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Sentimentos expressos por profissionais no atendimento a vítimas de violência sexual infantojuvenil* * Artigo extraído de dissertação de mestrado “Violência sexual infantojuvenil: percepções de profissionais de saúde”, apresentada à Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.

Resumo

Objetivo:

descrever sentimentos expressos por profissionais de saúde no atendimento a vítimas infantojuvenis da violência sexual na perspectiva teórica do Interacionismo Simbólico.

Método:

pesquisa qualitativa realizada com 30 mulheres profissionais da saúde. Foi aplicado instrumento composto de questões fechadas para dados sociodemográficos e roteiro com perguntas abertas para a entrevista. Os dados foram organizados e analisados no software Nvivo versão 12, de acordo com a proposta de Bardin, sob a ótica do Interacionismo Simbólico na obra de Charles Morris. O projeto foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados:

emergiram cinco categorias temáticas que revelaram sentimentos de empatia, medo, indignação, sofrimento e consternação. Tais sentimentos permaneceram na memória das entrevistadas, tornando o atendimento a vítimas infantojuvenis da violência sexual uma experiência tocante, difícil e que marca profundamente a vida do profissional de saúde.

Conclusão:

há necessidade de adotar estratégias de apoio à saúde mental de profissionais que atuam em serviços que prestam atendimento geral a crianças e adolescentes, considerando que existe a possibilidade de estes atenderem a vítimas infantojuvenis da violência sexual em respeito às políticas públicas preexistentes.

Descritores:
Equipe de Assistência ao Paciente; Violência Doméstica; Abuso Sexual na Infância; Assistência Hospitalar; Criança; Adolescente

Abstract

Objective:

to describe the feelings expressed by health professionals when caring for child and adolescent victims of sexual violence from the theoretical perspective of Symbolic Interactionism.

Method:

qualitative research carried out with 30 female health professionals. An instrument was used consisting of closed questions for sociodemographic data and a script with open questions for interviews. The data was organized and analyzed using Nvivo software version 12, according to Bardin’s proposal, from the perspective of Symbolic Interactionism in the work of Charles Morris. The project was approved by the Research Ethics Committee.

Results:

five thematic categories emerged, revealing feelings of empathy, fear, indignation, suffering, and consternation. These feelings remained in the interviewees’ memories, making caring for child and adolescent victims of sexual violence a moving and difficult experience that deeply marks the life of the health professional.

Conclusion:

there is a need to adopt strategies to support the mental health of professionals who work in services that provide general care to children and adolescents, considering that there is a possibility that they will provide care to child and adolescent victims of sexual violence in compliance with pre-existing public policies.

Descriptors:
Patient Care Team; Domestic Violence; Child Abuse, Sexual; Hospital Care; Child; Adolescent

Resumen

Objetivo:

describir los sentimientos expresados por los profesionales de la salud en la atención a víctimas infantojuveniles de violencia sexual desde la perspectiva teórica del Interaccionismo Simbólico.

Métodos:

investigación cualitativa realizada con 30 profesionales de salud. Se utilizó un instrumento compuesto por preguntas cerradas para los datos sociodemográficos y un guión con preguntas abiertas para la entrevista. Los datos fueron organizados y analizados utilizando el software Nvivo versión 12, de acuerdo con la propuesta de Bardin, desde la perspectiva del Interaccionismo Simbólico en la obra de Charles Morris. El proyecto fue aprobado por el Comité de Ética de la Investigación.

Resultados:

surgieron cinco categorías temáticas que revelaron sentimientos de empatía, miedo, indignación, sufrimiento y consternación. Estos sentimientos permanecieron en la memoria de los entrevistados, convirtiendo la atención a infantojuveniles víctimas de violencia sexual en una experiencia conmovedora y difícil que marca profundamente la vida del profesional de salud.

Conclusión:

es necesario adoptar estrategias de apoyo a la salud mental de los profesionales que actúan en servicios de atención general a infantojuveniles, considerando que existe la posibilidad de que atiendan a infantojuveniles víctimas de violencia sexual en cumplimiento de políticas públicas preexistentes.

Descriptores:
Grupo de Atención al Paciente; Violencia Doméstica; Abuso Sexual Infantil; Atención Hospitalaria; Niño; Adolescente

Destaques:

(1) Sentimentos oriundos de impressões individuais em consonância com a interação social.

(2) Atender vítimas infantojuvenis repercute negativamente nas emoções dos profissionais.

(3) Gestores do serviço precisam atentar para a saúde de profissionais que atendem às vítimas.

Introdução

A violência sexual infantojuvenil (VSI) engloba uma multiplicidade de condutas de natureza sexual com crianças e adolescentes, sejam elas consensuais ou não1Mathews B, Collin-Vézina D. Child Sexual Abuse: Toward a Conceptual Model and Definition. Trauma Viol Abuse. 2019;20(2):131-48. https://doi.org/10.1177/1524838017738726
https://doi.org/10.1177/1524838017738726...
)-(2Rizvi MB, Conners GP, King KC, Lopez RA, Rabiner J. Pennsylvania Child Abuse Recognition and Reporting [Internet]. Treasure Island, FL: StatPearls Publishing; 2022 [cited 2023 Mar 09]. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK565852/
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. No Brasil, este conceito foi classificado em três categorias: abuso sexual; exploração sexual comercial e o tráfico de pessoas3Digiácomo MJ, Digiácomo LA. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado [Internet]. Curitiba: MPEPR; 2020 [cited 2023 Mar 09]. Available from: Available from: https://escolasuperior.mppr.mp.br/arquivos/Image/publicacoes/ECA_2020.pdf
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)-(4Ministério da Saúde (BR), Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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, que inclui modalidades propagadas com o uso da Internet, como sexting, sextorsão e estupro virtual5World Health Organization. Global status report on preventing violence against children [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://www.unicef.org/media/70731/file/Global-status-report-on-preventing-violence-against-children-2020.pdf
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, o que corrobora posicionamentos internacionais acerca da temática1Mathews B, Collin-Vézina D. Child Sexual Abuse: Toward a Conceptual Model and Definition. Trauma Viol Abuse. 2019;20(2):131-48. https://doi.org/10.1177/1524838017738726
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),(5World Health Organization. Global status report on preventing violence against children [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://www.unicef.org/media/70731/file/Global-status-report-on-preventing-violence-against-children-2020.pdf
https://www.unicef.org/media/70731/file/...
.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU)6Organização das Nações Unidas. Plataforma Agenda 2030. Acelerando as transformações para a Agenda 2030 no Brasil [Internet]. New York, NY: ONU; 2020 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://agenda21unesa.com/2018/09/15/plataforma-agenda-2030-acelerando-as-transformacoes-para-a-agenda-2030-no-brasil/
https://agenda21unesa.com/2018/09/15/pla...
) e a Organização Mundial da Saúde (OMS)5World Health Organization. Global status report on preventing violence against children [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://www.unicef.org/media/70731/file/Global-status-report-on-preventing-violence-against-children-2020.pdf
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, um bilhão de crianças e adolescentes no mundo com idade entre dois e 17 anos são vitimizadas. Estudo revela a prevalência de violência sexual de 14,5% a 89,4% entre 227 adolescentes africanos7Charak R, de Jong J, Berckmoes LH, Ndayisaba H, Reis R. Intergenerational maltreatment in parent-child dyads from Burundi, Africa: Associations among parental depression and connectedness, posttraumatic stress symptoms, and aggression in children. J Trauma Stress. 2021;34(5):943-54. https://doi.org/10.1002/jts.22735
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; similarmente, no Brasil, o Boletim Epidemiológico recente alerta que a violência sexual é mais perpetrada contra crianças com idade entre cinco e nove anos e adolescentes entre 12 e 14 anos do sexo feminino8Ministério da Saúde (BR). Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente [Internet]. Brasília: MS; 2023 [cited 2023 Mar 19];54(8):1-15. Available from: Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2023/boletim-epidemiologico-volume-54-no-08
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
.

Em que pesem estes dados alarmantes, a invisibilidade dos casos é uma constatação. Estudos internacionais apontam para a dificuldade de identificação dos casos9Timmins F, Catania G, Zanini M, Ottonello G, Napolitano F, Musio ME, et al. Nursing management of emergency department violence-Can we do more? J Clin Nurs. 2022;00:1-8. https://doi.org/10.1111/jocn.16211
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)-(12Marcolino EC, Clementino FS, Souto RQ, Santos RC, Miranda FAN. Social Representations of nurses on the approach to children and adolescents who are victims of violence. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29:e3509. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5414.3509
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, consequentemente, infere-se que o cuidado profissional às vítimas, ainda hoje, consiste em um desafio potencializado por tabus impostos socialmente em diversos contextos culturais. Esta situação é confirmada em estudo realizado na Arábia Saudita com 300 médicos da Atenção Primária à Saúde que, embora tenham conhecimento sobre abusos infantis, não registram os casos, o que gera subnotificação nos sistemas do país13Alsaleem SA, Alsaleem MA, Asiri AM, Alkhidhran SS, Alqahtani WSS, Alzahrani MS, et al. Knowledge and attitude regarding child abuse among primary health care physician in Abha, Saudi Arabia, 2018. J Fam Med Prim Care. 2019;8(2):706-10. https://doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_442_18
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.

Estudos salientam que a assistência às vítimas envolve humanização no acolhimento e prevenção de outros agravos; bem como o acompanhamento psicossocial e de saúde14Santos DLA, Fonseca RMGS. Health needs of women victims of sexual violence in search for legal abortion. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2022;30:e3532. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5834.3532
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)-(17Ribeiro CL, Maia ICVL, Souza JF, Santos VF, Santos JS, Vieira JLES. Nurses’ performance of trace preservation in sexual violence against women: an integrative review. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210133. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0133
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, processo aprimorado recentemente no país através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)3Digiácomo MJ, Digiácomo LA. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado [Internet]. Curitiba: MPEPR; 2020 [cited 2023 Mar 09]. Available from: Available from: https://escolasuperior.mppr.mp.br/arquivos/Image/publicacoes/ECA_2020.pdf
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)-(4Ministério da Saúde (BR), Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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. Soma-se a este enfrentamento a disponibilidade de dispositivos tecnológicos para a denúncia, porém sua existência não dispensa o estabelecimento de interações humanas4Ministério da Saúde (BR), Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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),(18Alves OM, Primo CC, Tavares FL, Lima EF, Leite FM. Technology to support nursing care for women in situations of sexual violence. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE001085. https://doi.org/10.37689/actaape/2021AO001085
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)-(19Kandel ER. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia das Letras; 2009..

Sabe-se que, para interagir, o indivíduo necessita ter contato (visual, auditivo, táctil e/ou verbal) com o outro, a fim de identificar situações, pessoas e objetos que são alvo de esforços, ações e intervenções20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. . Portanto, o atendimento às vítimas e suas famílias é mediado pelos sentimentos, considerados molas propulsoras das ações sempre que há atribuição de significados a esta interação19Kandel ER. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia das Letras; 2009.)-(20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. , cujas influências são marcadas pela convivência em sociedade20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. )-(21Waldow VR. Cuidar: expressão humanizadora da enfermagem. Petropolis: Vozes; 2006..

O atendimento às vítimas infantojuvenis da violência sexual requer preparo emocional, pois o lidar com os sentimentos durante este atendimento consiste em outro desafio. Estudo revela um cenário impactante percebido por profissionais ao assistir crianças e adolescentes vitimizados que apresentam lacerações de órgãos genitais, sangramentos intensos, condições de saúde que exprimem grave complicação clínica e podem culminar em óbito22Conceição MM, Gomes NP, Whitaker MCO, Silva LS, Ferreira IQBP, Camargo CL. Signs and symptoms of children’s sexual violence: reports of health professionals. Rev Enferm UERJ. 2021;29:e57289. https://doi.org/10.12957/reuerj.2021.57289
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. Estas situações são marcantes para a experiência humana e podem ocasionar dificuldades na atuação da equipe de saúde.

Isto se explica porque as intervenções necessárias no atendimento às vítimas precisam ser mediadas por interações empáticas que mexem com estes sentimentos19Kandel ER. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia das Letras; 2009.. Por outro lado, a literatura revela que profissionais de um centro de atenção psicossocial expressam sentimentos como impotência e frustração ao cuidarem de crianças vítimas de violência23Silva MS, Milbrath VM, Freitag VL, Gabatz RIB, Bazzan JS, Maciel KL. Care for chidren and adolescents victims of violence: feelings of professionals from a psychosocial care center. Esc Anna Nery . 2019;23(2):e20180215. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2018-0215
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, porém permanece a lacuna no conhecimento em relação aos sentimentos expressos por profissionais presentes no atendimento a vítimas de violência sexual infantojuvenil.

A relevância deste estudo está na possibilidade de contribuir para a melhoria do preparo emocional de profissionais que atuam em serviços da saúde em qualquer nível de atenção. Esta medida colabora para implementar recomendações do Ministério da Saúde para que estes trabalhadores sejam preparados e envolvidos em prol dos cuidados às vítimas e suas famílias4Ministério da Saúde (BR), Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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. No entanto, também serve para subsidiar políticas de saúde ocupacional nos serviços de saúde e, consequentemente, ampliar o alcance destas políticas para os diversos contextos de atendimento a crianças e adolescentes, como escolas, creches, Conselhos Tutelares e Delegacias Especializadas, entre outros, visto que os sentimentos evidenciados podem ser abrangentes a pessoas que interagem e estão em convívio na mesma sociedade. Logo, este estudo tem como objetivo descrever sentimentos expressos por profissionais de saúde no atendimento a vítimas infantojuvenis de violência sexual na perspectiva teórica do Interacionismo Simbólico.

Método

Tipo de estudo

Estudo qualitativo apresentado segundo a ferramenta Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) adaptada para o Brasil24Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm . 2021;34:eAPE02631. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
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, produto de uma dissertação de mestrado defendida em 2020 em um programa de pós-graduação do país.

Local do estudo

A pesquisa ocorreu em um hospital público do Nordeste brasileiro que fornece atendimento geral, ambulatorial, clínico, cirúrgico, de urgência/emergência, para todos os grupos etários e de ambos os sexos. A aproximação com o campo ocorreu por meio da atuação da primeira autora como enfermeira no referido hospital. Foram visitadas as unidades assistenciais abertas (clínicas) e fechadas (unidades de atendimento a pacientes críticos), voltadas ao público pediátrico e adolescente. O projeto foi apresentado à diretoria, a responsáveis por unidades assistenciais e a possíveis participantes em um encontro prévio.

Participantes do estudo

Para a seleção dos participantes, todos os profissionais de saúde encontrados nas unidades assistenciais foram abordados individualmente e convidados a integrar a pesquisa. Mediante o aceite, eram conferidos os critérios de inclusão: atuar por mais de um ano na instituição e ter prestado assistência a crianças e adolescentes que sofreram violência sexual; e os critérios de exclusão: estar ausente do serviço pesquisado por quaisquer motivos e laborar em unidades de apoio diagnóstico.

Não houve recusas/desistências dos convidados em integrar a pesquisa. Desta maneira, dos 36 profissionais abordados aleatoriamente, apenas 31 respondiam aos critérios de inclusão, porém uma entrevistada foi descartada devido à insuficiência de informação.

Coleta de dados

A coleta de dados ocorreu em junho e julho de 2019, conduzida pela mestranda em companhia de quatro acadêmicas de Enfermagem (todas do sexo feminino) que participavam individualmente da entrevista na função de conferir o cumprimento do roteiro previsto. Todas as estudantes eram vinculadas a um grupo de pesquisa, devidamente qualificadas para coleta de dados qualitativos em um curso de extensão frequentado no mesmo ano.

Inicialmente, aplicou-se um questionário estruturado e um roteiro de entrevista semiestruturada previamente criado pela pesquisadora que incluía a seguinte questão: como você se sentiu durante o atendimento às vítimas? Porém, ao longo dos relatos, as profissionais mencionavam também as reações observadas em outros profissionais percebidas ao longo do processo assistencial às vítimas.

As entrevistas em profundidade foram pré-agendadas com as participantes. Os diálogos, que ocorreram uma única vez, em horário de trabalho das profissionais (períodos diurno e noturno) e tiveram duração média de 45 min, foram audiogravados. Cabe destacar que a saturação temática dos dados foi identificada na 23ª participante e confirmada com mais sete entrevistas que apresentavam similaridade das experiências compartilhadas, respondiam ao objetivo proposto e não apresentavam acréscimos para a interpretação e análise dos dados.

Análise de dados

Após a coleta, foi realizada a transcrição pelas estudantes, porém, apenas uma participante concordou em ler e corrigir sua entrevista transcrita. Diante desta dificuldade, a correção e a validação textual das demais participantes foram realizadas pela pesquisadora responsável. Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática sugerida por Bardin25Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016. em três etapas: a) pré-análise; b) exploração do material; c) tratamento dos resultados e inferência.

Na etapa de pré-análise, as entrevistas foram transcritas, impressas e lidas superficialmente na íntegra. A seguir, procedeu-se à extração de temas preliminares que suscitaram a menção a sentimentos expressos que estavam também presentes nas observações das pesquisadoras, nas discussões após cada entrevista e que foram apontadas nos registros do diário reflexivo.

A segunda fase - exploração do material - foi iniciada manualmente. Foi realizado um grupo de reflexão que, semanalmente, se reunia para analisar, discutir, refletir sobre e compartilhar as impressões e interpretações dos dados. Os textos transcritos foram submetidos a releituras persistentes (cada entrevista foi lida, no mínimo, oito vezes pela pesquisadora principal e três vezes pelas acadêmicas). Neste processo, foram realizadas leituras aprofundadas, fase que ocorreu concomitantemente à escuta reiterada (mínimo de cinco vezes) de cada entrevista, a fim de possibilitar a impregnação dos textos pelas pesquisadoras. Após este processo, os textos foram importados para o software NVivo versão 12, onde foram organizados e sistematizados em códigos, ou nós temáticos.

Para proceder à terceira etapa - interpretação - as falas das participantes foram agrupadas em códigos por informações convergentes, dando origem ao total de 23 expressões e termos que foram considerados subtemas ou subcategorias, agrupados por significado convergente em categorias temáticas25Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.. A validação do processo de análise se deu a partir de discussões com três acadêmicas de Enfermagem e três pesquisadoras doutoras, além de um momento reservado com cinco participantes da pesquisa que confirmaram os resultados apresentados. O processo de análise dos dados é descrito na Figura 1.

Figura 1
Exemplos de expressões que originaram as categorias temáticas na perspectiva do Interacionismo Simbólico. Salvador, BA, Brasil, 2019

As análises, inferências e interpretações recomendadas por Bardin25Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016. estão ancoradas nas bases filosóficas do Interacionismo Simbólico (IS), presentes na obra “Mente, self e sociedade” de Charles Morris. Esta teoria tem como precursor o cientista social George Herbert Mead, que teve suas ideias sistematizadas por seu orientando de doutorado Herbert Blumer. Durante o século XIX, o IS foi incorporado à Psicologia Social, conduzindo o arcabouço teórico constituído por três premissas basais: 1) a forma como uma pessoa interpreta os fatos e age depende do significado que este lhe é atribuído; 2) o significado é edificado a partir de processos interativos em sociedade; e 3) ao longo do tempo, os significados podem sofrer alterações20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. .

Esta teoria centraliza o olhar nas interações sociais, nas respostas humanas e na influência que a imersão do indivíduo na sociedade tem nos seus posicionamentos frente às situações experienciadas20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. . Assim, foram evidenciadas cinco categorias temáticas: empatia, medo, indignação, sofrimento e consternação.

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e respeita as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde (466/2012 e 510/2016). Desta maneira, todas as pessoas que integraram a pesquisa, após leitura e concordância, assinaram as duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As entrevistas foram feitas em salas privativas, localizadas na instituição pesquisada, em presença da pesquisadora principal e uma acadêmica de Enfermagem, com o intuito de garantir confidencialidade e sigilo às informações prestadas. Para preservar o anonimato das participantes, seus nomes foram substituídos por “P” (referente a profissional), seguido de um número arábico, conforme ordem de realização das entrevistas: P1, P2, P3 ... P30.

Resultados

Participaram 30 profissionais de saúde, sendo 33,3% enfermeiras, 33,3% técnicas de enfermagem, 10,0% assistentes sociais, 10,0% médicas, 6,7% auxiliares de enfermagem e 6,7% psicólogas. A totalidade das participantes referiu ser do sexo feminino, autorreferidas de identidade de gênero mulher cis, orientação afetivo-sexual heterossexual, 80% da raça/cor negra e tinham idade entre 25 e 65 anos. Ainda, 73,3% tinham mais de dez anos de formação profissional concluída, 70% atuavam há mais de dez anos na área da saúde e 40% tinham mais de dez anos de atuação no hospital estudado.

Após o processo analítico, emergiram cinco categorias temáticas que representam os sentimentos expressos por profissionais e evidenciados nos relatos, a saber: empatia, medo, indignação, sofrimento e consternação, como descrito a seguir.

Empatia

De acordo com os relatos das participantes, o sentimento mais evocado foi a empatia. Empatia significa ter a capacidade de colocar-se no lugar do outro indivíduo sem, necessariamente, passar pelas mesmas experiências que ele. A empatia é considerada um sentimento relevante e indispensável ao cuidado, como foi mencionado:

A agressão sexual contra uma criança ou adolescente interfere muito no emocional. Você logo pensa que poderia ser seus filhos (P11, Técnica de enfermagem).

O coração acelera! A gente fica vendo a situação do ser humano, dessa criança/adolescente. Não sei como alguém é capaz de pegar uma criança, um bebê, como já aconteceu. Eu me pergunto: o que está acontecendo com o ser humano? [...] (P26, Assistente social).

Maciçamente a mulher é vítima de estupro. Isso mexe com nosso lugar de mulher, que é subjugada. A gente pensa no sofrimento dessa mulher, mãe, avó ao ver a filha nesse estado (P12, Assistente Social)

Eu me coloco muito no lugar de mulher. Para mim, seria a pior coisa que eu poderia sofrer na minha vida. [...] (P13, Enfermeira).

Medo

O medo foi outro sentimento expresso pelos profissionais em estudo que ocorria, principalmente, durante a coleta de informações sobre o caso de violência sexual. Esta coleta de informações é feita nos serviços de saúde com base nos relatos dos responsáveis pelas vítimas, na realização de exames laboratoriais, de imagem e anamnese. O medo também ocorria expressamente durante o ato de comunicar o diagnóstico (ou mesmo a suspeita dele) aos familiares das vítimas:

[...] o local sangrava e estava muito aberto. Ficamos receosas de fazer muita pergunta e a mãe reclamar na diretoria do hospital dizendo que estávamos perguntando demais, constrangendo-a! (P1, Técnica de enfermagem),

Ficamos com medo de dizer que existe suspeita de violência sexual porque, muitas vezes, a família ameaça a equipe (P19, Técnica de enfermagem).

Quando eu e a outra técnica fomos trocar a fralda dele e fazer higiene íntima, observamos que o ânus estava muito dilatado. [...] tivemos receio de dizer qualquer coisa acerca da suspeita e o pai reagir mal (P10, Técnica de enfermagem).

Indignação

As colaboradoras relatam indignação, revolta e desespero diante do atendimento às vítimas de violência sexual, seja ela criança ou adolescente. O sentimento é tão aflorado que, em alguns casos, rebelam-se contra o agressor:

[...] um menino de um ano e seis meses choroso, assustado. A médica constatou fissuras, queloides e sangramento no reto. Eu e a anestesista ficamos muito indignadas! (P2, Auxiliar de enfermagem).

[...] o parente mostrava a genitália, ameaçava ela [a adolescente] de morte caso ela contasse aos pais. Um absurdo! Eu estava torcendo para o agressor morrer! (P14, Enfermeira).

[...] era uma menina inocente, que nem sabia o que tinha acontecido com ela. Lacerou a genitália. O que mais me ressentia era por causa da mãe que, em momento nenhum, demonstrou raiva (P9, Técnica de enfermagem).

O [médico] anestesista ficou indignado! A equipe toda estava indignada! (P8, Técnica de enfermagem).

Sofrimento

As profissionais entrevistadas relatam que se sentiram tão impactadas diante dos casos de violência sexual infantojuvenil, a ponto de diversos membros da equipe apresentarem o choro como a principal expressão da emoção vivenciada (misto de revolta, tristeza, raiva, empatia com a vítima). O sofrimento das vítimas refletia e gerava sofrimento também nos profissionais durante o atendimento:

A criança tinha uns dois anos. [...] lesionou da genitália até o ânus. O médico chorava muito enquanto fazia a cirurgia. Eu me senti péssima! (P9, Técnica de enfermagem).

Eu e o cirurgião ficamos muito chocados, pois era uma criança de oito meses que chegou em estado muito grave, com lesões importantes no ânus e vagina. Fiquei muito abalada emocionalmente! (P25, Médica).

[...] são casos difíceis que envolvem o nosso sentimento. Depois do atendimento, me sinto esgotada, como se minha energia tivesse sido sugada (P27, Psicóloga).

Consternação

De forma recorrente, a imagem das vítimas e lembranças das suas histórias estão presentes nas memórias das profissionais, despertando o sentimento de consternação. Segundo as participantes, isso ocorria mesmo após ter passado um longo período em que prestaram assistência a estas crianças e/ou adolescentes:

Aconteceu há uns dois anos atrás e, até hoje, fica na minha mente quando essa criança chegou com a região perianal sangrando e foi para a sala de cirurgia [...] até hoje, todo mundo fica emocionalmente triste (P1, Técnica de enfermagem).

Cuidei de uma criança, que tinha menos de um mês de vida e foi a óbito. [...] em casa, eu só conseguia pensar nisso. Durante muito tempo, sempre que estava trabalhando, eu olhava para o leito e só pensava nela [...] e fica todo mundo muito triste com essa lembrança (P23, Auxiliar de enfermagem).

A mãe trouxe a menina para a emergência, ela suspeitava que o agressor era uma pessoa da família. [...] quando atendo casos de abuso sexual em crianças e adolescentes, levo um tempo processando essas histórias porque não tem como você não ficar muito mobilizada, triste, após atender um caso desse (P12, Assistente social).

Discussão

De acordo com os relatos das participantes, os sentimentos mais evocados foram: a empatia pelas vítimas; o medo de informar a suspeita de violência sexual, de direcionar o atendimento para este agravo e de ser retaliada; a indignação com relação ao fato ocorrido (violência sexual contra crianças e adolescentes) e com a inércia inesperada da família da vítima; o sofrimento diante dos casos clínicos e das situações de cuidado experienciadas; a consternação em relação à vítima, aos fatos relatados e ao cuidado prestado.

Estes achados alertam para a complexidade que se instaura no indivíduo envolvido no atendimento a crianças e adolescentes vitimizadas sexualmente. Embora a VSI esteja posta na sociedade e isto seja evidente em diversos estudos7Charak R, de Jong J, Berckmoes LH, Ndayisaba H, Reis R. Intergenerational maltreatment in parent-child dyads from Burundi, Africa: Associations among parental depression and connectedness, posttraumatic stress symptoms, and aggression in children. J Trauma Stress. 2021;34(5):943-54. https://doi.org/10.1002/jts.22735
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)-(12Marcolino EC, Clementino FS, Souto RQ, Santos RC, Miranda FAN. Social Representations of nurses on the approach to children and adolescents who are victims of violence. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29:e3509. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5414.3509
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, sua constatação na vida real ainda mobiliza as emoções de profissionais atuantes a ponto destes resgatarem em si sentimentos que podem levá-los à completa paralização ou dar início a ações de cuidado necessárias, processo que depende da percepção de mundo de cada um.

Segundo Morris, a percepção é uma espécie de mediador necessário às interações entre as pessoas20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. . Nesta perspectiva, para a prestação de cuidados, é preciso ter empatia, o que possibilita criação de laços de afeto, compreensão e reciprocidade afetiva. Isso porque, ao utilizar da empatia para prestar cuidados às vítimas infantojuvenis de violência sexual, os profissionais de saúde envolvem os sentimentos de fraternidade e compaixão, considerados importantes para o cuidado humano21Waldow VR. Cuidar: expressão humanizadora da enfermagem. Petropolis: Vozes; 2006.. A empatia é um sentimento que atribui ao indivíduo a capacidade psicológica de sentir o que sentiria a outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela19Kandel ER. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia das Letras; 2009.)-(21Waldow VR. Cuidar: expressão humanizadora da enfermagem. Petropolis: Vozes; 2006., o que ocorre por meio de interações.

Estudos nacionais e internacionais sobre a vivência de violência doméstica na infância e/ou adolescência apontam que, independentemente do tipo de violência e do número de ocorrências, as vítimas tiveram prejuízos físicos, emocionais e psíquicos. Em muitos casos, estes agravos resultam em complicações clínicas diversas, sofrimento intenso e consequente necessidade de atendimento especializado, que abarcam também seus familiares e alcançam status intergeracional7Charak R, de Jong J, Berckmoes LH, Ndayisaba H, Reis R. Intergenerational maltreatment in parent-child dyads from Burundi, Africa: Associations among parental depression and connectedness, posttraumatic stress symptoms, and aggression in children. J Trauma Stress. 2021;34(5):943-54. https://doi.org/10.1002/jts.22735
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),(11Rancher C, Are F, Goodrum NM, Smith DW. Longitudinal Predictors of Mother- and Child-Report of Maternal Support Following Child Sexual Abuse. Child Maltreat. 2022;28(1):76-84. https://doi.org/10.1177/10775595211061163
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),(22Conceição MM, Gomes NP, Whitaker MCO, Silva LS, Ferreira IQBP, Camargo CL. Signs and symptoms of children’s sexual violence: reports of health professionals. Rev Enferm UERJ. 2021;29:e57289. https://doi.org/10.12957/reuerj.2021.57289
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),(26Magalhães JR, Gomes NP, Estrela FM, Silva AF, Carvalho MR, Pereira A, et al. Meanings of family dynamics by men who reproduced domestic violence. Acta Paul Enferm . 2021;34:eAPE00803. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00803
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)-(27Marshall C, Fernet M, Langevin R. Intergenerational Continuity of Child Sexual Abuse: Comparison of Mother and Emerging Adult Dyads. J Child Sex Abuse. 2023;32(1):40-59. https://doi.org/10.1080/10538712.2022.2147888
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.

Assim, pode-se afirmar que a violência sexual ocasiona sofrimento às vítimas, seus familiares e à equipe de saúde. Neste tocante, a interação profissional-paciente é necessária à assistência e deve ser mediada pela empatia, importante instrumento de aproximação e acolhimento às vítimas e seus familiares20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. .

Corroborando a discussão, estudiosos25Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016. afirmam que é possível inferir que a interpretação das experiências vivenciadas pelas vítimas infantis possam ser ressignificadas na idade adulta. Esta possibilidade não exclui as entrevistadas, ou seja, a depender do histórico de vida pessoal de cada profissional e de como cada uma vivenciou (ou não) situações de violência na infância/adolescência, os significados atribuídos ao seu papel de cuidador podem estar comprometidos12Marcolino EC, Clementino FS, Souto RQ, Santos RC, Miranda FAN. Social Representations of nurses on the approach to children and adolescents who are victims of violence. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29:e3509. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5414.3509
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),(20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. ),(26Magalhães JR, Gomes NP, Estrela FM, Silva AF, Carvalho MR, Pereira A, et al. Meanings of family dynamics by men who reproduced domestic violence. Acta Paul Enferm . 2021;34:eAPE00803. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00803
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)-(27Marshall C, Fernet M, Langevin R. Intergenerational Continuity of Child Sexual Abuse: Comparison of Mother and Emerging Adult Dyads. J Child Sex Abuse. 2023;32(1):40-59. https://doi.org/10.1080/10538712.2022.2147888
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, o que pode ocasionar medo.

O medo de represália é sentimento comum entre profissionais que cuidam de vítimas da violência sexual. Este medo pode ser incrementado pela insegurança, esgotamento físico e emocional, falta de suporte adequado ao desempenho de atividades de cuidado e estresse, problemas laborais frequentes nos serviços de saúde nacionais e internacionais17Ribeiro CL, Maia ICVL, Souza JF, Santos VF, Santos JS, Vieira JLES. Nurses’ performance of trace preservation in sexual violence against women: an integrative review. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210133. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0133
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),(23Silva MS, Milbrath VM, Freitag VL, Gabatz RIB, Bazzan JS, Maciel KL. Care for chidren and adolescents victims of violence: feelings of professionals from a psychosocial care center. Esc Anna Nery . 2019;23(2):e20180215. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2018-0215
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),(28Wong AH, Sabounchi NS, Roncallo HR, Ray JM, Heckmann R. A qualitative system dynamics model for effects of workplace violence and clinician burnout on agitation management in the emergency department. BMC Health Serv Res. 2022;22(1):75. https://doi.org/10.1186/s12913-022-07472-x
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)-(29Nøland ST, Taipale H, Mahmood JI, Tyssen R. Analysis of Career Stage, Gender, and Personality and Workplace Violence in a 20-Year Nationwide Cohort of Physicians in Norway. JAMA Netw Open. 2021;4(6):e2114749. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.14749
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. Há de se ponderar que a violência sexual infantojuvenil pode despertar nos familiares sentimento de desespero e descontrole emocional a ponto de se insurgirem contra os profissionais durante o atendimento, como foi mencionado.

É certo que, em contextos violentos, toda a sociedade20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. , incluindo aqueles envolvidos nos cuidados a estas vítimas, sofre abalos. Como exemplo, na Atenção Primária à Saúde, profissionais circulam e se incorporam à comunidade em resposta à necessidade de enfrentar os diversos agravos por meio de estratégias como a notificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Sobre isto, estudo realizado em Recife, Pernambuco, revela que a sensação de ameaça pode desencadear o sentimento de medo, considerado impeditivo para a realização da notificação compulsória de violência infantojuvenil, embora os profissionais reconheçam sua efetivação como obrigação ética e legal30Muniz BAA, Dantas ALM, Santana MM. Notificação de violência infantojuvenil: percepção dos profissionais da Atenção Primária à Saúde. Trab Educ Saúde. 2022;20:e00620196. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs620
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.

Contudo, um estudo nacional com 242 trabalhadores de enfermagem revela que 20% e 59% destes profissionais denunciam ter sofrido, respectivamente, agressões físicas e verbais nos horários de labor31Tsukamoto AS, Galdino MJ, Robazzi ML, Ribeiro RP, Soares MH, Haddad MC, et al. Occupational violence in the nursing team: prevalence and associated factors. Acta Paul Enferm . 2019;32(4):425-32. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900058
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, experiência compartilhada por enfermeiros do quadro funcional de duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) no Paraná32Oliveira CS, Martins JT, Galdino MJQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2020;28:e3323. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
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. No âmbito internacional, estudo realizado na Suécia com 1.567 profissionais da saúde aponta prevalência de quase 25% de vivência de violência no local de trabalho33Stahl-Gugger A, Hämmig O. Prevalence and health correlates of workplace violence and discrimination against hospital employees - a cross-sectional study in German-speaking Switzerland. BMC Health Serv Res . 2022;22(1):291. https://doi.org/10.1186/s12913-022-07602-5
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, realidade similar àquela vivida por 769 médicos noruegueses, que aponta 20,3% de prevalência de múltiplas ameaças de violência nos quatro primeiros anos de atuação profissional29Nøland ST, Taipale H, Mahmood JI, Tyssen R. Analysis of Career Stage, Gender, and Personality and Workplace Violence in a 20-Year Nationwide Cohort of Physicians in Norway. JAMA Netw Open. 2021;4(6):e2114749. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.14749
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.

A idade média de 40 anos e o tempo de atuação profissional superior a 10 anos na área da saúde mencionados pelas participantes foram elementos importantes para a análise destes resultados. Em comparação, estudo desenvolvido na Noruega afirma que ter menor idade é fator associado à vivência de violência física por profissionais na prática laboral em saúde29Nøland ST, Taipale H, Mahmood JI, Tyssen R. Analysis of Career Stage, Gender, and Personality and Workplace Violence in a 20-Year Nationwide Cohort of Physicians in Norway. JAMA Netw Open. 2021;4(6):e2114749. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.14749
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, realidade que diverge desta pesquisa. No entanto, pode-se confirmar a hipótese de que os anseios das profissionais eram genuínos, visto que o medo de sofrer retaliações e de possíveis reações agressivas de parentes das vítimas não é um sentimento infundado.

Por outro lado, é possível que este medo tenha que ser superado durante a atuação profissional em prol da efetividade da assistência. Estudo revela que existem mecanismos de “construção de significado” usados por sobreviventes de abusos sexuais infantis, tais como mobilizar recursos sociais e contar com o alicerce da sociedade34Westhuizen MV, Walker-Williams HJ, Fouché A. Meaning Making Mechanisms in Women Survivors of Childhood Sexual Abuse: A Scoping Review. Trauma Viol Abuse . 2022;15248380211066100. https://doi.org/10.1177/15248380211066100
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. Estes dados alertam para a necessidade de profissionais da saúde estarem aptos a atuar como suporte social para as vítimas infantojuvenis, inclusive superando o medo mencionado.

Para além destes, a confiança mútua estabelecida entre os profissionais é a responsável por ampliar a percepção de segurança e melhorar o controle emocional da equipe. Desta maneira, é possível diminuir o estresse e aumentar a confiança mútua em um ciclo de reforço positivo28Wong AH, Sabounchi NS, Roncallo HR, Ray JM, Heckmann R. A qualitative system dynamics model for effects of workplace violence and clinician burnout on agitation management in the emergency department. BMC Health Serv Res. 2022;22(1):75. https://doi.org/10.1186/s12913-022-07472-x
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. Entretanto, a falta de tempo e a ausência de instrumentos legais que regulamentem as atribuições dos profissionais brasileiros, sobretudo a enfermagem, são desafios impostos nos cuidados às vítimas de violência sexual17Ribeiro CL, Maia ICVL, Souza JF, Santos VF, Santos JS, Vieira JLES. Nurses’ performance of trace preservation in sexual violence against women: an integrative review. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210133. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0133
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, podendo, em consequência, contribuir para ampliar o sentimento de insegurança durante o cuidado.

Embora não tenha sido resultado deste estudo, o medo da responsabilidade legal com relação ao processo judicial que se pode instaurar após a denúncia de violência sexual também é um sentimento que acomete enfermeiros que cuidam das vítimas4Ministério da Saúde (BR), Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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),(17Ribeiro CL, Maia ICVL, Souza JF, Santos VF, Santos JS, Vieira JLES. Nurses’ performance of trace preservation in sexual violence against women: an integrative review. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210133. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0133
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. Talvez isto decorra da ausência de instrumentos legais que regulamentem suas atribuições e seu papel na cadeia de custódia das provas17Ribeiro CL, Maia ICVL, Souza JF, Santos VF, Santos JS, Vieira JLES. Nurses’ performance of trace preservation in sexual violence against women: an integrative review. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210133. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0133
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, o que está relacionado à falta de abordagem temática durante a formação e estimula futuros profissionais a atuarem na linha de frente de cuidados a pessoas que sofreram violações sexuais35Daily KP, Loftus T, Waickman C, Start AR, Fernandes AK. Beyond the Protocols: A Team-Based Learning Intervention Improving Student Knowledge and Confidence on Caring for Survivors of Sexual Assault. Acad Psychiatry. 2021;96(11S):S181-S183. https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000004294
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.

Para além da formação acadêmica, a depender do convívio social destes profissionais, da simbologia atribuída à violência sexual e de como esses profissionais demonstram seus sentimentos, a forma de reagir frente à necessidade de cuidar da vítima pode apresentar nuances. Para os interacionistas como Morris, as experiências sociais influenciam as reações das pessoas, podendo ser as responsáveis (ao lado da construção social) pelas ações dos indivíduos frente às situações vivenciadas20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. . Portanto, o medo relatado pode ocasionar o sentimento de despreparo do profissional para atuar no cuidado à vítima, dificultar processos como a notificação e a denúncia, embora eles demonstrem indignação quando identificam este tipo de agressão contra crianças e adolescentes. Possivelmente, esta indignação está relacionada à capacidade que o indivíduo como ser social tem de se colocar no lugar do outro, como revela Morris20Morris CW, organizator. Mente, self e sociedade. Aparecida: Idéias & Letras; 2010. , ou simplesmente transferir a responsabilidade, como denunciam profissionais atuantes nos diversos níveis de assistência no Brasil12Marcolino EC, Clementino FS, Souto RQ, Santos RC, Miranda FAN. Social Representations of nurses on the approach to children and adolescents who are victims of violence. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29:e3509. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5414.3509
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. Desta maneira, a indignação é resposta sentimental e está relacionada ao crime - significado atribuído a este tipo de violência para profissionais da saúde, embora possa não ser elemento impulsionador de ações de cuidado.

Portanto, infere-se que as reações diante do atendimento às vítimas ocasionaram sofrimento intenso e aflorado entre os profissionais, bem como contribuíram para tornar os fatos vivenciados inesquecíveis, mesmo quando ocorreram há muitos anos. Ademais, gatilhos emocionais impulsionados a partir das memórias vividas podem ser os responsáveis pela consternação mencionada.

Aliás, o atendimento a vítimas de violência sexual foi apontado como uma situação que marca e choca toda a equipe. Apesar de difícil, a atuação profissional está embasada em prerrogativas legais (pois consta nos códigos de deontologia, no ECA), abarca a notificação e a denúncia dos casos suspeitos/identificados, ações que, se negligenciadas, geram penalidades, como multas3Digiácomo MJ, Digiácomo LA. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado [Internet]. Curitiba: MPEPR; 2020 [cited 2023 Mar 09]. Available from: Available from: https://escolasuperior.mppr.mp.br/arquivos/Image/publicacoes/ECA_2020.pdf
https://escolasuperior.mppr.mp.br/arquiv...
. Estes avanços na saúde brasileira definem a condução a ser tomada por profissionais no atendimento às vítimas, situação plenamente sistematizada com orientações explícitas4Ministério da Saúde (BR), Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2023 Mar 11]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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, quando se compara com situação oposta, como a organização e fluxo de registros do sistema de saúde da Arábia Saudita13Alsaleem SA, Alsaleem MA, Asiri AM, Alkhidhran SS, Alqahtani WSS, Alzahrani MS, et al. Knowledge and attitude regarding child abuse among primary health care physician in Abha, Saudi Arabia, 2018. J Fam Med Prim Care. 2019;8(2):706-10. https://doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_442_18
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.

O desenvolvimento de processos formativos que visem qualificações para a condução do processo de cuidar destes casos é alicerce no preparo emocional de profissionais. Pesquisas confirmam que qualificar profissionais através da inserção de conteúdos na formação acadêmica ampliam a possibilidade de estes implementarem políticas públicas pré-existentes17Ribeiro CL, Maia ICVL, Souza JF, Santos VF, Santos JS, Vieira JLES. Nurses’ performance of trace preservation in sexual violence against women: an integrative review. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210133. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0133
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),(35Daily KP, Loftus T, Waickman C, Start AR, Fernandes AK. Beyond the Protocols: A Team-Based Learning Intervention Improving Student Knowledge and Confidence on Caring for Survivors of Sexual Assault. Acad Psychiatry. 2021;96(11S):S181-S183. https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000004294
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, ainda que esta não seja uma constatação em um estudo asiático com 300 médicos13Alsaleem SA, Alsaleem MA, Asiri AM, Alkhidhran SS, Alqahtani WSS, Alzahrani MS, et al. Knowledge and attitude regarding child abuse among primary health care physician in Abha, Saudi Arabia, 2018. J Fam Med Prim Care. 2019;8(2):706-10. https://doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_442_18
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. Por outro lado, o uso de ferramenta interativa promove a assistência segura às vítimas de violência sexual, reduz o sentimento de impotência do profissional e dá suporte ao raciocínio clínico necessário à execução do processo assistencial de saúde18Alves OM, Primo CC, Tavares FL, Lima EF, Leite FM. Technology to support nursing care for women in situations of sexual violence. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE001085. https://doi.org/10.37689/actaape/2021AO001085
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.

Diante destes resultados, é plausível que os responsáveis pelo programa de saúde ocupacional das instituições precisem investigar sinais e sintomas relativos ao estado mental de profissionais que atuam em serviços de atendimento a vítimas de violência sexual, considerando os impactos negativos acima mencionados. Ainda, estes profissionais necessitam de intervenções contínuas, a curto, médio e longo prazo, a fim de promover ações que reduzam os riscos de desenvolver transtornos mentais leves, moderados e com repercussões de maior gravidade.

Recomenda-se a realização de outros estudos sobre esta temática, que utilizem outras metodologias. Também sugere-se que o presente estudo seja replicado em outros contextos como da educação (creches, escolas), em serviços de saúde (da atenção primária, serviços especializados e maternidades), serviços da segurança pública, e na proteção à infância e adolescência, e justiça (como Conselho Tutelar, Delegacias Especializadas, Ministério Público, e Defensoria Pública), bem como com outros grupos sociais (profissionais da segurança pública, professores e cuidadores informais) para fins de confrontar os resultados aqui obtidos e verificar semelhanças e/ou diferenças.

Este estudo limita-se a desvelar sentimentos de mulheres profissionais que atuam em um serviço hospitalar de saúde. Entretanto, estes resultados são passíveis de generalização, posto que se trata de uma temática que ocasiona mobilização emocional de forma global em sociedades ocidentais, organizadas moralmente à luz de condutas que orientam a proteção e o direito de crianças e adolescentes. Ademais, o estudo é passível de replicação, visto que se recorreu a uma teoria social e rigor metodológico para assegurar resultados fidedignos.

Conclusão

Empatia, medo, indignação, sofrimento e consternação são sentimentos expressos pela equipe no atendimento às vítimas de violência sexual infantojuvenil. A ênfase destes sentimentos torna a experiência de cuidar destas vítimas uma vivência difícil, marcante e que mobiliza sentimentos que podem interferir na efetividade dos cuidados prestados.

Este estudo reflete a realidade de profissionais que prestam assistência às vítimas de violência sexual, portanto, recomendamos seu uso para qualificar profissionais que possam lidar com situações semelhantes. Ademais, o estudo poderá nortear a formação em saúde acerca da temática, motivar a efetivação de políticas públicas vigentes, tal qual a oferta de acompanhamento psicológico para a equipe de saúde responsável pelo cuidado às vítimas, como preconiza o Ministério da Saúde.

Agradecimentos

Agradecemos às pesquisadoras colaboradoras na coleta e tratamento de dados na condição de acadêmicas de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia: Maria Luísa Nascimento dos Santos, Larissa Pereira Ramos, Edsângela Thalita Passos Barreto e Carolina de Jesus Santos.

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  • *
    Artigo extraído de dissertação de mestrado “Violência sexual infantojuvenil: percepções de profissionais de saúde”, apresentada à Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.

Editado por

Editora Associada:

Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2023
  • Aceito
    24 Mar 2024
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