para ele também. Você sabe, você está ali para ficar com ele. (UFMT 04).

Em relação aos atributos da personalidade, acredito que ele tem que ter empatia, empatia para saber se colocar no lugar do outro, entender até que ponto a equipe está precisando de apoio, se ela está com dificuldade, de que forma a gente vai conseguir auxiliar essa equipe [...]. (UFRN 03)

O líder é o espelho da sua equipe, se você trabalha com o seu técnico, com o seu outro colega, você vai transmitir a ele aquela segurança. Você tem que ser bom no que você faz e tem que respeitar os seus colegas, independentemente de qual grau estes tenham. (UFMS 02)

Acho que é uma relação mais horizontal que verticalizada, não deixando de respeitar as hierarquias, mas a liderança, para que seja entendida e compreendida, precisa ouvir o lado do liderado, porque aí é que se estabelece uma relação de confiança e respeito. [...]. (UFBA 07)

[...]Vou transmitir confiança a minha equipe que pode contar comigo. Então, isso a gente sentiu bastante nessas situações de COVID-19, porque muitas pessoas, muitos colegas, chegavam numa condição muito precária ou por que um familiar ficou doente, ou porque não pode ver o filho, porque tem que ficar afastado, não pode abraçar, não pode beijar [...]. (UFSC 09)

Motivação da equipe, direcionando para o objetivo

Nesta terceira categoria, são apresentadas as percepções dos enfermeiros em relação aos atributos de motivar, inspirar e influenciar pessoas. Para eles, um líder precisa ter coragem para liderar, delegar com sabedoria e exercer esse papel. Assim, podemos relacionar com os conceitos de Kotter e seu modelo, destacando a primeira etapa de senso de urgência e a terceira etapa de comunicação da visão. Diante da importância de estabelecer um senso de urgência para motivar as pessoas a agirem em direção aos objetivos da mudança, o que foi essencial durante a COVID-19. Um líder motivado e inspirador consegue se comunicar de forma clara e convincente sobre os objetivos da mudança e o propósito por trás dela.

[...] influenciar satisfatoriamente as pessoas; o líder tem que ter habilidades, qualidades para motivar a sua equipe mesmo [...] e apresentar assim os objetivos, quais os objetivos de estar ali naquele setor, naquela organização, o que a gente pode fazer de melhor a cada dia [...]motivar mesmo as pessoas, os colaboradores, que somos uma equipe, não trabalhamos sozinhos, eu, como enfermeira, não tenho como trabalhar sozinha, tenho técnico de enfermagem, tem o médico, tem psicólogo, tem fisioterapeuta, tem todo mundo, é uma equipe.[...]. (UFMT 01)

[...] liderança vem de influenciar pessoas, de inspirar pessoas, delegar com sabedoria; ela vem para traçar direção para um objetivo. Acho que o líder não é líder por causa de um cargo, as pessoas vão, digamos assim, as pessoas vão vê-lo como líder não por causa de um cargo, mas por conta das atitudes, da postura de como ele se porta [...]. (UFPA 02)

Acredito que coragem, coragem é um aspecto que você precisa ter muito. Coragem para ser líder, coragem para chamar quem precisa ser chamado para conversar, quando precisa, às vezes até para enfrentar pacientes, acredito que você precisa de coragem. (UNIFESP 04)

A complexidade da liderança e visão ampliada

Os depoimentos nesta última categoria revelam a complexidade e a dificuldade em liderar, o que, no caso da enfermagem durante a pandemia da COVID-19, revelou-se ainda mais desafiador, pois os obstáculos eram grandes e, muitas vezes, concentrados nas unidades de terapia intensiva, uma das mais críticas em um hospital. Assim, o enfermeiro necessitou de uma visão ampliada, indo além da teoria e vivenciando e adequando a prática, diariamente. Podemos relacionar que Kotter sinaliza que uma visão ampliada é essencial para entender e lidar com os desafios complexos enfrentados pelos líderes diante de uma crise, mas que o árduo está em mudar o comportamento das pessoas.

Liderança é muito difícil, a questão da aceitação, tanto do serviço como de seguir normas e rotinas, apresenta muita resistência. São resistências a qualquer mudança. Então, a gente tem que se adaptar, encontrar maneiras de trazê-los para perto, para podermos prosseguir. Tem que ser como uma troca. Eu não sou líder sozinha, a gente tem que trocar experiências e andar juntos, não adianta eu querer impor nada. [...] Liderança na Enfermagem é um desafio enorme [...]. (UFPA 07)

Liderar é uma função bem complexa, acho que principalmente numa unidade de terapia intensiva, uma vez que a figura do enfermeiro é, a meu ver, o papel mais importante dentro da UTI hoje, porque a gente é um misto de tudo o que acontece. Acho que ser líder vai muito além do conceito que a gente pega nas literaturas, acho que é uma vivência que tem que vir de um contexto ético bem positivo que somente a vivência mesmo, em uma perspectiva de um olhar mais humanizado [...]. (UFMT 02)

Acredito que a liderança vai além de liderar o setor, de ver a questão técnica, a logística, a estrutura. Acho que tem que ter um olhar holístico de ponta a ponta do setor, todo cantinho, cada paciente, cada coisa, acho que o líder tem que desenvolver esse olhar. Em relação ao paciente, não só em relação ao cuidado, prestar assistência e ter um olhar na particularidade dele, na questão psicológica, na questão de pensar no familiar [...]. (UFRJ 05)

Acredito que é um atributo, digamos assim, que precisamos ter, no sentido não só de resolução de conflitos da equipe, mas de enxergar também de forma ampliada como que isso implica o cuidado e o que eu posso fazer ou o que a minha equipe pode fazer, para melhorar o cuidado, ao mesmo tempo em que cuido dos pacientes e da equipe e cuidar dos processos de trabalho. Então, acredito que é nesse sentido de conseguir enxergar de forma ampla tudo o que a enfermagem pode fazer para melhorar esse processo, tanto para os pacientes quanto para a própria equipe e para a instituição. (UFSM 04)

Discussão

No contexto da COVID-19, constantes mudanças ocorreram nas práticas assistenciais em saúde, e os enfermeiros-líderes, que estiveram na linha de frente desse enfrentamento, tiveram sua atuação evidenciada. Nesse sentido, as falas permitiram conhecer as percepções desses profissionais acerca da liderança por eles exercida, discutindo-se mediante as concepções dos conceitos do referencial de John Kotter e seu modelo de mudança de oito etapas.

Primeiramente, o estudo aborda elementos essenciais de liderança, como conhecimento, trabalho em equipe e comunicação. Emergiu uma comunicação por via de mão dupla e sensível ao outro, especialmente, em virtude do cenário da pandemia, que demandava uma resposta diligente e atenta ao senso de urgência da situação. Destacou-se uma liderança baseada em conhecimento e no diálogo respeitoso entre o enfermeiro e sua equipe, contribuindo com a articulação do trabalho em equipe.

Nesse sentido, mediante os entendimentos de Kotter, os líderes necessitam associar certas capacidades, tais como a de acumular conhecimentos relevantes que contribuam para uma visão ampliada. Necessário também desenvolver habilidades de liderança relacionadas à visão, à comunicação e à motivação para todas as fases de um processo de mudança17Kotter JP, Cohen DS. O coração da mudança: transformando empresas com a força das emoções. Rio de Janeiro: Alta Books; 2017. 186 p.),(27Burden M. Using a change model to reduce the risk of surgical site infection. British J Nurs. 2016;25(17):949-55. https://doi.org/10.12968/bjon.2016.25.17.949
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Em Taiwan, utilizou-se o modelo de oito etapas de Kotter em uma Rede Internacional de Hospitais e Serviços de Saúde para a certificação de Hospital Amigo do Idoso, e reforçou que o conhecimento e atitudes dos funcionários são essenciais para uma mudança bem-sucedida. Além disso, o modelo contribuiu para a adesão dos funcionários com foco no sucesso, tendo sido importante, durante todas as etapas do processo, adotar uma comunicação clara para o entendimento de todos os envolvidos28Kuo YL, Chen IJ. Facilitating a change model in age-friendly hospital certification: Strategies and effects. PLoS One. 2019;14(4):e0213496. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0213496
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No Brasil, vemos resultados semelhantes e ressalta-se a importância do conhecimento dos enfermeiros acerca da COVID-19, seus aspectos, forma de transmissão e maneiras de combatê-la. Identificou-se que os principais meios de aprendizagem utilizados pelos enfermeiros para lidar com esta doença concentraram-se na busca de informações sozinhos, via Internet ou televisão, bem como participar de capacitações promovidas pelas respectivas instituições de saúde por meio da educação permanente. Contudo, ainda segundo o estudo, a base do aprendizado esteve fundamentada nas vivências dos sujeitos envolvidos29Oliveira WS, Migueis GS, Silva MS, Oliveira WJ. Knowledge about Covid-19 of nursing professionals working with the disease. Res Soc Dev. 2021;10(11):e244101119676. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i11.19676
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Reforça-se situação semelhante, no Brasil, destacando que os enfermeiros e demais profissionais da saúde, atuantes como gestores, necessitaram se embasar rigorosamente nas evidências científicas e recomendações dos órgãos competentes mundiais e nacionais para a tomada de decisões e ações urgentes acerca da COVID-19. Evidenciou-se o protagonismo dos enfermeiros frente às condutas adotadas30Lima KJV, Lacerda MVG, Monteiro WF, Ferreira DS, Andrade LLC, Ramos FRS. Technical-assistance arrangements in coping with the COVID-19 pandemic from the managers’ perspective. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2022;30:e3591. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5799.3591
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Nota-se, portanto, o quanto o enfermeiro-líder precisa estar atualizado em relação a seus conhecimentos, tanto dentro como fora do seu contexto de trabalho, necessitando ampliar sua visão. Uma postura de manter-se atualizado permitirá, inclusive, que ele se sinta preparado para conduzir sua equipe e, assim, apto a assegurar a qualidade na assistência.

O estudo destacou a confiança e o respeito entre o enfermeiro-líder e sua equipe, o que também se relaciona com os preceitos de Kotter. Segundo o autor16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p.)-(17Kotter JP, Cohen DS. O coração da mudança: transformando empresas com a força das emoções. Rio de Janeiro: Alta Books; 2017. 186 p., durante o exercício da liderança da mudança, boas equipes aprendem a operar com confiança e envolvimento emocional, enquanto em uma liderança menos inspiradora, confia apenas em uma única pessoa ou em ninguém16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p.)-(17Kotter JP, Cohen DS. O coração da mudança: transformando empresas com a força das emoções. Rio de Janeiro: Alta Books; 2017. 186 p..

Kotter ainda considera extremamente árduo realizar grandes transformações, fato que, segundo ele, demanda uma força tarefa reforçada e valoriza justamente a fase da coalizão administrativa (criação de uma forte comissão administrativa). Para ele, deve haver confiança e respeito, pois, do contrário, uma única pessoa que gere falta de confiança consegue destruir o trabalho de uma equipe inteira16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p.)-(17Kotter JP, Cohen DS. O coração da mudança: transformando empresas com a força das emoções. Rio de Janeiro: Alta Books; 2017. 186 p.),(27Burden M. Using a change model to reduce the risk of surgical site infection. British J Nurs. 2016;25(17):949-55. https://doi.org/10.12968/bjon.2016.25.17.949
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Desse modo, englobando a motivação, a inspiração e a coragem para assumir esse papel de líder, estudo31Carvalho TM, Lourenção LG, Pinto MH, Viana RAPP, Moreira AMBSG, Mello LP, et al. Quality of life and work engagement among nursing staff at the start of the COVID-19 pandemic. Cien Saúde Colet. 2023;28(10):2903-13. https://doi.org/10.1590/1413-812320232810.09982023
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concluiu que, em tempos tão incertos como o da pandemia pela COVID-19, os líderes necessitam ter resiliência para lidar com as adversidades e aprender com elas. Para tanto, devem preparar a instituição para o aprendizado e evitar uma crise da liderança, demonstrando credibilidade, coragem e compaixão. Necessário ainda que ensinem às suas equipes valores imprescindíveis, como empatia, confiança, transparência e integridade, para entenderem a necessidade das mudanças. Para tanto, cabe ao líder coragem para falar a verdade e liderar em meio às incertezas31Carvalho TM, Lourenção LG, Pinto MH, Viana RAPP, Moreira AMBSG, Mello LP, et al. Quality of life and work engagement among nursing staff at the start of the COVID-19 pandemic. Cien Saúde Colet. 2023;28(10):2903-13. https://doi.org/10.1590/1413-812320232810.09982023
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Nos Estados Unidos da América (EUA), pesquisa evidenciou uma realidade distinta e alertou para a gravidade de cenários em que não há confiança nos líderes. Os relatos evidenciaram situações de profissionais de saúde que demonstraram sentimentos de dor, frustrações e raiva e que precisavam do apoio de seus líderes e não o tiveram. Além disso, ausência de espaços seguros para um diálogo aberto, falta de uma comunicação transparente e sentimento de impotência no cuidado do paciente, por ficarem de fora de discussões. A soma desses atributos exerceu significativo impacto no escopo de trabalho desses profissionais, contribuindo para o rompimento de uma relação de confiança e até mesmo da capacidade de confiarem em si32Nelson KE, Hanson GC, Boyce D, Ley CD, Swavely D, Reina M, et al. Organizational Impact on Healthcare Workers’ Moral Injury During COVID-19: A Mixed-Methods Analysis. J Nurs Adm. 2022;52(1):57-66. https://doi.org/10.1097/NNA.0000000000001103
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Destarte, o conceito de Kotter reforça que, se não houver confiança entre a equipe, todo o processo de mudança não fluirá16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p.)-(18Aziz AM. A change management approach to improving safety and preventing needle stick injuries. J Infect Prevent. 2017;18(5). https://doi.org/10.1177/1757177416687829
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. Por isso, o enfermeiro-líder necessita estar atento e manter-se fiel ao objetivo de promover o trabalho em equipe de forma harmônica, no sentido de beneficiar todos os envolvidos.

Por fim, os depoimentos destacaram a dificuldade e a complexidade da liderança, bem como o quanto é árduo exercê-la, sobretudo, no âmbito da enfermagem e no contexto de enfrentamento da COVID-19. Ser líder, nessas situações, pode se tornar penoso.

Liderar mudanças é uma tarefa importante e difícil para os líderes de saúde, de modo que muitos indivíduos, organizações ou comunidades preferem permanecer em suas “zonas de conforto”, constituindo um problema para a mudança. Outro obstáculo é conseguir que as pessoas mudem suas atitudes28Kuo YL, Chen IJ. Facilitating a change model in age-friendly hospital certification: Strategies and effects. PLoS One. 2019;14(4):e0213496. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0213496
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. Kotter salienta que o grande desafio para o líder está em mudar o comportamento das pessoas, sendo necessária uma constância em “ver-sentir-mudar”17Kotter JP, Cohen DS. O coração da mudança: transformando empresas com a força das emoções. Rio de Janeiro: Alta Books; 2017. 186 p.),(27Burden M. Using a change model to reduce the risk of surgical site infection. British J Nurs. 2016;25(17):949-55. https://doi.org/10.12968/bjon.2016.25.17.949
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. Contudo, percebe-se que o cenário da pandemia da COVID-19 aflorou nos enfermeiros-líderes um sentimento de ser necessário se adequar a esses três pilares supramencionados.

Nesse sentido, uma pesquisa mostra que essa pandemia trouxe desafios para a liderança do enfermeiro, porém, este teve em vista desenvolver e valorizar o outro, baseado na confiança e resiliência entre a equipe33Bicalho CSS, Figueiredo KC, Beltran RIL, Pol TAS, Souza GP. Coping strategies and authentic leadership: nurses’ work in 2021 during the covid-19 pandemic. Esc Anna Nery. 2023;27:e20220192. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2022-0192en
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. Corroborando os achados, uma pesquisa recente evidenciou a coragem, o envolvimento e a autorrealização profissional dos trabalhadores de saúde para o enfrentamento da COVID-19. Porém, no trabalho dos profissionais de enfermagem, aumentou significativamente o sofrimento devido à soma de um cenário em constantes mudanças e altas exigências, assim como destacando a penosidade e o aumento de trabalho pela complexidade nos cuidados dos pacientes34Baptista PCP, Lourenção DCA, Silvestre Silva-Junior J, Cunha AA, Gallasch CH. Distress and pleasure indicators in health care workers on the COVID-19 front line. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2022;30:e3555. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5707.3555
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Desse modo, o estudo contribui para auxiliar e fortalecer a liderança dos enfermeiros em ambientes de constantes mudanças e incertezas, como o da saúde. Por meio dos constructos de John Kotter e seu modelo de mudanças, por ser particularmente uma ferramenta de liderança relevante para apoiar os líderes nos processos de mudanças das organizações16Kotter JP. Liderando mudanças: um plano de ação do mais notável especialista em liderança nos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 188 p., enfatizando a importância de envolver as pessoas para o processo ocorrer de maneira eficaz. E, diante de um cenário de crise ou inesperado como o desta pandemia, os enfermeiros-lideres consigam refletir e desenvolver um fortalecedor trabalho em equipe, comunicando com clareza as mudanças necessárias nas práticas do cuidado em saúde e melhorando a assistência ao cuidado.

Quanto às limitações do estudo, o período da coleta de dados ocorreu em momentos ainda complexos em termos de infecção e mortalidade por COVID-19. Embora a estratégia de vacinação já tivesse sido iniciada, tratava-se de um momento delicado, em que, na maioria, os profissionais estavam sobrecarregados. Por esse motivo, ainda que as entrevistas tenham sido previamente agendadas, adiamentos e desistências acabaram ocorrendo. Em contrapartida, este estudo possibilita discussões acerca dos entendimentos de liderança no âmbito da enfermagem, e seus resultados contribuem para qualificar o exercício profissional do enfermeiro-líder.

Conclusão

Conclui-se que as percepções de liderança de enfermeiros brasileiros atuantes em hospitais universitários, durante a pandemia da COVID-19, apresentam características condizentes com os preceitos de John Kotter. Isso suscita reflexões para a prática de enfermeiros-líderes para empreenderem mudanças, e até mesmo para outros profissionais da saúde que ocupem cargos de liderança.

Destaca-se, por meio dos entendimentos dos enfermeiros, a presença de elementos essenciais à liderança que, embora desafiadores, são extremamente necessários e fortalecedores para que todo o processo de mudança ocorra com qualidade e eficácia. Alguns desses elementos para liderar as mudanças referem-se a uma busca de conhecimentos múltiplos, os quais envolvem uma troca de saberes entre o enfermeiro-líder, sua equipe de enfermagem e demais profissionais da saúde. Assim, pautando-se em uma liderança baseada na comunicação polida, facilitando o trabalho em equipe por meio de uma relação de confiança e respeito. Os enfermeiros reconheceram a complexidade de liderar, sendo isso árduo e difícil, principalmente no cenário da pandemia de COVID-19, e intensificado pela resistência às mudanças.

Alerta-se para a importância de novas pesquisas que abordem a temática da liderança na enfermagem, tanto pela complexidade da mesma, como para atualizar o conhecimento e torná-lo mais compreensível para implementar/aplicar à prática. Considera-se a crescente necessidade de desenvolvimento desta competência em cenários de mudanças e de grandes impactos.

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  • *
    *Artigo extraído da tese de doutorado “Estratégias de liderança dos enfermeiros em hospitais universitários federais brasileiros durante a pandemia de COVID-19: na perspectiva do modelo de John Kotter”, apresentada à Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 402392/2020-5, Brasil.

Editado por

Editora Associada:

Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2023
  • Aceito
    19 Abr 2024
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